quinta-feira, 18 de abril de 2024

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 11 — Capítulo 146

Capítulo 146: Gradualmente o vento tornou-se outonal

Gradualmente o vento tornou-se outonal. As brisas que teriam sido agradáveis no verão agora deixavam um friozinho ao roçarem pescoços expostos, forçando os aldeões a apertarem mais as roupas. Em Turnera, os primeiros sinais do inverno podiam ser sentidos já no auge do verão. Só ficaria mais frio a partir de então, assim, depois do meio do verão, os aldeões sabiam que deveriam começar a se preparar para os meses frios que se aproximavam. Não é exagero dizer que quase todo o trabalho realizado nas terras do norte foi para sobreviver ao inverno. Para sobreviver aos longos e intensos meses de frio, todos trabalhavam duro no resto do ano. Numa vila tão remota, isolada pela neve, não era possível sair no frio cortante para procurar provisões — as suas provisões deviam durar toda a estação.

Belgrieve assentiu enquanto examinava o suporte para lenha, com clara satisfação. Estava todo carregado com madeira cortada. Mas mesmo isso não duraria todo o inverno, já que a lareira seria necessária durante toda a estação para cozinhar e também para aquecer. Para garantir que nunca faltasse combustível, os aldeões também mantinham depósitos comunitários de lenha. Assim que todos tivessem garantido o suficiente para a sua própria casa, os aldeões também começariam a recolher madeira para os armazéns comunitários. A madeira armazenada durante os meses de verão já estaria suficientemente seca e queimaria bem. Madeira semi seca apenas fumegaria e acumularia fuligem, com pouco mais para mostrar.

Ultimamente, Belgrieve passava a maior parte do tempo ocupado com trabalhos administrativos e reuniões. Tudo relacionado à masmorra e ao gerenciamento da guilda seria resolvido na próxima primavera, e o que até agora só existia em sua cabeça enfim seria concretizado. Podia sentir a sensação de finalidade em seus ossos apenas observando a construção se aproximar da conclusão, ainda mais com os conselhos práticos de Seren sobre gerenciamento e sistema de guildas.

Enquanto Belgrieve limpava a área de corte de madeira, seus pensamentos se voltaram para Angeline. Ela havia dito que viria antes do festival de outono, então não deveria demorar muito agora. Sua expressão suavizou-se um pouco quando se lembrou de como a garota estava determinada a comer mirtilos-vermelhos este ano, com certeza. Não importa o quão grande ficasse, Angeline não era diferente da garotinha que conhecera há tantos anos. Com a chegada de Angeline, era provável que Anessa e Miriam estariam juntas, e talvez Marguerite também. Belgrieve riu. Vai ser um grande grupo de novo...

Ele terminou juntando as lascas de madeira espalhadas em uma cesta. Elas seriam ótimos gravetos. Perto dali, viu Satie pendurando roupa suja. A leve brisa fez as roupas balançarem no varal. O céu acima estava azul e claro pela manhã, mas desde então as nuvens surgiram para bloquear o sol. O vento parecia um pouco mais frio do que o normal hoje, embora talvez fosse apenas porque seu corpo estava acostumado demais ao calor do verão. Sabia que esse frio era incomparável ao inverno.

Depois de pendurar a última peça de roupa, Satie respirou fundo e esfregou as mãos.

“Finalizado?” Belgrieve perguntou.

“Sim, esse é o último. Ugh... Tinha que ficar nublado justo quando as coloquei para secar... A água também está esfriando.”

“O verão já acabou.” Belgrieve pegou a mão de Satie. Seus dedos delgados estavam completamente gelados. “Wow, você realmente está com frio.”

Satie sorriu um pouco tímida.

“Porém suas mãos estão quentes, Bell.”

Lavar qualquer coisa com água era uma tarefa árdua no tempo frio. A temperatura da água do poço não mudava muito ao longo do ano, contudo as mãos molhadas podiam ficar congeladas rapidamente. E isso ainda era melhor do que seria no meio do inverno — só pioraria a partir daqui.

Os dois deram as mãos por um momento. Depois de algum tempo, Satie olhou em volta para ver se o caminho estava limpo antes de puxar Belgrieve para um abraço. Ela esfregou a bochecha contra o peito dele e respirou profundamente.

“Ahh... Agradável e caloroso.”

“Hey, você está agindo como Ange.”

