Volume 03: Demon Deathchase — Capítulo 19: O Fim da Viagem
Parte 1
Enquanto o encontro mortal entre D e Caroline se desenrolava no antigo campo de batalha, a carruagem preta de Mayerling estava estacionada na margem de um lago a cerca de sessenta quilômetros de distância, em linha reta. O céu estava claro e azul, as árvores à beira do lago se beneficiavam da água abundante, e arco-íris pareciam brotar de cada folha e galho. Ao longe, uma cordilheira azul, coberta de neve branca, estendia-se até onde a vista alcançava, e pássaros dourados sobrevoavam os picos. Em termos de paisagem, era um quadro verdadeiramente belo e plácido.
Enquanto dava água aos cavalos na margem do lago, uma expressão séria surgiu no semblante perverso de Mashira, como se ponderasse algo. Ele estava assim desde pouco antes, quando se separara de Caroline. Agora, esperando o cavalo terminar de beber, parecia estar olhando com atenção para o rosto feio refletido na água. Por fim, após alguns minutos de concentração absorta, murmurou.
— Certo. — e bateu palmas. Em seguida, abaixou-se para colher algumas das flores brancas que desabrochavam na margem. Ao começar a caminhar em direção à carruagem estacionada um pouco mais adiante, uma expressão benevolente, estranhamente livre de preocupação, surgiu em seu rosto.
Seu punho bateu em uma janela com as persianas bem fechadas, e uma voz pelo interfone respondeu com um tom inquisitivo.
— Sim?
Ao ouvir essa encantadora voz plangente, parou de lamber os lábios sem sequer se dar conta e, em um tom amável, respondeu.
— Estive pensando se você não gostaria de abrir a janela e respirar um pouco de ar fresco. O céu está azul, a água cristalina e todo o lugar está repleto do doce aroma das flores. Embora o senhor Mayerling esteja dormindo, acredito que não tenha nada a temer enquanto eu estiver por perto.
Não houve resposta. Atrás da janela, ela devia estar hesitando.
Talvez vislumbrando uma faísca de esperança, Mashira disse no tom mais animado que pôde.
— Veja como as flores são lindas. O chão está todo coberto por elas. Se está tão preocupada, basta abrir a persiana e apreciar a cor delas, se quiser.
Houve silêncio de novo e, justo quando estava decidindo que seu plano não funcionaria, o obturador preto se abriu devagar. Vendo seu rosto inocente espiando em silêncio como uma flor-da-lua, Mashira sorriu por dentro.
Como posso fazê-la sair? Essa era a pergunta que o atormentava desde antes de chegarem ao lago. Ele havia considerado várias opções, porém, no fim, decidiu explorar os sentimentos que a garota teria como uma jovem humana. Mesmo que estivesse com o namorado, mesmo que este tivesse dito expressamente para que não saísse, não havia como uma jovem de sua tenra idade não querer respirar ar fresco depois de ficar confinada em uma carruagem por dias. Afinal, a escuridão não era lugar para um humano viver. Desde que Mashira assumira o lugar de Mayerling nas rédeas ao amanhecer, planejava usar a humanidade da garota a seu favor. Planejando com antecedência, tirou a carruagem da estrada e a conduziu até este local remoto.
— Diga, o que você acha disso? — Mashira colocou o buquê de flores que havia escondido atrás das costas contra o vidro da janela.
Os olhos da garota ficaram terrivelmente embaçados, e sua mão branca se estendeu. Ela bateu no vidro da janela em vão.
— O que está esperando? Qual o problema em apenas sair para tomar um pouco de ar fresco? — nesse momento Mashira se tornou ainda mais empático. — As flores estão desabrochando, os pássaros estão cantando, e quando este lugar penetrar em seus poros e te deixar ainda mais feliz, o senhor Mayerling com certeza me agradecerá pelo trabalho bem feito. E, claro, a bolsa do nosso contrato também poderá ganhar um pouco de peso. Pense nisso, se quiser, como sua maneira de ajudar um pobre guarda-costas.
As sobrancelhas da garota se franziram em reflexão. Em menos tempo do que levou para respirar, suas pupilas brilharam e a maçaneta da porta girou. A garota desceu para o prado, e a escuridão do interior foi dissipada pela luz do sol.
Sua bela presa enfim caiu na armadilha. Segurando-a delicadamente pela mão, Mashira a conduziu até a margem.
— É tão lindo! — exclamou a bela jovem, provando que de fato era uma habitante do mundo da luz do dia. Onde as pequenas ondas invadiam a margem, a garota se ajoelhou e estendeu a mão para tocar a superfície do lago. Ondulações se espalharam, obscurecendo seu rosto deslumbrante. Retirando a mão que havia mergulhado até o pulso na água, procurou um lenço para enxugar o rosto. A superfície do lago voltou à calma.
Mashira estava logo atrás. A frente de seu casaco cinza estava aberta. Talvez a garota tenha vislumbrado algo lá dentro, porque congelou sem dizer uma palavra. Quando por fim se virou e as mãos de Mashira a agarraram pelos ombros, algo marrom e tubular se estendeu entre seus abdomens com uma velocidade profana... Para fora do ventre de Mashira em direção à garota. A garota se contorceu, entretanto as mãos de Mashira não a soltaram. Seu corpo bem torneado foi empurrado para dentro da vegetação rasteira sem nenhum esforço.
— O que está fazendo? Me solta!
