domingo, 21 de abril de 2024

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 11 — Capítulo 147

Capítulo 147: Angeline queria ir para casa o mais rápido possível

Angeline queria ir para casa o mais rápido possível, o mais rápido que suas pernas pudessem aguentar. Não queria nada mais agora do que mergulhar no peito de seu pai.

Angeline foi despertada por um terrível pesadelo depois de cochilar na casa de Maria. Como esperado, estava encharcada de suor e, embora todo o seu corpo estivesse dolorosamente quente, sentia um frio profundo ao mesmo tempo.

Mesmo depois de acordar de maneira tão abrupta, não teve forças para fazer muito mais do que cair em uma cadeira e abraçar seu corpo trêmulo. Maria logo lançou algum tipo de magia e deu-lhe algo quente e doce para beber. Isso a ajudou a se acalmar um pouco.

Ainda assim, seu corpo estava lento e assolado pela fadiga. Até sentia dores nas articulações, como se tivesse pegado um resfriado terrível, mas sem febre. Seu corpo apenas não tinha forças e era cansativo só de se mover. Nesse ponto, não podia descartar sua condição como mera falta de sono. Seu espírito estava exausto e era o que deixava seu corpo tão pesado. Por vezes, explodia em crises incontroláveis de soluços.

Maria encheu outra vez a xícara de Angeline, com a carranca habitual fixada no rosto.

“Não faça uma mulher doente cuidar de você. Você realmente é difícil, garota.”

Angeline baixou a cabeça.

“Desculpe...” ela tomou um gole da xícara. A mistura tinha um aroma peculiar, algo como vários tipos diferentes de ervas misturadas com açúcar e mel. Não é de surpreender que a bebida de Maria fosse muito melhor que a de Miriam; esta bebida era doce, calmante e descia suavemente.

Maria deixou-se cair na cadeira, suspirando.

“Cough... Outro pesadelo?”

“O pior até agora.”

“Consegue se lembra de algo?”

“Não... Porém a mãe estava nesse. Estava muito triste, e eu também estava triste...” seus sonhos estavam começando a ficar tão vívidos quanto à vida real, contudo assim que acordou, tudo estava envolto em névoa. Apenas a onda de emoções dos acontecimentos que testemunhou permaneceu viva em seu coração, a causa de sua agonia.

Angeline sentiu como se estivesse dormindo há muito tempo, no entanto o sol ainda estava alto e a luz avermelhada da tarde entrava pela janela, iluminando cada partícula de poeira no ar. Angeline ficou sentada em silêncio, com a cabeça baixa, até que Maria respirou fundo.

“Ange... Apresse-se e volte para Turnera.”

“Hã...?”

“Não sei o que está causando seus pesadelos, e o objetivo de Schwartz também é desconhecido... Entretanto nada disso importa se acabar desmoronando primeiro. Acho que ver Belgrieve seria o melhor remédio para ajudá-la.”

Angeline se contorceu.

“Mas...” ela queria voltar logo — era verdade. Todavia, parecia que retornar em um estado tão terrível seria como trazer todos os seus problemas direto para sua amada família e sua terra natal, e estava relutante em fazê-lo. Se possível, queria partir sem nada a pesando, a não ser a montanha de presentes em seus braços e o sorriso em seu rosto.

Maria coçou a cabeça.

“Sempre achei que era um absurdo absoluto, porém... Você já ouviu falar de algo chamado fluxo de eventos?”

Angeline inclinou a cabeça em reflexão. Pensando bem... Quando conheceu Salazar na capital imperial, lembrou-se dele ter mencionado algo assim. Foi muito difícil entender na época, e Kasim disse que era uma conversa sem sentido, então não havia se importado até agora.

“Acho que o Sr. Salazar disse algo a respeito... Contudo Kasim me disse para não pensar muito a fundo em suas bobagens.”

“Aposto que sim. Para ser honesta com você, de todos os campos da magia, é o que tem menos base. No entanto, o Olhos de Serpente — deixando de lado sua personalidade — é um mago de primeira classe. Se ele se envolveu com Schwartz, então não podemos descartar por completo suas bobagens.”

“O que é o fluxo dos eventos? Tem algo a ver comigo?”

