segunda-feira, 1 de abril de 2024

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 11 — Capítulo 143

Capítulo 143: O vento que soprava colina acima

O vento que soprava colina acima agitava a grama verde e opaca com um sussurro sedoso. Um menino ruivo estava ali, com os cabelos balançando pela brisa. Sua mão tateou em busca da espada em seu cinto. Quando decidiu viver como aventureiro a todo custo, trabalhou com fervor desesperado como lavrador para economizar dinheiro para comprar a lâmina de um comerciante que passava. Era barata, mas ao contrário dos facões que usara nas suas aventuras montanha acima, esta era uma arma adequada. Tinha um peso diferente dos implementos de artesanais com os quais estava acostumado. Tinha todo o peso de uma ferramenta usada para ferir e matar. Esse peso dominou o menino com euforia e desolação. A ideia de que poderia enfim partir em sua jornada era o outro lado da percepção de que estava deixando este lugar. Ele não podia mais inventar desculpas para atrasar — tinha que ir para a cidade grande.

Do topo da colina o garoto podia ver a fumaça matinal subindo das chaminés por toda a vila. As plumas gradualmente se dispersaram em certo ponto e desapareceram no nada em pouco tempo. Ainda podia ver sinais do festival de outono que acontecera no dia anterior. Estava ansioso e melancólico por deixar para trás a vida como a conhecia até agora. Maior do que qualquer sentimento era a sensação de propósito queimando em seu coração. Sabia que era o que tinha que fazer. Seu pai havia morrido há muito tempo, logo seguido por sua mãe. O garoto estava sozinho em uma casa vazia que parecia terrivelmente estranha sem eles. A ideia de fugir daquela casa vazia tomou conta, e sentiu uma convicção inexplicável de que precisaria deixar a vila para fugir dela. Seu coração ansiava por terras distantes.

Ele respirou fundo e expirou devagar. O céu acima estava tingido com os tons do outono, assim como as árvores amarelas e vermelhas que cercavam a vila. O garoto adorou a vista daqui. Podia ver toda a vila e tudo ao seu redor. Este era o lugar onde havia morado desde o momento em que nasceu, e essas eram paisagens familiares. Ainda se lembrava vividamente de correr por aqui com seus amigos.

Depois que partisse, nunca mais veria essas paisagens nostálgicas. Muitos dos mais velhos tentaram dissuadi-lo de partir, e estaria afastando-os para ir embora. Estava sendo teimoso à sua maneira. Jurou que não retornaria até que fosse pelo menos conhecido como um herói triunfante. Não conseguia nem imaginar quanto tempo isso levaria — o resto de sua vida, talvez. Mesmo assim, essa convicção era tudo o que ele tinha. Ajustou a bainha do cinto mais uma vez e respirou fundo de novo.

O vento estava agora nas suas costas, quase como se estivesse dando-lhe um empurrão. O garoto riu suavemente antes de descer a colina. De lá embaixo, na vila, podia ouvir os cavalos da caravana de mercadorias.


As gêmeas se agarraram em Mit enquanto dormiam — o rosto de Hal estava pressionado na bochecha de Mit, enquanto Mal, murmurando para si mesma durante o sono, colocou os braços em volta da barriga e as pernas trancadas em torno das do garoto. Mit, murmurando, tentou se virar, mas não tinha como se mover nessa situação. O garoto se contorceu em uma postura um tanto estranha, fazendo com que o cobertor deslizasse dos três.

Já era verão, porém Turnera era o ponto mais ao norte do ducado, e não estava quente o suficiente para dormir sem coberturas à noite. Belgrieve colocou o cobertor de volta sobre as crianças, temendo que alguma delas pegasse um resfriado.

“É fácil ficar doente nesta época...”

Por causa do calor do dia, muitas crianças tendiam a dormir com roupas leves e acabavam adoecendo. Quando Angeline era jovem, costumava chutar sem perceber as cobertas enquanto dormia, deixando seu corpo exposto e resultando em um nariz escorrendo pela manhã. Mesmo assim, tentava sair e brincar sem se preocupar com sua saúde. Belgrieve se lembra de induzi-la a ficar em casa e descansar, sentando-se ao lado de sua cama para ler um livro ou presenteá-la com histórias de seus dias de aventura. Não demoraria muito para que a menina caísse em um sono profundo.