“Hehe... Somos mãe e filha; o que posso fazer? Ou não gosta do meu abraço?”

“Eu não disse isso...”

Satie sorriu enquanto passava os braços em volta das costas de Belgrieve.

“Que garoto tímido você é.”

Belgrieve sorriu com ironia enquanto retribuía o abraço e esfregava suas costas. Satie parecia tão delicada e pequena em seus braços. Seu cabelo prateado e sedoso caía delicadamente nas costas de sua mão. Aos poucos, pôde sentir o calor dela através das roupas. Satie se virou e olhou para Belgrieve.

“Ok, estou um pouco mais aquecida agora.”

“Sim. Acho que vou cuidar do fogo...”

Quando Belgrieve entrou na casa, Charlotte — que estava limpando as tábuas do piso — olhou em sua direção.

“Ah, bem vindo de volta. Terminou seu trabalho lá fora?”

“Sim, tudo certo da minha parte. Está com frio, Char?”

Satie o seguiu para dentro e foi segurar a mão de Charlotte.

Charlotte sorriu.

“Estou bem. Misturei um pouco de água quente. Afinal, está um pouco frio hoje.”

Satie riu.

“Oh, isso é inteligente. Hehehe... Boa menina, boa menina...” Satie abraçou Charlotte e deu um tapinha em sua cabeça. A garota gemeu envergonhada e se contorceu em seu abraço.

Com todo o tempo que Charlotte passou fazendo tarefas domésticas e usando instrumentos de campo, as mãos da jovem tornaram-se um pouco ásperas. Belgrieve sentiu-se um pouco culpado por suas mãos antes pálidas e delicadas terem ficado assim, no entanto imaginou que Charlotte só sorriria de alegria se ele dissesse isso. “Minhas mãos parecem um pouco mais com as de Angeline agora?” ela talvez perguntasse. A garota cresceu e se tornou uma pessoa forte.

Feixes de vinhas secas estavam pendurados por toda a casa. Graham as reunia cada vez que saía para a montanha para poder se ocupar com a tecelagem de cestos durante o inverno. Parecia que Charlotte e Mit haviam aprendido a arte do velho elfo enquanto Belgrieve e os outros estavam fora, e eles sabiam tecer cestos pequenos, todavia bem arrumados. Não foi difícil encontrar um uso para uma cesta e, se fossem bem feitos, também poderiam ser vendidos a mascates. Era uma ótima maneira de passar o tempo quando estava preso dentro de casa.

Graham, Mit e Byaku foram para a floresta. Provavelmente levaram as crianças da vila para colher frutas, nozes, ervas e mais trepadeiras.

Percival e Kasim, como era seu costume, perambulavam como bem entendiam. Os dois ajudaram quando necessário, mas antes de tudo eram aventureiros e não se adaptavam ao ritmo da vida diária de uma vila agrícola. Hal e Mal foram com a dupla. Percival as deixava penduradas em seus braços e as balançava ou jogava no ar. Ele brincou com as meninas de forma um pouco mais violenta do que os outros, porém as gêmeas aproveitaram a oportunidade de correr um pouco mais soltas.

Era quase meio-dia. Graham e seu grupo haviam saído com almoços embalados, contudo os outros voltariam para casa em breve e Belgrieve precisava se preparar para o almoço. Depois que a massa foi amassada e deixada descansar, colocou mais lenha na lareira fumegante. Água e vários ingredientes foram adicionados para reforçar algumas sobras de sopa; em seguida, cortou o feijão verde e o cozinhou com as vagens. Foi isso para a preparação. Pouco antes de o almoço ser servido, estendeu a massa e a cozinhou numa frigideira.

Depois de tudo ter sido resolvido, Charlotte foi até a casa de Kerry para verificar as ovelhas. Ao que parecia a garota tinha criado um recente apego especial por um cordeirinho.

Na falta de algo melhor para fazer, Belgrieve ocupou-se em consertar um saco furado. Satie, por sua vez, aproveitou o tempo de inatividade para inspecionar as garrafas e caixas de produtos secos e potes de conserva nas prateleiras. Eles trabalharam silenciosamente em suas respectivas tarefas até que Satie falou.

“É tão estranho... Deixei minha terra natal porque odiava esse tipo de coisa. Entretanto agora, é tão querido para mim.”

Belgrieve sorriu.

“Entendo... Para mim, esta é apenas a minha vida cotidiana.”