“Não sei se está relacionado a você. Essencialmente, é um fluxo natural separado da mana... Sabe como dizem que algumas coisas estão fadadas a acontecer? Causa e efeito, carma e tudo mais? Bem, esses acontecimentos predestinados acontecem de todos os tipos, grandes e pequenos. Os maiores aparentemente influenciam o tempo e o espaço. Não vem de um poder externo como mana; em vez disso, esse fluxo surge da vontade e das ações das almas humanas. Pelo menos, essa é a teoria. Cough, hack...”

“Hm...” o rosto de Angeline revelou o quão perdida estava.

Maria suspirou.

“Não me olhe assim... Também acho bobagem. Se não tem nada a ver com mana, então não podemos observá-lo com nenhum método existente e nem sequer podemos confirmar que existe. Houve um tempo em que aquelas pessoas que se interessavam pela magia do tempo-espaço faziam um grande alarido por causa dessa ideia, entretanto não foi além de metafísica — uma teoria abstrata. Ouvi dizer que Olhos de Serpente tem tentado abordá-la como uma questão prática e não filosófica, mas...”

Angeline estava completamente fora de si, e estaria mesmo se não estivesse em tão más condições. Sua mão pegou a xícara, descartando no mesmo instante qualquer possibilidade de envolver a cabeça no assunto.

Maria percebeu a confusão de Angeline e encolheu os ombros.

“De toda forma, se eles estão tramando algo em torno desse conceito absurdo, me será difícil pensar em alguma maneira de neutralizá-los. Droga, eles devem gostar de verdade de me irritar...”

“Porém... Ficarei bem voltando para Turnera, então?” Angeline perguntou.

Maria parecia um pouco em conflito, no entanto balançou a cabeça depois de um tempo.

“Não sei. Contudo o Paladino está em Turnera, e também há Kasim e o Lâmina Exaltada, certo?”

“E o pai...”

“Certo, ele também... Não consigo imaginar o que Schwartz está planejando, todavia se esses pesadelos são seu meio de ataque, então deixá-los te desestabilizar é a pior coisa que pode acontecer. Nesse caso, é melhor que esteja em algum lugar onde possa ter paz de espírito. Não importa o que aconteça, Turnera tem um grupo que pode lidar com quase tudo, e dado contra quem estamos enfrentando, quaisquer contramedidas que você possa preparar em Orphen não seriam muito melhores do que as que pode obter lá.”

“Acho que sim...” este parecia ser o melhor curso de ação para Angeline agora. Deixando todo o resto de lado, sentia que tudo daria certo enquanto estivesse ao lado de seu pai. Angeline terminou o chá e soltou um longo suspiro. Quanto mais falava, mais sua mente despertava e mais os detalhes de seu sonho desapareciam. A sensação nauseante permaneceu, e não tinha a menor ideia do que ao certo a fez acordar em lágrimas há pouco.

“Será o que farei... Precisarei falar com o mestre da guilda, então.”

“Soa como um plano. Do jeito que as coisas estão, a guilda deve ficar bem mesmo se você tirar uma licença prolongada.” Maria, cansada, recostou-se na cadeira. “Se estiver saindo, poderia fechar as janelas ao sair?”

“Hmm...”

Angeline se levantou e pendurou a bolsa no ombro, depois fechou todas as janelas abertas que encontrou. Estava a meio caminho da porta quando de repente se lembrou de algo.

“Hey, vovó, quer vir para Turnera comigo?”

“Vou pensar...”

Maria parecia estar pensando muito sobre alguma coisa. Ela enterrou a boca no cachecol e se enrolou na cadeira. Parece um passarinho em um dia frio, pensou Angeline.


Angeline conseguiu pegar a última diligência do dia e, embora tenha sido uma viagem acidentada, logo voltou a Orphen. O sol já havia se posto quando entrou na cidade; o céu estava escuro e um vento frio descia. Ela percorreu um caminho familiar e percebeu que estava se sentindo muito mais alegre do que há muito tempo. Era como se a sua decisão de voltar para casa tivesse posto fim a muitas das suas preocupações.

Mesmo assim, não significava que podia apenas partir em seguida. Precisaria conversar com a guilda e discutir com os membros do seu grupo. Talvez tivesse que lidar com alguma coisa urgente antes de poder partir, sem mencionar os procedimentos adicionais que os aventureiros Rank S tinham que passar antes de poderem tirar uma licença.

Angeline achou que deveria jantar e foi para o bar de sempre. Estava tão lotado e barulhento como sempre. Não havia mais lugares no bar, então procurou por qualquer lugar que conseguisse, apenas para encontrar os membros de seu grupo sentados em uma das mesas.

Que sorte... Angeline caminhou até elas com passos saltitantes.