“Estão dormindo como pedras.” observou Satie enquanto cuidava do fogo.

Belgrieve abaixou-se diante da lareira.

“Sim... Os três brincaram muito hoje.”

“Então você tem a sensação de que Schwartz está usando um pouco dos poderes daquele deus antigo?” Kasim perguntou enquanto enchia um bule de chá.

“Isso mesmo. Embora ainda haja coisas que não tenho conhecimento, então no momento não vejo o quadro completo...”

Satie, franzindo a testa, soltou um suspiro profundo. Turnera desfrutou de um longo período de dias pacíficos, contudo parecia que Satie reuniu coragem e enfim decidiu revelar o que sabia sobre Schwartz e seus experimentos. Além de Belgrieve, Percival, Kasim e a própria Satie, Graham se juntou a eles. Charlotte e Byaku, que já serviram Schwartz, também ficaram acordados para participar.

Satie pegou uma xícara de chá, com os olhos semicerrados.

“No entanto eles costumavam ser inimigos, certo? Parece que o tipo de magia de Salomão não combina bem com os deuses antigos. No mínimo, não fui capaz de fazer uso de nada além de teletransporte, construção espacial e magias de conjuração de personalidades falsas.”

“Magia de teletransporte... Pelo que me lembro, você podia fazer isso, certo, Byaku?” Belgrieve perguntou.

Byaku, reclinado em uma cadeira com os braços cruzados, deixou seu olhar vagar enquanto refletia sobre a questão.

“Esta é a primeira vez que ouço sobre deuses antigos. Esse feitiço foi apenas algo que peguei emprestado de Schwartz.”

“Pegar magia emprestada... Não se ouve falar disso com muita frequência.” refletiu Kasim.

“Além do mais, o poder do deus antigo diminui se você deixar o local onde os fragmentos de sua consciência permanecem... É provável que a magia de teletransporte seja um poder do próprio Schwartz.”

“O que é essa magia de personalidade falsa, afinal? Nunca ouvi falar de algo assim.” disse Percival.

Satie fechou os olhos.

“Como o nome indica, é uma magia que pode criar uma persona totalmente nova. O feitiço constrói memórias e personalidade, e pode definir um gatilho para voltar ao normal. Ao fazê-lo, pode se tornar uma pessoa completamente nova, separada das memórias do original.”

Kasim girou o chapéu na ponta do dedo enquanto processava as palavras dela.

“Oh, entendi. Com uma magia assim, vai evitar todas as suspeitas, e a personalidade é programada para não ser mais sábia, de modo que também não pareceria antinatural para a persona construída. Parece um feitiço conveniente, que... Poderia fazer quantas travessuras quisesse.”

Percival endireitou-se na cadeira, franzindo a testa.

“Mas... Destruímos sua base e seu apoio no império. O que ele vai fazer agora? Seja o que for que esteja planejando, não vai demorar?”

Satie respirou fundo e fechou os olhos.

“Não sei. Schwartz não é do tipo que compartilha suas ideias com o resto do mundo.”

“É seguro assumir que seu objetivo atual é transformar demônios em humanos?” Graham perguntou.

Satie assentiu depois de um momento.

“Sim. Havia outras coisas em que estava trabalhando, entretanto acho que tudo levou a isso. Claro, não tenho certeza se esse era seu objetivo final ou apenas mais um passo em um plano maior...”

Os ombros de Satie tremeram como se estivesse com dificuldade para respirar, e derramou uma lágrima de um dos olhos cerrados. Belgrieve passou o braço com delicadeza em volta dos ombros dela.

“Desculpe.” disse Graham se desculpando. “Eu a fiz se lembrar de algo doloroso.”

“Não, está tudo bem...” Satie enxugou as lágrimas com as costas da mão e respirou fundo. “Porém, para ser honesta... Houve muitas partes dolorosas das quais ainda me lembro vividamente.”