— Não posso fazer isso! — disse Mashira, agarrando a mão que a garota usava como alavanca contra seu queixo e torcendo-a para cima. — Eu sou louco por você. — continuou. — E a farei ser minha. Se apenas aceitar, não precisa se machucar. Vou cuidar daquele tolo do Mayerling também.
— Do que está falando? Me solta. Se não me soltar...
— O que vai fazer? No meio da floresta assim, pode gritar, porém ninguém vai vir. Agora, por que nós dois não nos conhecemos melhor...
Uma boca ardendo de desejo tentou se fechar sobre seus lábios, que tremiam de medo e raiva. Foi então que um intenso tiroteio ressoou. Quando Mashira ergueu a cabeça bruscamente, sentiu uma dor lancinante na mandíbula e na virilha.
Grunhindo enquanto o empurrava para longe, a garota se levantou rápido. Atrás da carruagem, avistou o que parecia ser um caçador com um rifle ainda fumegante jogado sobre o ombro. Afinal, havia alguém por perto.
A garota correu em direção à carruagem. O caçador a interceptou. Sombras inquietantes se agarravam ao seu rosto barbudo e desgrenhado.
— Moça, o que diabos é você? — perguntou ele.
— Como é?
— Não se faça de desentendida. Esta carruagem deve pertencer à nobreza. Por que diabos está tentando entrar nela?
— A verdade é...
Enquanto a garota hesitava, o caçador soltou uma risada vulgar em sua direção. De repente, agarrou seu queixo com uma das mãos. Com sua força considerável, o homem expôs primeiro um lado do pescoço da garota, depois o outro.
— Sem ferimentos... O que significa que se envolveu com um nobre por conta própria, não é? Sua pequena traidora. Depois que me livrar daquele desgraçado, vou te ensinar uma coisa ou duas. E quando conhecer o toque de um homem de verdade, vou te mandar para se juntar ao seu sanguessuga.
Um vento incrivelmente forte soprava na cabeça da garota. Este homem também quer me fazer mal, pensou ela. No momento em que coloco os pés para fora da carruagem, encontro uma desgraça atrás da outra.
Ah, se eu tivesse ficado com meu amor...
— Tire as mãos da garota! — ela ouviu Mashira dizer em voz baixa, embora clara. Ainda sentindo a dor do golpe na virilha, este permaneceu um tanto curvado enquanto se aproximava. Seu olhar havia mudado. Estava tão enfurecido agora que quase nada restava de sua expressão. — Tire suas mãos imundas da garota! — repetiu.
— Hah! Se acha que pode me obrigar, tente. — o caçador riu com desdém. — Acho que as chances são boas de que você seja apenas um vagabundo que encontrou essa garota como eu, contudo tentar estuprá-la aqui foi um planejamento péssimo. Todavia vou garantir que ela desfrute de uma vez também. Agora, vá para o inferno. — e, dizendo isso, ele jogou a garota no chão na direção oposta à da carruagem e pegou o rifle de pólvora de grosso calibre com a mão esquerda.
— Espere só um... — Mashira começou a dizer, no entanto com um estrondo explosivo como uma martelada atingindo uma placa de aço, um enorme buraco se abriu bem no meio de seu coração. Seu corpo curvado foi arremessado para trás por mais de dois metros. Um grito escapou da garota, e o ar ficou nublado por uma névoa vermelha.
— Muito bem, agora vou lidar com você! — gargalhou o caçador. — Depois de me divertir bastante, vou arrastá-la de volta para a cidade para que todos vejam. — e com isso, o caçador se virou, e uma expressão alarmada surgiu em seu rosto. O rosto da garota estava tomado por um olhar de puro terror. Seguindo o caminho que seus olhos haviam percorrido, agora era o caçador quem congelava.
Mashira vinha em direção aos dois. Coberto de sangue, com um buraco enorme no peito, onde havia sido atingido pelo projétil de grosso calibre. Não havia necessidade de ver como seus olhos haviam perdido o brilho quando o rosto sem sangue era o de um cadáver. O jeito como andava era rígido. Quase como se fosse algo que não estivesse acostumado a fazer... O caçador gritou alguma coisa. Seu rifle pareceu uivar em resposta.
A cabeça de Mashira explodiu como uma melancia. É bem possível que seus passos tenham se tornado mais rápidos naquele momento porque sua carga havia acabado de ficar muito mais leve.
O caçador não conseguia se mover. Os nervos que impulsionavam seu corpo haviam definhado quando o rifle em que depositava tanta confiança se mostrou ineficaz.
As mãos do homem sem cabeça se estenderam e agarraram os ombros poderosos do caçador.
— Sabe, estava começando a me acostumar com este corpo. Agora vou tomar o seu, seu desgraçado. — não houve tempo nem para perceber como aquela voz tão diferente da de Mashira reverberava de sua barriga antes que algo como um tubo marrom afundasse no abdômen do caçador, emergindo do mesmo ponto no cadáver ambulante. Vários segundos se passaram. Para a garota, foi uma eternidade de pesadelo.
— Hehehe... A transferência está completa! — disse a voz de sua nova barriga. A barriga do caçador.
Sem perder tempo observando o cadáver sem cabeça cair no chão, a garota, que há muito havia atingido seu limite de horror, deu um grito e correu para a floresta. Embora o caçador a seguisse com o olhar, por algum motivo não a perseguiu.
— Não adianta tentar fugir! — debochou. — Porém eu só lhe dei um pouco de mim, então ainda não estamos prontos para começar. Acho que posso muito bem brincar de esconde-esconde. — murmurou, começando a segui-la em um ritmo acelerado.