“Oh!” Marguerite foi a primeira a notá-la e gritou enquanto gesticulava com o copo. “Onde diabos você estava? Fomos para o seu quarto e não te encontramos lá.”

“Fui ver a vovó Maria...”

“Hã? A bruxa?” perguntou Miriam. “É um longo caminho a percorrer quando se está tão doente, Ange.”

“Mas você parece um pouco melhor agora.” observou Anessa, servindo uma taça de vinho para a amiga. Angeline bebeu tudo de um só gole, mesmo cansada como estava.

Angeline respirou fundo antes de falar o que pensava.

“Eu decidi — vamos partir para Turnera o quanto antes. Assim que estivermos prontas, de preferência.”

Suas amigas encararam-na com os olhos arregalados, embora nenhuma delas estivesse realmente chocada.

“Sério?” Marguerite exclamou. “Não que tenha nada contra...”

“Bem, vamos de qualquer maneira, então qual é o problema? Se Ange não puder atender aos pedidos, não faz diferença se estamos em Orphen ou Turnera.” argumentou Anessa.

“Então precisaremos nos apressar e nos preparar. Devíamos comprar algumas lembranças para levar com a gente!” Miriam entrou na conversa.

Todas as três meninas sabiam o quanto Angeline desejava voltar para casa. Foi um pouco surpreendente que fossem partir tão cedo, porém também não era uma proposta ultrajante.

Anessa fez outro pedido para uma garçonete antes de perguntar a Angeline.

“Maria te deu um remédio bom?”

“Hmm... Ela me deu algo, contudo também me disse que meu pai é o melhor remédio para mim e que deveria voltar correndo para Turnera.”

Suas amigas imediatamente caíram na gargalhada com seu comentário.

“Ahahahaha! Claro que é! Bell é a cura para Ange.” brincou Marguerite.

“É por esse motivo que sua pele está melhor agora?” Anessa observou. “Bem, bom pra você.”

“A bruxa diz algumas coisas inteligentes de vez em quando.” disse Miriam.

Quando Angeline estava tendo dificuldades para se decidir, era bom ter alguém que lhe desse um empurrãozinho na direção certa. Angeline assentiu e pegou sua segunda taça de vinho. Seguia se sentido um pouco triste, sabendo que outro pesadelo aconteceria naquela noite, mas a energia alegre do bar ajudou a deixá-la à vontade, mesmo em sua condição atual. Desejou poder passar a noite inteira sem dormir aqui e não ter que deixar o ambiente flutuante, porém sabia que não era uma opção.

“Então, sobre o que conversou com a senhora Maria?” Anessa perguntou.

“Hmm... Sobre por que me tornei humana, embora minha mãe seja uma elfa.”

“Ah, sim, descobriu alguma coisa?”

Angeline contou lentamente todos os detalhes que conseguia lembrar-se do que Maria lhe contara. Anessa pareceu convencida por esse raciocínio.

“Entendo… Faz sentido.”

“Algo mais?” Marguerite entrou na conversa.

Angeline refletiu.

“Mais... Hmm, algo sobre o ‘fluxo de eventos’ que o Sr. Salazar continuou falando.”

Marguerite franziu a testa abertamente à menção de Salazar.

“Ick, eu não entendi uma palavra dessas coisas. Não tenho ideia do que Salazar estava falando... Conseguiu entender alguma coisa, Ange?”

“Você acha que consegui?”

“Bom. Que bom que estamos na mesma página.” disse Marguerite, enchendo o copo de Angeline.

Anessa e Miriam também trocaram sorrisos irônicos. Se até mesmo Kasim considerou as divagações de Salazar absurdas, elas próprias não estavam em melhor posição para entendê-las.

A conversa se voltou para a caça aos monstros que as três garotas haviam ajudado, e depois para quais presentes seriam melhores para levar para Turnera e se acabariam passando o inverno lá, e então, o que aconteceria com sua jornada para o leste se a fizessem. O entusiasmo delas parecia alimentar os tópicos das conversas que mudavam bem rápido.

“Pensando bem, o que aconteceu com Ishmael?” Marguerite perguntou com a boca cheia de batatas cozidas no vapor. “Ele não disse que queria ir para Turnera também?”

“Ah, tem razão.” disse Miriam. “O que acha que ele está fazendo? Não o vi nenhuma vez desde que o encontramos aqui.”

Anessa colocou a mão na boca, pensativa.