“Não se esforce. Não precisamos desenterrar os detalhes desses experimentos. As coisas poderiam ser diferentes se saber essas coisas pudessem nos ajudar a definir o objetivo de Schwartz, contudo... Mesmo assim, eu não a forçaria.” disse Percival, lutando para encontrar as palavras certas.

Satie sorriu um pouco.

“Hehe... Eu não esperei que você tivesse tato.”

“Cale a boca.” Percival se virou, com uma expressão azeda no rosto.

O clima havia melhorado um pouco e novas xícaras foram servidas pelo bule que assobiava. Satie tomou um gole antes de continuar.

“De qualquer forma, Schwartz queria aperfeiçoar a transformação de demônios em humanos... Não tenho dúvidas de que Ange foi um teste bem-sucedido. Temos sorte de Schwartz não saber disso...”

Eles só descobriram que Angeline era filha de Satie depois da batalha na capital. Essa foi uma conclusão derivada do conhecimento que apenas Satie e Belgrieve poderiam possuir, então não havia como Schwartz saber.

“Todavia... Ange cresceu e se tornou uma boa menina, como todos sabem. Não significa que seu plano foi um fracasso? E mesmo que quisesse fazer algo agora, ela é muito forte. A garota não vai perder tão facilmente.” argumentou Percival.

Quase todos concordaram, no entanto Byaku parecia em dúvida.

“Deveríamos ser tão otimistas? Desde o momento em que a conheci, o demônio Caim dentro de mim a reconheceu como uma parente nossa. Não seria estranho se Schwartz chegasse a essa conclusão sozinho.”

Pensando bem, Byaku tem apontado esse fato desde o início... As implicações de suas palavras eram tão inconcebíveis naquela época que nenhum deles lhe deu muita atenção, mas agora ele parecia bastante confiável.

Kasim coçou a cabeça.

“Porém você não sabe mais nada sobre isso, certo? Se você se conectar com a mente daquele demônio por muito tempo, acabará sendo consumindo.”

“É verdade. Não sei qual é a lógica por trás dela se tornar uma humana completa. Uma coisa de que tenho certeza é que meu demônio a inveja.”

“Significa que os demônios de Salomão... Desejam se tornar humanos?” Belgrieve se perguntou.

Byaku franziu a testa.

“Não sei. A mente de Caim caiu em completa loucura. Sempre que tento conversar ele ignora o que digo e apenas tenta me devorar e assumir o controle do meu corpo — só isso. Não consigo tirar mais nada de útil dele.”

Mesmo com Graham e Kasim ajudando-o, essa parte ainda não melhorou. Na verdade, até o apoio de duas lendas vivas não foi suficiente para apelar a um ser criado pelo perverso arquimago que outrora governou a terra.

Charlotte apertou as mãos.

“O anel de Samigina... Também tentou me consumir.”

“Em última análise, os demônios agem apenas por ansiar por Salomão. Eles têm lembranças profundas da batalha para conquistar a terra, então acham que precisam derrotar todos os inimigos. É o que eu penso.” disse Byaku, tomando um gole de chá.

Belgrieve coçou a barba.

“O que acha, Graham?”

“Soa plausível. Já enfrentei vários demônios antes e, para mim, parecia que lutar era uma extensão de sua lealdade ao mestre. Daí porque tudo murchou ao seu redor e monstros foram atraídos em seu auxílio. Sei pouco sobre a época do reinado de Salomão, entretanto imagino que deve ter sido uma era rígida, que não tolerava nem a menor resistência.”

“Acho que você tem razão.” disse Satie. “Antes de serem experimentados, os demônios assumiram a forma de silhuetas vagas e sombrias, e pude sentir uma imensa intenção assassina vindo deles. Contudo em vez de hostilidade, era mais como... Um senso de dever.”

“Nesse caso, ao transformar um demônio em humano, foi capaz de conter aquele desejo por homicídio?” Kasim perguntou.

“Isso provavelmente foi uma parte...”