Quando o último pedaço de carne enlatada foi guardado com segurança em seu estômago, Kyle jogou a lata vazia na rua. O cilindro farfalhou oco por alguns quiques e então, enquanto pairava no ar por mais um, um clarão prateado o dividiu em dois antes de voltar rapidamente para a cintura de Kyle.
Era a rua principal da cidade fantasma. Kyle estava sentado na beira do calçadão que se projetava da frente do bar. Quando a chuva encharcava ruas como essa, o lamaçal podia dificultar a travessia de pedestres.
Estacionado em frente à farmácia, o ônibus abriu a porta e Borgoff colocou a cabeça para fora. Seu semblante parecia tenso.
— O que quer fazer, mano? — perguntou Kyle, levantando-se.
Borgoff fez uma cara preocupada.
— Grove teve outro ataque. — disse ele, olhando para o céu. — Um bem forte dessa vez. Seu coração pode não aguentar.
— Isso não é bom. Ainda podemos precisar que ele de uma ajuda mais uma vez se algo acontecer. — com uma risada rouca, acrescentou. — Talvez eu e a Leila tenhamos pegado pesado demais com o coitado.
— Seu idiota! — Borgoff berrou, com o rosto sério, contudo logo cruzou os braços e assumiu uma expressão melancólica. — Claro, você não deve estar muito errado. Quer dizer, sabíamos que não era bom para a sua saúde forçá-lo a mandar o outro eu para fora daquele jeito. — murmurou.
— Enfim, vamos indo. — disse Kyle. — Vamos perder a luz do dia se ficarmos aqui esperando a maldita Leila. O Nobre está indo mais rápido do que pensávamos.
— Sim! — respondeu Borgoff, embora seu rosto estivesse sombrio.
Este clã cruel sempre conseguira se livrar não só das presas que caçavam, como também de seus concorrentes. No entanto agora eles haviam perdido o irmão Nolt, Leila não havia retornado e até mesmo Groveck, acamado, estava à beira da morte.
O fato de Leila não ter retornado não significava necessariamente que havia sido morta, entretanto, considerando a força de seus inimigos, os irmãos não podiam ter certeza. Pior ainda, Borgoff nutria outro medo em relação à sua irmãzinha. Que ela tivesse se apaixonado por D.
Quando resgataram a irmã após esta ter se ferido em seu primeiro confronto com o Nobre, todos os fragmentos de estilhaços já haviam sido removidos de seus ferimentos, e Leila descansava em paz. Perguntaram quem a havia socorrido, mas ela disse que não se lembrava. Com certeza não tinha sido o Nobre. O que significava que tinha que ter sido D. Na verdade, havia sinais de que outras duas pessoas haviam se enfrentado perto de onde encontraram Leila. Ela não mencionou nada disso. Porém, dado o temperamento da irmã, não era inconcebível que guardasse segredo. Afinal, D era alguém que iriam eliminar. O fato de ter salvado sua vida seria pura humilhação.
Contudo, Leila não parecia nem um pouco mortificada. E isto era só o começo. Sua expressão era de dor mesmo enquanto traçavam estratégias juntos, e parecia tomada por um estranho cansaço. O clã deles não era tão fraco a ponto de fazer um grande alarde a respeito, todavia o seu estado parecia não ter nada a ver com exaustão física. Considerando todos os fatos, Borgoff percebeu que sua irmã só demonstrava esses sinais quando discutiam o que fazer em relação a D. Juntando as peças, chegou a uma conclusão: Bingo!
Entretanto, no fundo do seu coração, havia um pensamento do qual Borgoff não conseguia se livrar, por mais incomparável que fosse como Caçador de Vampiros... A questão de se de fato fora D quem salvara Leila. Naquele momento, D devia saber com certeza que o clã Marcus deveria ser considerado seu inimigo. Ao que tudo indicava, não era o tipo de homem que pegava leve com nenhum oponente armado, mulher ou não. Mesmo que metade do que as pessoas diziam sobre as habilidades de D, suas batalhas e a lista de inimigos que havia matado pudesse ser descartado como conversa fiada, o restante era suficiente para fazer Borgoff sentir um arrepio na nuca. Ele, de todas as pessoas, havia salvado Leila? Borgoff achava difícil de acreditar. E foi por essa razão que não tentou impedir sua irmã de sair em reconhecimento naquela manhã.
Borgoff dissipou o emaranhado de ideias.
— Vamos! — chamou. — Se Leila estiver bem, lançará um sinalizador ou entrará em contato conosco de alguma forma.
Os dois voltaram para o ônibus. Kyle sentou-se ao volante, enquanto Borgoff foi para o quarto. Não se ouvia um único suspiro vindo da cama de Groveck. Encolhido e seco como uma múmia, você poderia encostar o ouvido em seu peito imóvel e nem sequer ouvir uma batida cardíaca. Naquele momento, aquele Groveck estava de fato morto.
Quando Borgoff olhou para o corpo sem vida de seu irmão mais novo, uma expressão de dor e humanidade surgiu em seu rosto extremamente feroz, e então o ônibus tremeu um pouco ao começar a se mover.
Parte 2
Duas mulheres caminhavam pela floresta. Uma delas, uma loira deslumbrante e curvilínea, vestindo um vestido azul, adentrou a floresta com os olhos fixos em um ponto à sua frente. A outra, vestida com uma camisa clara e calças, parecia estar apenas dando um passeio na mata, no entanto de vez em quando parava para verificar o chão ou observar como a vegetação estava rasteira antes de seguir adiante. Embora seus olhos estivessem constantemente percorrendo a floresta, não parecia estar nem um pouco perdida. Os olhos de ambas as mulheres buscavam a mesma coisa. O jovem Caçador de Vampiros, indefeso em seu túmulo improvisado.