“Talvez esteja trabalhando para pagar suas viagens?”

Angeline tinha uma resposta pronta para essa pergunta.

“Não, perguntei a Yuri — o senhor Ishmael não atendeu a nenhum pedido.”

Foi porque ela não conseguiu entrar em contato com ele que foi ver Maria primeiro. Todas as quatro ficaram intrigadas silenciosamente com o que estava se revelando um mistério ainda maior do que poderiam esperar.

“E há Yakumo e Lucille.” disse Anessa, deixando de lado as questões em torno de Ishmael por enquanto.

“Se planejamos ir para o leste, as duas se juntarão a nós, certo?” disse Miriam. “Se não forem para Turnera, estarão esperando por nós em Orphen, então?”

Angeline cruzou os braços — não tinha pensado nessa questão. Se Yakumo e Lucille esperassem em Orphen, então não poderiam passar o inverno inteiro em Turnera. Embora talvez houvesse uma chance de a dupla querer se juntar em sua viagem Turnera e passar o inverno lá também. A última vez que falou com Yakumo, a mulher não parecia muito interessada na ideia, enquanto a opinião de Lucille era desconhecida. Para Angeline, Turnera era sua terra natal insubstituível, contudo para aquelas duas era apenas um lugar frio no campo. Com certeza Ishmael também sentiria o mesmo.

Angeline recostou-se na cadeira. Embora quisesse partir o mais rápido possível, esse problema era maior do que seus próprios caprichos.

“O que deveríamos fazer...? Isso é problemático.”

“Vamos ver. Teremos que falar com aquelas duas primeiro, antes de qualquer outra coisa. Vamos tentar encontrá-las amanhã.” sugeriu Miriam enquanto cutucava as bochechas de Angeline.

Angeline beliscou Miriam de volta.

“Merry... Você está ficando meio gordinha.”

“O que é que foi isso?” Miriam gritou, fazendo beicinho.

A noite passou lentamente. Angeline já havia dormido um pouco, embora não sem pesadelos. Agora que se acalmou um pouco, não se sentia muito sonolenta. No entanto, o resto do grupo tinha saído para trabalhar mais cedo e agora estavam um pouco cansadas.

Marguerite esticou os braços acima da cabeça e bocejou.

“Ahh... Estou exausta.”

“Não é? Já faz muito tempo que não recebemos um pedido conjunto. Foi meio cansativo.”

O trabalho que completaram foi uma caça a monstros que exigiu que vários grupos trabalhassem juntos para ser concluído. O número de criaturas em uma masmorra próxima havia crescido a um nível incontrolável e havia o perigo de saírem para o mundo exterior. Embora os próprios monstros fossem todos de baixa patente, o seu grande número os tornava uma força a ser considerada.

“Vocês deveriam ir para a cama mais cedo...” Angeline disse, recostando-se à vontade na cadeira. “Vamos nos encontrar amanhã na guilda.”

“E você, Ange?” perguntou Anessa.

“Vou beber um pouco mais... Ainda não estou com sono.”

As outras três se viraram e, após um momento de contemplação silenciosa, Anessa falou por elas.

“Cuide-se. Pra ser honesta, não tê-la por perto... Tornou o trabalho de hoje muito mais cansativo para nós.”

“Eu sei, certo? Maggie se intrometeu e tentou atacá-los de frente.”

Marguerite fez beicinho.

“Já disse que sinto muito...”

Anessa e Miriam riram da amiga.

Com isso, as outras voltaram e Angeline ficou sozinha na mesa. O bar como um todo estava um pouco menos lotado agora que a correria do jantar havia passado. Por um tempo, Angeline apenas cuidou do vinho com um olhar distante e desfocado, aproveitando aquele momento de calma. Na verdade, se sentia tão calma que, pensando bem, achou bastante peculiar. Não se sentia assim há algum tempo. Estava aos poucos devorando a comida que restava em seu prato quando ouviu uma voz familiar chamá-la.

“Ah, aí está você.”

“Mestre da guilda...?” Angeline olhou para encontrar Lionel parado ali, aparentemente aliviado ao vê-la. Não o vejo aqui com muita frequência...

“Estou muito feliz por tê-la encontrado.”

“Algo de errado? Precisa de mim?”

“Bem, eu não.” Lionel se inclinou um pouco para o lado para revelar Ishmael logo atrás.

Hmm? O que é isso?

“Senhor Ishmael! Estive te procurando... Onde esteve?” Angeline perguntou.