“Mas e então? Seu propósito ainda é desconhecido.” disse Percival, cruzando os braços.

Essa foi a parte que lhes escapou, não importando quanto tempo ponderassem sobre o assunto. A chama da lanterna tremeluziu. Satie terminou o resto do chá e suspirou.

“Os demônios — ou melhor, os homúnculos de Salomão — podem assumir todos os tipos de formas. Todos vocês sabem disso, certo?”

“Sim. Já lutei contra demônios que mudam de forma várias vezes antes.” disse Belgrieve. Percival e Graham indicaram que também o fizeram.

Satie esfregou a ponta do nariz.

“Eles costumam assumir formas humanoides ou bestiais, no entanto... Por exemplo, aquele que Char mencionou — sei que alguns parecem pedras preciosas, ou outros, líquidos, como aquela espada daquele templário com orelhas de coelho na capital.”

“O que acontece com a consciência do próprio demônio quando está em uma forma sólida como um anel?”

“Eu não saberia dizer. Por instinto, anseiam retornar para Salomão, então... Talvez aqueles em outras formas estejam apenas dormindo, com sua consciência permanecendo no fundo. Todavia para os testes humanos bem-sucedidos, talvez até mesmo esses pensamentos mais profundos desapareçam... Pode ser por esse motivo que a presença do demônio desaparece por completo.”

“Então renasceram completamente como humanos?” Percival perguntou.

Satie assentiu.

“Acredito que sim. Quanto à forma como são concebidos... Ao que parece existem várias maneiras. Porém os demônios são formas de vida baseadas em magia, então podem ser controlados até certo ponto por meio de sequências de feitiços. Ou seja, uma vez que o demônio esteja dentro do corpo da cobaia, você pode substituí-lo por uma sequência para que ele habite quando bebê. Eu nem percebi quando isso aconteceu comigo. Talvez tenham misturado um demônio líquido em algo que comi...”

“O que significa que Schwartz e seus companheiros descobriram uma maneira de controlar demônios com magia, até certo ponto.”

“Correto. É assim que eles conseguiram manter vários demônios em formas de cristal adormecidos. Presumo que as outras organizações que tentam usar os demônios também sabiam desses métodos. Kasim, você fez parte de uma delas, certo?”

“Sim, fiz. Mas era como se Schwartz estivesse sempre um passo à frente.” disse Kasim.

Os olhos de Belgrieve vagaram enquanto acariciava a barba.

“Nesse caso... Significa que seus experimentos foram um sucesso?”

“A existência de Ange parece ser uma prova desse sucesso. Não sinto a menor presença demoníaca dela.”

“Isso tem alguma coisa a ver com o fato de... Você ser uma elfa?”

“Não tenho certeza... Porém de todos os experimentos que vi, Ange é o único que eu consideraria um sucesso total, então é bem provável. Pode estar relacionado à forma como a mana de um elfo difere da de um humano...” Satie raciocinou, olhando para Graham.

O velho elfo parecia estar pensando profundamente e demorou algum tempo até que respondesse.

“A mana dos elfos é de natureza um pouco diferente da mana dos humanos. Deveria ter uma afinidade terrível com a mana dos demônios.”

“Pelo que me lembro, vovô, sua espada sagrada despreza absolutamente demônios e qualquer coisa do tipo.” disse Percival, olhando para a parede onde a lâmina permanecia silenciosa. Eles ouviram dizer que estava transbordando de mana pura dos elfos. Como detestava demônios, era lógico que um elfo deveria ter pouca compatibilidade com um demônio.

Belgrieve franziu a testa.

“Pelo contrário... Talvez a mana élfica possa funcionar para neutralizar algumas das partes malignas do demônio.”

“Tudo o que temos são suposições. Contudo se o único que se tornou uma criança humana nasceu de uma elfa, então podemos derivar algum significado disso.”

Parecia que até Graham só podia oferecer conjecturas.

Satie suspirou e passou os braços em volta dos joelhos.