Leila parou e enxugou o suor da testa. Depois de fritar a mão colossal que Caroline controlava, ela foi direto atrás de D. Não tinha um motivo específico para fazê-lo, mas, a julgar pela forma como este fugiu, era evidente que havia algo de errado com ele. Não era típico do grande D quase ser morto por uma mulher, não importa que tipo de aberração fosse. Só conseguia pensar em uma razão para isso... Síndrome da luz solar.
Se fosse o caso, teria fugido para a floresta, em busca da Mãe Terra. Era fácil seguir as pegadas. Até encontrou o local onde ele havia entrado na mata. Foi aí que os problemas começaram. O carro de combate não conseguia passar.
Sem remorso, Leila deixou seu precioso veículo para trás.
Não tinha certeza do que Caroline faria, porém, a julgar pela força da mulher em comparação com a dos irmãos de Leila ou de D, e considerando o quanto havia se esforçado para se livrar do dampiro antes, havia sem dúvida uma grande chance de que estivesse determinada a matar D agora. Além do mais, a mulher Barbarois possuía poderes estranhos. Poderia já ter chegado a D antes de Leila. Era tão fácil matar um dampiro sofrendo da síndrome da luz solar que as habilidades sobre-humanas que eles demonstravam em sua profissão pareciam um sonho distante.
Com um dardo na mão e a pistola de prata presa ao cinto, Leila entrou na floresta. As pegadas estavam desaparecendo rápido, cobertas por musgo que crescia. Tudo o que lhe restava eram os instintos que refinara em sua vida como Caçadora. A questão era: isso seria suficiente para torná-la páreo para a mulher Barbarois? Agora que Leila havia abandonado seu amado carro de combate, não passaria de uma garota humana comum para Caroline.
Virando à direita por alguns metros, de repente chegou a uma clareira. Viu o cavalo amarrado ao galho de uma árvore próxima. D jazia meio enterrado na terra aos pés do cavalo. Contendo um grito de alegria, ela chutou o musgo enquanto se aproximava.
Não havia nada de anormal. Seu belo semblante, que foi suficiente para lhe causar arrepios mesmo à distância, era sábio e severo, e suas pálpebras estavam fechadas como se estivesse em profunda contemplação.
Os ombros de Leila caíram. Algo quente escorreu por suas pálpebras, para sua grande surpresa. A última vez que havia chorado era uma lembrança distante. Parecia se lembrar de enxugar as lágrimas ao lado de uma anciã ensanguentada cujo rosto não conseguia se lembrar claramente até agora.
Quem teria sido? Ela se perguntou.
Enxugando as lágrimas com força, Leila se recostou sobre o corpo coberto de terra de D.
Estava tão frio. O frio que sentia não vinha da terra. Era a temperatura corporal do Caçador. Quando Kyle a encontrou depois que foi ferida em sua batalha com o Nobre, este lhe disse que Leila teria morrido ali se alguém não a tivesse mantido aquecida. Claro que não havia nenhum aquecedor por perto. D a manteve aquecida.
Não era como se nunca tivesse tido sentimentos por ninguém antes. Já havia recebido várias propostas de casamento. Todavia todos os seus pretendentes a abandonaram quando descobriram seu sobrenome. Todos, menos um. Leila o espantou. Porque, naquela noite, ela havia sido violentada por seus irmãos.
— Não vamos deixar você ir a lugar nenhum. — disse Borgoff. Nolt sussurrou para ela que desejava tê-la há muito tempo. Kyle se entregou ao ato sem dizer uma palavra. Assim que os outros três se afastaram e o corpo quase mumificado de Groveck a montou, algo na alma de Leila se dissipou. E desde então, se tornou uma assassina mais fria do que nunca.
Porém agora aquele algo especial havia retornado.
— Você me salvou! — Leila sussurrou para o homem lindo e imóvel. — Desta vez, vou te proteger. Vou te defender com a minha vida.
Uma presença estranha se movia pela floresta. Verificando se a trava de segurança de sua pistola de prata estava desativada, Leila pegou o dardo e deixou o espírito guerreiro dominá-la. Seu corpo se ergueu.
Ele estava deitado em uma colina de puro verde. Como raramente conseguia sair, cada vez que saía, por mais breve que fosse, era pura felicidade. A alegria borbulhava como uma fonte em seu coração. Rajadas suaves de vento, raios de sol, o aroma de tufos densos de grama nova, a cordilheira azul estendendo-se até a eternidade... Tudo aquilo o fazia perceber o prazer que era estar vivo. Isso sim é viver! Pensou ele.
Era Groveck, ou melhor, o “espírito” de Groveck que havia escapado do corpo doentio deixado no ônibus Marcus. O som de passos vinha da floresta atrás. Ao se virar viu uma garota correndo em sua direção. O medo em seu semblante estragou seu humor. Justo quando estava se divertindo.
— Socorro! Por favor, me ajude! — gritou a garota, circulando atrás de Groveck.
Ele ficou perplexo. Sua especialidade era fazer as pessoas fugirem de sua presença, não correrem em sua direção. Contudo o motivo pelo qual a garota dissera o que dissera logo ficou evidente. De dentro da mata surgiu um homem armado com um rifle grande, pelo visto um caçador.