Ishmael coçou a cabeça sem jeito.

“Eu devo pedir desculpas. Na verdade, estive na biblioteca de Elmer todo esse tempo... Pensei em ficar apenas um pouco, mas muito tempo se passou antes que me desse conta.”

Entendo, então foi isso que aconteceu... pensou Angeline. Era apenas um lugar com muitos livros para um não mago. Porém era um verdadeiro tesouro para qualquer um que pudesse usar magia. Ainda assim, o que está fazendo com Lionel?

“Bem, o Sr. Ishmael veio até mim, veja só...” explicou Lionel. “Ele perguntou se eu sabia onde te encontrar. Algo sobre ir para Turnera... Realmente não sabia se vocês dois se conheciam, então achei melhor acompanhá-lo. De qualquer forma, fomos para o seu quarto, entretanto como não estava lá, então pensei em tentar encontrá-la aqui.”

Angeline era uma aventureira Rank S; o nome da Valquíria de Cabelos Negros se espalhou por muitas terras além de Orphen. Não era inconcebível que algum canalha tentasse localizá-la com intenções maliciosas — esse tipo de coisa não era completamente inédito. Então Lionel veio junto com Ishmael por preocupação. Mesmo assim, Angeline apoiou a cabeça cansadamente.

“Acha que sou tão fraca que não consigo me virar?”

“Não, eu não. Mas não há mal nenhum em ser cuidadoso. Afinal, você tem estado muito doente esses dias... Bem, parece que me preocupei à toa.” Lionel sorriu sem jeito.

Angeline suspirou e pediu aos dois que se sentassem.

“Não, ainda tenho algumas coisas para fazer.” protestou Lionel, coçando a bochecha.

“Sente-se já. Tenho algo para conversar com você.”

“Comigo?” Lionel pareceu um pouco satisfeito ao ouvi-la — isso lhe deu uma desculpa para relaxar.

Angeline pediu outra garrafa de vinho antes de começar.

“Tenho certeza de que disse que iria para Turnera de novo...”

“Sim, disse sim.”

“Quero sair mais cedo, o quanto antes, se possível.” disse Angeline.

Lionel riu.

“Entendo, então é disso que se trata. Não me diga que o seu desejo de voltar para casa é o que está causando esse seu mal estar.”

Angeline fez beicinho. Esse não era exatamente o caso, entretanto podia ver por que Lionel agiria dessa forma.

“Posso?”

“Não vejo por que não. Não estamos na mesma situação que estávamos durante aquele incidente com o demônio. Temos aventureiros suficientes para todos agora — e você voltará antes do inverno chegar, certo?”

“Esse é o plano, até onde planejei...”

“Haha! ‘Até onde planejei’, hein? Bom, pode passar o inverno lá se quiser... Depois de voltar de Turnera, vocês farão uma viagem para o leste, certo? Ficarão fora por um longo tempo de qualquer maneira. Ir para Turnera um pouco mais cedo não fará mal nenhum.”

Ao que parecia, havia agora alguns outros aventureiros Rank S além de Angeline na guilda, e não havia falta de mão de obra. É claro que, considerando suas conquistas, o grupo de Angeline ainda estava no topo em termos de capacidade e reputação, contudo não significava que havia trabalhos que só elas poderiam realizar. Talvez fosse diferente se o arquiduque a solicitasse em específico outra vez, no entanto não era provável. Seguia havendo papelada para resolver, entretanto parecia que a guilda ficaria bem sem ela por enquanto.

Angeline bebeu de sua taça de vinho antes de se virar para Ishmael.

“Essa é a essência da questão. O que planeja fazer, Sr. Ishmael?”

“Hã? Sobre o que?” Ishmael, que parecia perdido em pensamentos, foi tirado de suas reflexões por Angeline.

“Você quer ir para Turnera, certo? Não foi por isso que estava me procurando?”

“Ah, sim, tem razão... Hmm, eu pretendia ir... Mas pelo que acabei de ouvir, estou certo ao presumir que você irá embora nos próximos dias?”

“Sim... É o que espero.”

Acho que foi muito repentino... Angeline pensou, coçando a bochecha. Os membros de seu grupo eram uma coisa, todavia Ishmael, Yakumo e Lucille poderiam não conseguir comparecer se ela avançasse em seu itinerário. Entretanto não havia como evitar sua necessidade de partir o mais rápido possível em termos logísticos. Agora que já estava decidida a esse respeito, percebeu o quanto estava ansiosa para partir. Durante o incidente com o demônio, ela foi impedida de voltar para casa diversas vezes e foi empurrada contra a parede pelos atrasos. Não houve tal circunstância subjacente desta vez, mas ainda queria correr para casa de qualquer maneira.