“No entanto se algum poder dos elfos for capaz de conter o poder dos demônios... Talvez eu consiga proteger essas crianças. Isso é... Encorajador.” ela enterrou o rosto nos joelhos, os ombros tremendo mais uma vez. “Foi uma visão terrível... Eles estavam todos esfarrapados e ensanguentados... Um homúnculo cresce no útero muito mais rápido do que uma criança normal. Era visível seu crescimento em um único mês, e havia garotas cujos corpos apenas não conseguiam acompanhar a mudança súbita, e morriam.”

Belgrieve deu um tapinha gentil nos ombros de Satie.

“Se eu fosse um pouco mais forte... Então, eu... Teria salvado muito mais delas.” disse Satie, fungando.

“Não se culpe. Você fez tudo o que pôde, sozinha.”

“Desculpe... Pensei que já tivesse processado essas emoções. Tudo está voltando para mim agora.”

Kasim coçou a cabeça com força.

“Hmm... Uma coisa não está certa... Se o verdadeiro objetivo fosse ter demônios que pudesse controlar livremente, não havia como deixar Satie escapar, e quando o fizesse, acho que ele teria tentado muito mais encontrá-la... Schwartz não parece o tipo de cara que cometeria tal erro, não é?”

“Não conheço sua disposição, mas... Bem, isso foi uma grande confusão para um arquimago que deixou seu nome nos livros de história.”

“A ameaça que representa seria muito menor se fosse propenso a medidas meia bocas.”

“Não podemos alimentar tal noção. Este é o homem que conseguiu conquistar o coração do Império Rodesiano, mesmo que apenas por um curto período.”

“Esse é precisamente o meu ponto. Há algo errado em como lidou com a pesquisa dos demônios — a parte à qual deveria estar prestando mais atenção. Apesar de todas as coisas horríveis que fazia, suas ações eram aleatórias nos piores momentos. É muito estranho.”

“Quero dizer, eu entendo...”

Eles estavam apenas rodando em volta do mesmo ponto e não chegando a lugar nenhum. Parecia que Charlotte e Byaku não sabiam nada além do fato de que os experimentos estavam sendo conduzidos e, embora Satie soubesse mais sobre os experimentos em si, não havia sido informada sobre qualquer objetivo que estivesse além deles. Não importa o quanto discutissem o assunto, não conseguiam escapar do reino da pura conjectura. Estava começando a parecer um pouco inútil para todos.

De repente, Kasim pareceu se lembrar de algo.

“Pensando bem, Satie... Você não disse que destruiu a Chave de Salomão ou algo assim?”

“Hmm, é verdade... Oh, e você também não disse que estava a procurando uma vez?”

“Sim, disse. Bem, eu não estava tão motivado, então não posso dizer que estava fazendo um grande esforço em procurar.” Kasim explicou como estava procurando por um item encantado conhecido como Chave de Salomão enquanto trabalhava com outro grupo de pesquisadores de demônios, mas que seus esforços não deram frutos.

Percival franziu a testa e inclinou a cabeça.

“O que é essa chave?”

“Parecia um pequeno galho de uma macieira. Porém na verdade era uma construção de mana poderosa, e tive que aplicar camadas de magia várias vezes e exercer toda a minha força para enfim quebrá-la.”

“E o que fez com os restos quebrados?”

“Os enterrei no meu espaço construído. E sem mim por perto, esse espaço terá desabado sobre si mesmo.”

“Entendo. Então não precisamos nos preocupar mais. Apenas pensei que poderia ser com essa chave que Schwartz começaria.”

“Essa era uma possibilidade, contudo apenas se a chave ainda estivesse por perto.”

Como disse Satie, a Chave de Salomão era um item que qualquer pessoa que pesquisasse os demônios gostaria de possuir. Havia documentos antigos que afirmavam que era o que Salomão uma vez usou para comandar seus demônios.

Satie, que prestava muita atenção a cada movimento de Schwartz e não se importava com a probabilidade de fracasso e morte, interveio um momento antes de ele obter a Chave de Salomão e arrebatou-a. Como resultado, nunca chegou às suas vis mãos.