O caçador olhou ao redor inquieto, no entanto logo o avistou, junto com a garota. O caçador aproximou-se com passos firmes. Grove ouviu gritos de medo vindos de suas costas.
Pela primeira vez na vida, sentiu algo sem precedentes agitar-se em seu coração. O outro homem parou a cerca de um metro de distância e apontou o cano do rifle em sua direção.
Grove ficou um pouco surpreso. Cada centímetro do corpo do caçador transbordava hostilidade e autoconfiança. Embora nunca tivesse visto aquele outro homem antes, parecia que o caçador sabia quem ele era.
— O que você quer? — tentou perguntar, entretanto o outro homem pareceu não o ouvir, e nenhum músculo se moveu em seu rosto. Era sempre assim. Desistiu da comunicação convencional.
— Me de a garota! — ordenou o homem. Sua voz era fria. Qualquer tolo poderia imaginar o que aconteceria, quer obedecesse ou não à ordem do caçador.
— Se não quiser, tudo bem. — acrescentou o caçador. — Quer dizer, não é como se eu fosse te deixar viver de qualquer maneira. No entanto é estranho encontrá-lo aqui.
Grove inclinou a cabeça. Apenas não conseguia se lembrar de quem era aquele outro homem. Seu oponente, porém, teve a gentileza de lhe dar a resposta.
— Mas então, você não me reconheceria neste estado, reconheceria? — o caçador zombou. — Eu fazia parte do trio ali perto da carruagem quando você se infiltrou na aldeia dos Barbarois.
Ao saber disso, Grove ficou ainda mais perplexo. Conseguia, de fato, se lembrar do trio em questão. Todavia, aquele homem de meia-idade, o jovem de pele negra como azeviche e a bela esbelta moça eram todos bem diferentes do caçador que agora estava diante de seus olhos.
— Ah, é verdade... Ainda não te mostrei meu verdadeiro rosto. Aquele que viu antes, e este que tenho agora, não passam de hospedeiros temporários. O meu verdadeiro eu é assim!
E com isso, o caçador levantou a camisa com uma das mãos.
Grove deixou a boca aberta. Não havia nada na barriga do caçador. Quando a garota deu um suspiro, foi como o sinal para a transformação. Enquanto observavam, uma série de sulcos profundos, que não podiam ser chamados de rugas, percorriam a barriga anormalmente protuberante do caçador, e então o que parecia um rosto humano surgiu da superfície, mostrando um pequeno nariz, lábios como pedaços roxos de carne e olhos que se arregalaram. As pontas dos dentes amarelos que se espalhavam pelos lábios retorcidos formavam pontas semelhantes a presas. Era um tumor... Um tumor que tinha um rosto como o de uma pessoa e vida própria. O corpo do caçador não passava de um receptáculo para se mover.
— Surpreso, garoto? — perguntou o tumor. — Este sou eu de verdade. Tenho pulado de corpo em corpo por quinhentos anos. Vai precisar de muito mais do que seus truques para me derrotar.
Por fim, Grove entendeu a situação. A hostilidade inundou seu coração. Talvez isso transparecesse.
— Vamos deixar uma coisa bem clara! — riu o tumor. — Se tentar soltar seus raios, atiro e a garota atrás de você também morre. Entendeu?
Por um momento, Grove ficou perplexo.
O tumor abdominal acrescentou.
— Claro, a garota não está exatamente em perfeita forma agora. Deveria dar uma boa olhada na barriga dela.
O rumo estranho da conversa desviou a atenção de Grove para trás. Antes que o som estrondoso do tiro pudesse alcançá-lo, ele foi atingido no peito pelo calor e por um forte impacto. Voando para trás, viu o céu azul. Parecia que seu inimigo havia mirado para longe da garota. Nunca teve a intenção de acertá-la.
Sem nem mesmo olhar para o oponente caindo para trás em meio a uma névoa sangrenta, o caçador... Isto é, o furúnculo de semblante sinistro, sorriu para a garota.
— Certo! — disse ele. — Venha até mim agora. Se aquele desgraçado do Mayerling sair por aí, vai ter que se ver comigo. Veja bem, não posso fazer nada com o seu caixão. Então, quero ir o mais longe possível daqui antes que anoiteça.
Uma expressão de alívio surgiu na garota. Percebendo naquele momento que estava preocupada com a segurança de Mayerling, a expressão do furúnculo de semblante sinistro... Ou Mashira, se inundou de raiva.
— Hah, você está sendo tão cruel! — gritou, dando um passo em direção a garota. Entretanto, do fundo do estômago, ou literalmente do meio do abdômen, escapou um suspiro de espanto. O jovem estava se levantando, em uma perfeita condição, sem um único buraco de bala ou respingo de sangue. — Seu filho da puta! — bramou o furúnculo de semblante carrancudo. Agora percebeu o que o jovem era na verdade.
O mundo estava branco como a neve. Num piscar de olhos, raios de luz vindos do nada atingiram em cheio o abdômen do caçador. Chamas subiram dele, o cheiro de gordura derretida impregnou o ar, e o caçador caiu no mato com um baque surdo.
Era quase como se os nervos que suportaram esse confronto verdadeiramente sobrenatural enfim tivessem se desgastado e se rompido. A garota começou a cair como uma marionete cujos fios haviam sido cortados. Grove a amparou com cuidado.
Quando a figura que ergueu a garota com facilidade desceu a colina com ela e sumiu de vista, uma voz grave pôde ser ouvida ao redor dos tornozelos do cadáver ainda em chamas.