Ishmael pensou um pouco antes de desviar os olhos de suas reflexões.

“Tudo bem, irei junto... Embora possa não conseguir passar o inverno. Afinal, estava pensando em ir de qualquer maneira.” disse ele, rindo.

Angeline colocou a mão aliviada sobre o coração.

“Obrigado... Se deixar Turnera logo após o festival de outono, poderá voltar para Orphen antes do inverno.”

“Entendo. Se houver um festival, posso pegar carona com um dos vendedores ambulantes.”

Se Angeline decidisse que ficaria em Turnera, Ishmael ainda teria meios de retornar por conta própria. Angeline percebeu que Yakumo e Lucille também tinham essa opção. Yakumo disse que estava bem em ir para Turnera, contudo que não queria passar o longo inverno lá. No entanto se acabassem por se separar lá, isso diminuiria suas perspectivas de seguirem juntas para o leste — nesse caso, Angeline sabia que realmente teria que retornar para Orphen, afinal. Ela assentiu para si mesma. Pensar nisso ajudou a acalmar seus nervos.

De toda forma, Angeline precisaria encontrar as outras duas e conversar com elas a respeito desse assunto antes de poder fazer qualquer outra coisa. Já havia encontrado Ishmael, então amanhã procuraria por Yakumo e Lucille. Se disserem que foi muito repentino para ser viável para elas, então seria tudo.

Lionel, que bebia seu vinho lentamente, parecia ter mais a dizer.

“Srta. Ange... Você tem tido uma sucessão de pesadelos, certo?”

“Sim... Contudo eu esqueço o que eles fazem assim que acordo. Isso só me faz sentir ainda pior...” Angeline virou-se para Ishmael. “Senhor Ishmael, conhece algum feitiço para lidar com esse tipo de coisa? Perguntei à vovó Maria, no entanto o remédio dela não foi muito eficaz...”

“Hmm... Se mesmo Maria, a Cinzenta, não pôde fazer nada, duvido que eu também possa.”

“Hã? Nem mesmo dona Maria conseguiu resolver?” Lionel se perguntou.

“Realmente não entendo, mas a vovó disse que eu deveria voltar correndo para Turnera e que meu pai é o melhor remédio para mim.”

Lionel começou a rir e Ishmael riu junto.

“Com certeza, o Sr. Belgrieve pode ser justo o que precisa. Como esperado da dona Maria. Ela sabe o que está fazendo.”

“Acho que seu amor por seu pai é famoso agora.”

“Claro que é. Sabe, há algum tempo ela ficou presa em Orphen, incapaz de voltar para casa por vários motivos, e pensei que fosse acabar me matando.”

“Quero dizer... Só queria ir para casa...” Angeline estufou as bochechas, provocando mais risadas dos dois homens.

A conversa continuou por mais algum tempo antes que Lionel tivesse que ir embora.

“Eles ficarão bravos comigo se ficar fora por muito tempo.”

Ele ainda tem que trabalhar tão tarde da noite? Angeline se perguntou. Mas a guilda vinha fazendo bons negócios já fazia algum tempo e talvez isso significasse que havia muito que fazer.

Aos poucos, o bar esvaziou. Angeline ficou sozinha com Ishmael, que ainda estava a acompanhando na bebida. A aparência de Ishmael não parecia mudar, não importa o quanto bebesse, porém pela forma como suas mãos se moviam, Angeline percebeu que a bebida o estava afetando.

“É um trabalho muito ocupado que eles têm, esses mestres de guilda.” observou Ishmael preguiçosamente.

“É verdade... Hey, há algo sobre o qual nunca conversamos na última vez que nos encontramos. Você não terminou de falar sobre Salomão.”

“Oh, agora que mencionou... Acabei muito bêbado no dia.” Ishmael levantou a mão e pediu um pouco de água antes de se voltar para Angeline. “Então, o que quer saber sobre Salomão?”

“Bem...”

Angeline resumiu o que ouviu de Elmer e o que Maria lhe contou. Ela deixou de lado o fato de que era um demônio, contudo mencionou que Schwartz estava conduzindo experimentos para transformar demônios em humanos.