“Hehe... Parece legal. Quando eu era jovem, acho que não entendia o quão importante esse tipo de coisa era.” Satie riu enquanto tirava o pó das garrafas. “Quando acha que Ange estará de volta?”

“Ela disse que voltaria antes do festival de outono, contudo... Pode acabar ficando muito ocupada. Afinal, é uma aventureira Rank S.”

“Espero que não. Por alguma razão, quero muito vê-la...” Satie prendeu a respiração.

“Sabe, sinto que há algo especial naquela garota.”

“Talvez... No entanto Ange sempre foi especial para mim.”

“Não duvido. É graças a ela que todos nós voltamos a ficar juntos. Hehe...” Satie devolveu a última garrafa à prateleira e sentou-se ao lado de Belgrieve. “O inverno chegará em breve... Você acha que Ange passará o inverno aqui?”

“Não sei dizer. É bem provável, na verdade. Embora tenha desenvolvido uma força incomparável e alcançado fama como aventureira, Angeline é e sempre será uma garota mimada. Se pudesse passar o inverno em Turnera com os pais, a família e os amigos, ficaria muito feliz em fazê-lo.”

Mesmo assim, ela com certeza está crescendo, pouco a pouco. Sua natureza permaneceu inalterada, porém estava trabalhando pela independência à sua maneira. Quer dissesse que queria passar o inverno com o pai ou se planejava deixar Turnera depois do festival, Belgrieve aceitaria sua escolha.

Eles caíram novamente em um silêncio sociável por um tempo, quebrado apenas pelo crepitar silencioso da lareira ou pelo barulho ocasional das janelas com a brisa. Se Belgrieve se esforçasse para ouvir, poderia ouvir o balido de cabras e ovelhas ao longe. Satie recostou-se em seu ombro enquanto ele cerzia o saco. Seus olhos sonolentos se fecharam e sua respiração tornou-se superficial e rítmica. Ela adormeceu? Belgrieve se perguntou, lançando-a um olhar.

“Satie?”

“Estou acordada...” seus olhos se abriram para encontrar o olhar dele. “Ahh.” ela gemeu, espreguiçando-se. “Sigh... Eles voltarão logo? Ah, isso mesmo. Ainda temos alguns desses picles que sobraram. Deveríamos usar o restante.”

Satie foi pegar o pote de picles da prateleira e começou a picar o conteúdo. Belgrieve a observou por trás, bocejando.


A casa de Maria ficava um pouco longe de Orphen, então Angeline não poderia apenas aparecer quando quisesse. Contudo agora tinha algo para conversar com a velha maga, então estava fazendo o possível para fazer a viagem hoje. Ainda não havia encontrado Ishmael, que parecia ter alugado um quarto em uma pousada na cidade. Embora a tivesse dito que iria trabalhar para pagar suas necessidades diárias durante sua estadia, Angeline perguntou a Yuri sobre seu paradeiro e descobriu que ele não havia aceitado nenhum trabalho na guilda desde que estava em Orphen. Na verdade, ninguém a quem perguntou sabia onde o homem estava hospedado.

Já passava do meio-dia quando chegou ao retiro de Maria. Ao desembarcar lentamente da diligência, desceu em uma terrível nuvem de poeira. Pela primeira vez, havia vindo sozinha. Houve um pedido de caça a monstros em grande escala e uma demanda para que seu grupo ajudasse, e então as outras três foram ajudar. Angeline não estava em condições de aceitar trabalhos, todavia as outras estavam em perfeitas condições. Também parecia que elas estavam trabalhando duro para compensar sua condição. Aventureiros de alto escalão poderiam assumir qualquer trabalho que quisessem, mas quando surgissem trabalhos de alta dificuldade, esperava-se que os priorizassem.

Angeline colocou a bolsa no ombro. O sol do início do outono cegava seus olhos. Passando a língua por lábios secos, seguiu seu caminhou sem pressa. Logo passou pela pequena cidade e passou pela grande estrutura branca, e agora estava diante da pequena casa de madeira onde Maria morava. A última vez que veio aqui, havia todo tipo de gente vagando por aí, porém não havia nenhuma hoje. Isso foi explicado quando viu Maria na frente de casa, sentada pacificamente numa cadeira de balanço.