— Ora, veja só! — disse a voz. — Era mais ou menos o que eu esperava de alguém do clã Marcus. Agora que vi seus poderes em primeira mão, não consigo deixar de me perguntar como de fato é.
Leila nunca tinha visto a mulher de perto. Não achava seus cabelos dourados e pele clara bonitos. Ela mesma combinava mais com D. Porém era certo que, por trás daquela aparência glamorosa, a mulher Barbarois possuía poderes que desafiavam a imaginação. Leila não a subestimou. Percebendo num instante que seu dardo seria inútil contra aquela oponente, fincou-o no chão e sacou a pistola prateada.
Caroline franziu os lábios e sorriu.
— Acha que pode derrotar uma mulher da aldeia dos Barbarois com um brinquedo desses? — riu Caroline. — É bom que saiba que nem mesmo a nobreza tem facilidade para entrar em nossa aldeia.
Em vez de responder, Leila apertou o gatilho da pistola de prata. Agulhas imperceptíveis perfuraram o estômago da mulher sem fazer barulho.
— Oh! — exclamou Caroline, contudo logo em seguida abriu um largo sorriso. — Uma arma que dispara agulhas? Deveria ter mirado no meu coração, garotinha.
Sem entender bem o que queria dizer com aquele comentário, Leila ficou imóvel, atônita. De repente, algo caiu de cima e atingiu sua mão direita. A pistola de prata voou pelos ares. Algo penetrou no musgo entre a arma e a mão que ela estendeu para pegá-la de volta, frustrando seus esforços. Ao descobrir que era um galho grosso de árvore, Leila deu um salto para trás, no entanto outra coisa a agarrou pelo ombro. Era outro galho, enorme e repleto de inúmeros gravetos. Torcendo os gravetos com um estalo seco, o galho os enrolou nos membros de Leila como dedos.
— Quando soube que você havia chegado aqui antes de mim, bebi a seiva de todas as árvores da região. — disse Caroline. — A seiva é a essência da vida das árvores. Então agora, cada um de seus galhos é meu... Tenho milhares de mãos e pés.
— Não, você não pode ser...
Instigada por um pressentimento temeroso, Leila se contorceu, todavia não conseguiu se libertar dos galhos que agora a prendiam.
— Haha, infelizmente, não sou uma Nobre. — Caroline ostentava o sorriso de uma vitoriosa. — Entretanto, herdei algumas de suas habilidades. Minha mãe, veja bem, era ama de leite da Nobreza que supervisionava o Setor Sete da Fronteira.
Ah, não podia ser que essa mulher deslumbrante fosse uma dampira como D. De uma beleza desumana. Recusando-se misteriosamente a jantar. Lançando olhares febris para Mayerling... Não indicavam todas essas coisas a verdadeira natureza da mulher? Até mesmo a maneira como conseguia se mover à luz do dia sem dificuldade se encaixava no padrão.
Embora seus poderes provavam que era de fato uma dos Barbarois. Tudo o que sentia suas presas, até mesmo coisas inorgânicas como o braço mecânico, ou formas de vida não sencientes como a vegetação que prendia Leila, a obedecia da mesma forma que os humanos seguiam a vontade dos Nobres que os mordiam. Embora a maioria dos dampiros bebesse sangue, eles não convertiam ninguém, então sua habilidade era verdadeiramente temível em comparação.
Olhando de D para Leila e vice-versa, Caroline deixou escapar um pequeno sorriso malicioso.
— Pelo que vi agora, diria que você está apaixonada por aquele dampiro. Que interessante. Eu ia acabar com você rapidinho, porém mudei de ideia. Quero que veja enquanto vou até lá e atravesso o coração do homem que ama. E depois disso, deixarei que compartilhe o destino dele.
— Não faça isso! — disse Leila. — Se vai matar alguém, mate a mim...
— Quanta coragem! — respondeu Caroline com uma risada zombeteira. — Parece que até mesmo a escória humana que ganha a vida assassinando a Nobreza é muito mais tolerante quando se trata de alguém que adoram. Bem, espere só. Logo o seguirá na pós vida...
Caroline afirmou com firmeza, contudo, ao fazê-lo, uma brisa incrivelmente fria acariciou suas costas. Essa dampira, possuindo poderes comparáveis aos de D, virou-se involuntariamente.
Não houve nenhuma mudança na posição de D. Com o que aquele homem lindo poderia estar sonhando? Com a vida comum que, como um dampiro, jamais poderia conhecer? Com dias passados? Não, não, com um futuro pintado de sangue e breu, com batalhas sem fim... Disso não havia dúvida.
— Foi só minha imaginação? — Caroline murmurou enquanto erguia a mão direita. Um galho de uma das árvores enormes ao seu redor se curvava no tronco e apontava sua ponta afiada para o peito da mulher Barbarois. Agarrando-o com a mão pálida, Caroline quebrou o galho a um metro da ponta.
Lentamente, foi para o lado de D, que dormia, e colocou os pés de cada lado da depressão. Com as duas mãos, segurou o galho, a estaca gigantesca que havia improvisado, e no instante em que estava prestes a golpeá-lo por cima da cabeça...
O grito de Leila. — Pare! — e seu próprio golpe foram quase simultâneos, e foi no instante seguinte que Caroline gritou.
— Mashira?
A estaca foi pega no ar. Pela mão esquerda de D. Pela palma da mão esquerda, para ser preciso. E, como era de se esperar pelo grito confuso de Caroline, o que parou a ponta afiada foi de fato a pequena boca que apareceu na palma de sua mão. A estaca foi detida por um triz. Acima da boca, um par de olhos travessos ria. Mesmo assim, suas mandíbulas eram tão poderosas que nem mesmo Caroline, com sua força sobre-humana, conseguiu fazê-las se mover um pouco. Com seu belo rosto distorcido pela surpresa e pelo horror, a dampira saltou para longe.