Diante desse evento, não parecia haver nada que Schwartz pudesse fazer. Seu objetivo era desconhecido, no entanto fosse lá o que fosse, a Chave de Salomão seria um fator importante. Agora que havia desaparecido deste mundo e ele foi privado de sua base na capital, não parecia que poderia fazer movimentos drásticos.

Com um barulho alto, um dos pedaços de madeira recém-adicionados quebrou na lareira.

“Resumindo, não parece haver nada com que devamos nos preocupar muito.” concluiu Percival enquanto reorganizava a madeira com um atiçador.

“Entretanto ele é... Insondável. Não pode subestimá-lo!” Byaku alertou.

Kasim suspirou.

“É o pior tipo de pessoa para se lidar. Agh, eu deveria ter acabado com ele quando tive a chance.”

“Não creio que Schwartz esteja atrás da conquista mundial.” as palavras suaves de Graham atraíram todos os olhares em sua direção. “Se fosse esse o caso, então o Império Rodesiano teria sido a ferramenta mais importante que poderia ter pedido. E não teria desistido de seu domínio tão facilmente. Em minha opinião, acredito que a curiosidade distorcida e o impulso de um mago são o que governam suas ações. Para pessoas assim, não se pode presumir suas ações só pesando o que elas têm a perder ou a ganhar.”

“Quantas pessoas... Foram sacrificadas por algo assim...?” Satie estava soluçando baixinho até os joelhos, com o corpo tremendo. Parecia que enfim tinha ficado muito doloroso para ela continuar. Quanto mais conversassem, mais se lembraria.

Belgrieve puxou Satie para perto com gentileza. Como os outros, Satie queria ver esse problema resolvido. Todavia os dias que passou envolvida na batalha com Schwartz e seus conspiradores, e as cenas macabras e manchadas de sangue que se seguiram, a traumatizaram. Ela não conseguiu encarar o passado por muito tempo.

“Vamos terminar por aqui hoje.” disse Percival enquanto pegava um pedaço de lenha. “Está ficando tarde.”

“Certo, muito bem. Não temos pressa.” disse Kasim cruzando as mãos atrás da cabeça.

Belgrieve esfregou as costas de Satie.

“Satie, que tal uma caminhada para esquecer tudo isso?”

“Ok...”

Os cônjuges saíram de casa juntos. O calor do dia já havia dado lugar ao frio refrescante da noite. A grama estava carregada de gotas de orvalho brilhantes refletindo a luz da meia-lua, que era brilhante o suficiente para que eles não precisassem de uma lanterna para guiar o caminho.

Satie soltou um suspiro profundo enquanto olhava para a lua. Seu cabelo prateado e sedoso quase brilhava sob a luz pálida. Belgrieve ficou fascinado ao vê-la quando seus olhos se encontraram de repente.

“O que foi?” ela perguntou.

“Nada... Bem, só estava pensando... Ange deve ter tirado o cabelo de você.”

Satie riu.

“Talvez tenha... É de uma cor diferente, mas os cabelos daquela garota são lindos.”

“Sim. Mesmo quando seu cabelo está bagunçado depois de se levantar, só precisa passar os dedos por ele para endireitá-lo.”

Quando Angeline começou a trançá-lo, Belgrieve se perguntou se talvez seu cabelo preto começasse a ficar encaracolado. Porém então ela desamarrava as tranças e elas naturalmente ficavam perfeitamente retas, e eram tão macias quanto cabelos élficos.

Os dois já haviam deixado à vila e caminhado até as planícies próximas. A grama do verão estava alta nesta época da temporada. Havia uma leve brisa, contudo não o suficiente para fazer barulho na grama. O céu estava claro, exceto por algumas nuvens finas que por vezes passavam sob a lua e lançavam sombras sobre a terra abaixo.

Satie parecia se acalmar a cada respiração do ar puro.

“Desculpe, Bell. Pra ser sincera... Se eu fosse mais forte...”

“Não diga isso. Você fez o máximo que pôde.”