Os olhos de Ishmael pareciam girar enquanto absorvia tudo. Além de oferecer uma interjeição ocasional para dizer que ainda estava prestando atenção, ouvia quase em silêncio.

“Então... Quero fazer algumas pesquisas.” concluiu Angeline.

“Entendo, então é disso que se trata. Pensar em tais experimentos...” Ishmael cruzou os braços e pensou um pouco. “Também estou ciente de que Salomão e Viena lutaram lado a lado. Deixando de lado se era verdade ou não, o fato era mencionado com frequência em documentos antigos. Todavia, após o desaparecimento de Salomão, os demônios ficaram fora de controle e foram mortos pelo campeão de Viena. Não existem muitos registros imparciais desse período da história. Tenho certeza de que a Igreja de Viena já havia se tornado bastante poderosa naquela época.”

“Hã... Então, até o fim, Viena e Salomão nunca foram hostis um com o outro?”

“Não, eles nunca brigaram entre si, até onde sei. Viena ficou quieta quando Salomão conquistou o continente. Foi só depois que Salomão se foi e seus demônios estavam causando estragos por todas as terras que Viena concedeu seu poder a um herói. Bem, é o que dizia uma das histórias; se é confiável ou não, não sei dizer.”

Angeline cruzou os braços. As coisas estão ficando complicadas. Isso significa que Viena apoiou os métodos de Salomão? Ou Salomão era apenas tão forte que Viena não poderia se opor? Fosse o que fosse, Angeline tinha certeza de que esta era uma história que a igreja iria querer suprimir. Ela estava começando a entender por que tantos registros daquela época haviam sido perdidos.

Angeline caiu sobre a mesa e suspirou.

“Isso é algo difícil. Não estou preparada para esse tipo de trabalho...”

Ishmael estava sorrindo levemente enquanto bebia um pouco de água.

“É assim que a história é. Mesmo que existam registos, não há garantia de que contenham a verdade. Enquanto houver um escritor, só seremos capazes de compreender os acontecimentos a partir da perspectiva desse indivíduo. É por essa razão que analisar vários relatos diferentes e reunir as perspectivas fragmentadas para obter um esboço do todo. Mesmo assim, seguirá sendo uma grande distorção dos acontecimentos reais.”

“Acho que sim... No entanto só há uma verdade, não é?”

“Sim, entretanto percebemos essa verdade através dos nossos olhos, das nossas mentes e dos nossos corações. Mesmo se descrevesse a aparência de alguém com detalhes exatos de frente, não significa que poderia necessariamente descrevê-lo da mesma maneira por trás. Pode haver apenas uma verdade, mas só podemos perceber as coisas de um único ponto de vista.”

“Se ao menos pudéssemos falar direto com Salomão e Viena...”

“Hahaha! Se pudéssemos seria um feito incrível.”

Angeline tinha bebido um pouco demais e sua língua estava pesada. Ela bebeu um pouco de água e respirou fundo. Ao mesmo tempo, Ishmael vasculhava sua bolsa, talvez procurando sua carteira. De repente, Angeline notou o galho da macieira antes de aparecer no meio de suas outras coisas. O coração de Angeline deu um pulo. Ela se lembrou do choque que percorreu seu corpo quando o tocou na última vez que se encontraram.

Ishmael tirou a carteira e notou a imobilidade de Angeline.

“Há algo errado?” perguntou curioso.

“Esse galho... O que é?”

“Galho? Oh, está falando sobre isso?” Ishmael tirou-o e colocou-o sobre a mesa. Ele tomou outro gole de água antes de continuar. “Um dos meus colegas pesquisadores o empurrou para mim. Parece que é uma réplica de um cajado usado por um mago dos tempos antigos.”

Angeline olhou para ele longa e atentamente, tomando muito cuidado para não tocá-lo. Ainda parecia tão recém-colhido quanto antes, as folhas não murcharam mais, apesar de terem sido enfiadas em um saco. Elas pareciam firmes e frescas, e conseguia distinguir cada veia individual em sua superfície.

“É um cajado?” Angeline perguntou, olhando para Ishmael em dúvida. Era bem diferente do cajado de Miriam ou de qualquer outro mago que conhecia. Essas outras aduelas eram todas mais longas, com algum trabalho artesanal investido nelas. Angeline nunca tinha visto alguém usar o que parecia ser um pedaço de madeira arrancado direto de uma árvore.

Ishmael tomou outro gole de água e assentiu.