— Agradeceria se não me chamasse por nomes estranhos. — disse o rosto na palma da mão, cuspindo a estaca sem esforço. — Aquele Mashira... É um dos seus companheiros? Então é um dos meus, certo?
Sem responder, Caroline fez um movimento amplo com a mão direita.
A floresta tremeu. Várias árvores gigantescas se curvaram e balançaram seus galhos direto sobre o dampiro adormecido.
A mão esquerda contra-atacou com um ataque próprio. Agarrando o enorme galho que acabara de cuspir, arremessou o projétil de madeira em Caroline. O galho foi tão rápido que não houve tempo para se esquivar. E, no entanto, Caroline deve ter conseguido pelo menos girar o corpo num instante, porque foi seu abdômen que o enorme galho acabou perfurando.
No instante em que caiu para trás gritando, os movimentos dos galhos cessaram. Até mesmo as amarras de Leila se desfizeram.
Vendo que não tinha tempo nem para correr em direção à sua arma, Leila correu para Caroline. Agarrando-se ao galho que empalava a dampira, Leila empurrou com toda a sua força. Sangue borbulhou da boca de Caroline.
— Sua vadiazinha! — gritou a dampira. Seu corpo inteiro se contorcendo na agonia da morte, suas mãos pálidas agarraram os ombros de Leila.
Leila não parou de empurrar, mesmo quando a boca ensanguentada se fechou em seu pescoço. A única coisa em sua mente era... “Preciso salvar o D!” e apenas esse pensamento.
A boca se soltou rapidamente. Uma intensa sensação de relaxamento tomou conta de Leila, e ela permitiu que o enorme galho fosse arrancado de suas mãos.
Recuando alguns passos, Caroline gemeu. O enorme galho ainda perfurava seu abdômen, e da cintura para baixo estava tingida de carmesim pelo sangue que jorrava de sua ferida. Era uma visão incomparável.
— Menininha, nos encontraremos de novo. E da próxima vez, você será minha escrava.
Com o sangue se misturando às palavras que proferia, Caroline se virou e saiu.
Leila caiu de joelhos no chão. Acabara de ser mordida. Mordida por uma dampira. Não sentiu espanto, nem medo. Apenas fadiga e uma sensação de satisfação. Havia cumprido sua promessa. A promessa que fizera a si mesma. Mesmo assim, conseguiu se levantar e ir até o adormecido D. Contemplando seu belo rosto por um longo tempo, ela se despediu.
— Eu queria te beijar! — disse. — Mas não posso agora. Quer dizer, você viraria motivo de chacota se algum vampiro rejeitado roubasse um beijo de um Caçador como você. Até mais. Se puder, tente pensar em mim de vez em quando.
Mal conseguindo segurar a pistola de prata e o dardo, Leila se afastou. Sua figura cambaleante logo foi engolida pela floresta.
Por quanto tempo D continuaria dormindo? Afinal, a guerreira que arriscara a vida e a alma para defendê-lo estava ferida, a amada de Mayerling havia fugido para algum lugar, e a situação só ficava mais confusa...
Parte 3
A cena se passava na estrada, cerca de duas horas depois do fim da batalha mortal entre Caroline e Leila. Cortando o vento a uma velocidade de quarenta quilômetros por hora, o ônibus parou de repente ao avistar algo à frente.
— O que foi? — Borgoff gritou com voz rouca de onde preparava seu arco e flechas em seu quarto.
— Uma mulher acabou de atravessar a rua bem na nossa frente. Uma loira de vestido azul, deve ser aquela tal de Caroline que o Grove mencionou. Vou dar uma conferida.
Enquanto falava, Kyle se levantou com as lâminas em forma de lua crescente na mão.
— Espere aí... Eu vou com você.
Em resposta à oferta de Borgoff, seu irmão mais novo disse.
— Relaxe. É só uma mulher. Além do mais, e se alguém estiver tentando nos atrair para fora para eliminar o Grove enquanto estivermos fora? Deve haver outro deles por aí, sabe?
— Tem razão! — concordou Borgoff. — Tenha cuidado.
— Deixa comigo.
Com um sorriso de autoconfiança inabalável, Kyle desceu do ônibus. Embora o meio-dia já tivesse passado, a luz do sol estava quente e branca. Com lâminas em cada mão, quando estava prestes a entrar na mata no mesmo local onde a mulher havia desaparecido, ele disse.
— Só por precaução... — e deixou as lâminas voarem.
Não poderia haver arma de longo alcance mais estranha do que as lâminas de Kyle. Controladas com as pontas dos dedos da mão que segurava uma das extremidades do fio fino, as lâminas semicirculares presas à outra extremidade de cada fio deslizavam facilmente entre as árvores densamente sobrepostas e retornavam às mãos de Kyle. Se sua inimiga estivesse à espreita em algum lugar num raio de trinta metros da entrada da floresta, o sangue fresco retirado de sua cabeça ou garganta deveria ter permanecido na lâmina de suas armas em forma de lua crescente, no mínimo. Melhor ainda, poderia até já estar morta.
— Parece que não houve contato. — disse Kyle para si mesmo e adentrou na mata. Dando alguns passos, gritou. — Aí está você!