De modo geral, Maria não recebia visitantes. Suas habilidades e sua reputação lhe renderam grande respeito, contudo era tão temida quanto reverenciada. Se voltasse seus olhos penetrantes e seu mau humor para um convidado indesejado, até mesmo a maioria dos idiotas iria bater os pés. Qualquer um que tentasse chamá-la sem qualquer cuidado seria alvo de uma bronca impiedosa. Os mais obstinados podem até ser expulsos com um ou dois feitiços.

Maria abriu um olho quando Angeline se aproximou.

“Hmm, Ange, hein...”

“Está tirando uma soneca à tarde, vovó?”

“Sim, o sol não tem estado tão ruim nesses últimos dias. Cough...” Maria cobriu a boca. Angeline foi em sua direção e esfregou suas costas.

“Está sozinha?” Maria perguntou, olhando em volta com os olhos semicerrados por causa da luz do sol.

“Sim.”

“Isso é raro... Está se sentindo mal ou algo assim?”

“Sim...” Angeline disse com um suspiro.

Maria recostou-se cansada na cadeira de balanço.

“Minha nossa. Sua saúde é praticamente tudo o que tem a seu favor... Então, o que a traz aqui?”

“Não consigo dormir. Quando o faço, não tenho nada além de sonhos estranhos e só acordo mais cansada...”

“Até aquele gata estúpida poderia ter preparado uma poção de dormir para você.”

“Merry fez uma. Não funcionou...”

“Tsk, aquela discípula estúpida... Entre.” Maria levantou-se languidamente antes de caminhar até a porta, pedindo a Angeline que a seguisse. A casa estava empoeirada, como sempre, no entanto a porta e as janelas tinham sido deixadas abertas enquanto Maria tomava sol, então o vento a arejou um pouco.

“Você fez alguma limpeza? Que raro.”

“Acabei de deixar as janelas abertas... Aqui, pegue. São apenas algumas sobras, então não vou te cobrar.” Maria entregou-lhe um pequeno frasco contendo um líquido roxo claro.

Angeline embrulhou-o cuidadosamente com um lenço antes de guardá-lo na bolsa.

“Obrigado, vovó.”

Maria sentou-se numa cadeira no canto e apontou para a chaleira pendurada sobre o fogo. Angeline obedientemente (embora um tanto indiferente) preparou duas xícaras de chá.

Maria cuidava de seu trabalho.

“É estranho vê-la tão fraca. Que tipo de sonhos está tendo?”

“Esse é o problema... Não consigo me lembrar. Só sei que são pesadelos...”

“Que problema... Tem alguma ideia do que pode estar causando isso?”

“Eu não sei... Não é como se tivesse feito algo que deveria ter me deixado tão cansada, e não tenho nada me incomodando... Ah, você descobriu mais alguma coisa sobre Salomão?” Angeline perguntou.

Maria suspirou.

“Bem, tenho uma ideia aproximada de por que você é humana apesar de ter uma mãe élfica.”

Angeline despejou água quente no bule e colocou-o sobre uma bandeja.

“Sério? Você é muito inteligente, vovó.”

“Claro que sou. Está zombando de mim ou algo assim? Cough.”

Angeline deu uma risadinha e entregou a xícara de chá para Maria.

“Não posso trabalhar desse jeito, entretanto não tenho mais nada para fazer... Então pensei em investigar Salomão.”

“Não vai descobrir nada. Não alguém do seu tipo, e ainda mais no seu tempo livre. Muitas pessoas mais inteligentes tentaram e falharam.”

“Sim, é por esse motivo que vim vê-la, vovó.” disse Angeline com indiferença.

Maria soprou a xícara e tomou um gole de chá.

“Para começar... Investiguei a relação entre Salomão e Viena. Pesquisei registros históricos proibidos, poemas épicos e contos populares, entre outras coisas... Parece que é verdade — eles trabalharam juntos para lutar contra os deuses antigos.”

“Então é verdade... Nesse caso, por que se tornaram inimigos?”

“Seria razoável pensar que a atitude de Viena mudou quando Salomão começou a tornar-se arrogante com o poder que havia conquistado. Viena também era um dos deuses antigos, mas era conhecida como a deusa do afeto e tinha um apreço especial pelos humanos. Vendo como Salomão submeteu aqueles humanos à sua tirania... Cough... Não é estranho que se voltasse contra ele.”

De fato, o falso Benjamin contra quem ela lutou na capital disse que Salomão estava cansado da humanidade e assumiu a responsabilidade de guiar as massas. Alguém assim não teria piedade daqueles que desafiassem sua autoridade. Porém seria isso suficiente para tornar Viena, que foi sua companheira durante tanto tempo, inimiga?