“Fiz...?” Satie disse enquanto olhava para longe. “O que tenho agora é muito precioso para mim. Gostaria que pudesse continuar para sempre. No entanto sei que se algum dia desviasse o olhar... Algo terrível aconteceria.”

“Está falando sobre as crianças?”

“Sim. Estou preocupada com Schwartz, porém ainda mais com as crianças. Há Hal e Mal, é claro, mas Byaku ainda está lutando com a consciência do demônio também. Não posso deixar de pensar no que pode acontecer algum dia.”

Além de Mit, as gêmeas e Byaku também eram crianças nascidas dos experimentos. Se não confrontassem os segredos de seu nascimento, algum dia haveria problemas, assim como Mit certa vez chamou a atenção da antiga floresta. A vontade do demônio ainda persistia dentro de Byaku, e não havia como dizer quando Hal e Mal perderiam o equilíbrio. É claro que a ameaça de Schwartz era iminente, todavia para Belgrieve e Satie, o medo mais profundo era das calamidades que poderiam acontecer aos seus filhos e do que poderiam sofrer como consequência.

Satie levou as duas mãos à boca e soltou um suspiro.

“Sendo honesta, foi terrível... Nada além de lembranças tristes e dolorosas. Entretanto se eu não as confrontar agora, não poderei ajudar essas crianças algum dia.”

“Percy e Kasim provavelmente estão no mesmo barco que você... Estou começando a me sentir um pouco culpado; Fui o único de nós que conseguiu desfrutar de paz e sossego durante todos esses anos.” confessou Belgrieve.

Satie riu e deu um tapinha no ombro do marido.

“O que está dizendo? É graças a você que Ange veio e me salvou. Se não tivesse morado em Turnera... Tenho certeza que nunca mais teríamos nos encontrado assim.”

“Tem razão...” Belgrieve gentilmente passou o braço em volta dos ombros dela, sorrindo.

Satie olhou para ele.

“Bell, eu acho... Não importa como eles venham ao mundo, vidas recém-nascidas não carregam pecados. Ainda que sejam o resultado de todos os tipos de experimentos cruéis...”

“É verdade. Também penso o mesmo.”

“Então, sabe... Apesar de todo o sofrimento que resultou do que vivi, estou feliz que Ange veio ao mundo. Quero dizer, ela nos uniu... Preciso me esforçar um pouco mais.”

“Sim...”

Ainda que tenha sido o sofrimento de Satie que deu à luz Angeline, a própria Angeline não carregou nenhum dos pecados. Na verdade, com toda a boa sorte que a garota trouxera, merecia elogios, se é que merecia alguma coisa.

Belgrieve deu um tapinha nas costas de Satie.

“Mas não faça nenhuma loucura. Qual é o sentido se te perdermos no processo?”

Satie começou a rir.

“Pfft — haha! Você está certo... Ah, Bell. É a mesma coisa que costumava me dizer e a Percy.”

“H-Hã? É?”

“Hehehe... Sim. Vejo que realmente não mudou nada, sabia? No bom sentido, quero dizer.” ela deu um tapinha no ombro dele, rindo.

Belgrieve coçou a cabeça, sem jeito.

“Bem, terei cuidado...” ainda sorrindo, Satie esticou os braços acima da cabeça.

“Tudo bem... Vamos voltar. Seren deve chegar aqui em alguns dias, certo?”

“Sim, será uma estadia mais longa desta vez. A mansão está quase pronta, exceto por alguns pequenos detalhes.”

“Então vai ficar muito agitado daqui em diante... Terá que fazer o seu melhor, mestre da guilda.” brincou Satie, com um olhar travesso no rosto enquanto cutucava sua bochecha.

Belgrieve sorriu ironicamente e deu um tapinha na cabeça dela.

“Estou feliz que você esteja se sentindo um pouco melhor.” “Hey, não me trate como se eu fosse Ange. Sou sua esposa, sabe.” Satie estufou as bochechas, fazendo uma expressão tão divertida que Belgrieve não conseguiu conter o riso. Os dois se deleitaram com o momento, tentando abafar a alegria enquanto o vento aumentava um pouco e agitava a grama ao seu redor.

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