Um clarão prateado percorreu o caminho até a base de uma árvore gigantesca e, quando parecia que atingiria o tronco, de repente girou e disparou para cima.
Caroline gritou e caiu no chão. Não restava o menor vestígio de onde ela havia sido empalada com um enorme galho duas horas antes, embora agora segurava a coxa exposta e ensanguentada e gemia. A lâmina crescente a havia cortado.
— O que quer fazer, guarda-costas Barbarois? — Kyle riu com requintes de crueldade. — Não seja tímida. Faça o seu melhor, se estiver disposta. — enquanto Kyle resmungava que ela não era tudo aquilo que diziam e estendia os braços para o golpe de misericórdia, seus olhos foram atingidos pelos orbes da mulher. Havia uma luz indescritível em seus olhos.
Sem tempo para perceber o quão ruim era a situação, Kyle foi e se ajoelhou ao lado da mulher. Sua coxa exposta estava gravada em sua retina.
— Você está bem? — com a consciência vagando em um sonho, Kyle se ouviu fazer uma pergunta que nem sequer lhe passou pela cabeça.
— Acho que vou ficar bem. — a mulher disse em um gemido. — Minha perna dói. Preciso mesmo estancar o sangramento... Você teria a gentileza de lamber até ficar limpa?
O fato de aquela mulher ser uma feiticeira Barbarois já não preocupava Kyle.
— Claro... Sem problema. — ele murmurou, e então levou a boca à perna nua e branca da mulher. Seus lábios foram instantaneamente manchados de sangue. Lambendo a parte externa até limpá-la, quando chegou à parte interna da coxa, a mulher começou a ofegar de verdade e envolveu a outra perna na cintura de Kyle. Os lábios de Kyle, tingidos de sangue, pressionaram ainda mais.
Quando os gemidos de prazer e os sons de lambidas cessaram, a mulher gentilmente colocou as mãos nas bochechas de Kyle. Seu rosto branco e imaculado se aproximou do semblante manchado de sangue que ergueu a seu pedido. Kyle não tinha noção de quão assustadoras as ações da mulher haviam se tornado. E, no entanto, embora seus instintos pudessem ter pressentido o perigo que corria, os dedos que se estendiam com exasperante lentidão em direção à lâmina crescente em sua cintura foram agarrados por uma das mãos delicadas da mulher.
— Ah, não, não vai! — repreendeu Caroline. — Pode usá-las para me servir depois que eu terminar de te beijar... — sua voz ecoou em sua cabeça e, em pouco tempo, a mais profunda escuridão inundou sua mente através dos lábios dela.
Quando Kyle saiu da floresta pouco tempo depois, ergueu a mão sobre a cabeça para proteger os olhos do sol. Lentamente, voltou para o ônibus.
Borgoff estava no banco do motorista.
— Como foi? — perguntou.
— Ela não estava lá. Parece que conseguiu escapar, mas é melhor prevenir do que remediar.
— Hmm. Troque de lugar comigo. — disse o mais velho dos Marcus. Levantando-se para deixar Kyle assumir o volante, Borgoff voltou para o quarto. Kyle segurava o volante em silêncio. — Ei, Kyle... — Borgoff o chamou. Kyle não se mexeu. Borgoff voltou a chamar.
— Hã... O quê? — respondeu Kyle, com um tom distante e indiferente.
— Vou te contar um atalho. Daqui a pouco, chegaremos a um ponto onde há um galho vermelho saindo à nossa esquerda. Entre ali. Depois que estivermos nessa estrada, siga em frente e chegaremos perto dos Estados de Claybourne.
— Entendi! — respondeu Kyle.
O veículo andou um pouco e parou.
— O que aconteceu? — perguntou Borgoff.
— O motor parou. Parece que o compressor de óleo está todo estragado. Me dá uma mãozinha para consertar.
De mãos vazias, Borgoff seguiu Kyle para fora do ônibus.
— Espera um segundo. Vou dar uma olhada primeiro. — disse Kyle, movendo-se para a frente do veículo e saindo do campo de visão de Borgoff. Este examinou os arredores e coçou levemente a cabeça. E, depois de coçar, saltou.
Uma luz mágica saiu do vão entre a parte de baixo do veículo e o chão. Enquanto Borgoff olhava de soslaio para o par de lâminas em forma de lua crescente faiscando no lugar onde estava, sua mão direita entrou em ação. Pegando o arco e as flechas que estavam presos na parte de trás do cinto, ele os preparou no ar. Houve um som como o dedilhar das cordas de uma cítara quando disparou duas flechas simultaneamente. O que foi realmente estranho no disparo foi como suas flechas atingiram as lâminas emaranhadas em forma de crescente, giraram algumas vezes e deslizaram pelos fios presos às lâminas.
Um gemido baixo pôde ser ouvido do outro lado do ônibus.
Borgoff circulou o veículo para ficar sobre Kyle, que estava caído. Uma flecha de aço vibrava no estômago de seu irmão e outra estava cravada no topo de sua cabeça.
— Eu não queria ter que fazer isso com meu próprio irmão, porém acabei por não ter escolha. — disse a Kyle. — Você foi transformado por uma vampira. Contudo pelo menos agora sei o que de fato aquela mulher é. Vou te vingar, então descanse em paz.
Encaixando uma terceira flecha, Borgoff mirou no coração de seu irmão agonizante.
— Da próxima vez que você renascer como um vampiro, tente não proteger seus olhos do sol quando não estiver tão claro. — e ele observou até o amargo fim, até que a haste de aço tivesse perfurado o coração de seu irmão mais novo.
***
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