“Contudo, no, hum, Ni... Nica...”

“Nicaillu Chishma?”

“Sim, isso. Dizia que estavam ‘atraídos’ um pelo outro...”

“No entanto nunca poderiam ficar juntos. Não é raro que um homem e uma mulher se desentendam.”

“Está falando por experiência própria? Já teve alguém assim, vovó?”

“Cale-se. Não mude de assunto.” Maria a repreendeu antes de tomar outro gole de chá. “De qualquer forma, embora estivessem ajudando um ao outro, a natureza de sua mana era diametralmente oposta. Viena possuía uma mana branca pura como os elfos, e Salomão, um mero humano que conseguiu criar os demônios, possuía uma mana que era de natureza negra. Talvez tenha sido essa natureza oposta que os atraiu... Entretanto não conseguiram ficar juntos no final.”

“Hmm... Por que suas almas eram pretas e brancas?”

“Correto. Eles tinham uma compatibilidade terrível. Todavia, se misturar bem os opostos polares, obterá algo bem no meio. A mana de um humano não é preta nem branca. Demônios são massas de mana pura. Se essa mana corrompida fosse misturada corretamente com a mana purificadora de um elfo... Aposto que você se aproximaria muito de um humano. E isso explica por que a alma de um demônio e uma mãe élfica resultou em seu nascimento.”

“Entendo... Então é por esse motivo que sou humana.” Angeline achou essa lógica convincente. Duas forças opostas que nunca deveriam ter sido capazes de se misturar alcançaram um bom equilíbrio, e o resultado foi ela. Sua mão levou a xícara até os lábios e bebeu um pouco de chá enquanto refletia a respeito. “Aprendeu mais alguma coisa...?”

“Não consigo entender o objetivo de Schwartz. Se você fosse o teste bem-sucedido que procurava, não vejo por que a deixaria escapar e se tornar sua inimiga. Ele não é o tipo de cara que cometeria tal erro.”

“Acho que sim... A mãe disse a mesma coisa.” Angeline recostou-se na cadeira e cruzou as mãos atrás da cabeça.

Se o homem pretendia usá-la como arma, falhou há muito tempo. Além do mais, sua base na capital imperial foi destruída e o verdadeiro Benjamin foi resgatado. Foi por esta razão que o verdadeiro objetivo de Schwartz permaneceu um mistério completo.

Maria pensou por um momento antes de olhar para Angeline.

“Schwartz... Tinha colaboradores, não é?”

“Hum? Sim. Um necromante que assumiu a forma de príncipe herdeiro, e esse aventureiro chamado Hector... Havia alguns Inquisidores também, porém um deles morreu e o outro estava sendo controlado. Depois, havia o... Terceiro filho do arquiduque, eu acho? Também estava sendo enganado.”

“Alguém mais?”

“Hmm... Bem, além deles...”

Houve algum? Angeline sentiu que talvez tivesse havido... Ela cruzou os braços enquanto tentava se lembrar. Os que nomeou eram os membros com quem de fato lutou, contudo teve a sensação de que havia outra pessoa também. Quem criou aquele espaço peculiar que foi palco de sua última batalha não foi Schwartz ou o falso Benjamin — Kasim explicou isso depois do fato. Seguindo suas memórias nebulosas até agora, a resposta enfim a alcançou.

“Ah... É verdade. Pelo que me lembro, havia um arquimago chamado Salazar. Ele foi o criador da prisão de tempo-espaço na qual fui selada, pelo que parecia.”

“Salazar? Cough... Quer dizer o velho ‘Olhos de Serpente’?”

“Sim, aquele cara continuava mudando de forma toda hora e estava sempre reclamando sobre bobagens.”

“Se tivesse Salazar a bordo... Ele o atraiu com uma nova magia do espaço-tempo? Ou foi ‘o fluxo de eventos’...? Schwartz avançou mesmo nessa teoria absurda...? Não, se discerniu algo que nenhum de nós sabe... Não é impossível...” Maria murmurou para si mesma, com a testa franzida.

“Vovó?” Angeline chamou timidamente.

O rosto da velha arquimaga se ergueu para olhar para a garota.

“Tenho algo novo em que pensar. Me de um tempo.”

“Hã? Tudo bem, eu vou...”

Angeline realmente não entendeu, no entanto parecia que Maria tinha uma nova pista. Embora Angeline estivesse perplexa, decidiu ficar onde estava. Ainda que corresse para casa agora, não havia nada para fazer lá.

“Vou preparar mais um pouco de chá...”

Maria não respondeu — estava imersa em seus próprios pensamentos. Angeline encolheu os ombros e foi preparar mais chá. Ela colocou algumas folhas de chá murchas no bule e despejou água quente.

O sol estava se pondo e a luz que entrava pelas janelas de ripas estava agora tingida de vermelho. Angeline ficou ali sentada, esperando distraída com uma xícara fumegante na mão e sentindo suas pálpebras começarem a cair. Sempre ficava com um estranho cansaço nessa hora do dia.

Estou com medo de adormecer... Mas a força estava se esgotando constantemente do corpo de Angeline e, antes que percebesse, se inclinou sobre a mesa e deitou a cabeça para dormir.


O cheiro penetrante de sangue preencheu os sentidos de Angeline. Seus olhos se abriram em choque, e o que viu foi uma parede de pedra iluminada com uma luz pálida. Onde quer que estivesse, parecia ser algum lugar subterrâneo permeado de ar frio e pesado. Não havia janelas; a luz vinha das chamas azuis claras que ardiam em pequenos tubos de vidro pendurados na parede.

Angeline olhou para frente, depois para trás, e descobriu que estava num corredor estreito. Atrás havia uma escada que levava para cima, enquanto o caminho à frente fazia uma curva acentuada nas proximidades. Este era sem dúvida um lugar desconhecido.

O chão, as paredes e o teto acima eram de pedra dura e sombria. Angeline se perguntou se conseguiria emitir um som alto e ecoante batendo os saltos das botas no chão, porém seus pés não fizeram nenhum som quando tentou. Olhando mais de perto, pôde ver o sangue se acumulando em seus pés. Ainda estava molhado e parecia ser a fonte daquele fedor peculiar e pungente. Ela começou a se sentir mal.

O silêncio doeu nos ouvidos de Angeline — fez com que as batidas de seu coração parecessem ainda mais altas. Enquanto estava ali, inquieta, podia ouvir a respiração angustiada de alguém. Olhou para cima e tentou discernir a direção do som. Estava vindo logo depois da curva. Nervosa, ao engolir em seco tentou avançar e veio a tropeçar. Seus passos não faziam barulho, contudo ainda conseguia sentir a pedra fria através dos sapatos. Quando virou a esquina, encontrou uma fileira de celas de prisão, cada uma fechada com barras de ferro iluminadas pelas mesmas chamas pálidas do outro corredor. As barras pareciam estar um pouco úmidas.

Alguém estava gemendo em uma das celas — parecia ser uma mulher.

“Ahhhh! Urgh... Gah!”

Angeline correu sem hesitação e agarrou as barras da cela. Uma mulher estava agachada do outro lado, com o cabelo castanho desgrenhado. A mulher se contorceu de agonia.

O que houve? Há algo que eu possa fazer? os lábios de Angeline se moveram inutilmente, sem produzir nenhum som.

“Parece que a número treze não deve demorar muito.”

Angeline virou-se para onde a voz masculina tinha vindo e viu uma série de figuras vestidas ali. A atenção deles parecia estar dividida entre as celas e os documentos em suas mãos.

“Contudo há pouca esperança de sucesso. Se este teste fosse bem-sucedido, não explicaria nada do crescimento anormal que testemunhamos até agora.”

“Sim, afinal, eles amadurecem em pouco mais de um mês.”

Seus desgraçados! Angeline, enfurecida, avançou para derrubar as figuras vestidas, no entanto acabou caindo no chão quando passou por elas, incorpórea. Os homens pareciam não lhe dar atenção enquanto olhavam para a mulher atrás das grades.

O que acabou de acontecer? Angeline olhou perplexa para suas mãos. Quando as apertou, pôde sentir a sensação. Era claro que suas pernas estavam em contato com o chão. E mesmo assim, não poderia salvar a mulher, nem poderia matar essas figuras vestidas.

Angeline estava presa ali, impotente para intervir, quando de repente viu o ar diante dela ondular quando um ‘buraco’ apareceu naquele local com um som semelhante ao de um pote de barro se quebrando. Uma figura surgiu do portal, seus cabelos prateados caindo atrás de suas costas e brilhando na penumbra.

Mãe?

Na verdade era Satie. Seu olhar rapidamente percorreu o entorno quando pousou, compreendendo a situação em um instante. Em seguida, avançou com o fogo da ira em seus olhos.

“Hã?”

Antes que as figuras vestidas pudessem se preparar para o combate, Satie já havia se aproximado e balançado o braço, decapitando instantaneamente uma das figuras. Embora não segurasse nenhuma arma, seus movimentos eram os distintos movimentos de uma espadachim. Sua lâmina era de pura mana.

“Sua pequena...”

Satie foi impiedosa. Num piscar de olhos, matou as figuras vestidas e correu até a cela.

“Você vai ficar bem!” gritou, balançando em seguida sua arma espectral. As barras foram cortadas e caíram no chão de pedra. Satie correu para dentro e passou um braço em volta dos ombros da mulher enquanto sua mão livre examinava sua barriga inchada. A mulher engasgou de dor e agarrou a bainha das roupas de Satie.

“S-Salve...”

“Não se preocupe... Vai ficar tudo bem...” com uma expressão desesperada no rosto, Satie entoou algo baixinho. Todavia os gritos de angústia da mulher não pararam.

Não importa o que Angeline fizesse, não podia tocá-las. Suas mãos passaram por seus corpos e nem mesmo suas palavras de encorajamento as alcançaram.

Ela observou o quadro sombrio com frustração enquanto a mulher grávida soltava um grito visivelmente mais alto. Seu corpo dobrado de repente ficou rígido enquanto se contorcia no chão. Sua barriga inchada quase parecia estar borbulhando e se agitando por causa de algo furioso sob sua carne atormentada.

Satie cerrou os dentes.

“Não! Por favor, acalme-se!”

“Gah...” os gritos da mulher cessaram. Com um suspiro final e fraco, sua cabeça caiu e seus membros balançaram frouxos. Apenas seu estômago continuou a se debater como antes.

Satie engasgou e se apressou em saltar para longe. Quase naquele instante, a coisa, uma sombra sombria e sem forma explodiu no estômago da mulher. Tinha o que poderia ser caridosamente reconhecido como rosto e membros humanos, entretanto todos eram desproporcionais. A criatura logo perdeu o equilíbrio e caiu no chão, espalhando sangue por toda parte.

Angeline não suportava assistir a essa cena horrível, porém também não conseguia desviar os olhos da criatura macabra, mas lamentável. Lágrimas escorreram de seus olhos e ficou quase instantaneamente congestionada com lágrimas e catarro. Sua respiração estava pesada em meio aos soluços.

“Mes... Tre...? Mes... Tre... Onde... Está...?” a entidade escura murmurou enquanto seus membros se contorciam como gavinhas.

Satie era a imagem da pura miséria enquanto colocava a mão no peito. Sua respiração era áspera e dolorosa, contudo mesmo com lágrimas nos olhos, seu olhar seguia fixo na abominação.

“Desculpe... Sinto muito...”

Satie fechou os olhos por um momento antes de abri-los, ergueu os dois braços antes de balançá-los à sua frente. A criatura foi vivissecada com incontáveis golpes de suas lâminas de mana em um único instante, seus pedaços espalhando-se por toda a cela. Seus restos sangrentos pareciam derreter em um líquido viscoso que se misturava com o sangue da mulher morta em um redemoinho medonho de sangue vermelho e preto.

Satie caiu de joelhos, com os ombros tremendo, e chorou amargamente nas mãos.

“Sinto muito... Não consegui salvar outro... Urgh... Aaaaah...” ela se agarrou à mulher morta, suas lágrimas fluindo como água através de uma comporta elevada, não parecendo notar ou se importar com o modo como suas roupas estavam cobertas pela sujeira daquele lugar terrível.


Angeline foi atormentada pelas lágrimas diante do triste quadro. Seus próprios sentimentos naturais foram amplificados pela dor e tristeza solidárias que fluíam para ela também por parte de sua mãe.

Mãe...

Angeline queria gritar pela mãe e abraçá-la, mas embora tivesse conseguido se mover apenas alguns momentos antes, agora estava congelada e incapaz de falar. Apenas podia ficar ali olhando e chorando impotente.

Eventualmente, os sons da tristeza de sua mãe ficaram distantes e, gradualmente, foi como se um véu tivesse sido lançado sobre os olhos de Angeline. Tudo desapareceu na escuridão.

***

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