“Os cajados dos magos modernos são todos lindamente trabalhados e assumem a mesma forma geral das bengalas modernas. Entretanto, nos tempos antigos — até mesmo antes da era de Salomão — os dois itens eram distintos. Em cima das bengalas, eles também carregavam cajados para concentrar sua magia. Muitos apenas arrancavam um galho de uma árvore — os galhos novos e frescos das árvores velhas eram preferíveis.”

“As macieiras tem algo de especial que as faz mais poderosas...?”

“Não sei se tem alguma coisa a ver com o fato de ser uma macieira ou não, contudo a teoria que prevalece é que o poder reside em árvores que viveram vidas muito longas. Essa foi uma época sem a maioria das sequências formais de feitiços que temos hoje. Ao que parece, houve um foco maior na força das próprias ferramentas.”

“Hmm...” Angeline estendeu a mão com cautela e roçou as pontas dos dedos no galho. Ela não sentiu nenhuma dormência. Em seguida, tentou agarrá-lo, no entanto não foi atingida pelo choque com o qual estava tão cautelosa. Era como qualquer outro galho novo e era macio ao toque.

“Eu vi da última vez também. Estou surpresa que ainda não tenha murchado.”

“Sim. Meu amigo gravou uma sequência de feitiços nele e despejou bastante mana. É por isso que as folhas não cairão e permanecerão vibrantes no futuro. Infelizmente, uma vez que a maior parte do poder deste cajado foi destinada à manutenção desse feitiço, suas capacidades como auxílio ao lançamento de feitiços são... Bem, pra ser honesto, não é muito útil.” disse Ishmael com um sorriso sardônico.

Angeline ergueu-o e o examinou com atenção. Havia algo de peculiar no objeto, e se sentiu uma estranha atração por aquele galho misterioso. Enquanto o observava, começou a parecer que as pontas das folhas balançavam com uma brisa inexistente. Ao mesmo tempo, um som vibrante pareceu ecoar de algum lugar dentro dela. Seu corpo estremeceu, todavia não sentiu nada particularmente fora do lugar. Depois de devolver o cajado a Ishmael, terminou de tomar seu vinho.

Quando um dos outros clientes saiu do bar, a porta aberta permitiu a entrada do ar fresco da noite. Estava frio, mas confortável em seu corpo aquecido pelo vinho. Um por um, mais clientes foram saindo e o barman parecia estar se preparando para fechar a loja. Angeline bocejou e esfregou os olhos.

“Devíamos ir...”

“Sim, vamos.”

“Porém... Estou com medo de dormir.”

“Você disse algo sobre pesadelos, certo?”

“Sim.”

O próprio pensamento abalou seu humor. Contudo não podia ficar no bar para sempre.

Ishmael parou por um momento para considerar o que Angeline disse.

“Tenho sonhos estranhos de vez em quando. E às vezes há lacunas peculiares na minha memória. Bem, tenho tendência a me perder no trabalho quando invisto demais, então, sendo franco, acho que é apenas cansaço.”

“Acha que é o que está acontecendo comigo?”

“Eu não poderia dizer. A questão é que pesadelos não são nada de especial. Você não está sozinha, então não precisa ficar muito ansiosa com eles.”

“Sim...”

Com isso, os dois se levantaram para sair juntos — até certo ponto, estariam indo na mesma direção. A trança de Angeline balançava na brisa fresca da noite enquanto caminhavam pelo caminho de paralelepípedos.

“Hmm, direi a você assim que decidirmos quando iremos embora. Onde fica sua pousada?”

“Oh, certo. Vou ficar na pousada Chave&Cavalo. Fica em uma rua com muitos negócios que lidam com itens encantados e remédios.”

“Entendi.”

Angeline forçou a memória até lembrar. Ah, aquele lugar. Ela esteve nessa área com bastante frequência quando estava apenas começando como aventureira. Embora não tivesse realmente entrado na pousada, a chave de madeira e o cavalo pendurados na porta deixaram uma impressão em sua memória.

“Tome cuidado...”

Angeline se separou de Ishmael e seguiu o caminho até seu quarto. Estava sentindo uma sensação agradável e confortável por causa do vinho e, estranhamente, não se sentia mais deprimida.

Ao parar por um momento para respirar fundo, olhou para o céu. Estava um pouco nublado, porém não obscurecia as estrelas cintilantes até onde a vista alcançava.

“Estarei em casa em breve... Espere por mim, pai.”

***

Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.

Chave PIXmylittleworldofsecrets@outlook.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário