domingo, 20 de abril de 2025

Slayers — Volume 07 — Capítulo 30

Capítulo 30: A cidade do castelo envolta em nuvens de tempestade
















Um clarão de luz dissipou a escuridão e algumas árvores onde eu estava, junto com ele.

Está atrás de mim. É, eu já sabia!

Fui pega de surpresa pelo ataque repentino na pequena pousada da vila onde estava hospedada, mas consegui escapar do ataque inicial e atrair meu agressor para uma floresta um pouco distante. Conseguiria usar as armas pesadas aqui... Embora tenho minhas dúvidas sobre o quão bem elas funcionariam com esse perseguidor em particular.

Veja bem, não era um assassino ou bandido que estava enfrentando, e sim um mazoku. Esses caras se alimentavam da escuridão, e era preciso um feitiço de grande poder para feri-los.

“Lança Elemekia!” gritei.

Lancei o feitiço que estive entoando no meu oponente que se aproximava, que parecia uma névoa branca com uma vaga forma humana. Porém pouco antes de minha lança brilhante fazer contato, a figura enevoada derreteu no chão! Parecia mais uma sombra branca correndo pela grama agora, então meu feitiço naturalmente passou inofensivo por sobre sua cabeça (ou equivalente do que quer que seja). E assim que aconteceu...

“Ra Tilt!”

Novas palavras de poder irromperam da escuridão! Por um momento, a sombra branca foi engolida por um pilar de luz azul. Ela soltou um estertor mortal desagradável, e quando a luz azul se dissipou... Nada restou.

Phew! Soltei um suspiro de alívio e me virei para o misterioso conjurador na escuridão.

“Muito obrigado!” gritei.

“Ei, não foi nada demais!” respondeu uma garota de cabelos negros ao emergir do mato.

Esta era Amelia, uma das minhas companheiras de viagem. E parecia tensa.

“Ainda tem outro por perto.” sussurrou, vasculhando a área ao nosso redor.

“Ainda?” exclamei, examinando com mais atenção a escuridão.

Talvez devido ao seu tempo como sacerdotisa, Amelia às vezes simplesmente sabia de coisas que não tinha como saber. Eu mesma não conseguia sentir nada por perto, e os insetos zumbiam como se nada estivesse errado... Contudo se Amelia dissesse que havia algo ali, então...

Na hora, o barulho dos insetos parou de forma abrupta.

“Ah... Queria esconder minha presença. Vejo que tem bons instintos.” disse uma voz familiar atrás de nós.

Virei-me com pressa e avistei um velho emergindo da escuridão. Ele estava bem arrumado, com impecáveis cabelos brancos penteados para trás e um sorriso caloroso no rosto. Sua aparência era tão modesta que não teria lhe dedicado dois olhares se o tivéssemos encontrado em uma estrada da cidade durante o dia... No entanto nós duas tínhamos uma história com esse cara.


“Raltark...” sussurrei, com o suor escorrendo pela minha testa.

Apesar de parecer um velho corriqueiro, sua verdadeira identidade é um mazoku... E, pelo que pude julgar, um de alto escalão. Nunca o enfrentei antes, todavia nós duas já tínhamos vislumbrado seu poder em nossa última batalha. Ou seja, o vimos invocar uma horda de demônios inferiores do plano astral para possuir a vida selvagem local. Quanto poder era necessário para fazer isso? Estremeci só de imaginar...

Nem preciso dizer que nenhuma parte de mim queria se meter com esse cara. Porém, dada a situação, duvidava que estivesse ali apenas para conversar.

“Entendo... Aquela coisa branca era uma isca para me atrair até aqui, hein?” perguntei.

“Oh, não, não é o caso.” o velho balançou a cabeça com um sorriso dolorido. “Esperava que ele te derrotasse, e se não, poderíamos te atacar juntos aqui... Contudo como não percebeu a outra garota escondida, bem...” Raltark falou, voltando o olhar por um breve momento para Amelia.

“Ainda assim... Um ataque surpresa na pousada? Achei que você fosse dado a sutilezas.”

“Não machuquei ninguém que não estivesse envolvido. Existem circunstâncias, sabe.” o sorriso preocupado no rosto de Raltark se alargou. “Embora agora preciso me livrar de vo...”

Antes que pudesse dizer as palavras, um arrepio me percorreu. Podia sentir meus cabelos se arrepiarem.

O que diabos é isso? Uma onda de algum tipo de hostilidade sobre-humana inundou a área. Era como se a pura escuridão estivesse me engolfando... No entanto não vinha de Raltark.

“Hã?” Amelia também empalideceu, esticando o pescoço para examinar a escuridão ao nosso redor.

Raltark fez o mesmo.

“O quê?” ele gritou em choque e então se retirou para a noite à fora.

A onda de hostilidade também se dissipou em seguida, como se estivesse em perseguição. Restaram apenas nós duas, encharcadas em uma fina camada de suor, enquanto observávamos o mazoku fugir.

“O que... O que foi aquilo?” sussurrou Amelia com a voz rouca depois de algum tempo.

“Eu não sei...” respondi, apática, balançando a cabeça.

A verdade é que tinha uma boa ideia do responsável. A fonte da hostilidade deve ter sido Xellos. É o único ser que conseguia imaginar sendo capaz de emitir uma malícia potente o suficiente para assustar Raltark.

Xellos era um adepto do nosso grupo. Na maior parte do tempo agia como o típico sacerdote misterioso (você conhece o tipo, toda família tem pelo menos um). Na verdade, porém, ele era um mazoku... Sem mencionar um sacerdote a serviço da Grande Besta Zellas Metallium, um dos braços direitos de Olhos de Rubi. Como tenho certeza de que pode imaginar, esse era um segredinho que nós dois estávamos guardando entre nós por enquanto... Não eram segredos que pudesse contar para o resto do grupo.

Ao contrário de Raltark e seus colaboradores, Xellos estava ali para me proteger. Não era idiota o suficiente para pensar que estava me fazendo um favor ou por bondade. Era evidente que se tratava de algum tipo de plano. Entretanto por mais que lamentasse a ideia de ser o peão de outra pessoa... Não tinha muita escolha a não ser entrar no jogo por ora.

“Bom... Acho que acabou por agora.” sussurrou Amelia.

Assenti em resposta.

“Vamos voltar para a pousada?” perguntei e me virei, minha capa farfalhando.

Foi então que ouvi as vozes de Gourry e Zelgadis chamando de longe, aproximando-se.

Um pouco tarde, rapazes!

———

“Então, qual é exatamente o problema?”

Foi Zelgadis quem me fez essa pergunta na manhã seguinte, quando partimos para a estrada principal no outro dia. Como de costume, a maior parte do seu rosto estava coberto com um pano branco. Apenas seus olhos apareciam por baixo.

“Com o quê?” perguntei, ainda caminhando.

“Xellos!” Zel provocou.

Isso me fez parar, contudo consegui manter a voz calma e casual enquanto respondia.

“A mesma coisa de sempre, né? Ele está sempre aparecendo e desaparecendo sem avisar...”

E, por coincidência, Xellos estava ‘sumido’. Ele esteve conosco para jantar na noite anterior, mas quando amanheceu... Não o encontramos em lugar nenhum. Chegamos a revirar por toda a pousada. Suspeitava que tivesse ido atrás de Raltark... Porém como todos os presentes sabiam que Raltark era um mazoku, não podia apenas contar essa possibilidade. Em vez disso, sugeri: ‘Deve ter ido embora por impulso, e tenho certeza de que voltará da mesma forma’.

Amelia engoliu a ideia, e Gourry era a mesma tela em branco de sempre. O que deixava apenas Zelgadis com a dúvida.

Seu olhar cético ficou fixo em mim por alguns instantes antes de me pressionar.

“Certo. O que você está escondendo?”

“O que poderia estar escondendo?” respondi me fazendo de inocente.

Zelgadis me encarou por mais um tempo, então cedeu por fim.

“Não gosto nada disso!” resmungou para si mesmo, embora eu ainda pudesse ouvi-lo.

Hmm... Parece que já está começando a juntar as peças.

Por mais que tentasse esconder o fato de que Xellos era um mazoku, a verdade viria à tona em algum momento. O que Zel faria então? Não acho que se voltaria contra mim em um acesso de raiva, contudo havia uma chance de que deixasse o grupo.

Quero dizer, não era como se Zel estivesse viajando comigo porque éramos amigos. O cara havia se transformado em uma fusão quimérica de golem e daemon contra a vontade há algum tempo, então seu principal propósito na vida é buscar uma maneira de recuperar sua humanidade. Tais coisas estavam além do alcance da feitiçaria comum, o que o forçava a buscar quaisquer respostas que pudesse encontrar em lendas e tradições obscuras. E como problemas lendários sempre pareciam nos encontrar quando saíamos juntos, acabou optando em ficar comigo por pura conveniência.

Então, sim, toda a situação era irritantemente precária. Eu só tinha um recurso: chegar ao fundo da questão. Por que Raltark e seus capangas estavam atrás de mim? Por que Xellos tentava me proteger? Ainda não sabia, e mesmo que soubesse, lutar contra caras do nível de Xellos e Raltark estava muito além do meu poder.

Espero que o que me aguardasse na capital do Reino de Dils, terra das lendas, me desse um pouco de vantagem para retomar o controle da situação. Cidade Gyria, aí vamos nós...

———

A cidade estava animada enquanto caminhávamos por ela naquela tarde. Havia pessoas indo e vindo, fileiras de barracas enfileiradas nas ruas... Todas as típicas vistas de uma cidade grande. Nesse sentido, a única coisa incomum à vista era a proporção maior do que o normal de soldados para civis circulando.

Pessoal, apresento a vocês a Cidade Gyria, capital de Dils!

Como é que os mazokus não se cansavam de mim? Que tipo de briga interna eles estavam tendo? Estávamos aqui, no lar das lendas demoníacas, para resolver aqueles mistérios! Pelo menos, foi o que contei à minha equipe...

Chegamos um pouco antes do meio-dia, reservamos uma pousada e comemos uma refeição, e depois decidimos começar a coletar informações a sério.

“No entanto como exatamente vamos descobrir tudo isso?” Amelia me perguntou enquanto caminhávamos por uma grande avenida ladeada por barracas. “Duvido que alguém na cidade saiba tudo sobre os últimos planos demoníacos...”

“Hmm... Bom ponto.” pensei por um minuto. “Vejamos... Por ora, vamos ficar de olho em qualquer rumor sobre mazokus. Falem com os guardas que vigiam as Montanhas Katart e vejam se houve alguma movimentação nesse sentido. Além disso, dizem que havia um manuscrito na área, então veremos se conseguimos rastrear algum vestígio seu e pedir ao conselho dos feiticeiros qualquer informação que eles possam ter. Não é como se estivesse esperando descobrir todo o plano, todavia podemos encontrar alguma pista sobre o que estão tramando ou como podemos combatê-los... Sei que é uma pequena esperança, mas é a nossa melhor chance. Vocês também estão cansados de esperarem que venham bater na nossa porta, certo?”

Esses eram meus pensamentos e sentimentos sinceros, porém só podia compartilhá-los agora que Xellos não estava presente... Mesmo que ele tivesse concordado que viéssemos para a Cidade Gyria.

Veja bem, além de me proteger, Xellos tinha a tarefa de me levar ao local de um certo item: a Bíblia Claire, um livro que supostamente enumera técnicas mágicas de outros mundos (embora fosse considerado por boa parte dos feiticeiros como nada mais do que um mito). Não que também tivesse me dito o que esperava que eu fizesse com ela.

Agora, quanto ao que isto tinha a ver com nossa parada em Gyria... Xellos e eu sabíamos que não poderíamos só tropeçar ‘acidentalmente’ na Bíblia Claire sem que os outros desconfiassem. Como subterfúgio, propus a ideia de primeiro parar na cidade e pedir que todos dessem uma olhada por ali. E quando chegasse a hora certa, Xellos viria com ‘uma pista quente’ que tivesse ouvido por acaso e nos guiaria até o local em questão.

Claro, essa minha pequena proposta era só um pretexto. Meu verdadeiro objetivo ali, como havia dito a Amelia, era procurar algo que pudesse usar contra os mazokus. Não esperava que caísse do céu... Porém, verdade seja dita, já havia encontrado as sementes de um certo feitiço lendário proibido aqui uma vez. Ou seja... Conhecimento transmitido sobre o Senhor dos Pesadelos. A julgar pelo comportamento de Xellos quando mencionei esse nome, esperava que pudesse ser a chave para o que eu procurava.

Veja bem, há alguns anos atrás, vinha aqui com minha irmã mais velha. Ela parecia conhecer alguém importante na cidade, então fomos apresentados ao palácio por um tempo e ouvimos todo tipo de coisa no processo...

“Por sinal, Amelia, você conhece alguém aqui no palácio? Pode nos conseguir uma chance?” propus. Amelia estava na linha de sucessão ao trono da Cidade Sagrada de Saillune, afinal. Talvez pudesse ter alguma conexão com a família real daqui.

Ela pensou por um minuto e respondeu.

“Acho que algumas pessoas aqui conhecem o meu pai, contudo duvido que me reconheçam. Não temos muitos negócios com este reino.”

“Hmm, entendo.” sussurrei, de braços cruzados. Se Amelia não tivesse influência na corte local, uma audiência real estava fora de questão. “Nesse caso... Que assim seja. Amelia, vá perguntar no templo. Digamos que veio para o exterior para estudar lendas sobre mazokus em diferentes terras.”

“Entendido.”

“Zel, acha que poderia perguntar pela cidade?”

“Claro. Não tenho exatamente nada melhor para fazer.” ele respondeu com um pequeno aceno de cabeça.

“Eu gostaria de ir pessoalmente ao conselho dos feiticeiros. O problema é...”

Ali, parei e olhei para Gourry, que caminhava em silêncio. Conheça meu companheiro de viagem, que nos últimos tempos vinha atuando como meu instrutor de esgrima. Ele era um lutador incrível, sem mencionar que era alto, loiro e bonito... Sim, seu rosto era de primeira. O problema era o cérebro por trás! Se quiser uma referência rápida de quão ruim era, digamos que em uma competição de QI, poderia empatar com um esqueleto!

Agora, deixando de lado todas as minhas reclamações (hilárias), a questão é que sabia que não podia confiar em Gourry para fazer nenhum reconhecimento sozinho, nesse caso...

Pensei um pouco e então sugeri.

“Vejamos... Gourry, acompanhe Zel para conversar com os moradores da cidade. Zel não poderá tirar a máscara na cidade, o que pode deixar as pessoas com um pé atrás.”

“É verdade!” disse Zel, concordando. “E não é como se Gourry conseguisse lidar com uma investigação de verdade sozinho...”

“Isso também é verdade.”

Caramba, Gourry, pelo menos negue...

“Bom... O plano aqui é combinar a aparência funcional de Gourry com o cérebro funcional de Zel. Aqui vai a minha ideia: Zel vai falar sozinho, enquanto Gourry só mexe os lábios sem dizer nada! Pronto, problema resolvido!”

“Você quer dizer tipo... Um boneco de ventríloquo?” perguntou Gourry, em dúvida.

“Acho que... Seria assustador de ver...” Amelia também objetou.

“Tudo bem, faça como quiser. Só faça o trabalho. Nos encontramos de novo na pousada perto do horário do jantar.”

“Mas você tem certeza disso, Lina?” foi Gourry quem expressou suas dúvidas pela primeira vez.

“Certeza sobre o quê?”

“Bem, do jeito que as coisas andam ultimamente... Os mazokus devem vir atrás de você de novo. Tem certeza de que deveria ir embora sozinha?”

Assim que essas palavras saíram da sua boca...

“Woooooow!” Zel, Amelia e eu reagimos em choque.

“Mestre Gourry... De fato deu uma contribuição perspicaz pela primeira vez! Nunca tinha visto uma antes!” exclamou Amelia.

“Faz séculos que não te ouço dizer nada inteligente! Alguma coisa animou seu cérebro?” perguntei.

“De fato, foi uma surpresa. Espero que continue assim.” disse Zel baixinho.

Gourry apenas coçou a cabeça em resposta aos nossos elogios entusiasmados, murmurando.

“Hum... Gente...”

É, tá, talvez não tenha sido tão impressionante, porém ainda assim...

“D-De qualquer forma, tenho certeza de que vai ficar tudo bem.” devolvi uma resposta descuidada. “É verdade que nos atacaram à luz do dia algumas vezes... Contudo pelo menos parecem relutantes em arrastar pessoas inocentes para o meio da confusão. Podiam ter explodido a pousada inteira ontem à noite, no entanto se esforçaram para me localizar... Imagino que não vão tentar nada enquanto eu estiver no meio de uma multidão.”

“Espero que tenha razão.” sussurrou Gourry, mantendo um tom preocupado.

“Não se preocupe! Se fosse me preocupar com cada coisinha, nem conseguiria ir ao banheiro sozinha.”

Teoricamente, Gourry poderia ter me acompanhado ao conselho dos feiticeiros, embora era justo isso que eu estava tentando evitar. Já havia visitado um conselho local com Gourry a reboque uma vez, e enquanto estávamos sentados em sua biblioteca fria e úmida... O que houve? O grandalhão adormeceu e começou a roncar.

Irritada, dei-lhe um tapa na cabeça com o livro que estava lendo... Que, na verdade, tinha uma capa reforçada de metal. Virou uma coisa séria. Quer dizer, você bate em um cara com um livrinho de 500 páginas, e ele começa a reclamar: ‘Ei, você me acertou com a ponta!’. Como esperado, tudo virou uma discussão e, no final, o reitor do conselho local nos expulsou da biblioteca. Não foi meu melhor momento!

“Sério... Vou ficar bem. Nos encontramos na pousada ao pôr do sol!” gritei para o grupo, depois me virei e saí sozinha antes que pudessem objetar.

Olhei para trás e vi todos se separando e seguindo caminhos separados, pelo visto tendo aceitado minha proposta, quando...

Whump!

“Hã?”

“Wagh!”

Assim que virei a esquina, dei de cara com um garoto. Sua idade parecia estar por volta de uns onze ou doze anos e tinha cabelos pretos e sedosos com uma leve ondulação. No começo, o confundi com uma menina...


“Desculpe...” ele murmurou, virando-se para sair correndo.

“Espere aí!” eu disse, agarrando-o pela gola.

“O-O quê?” gritou o garoto, olhando para mim com medo.

“Devolva a bolsa que você acabou de me roubar, senão... Vai querer fazer uma visitinha aos guardas?” provoquei com um sorriso.

O garoto mudou rapidamente de tom, oferecendo a bolsa cheia de moedas do bolso enquanto gritava.

“T-Tá bom, pegue! Só não me denuncie! Pode até me dar uma surra! Só não me entregue para esse bando de esquisitos!”

“Bando de esquisitos?”

Essa frase me fez franzir a testa. Mesmo as pessoas que odiavam os guardas da cidade não costumavam os chamar de ‘esquisitos’.

“É! Os guardas da cidade têm estado muito esquisitos ultimamente!” insistiu o garoto.

“Hmm...” considerei o que ouvi por um momento. “Certo. Não vou te entregar. Em troca... Me conte tudo o que sabe sobre os guardas.”

———

“Eles são todos muito estranhos. E o rei, é o mais esquisito de todos...”

Estávamos sentados no canto de um pequeno restaurante ali perto. O garoto tomou um gole de suco de laranja e foi direto ao ponto, sem nem se apresentar.

“De que tipo de ‘estranheza’ estamos falando?”

“Bem... Nos últimos tempos, ele anda recrutando feiticeiros autônomos. E toneladas de soldados para completar.”

“O quê? Sério?” ofeguei, tentando manter a voz baixa. “Como se estivesse se preparando para uma guerra?”

“Como vou saber? O rei começou a recrutar guerreiros há alguns anos... E agora está trazendo mais feiticeiros. Dizem que está ensinando magia negra para soldados comuns.”

“Magia negra?” repeti, franzindo a testa ainda mais.

Conseguia entender ensinar feitiços de ataque a soldados, mas magia negra? Se eu fosse ensinar um feitiço arcano prático a um novato, escolheria uma magia de fogo fácil... Flecha Flamejante, por exemplo.

Sim, sim. Chame de chato, clichê ou o que quiser, porém os clássicos só se tornam clichês porque são tão testados e aprovados! Flecha Flamejante não funcionava em seres incorpóreos como fantasmas ou mazokus, contudo com certeza era eficaz contra humanos. Como incendiava tudo o que atingia, também podia obter alguns efeitos práticos bônus contra construções. Além do mais, era uma das magias de ataque mais fáceis de aprender.

Nunca, em um milhão de anos, eu teria pensado em ensinar magia negra a alguém.

É, claro, era mais poderosa do que magias de ataque xamânicas como Flecha Flamejante. Podia até causar dano a fantasmas e mazokus... No entanto era difícil de aprender e não vinha com nenhum efeito secundário bacana, como conflagração acidental. Mesmo as magias de magia negra mais fáceis que existiam ainda exigiam um certo grau de foco e controle mental. Você também precisava realizar certos gestos enquanto as entoava. No geral, eram um porre de usar.

Resumindo, já era difícil o suficiente ensinar magia negra para pessoas que já sabiam conjurar magias. De fato não era o tipo de coisa que se jogaria para um novato aprender. Achei que todo mundo tinha essa percepção...

“Isso tudo é verdade mesmo?” perguntei ao garoto.

“Não sei. Não é como se tivesse visto com meus próprios olhos.” respondeu ele, tomando outro gole de suco de laranja.

“Justo...”

“Mas é o que dizem os boatos. O rei tem agido de forma estranha desde que esse cara chamado General Rashart chegou. Dizem que até tem enviado mensageiros para os dragões e elfos.”

“Hã? Para os dragões e elfos?”

“Bom, para a grande vila dos elfos a oeste daqui. E para o Pico dos Dragões ao norte, entre aqui e as Montanhas Katart.”

Está ficando cada vez mais curioso. Embora o rei estivesse planejando entrar em guerra com outro país, dragões e elfos jamais se envolveriam em assuntos humanos...

Espere...

“Você não acha...” gritei, levantando-me enquanto fazia a conexão.

“Não acha o quê?” perguntou o garoto, olhando para mim.

“Ah, não é nada. Nada mesmo...” respondi, balançando a cabeça. “Certo, pelo que me disse tudo isso são boato, entretanto onde os ouviu?”

“Não sei. Só por aí!” disse ele, indiferente, engolindo o resto do suco.

Imaginei...

Ainda assim, não podia só ignorar tudo. Estava me esforçando ao máximo para manter a calma, todavia sentia o suor frio escorrendo pelas costas. Se meu palpite estivesse certo...

Será que Dils estaria planejando um ataque aos moradores das Montanhas Katart... Aos mazokus?

———

“Um ataque às Montanhas Katart?” gritou Amelia, amante da justiça e da paz, enquanto se levantava de um salto.

Sua cena deixou o restaurante agitado. Os outros clientes voltaram os olhos para a nossa mesa.

“E-Ei, Amelia! Fala baixo! Estão todos olhando pra gente!”

“Não é hora para discrição, Lina! A cidade está atolada nas garras do mal!”

“É, pode ser! Porém essa teoria é só boato e um palpite da minha parte, por enquanto! Mantenha a vossa justiça sob controle até termos alguma prova concreta!”

“Tá... Suponho que tenha razão...” Amelia sentou-se, contudo seguia insatisfeita.

Já era mais tarde naquela noite. Nós tínhamos nos reunido na pousada, como combinado, e estávamos discutindo as nossas descobertas do dia durante o jantar. Quando partilhei a minha opinião sobre o que ouvira do pequeno batedor de carteiras, Amelia ficou, como era de se esperar, inflamada.

“A parte sobre o rei recrutar soldados e feiticeiros é verdade, pelo menos.” acrescentou Zelgadis. “Dizem por aí que os está recrutando em grande número. No entanto não ouvi nada sobre magia negra, elfos ou dragões. Pelo que entendi soube dessa parte de um garoto... Tem certeza de que é confiável?”

“Quer dizer, crianças têm imaginação fértil, todavia é difícil imaginar uma inventando uma história dessas do nada...”

“E crianças às vezes admitem coisas que adultos não admitem!” insistiu Amelia. “Devíamos rastrear esse garoto e pedir mais informações! Onde o encontrou, Lina? Qual era o seu nome?”

“Como falei, meio que o encontrei por acaso... Pensando bem, nunca nem perguntei o seu nome...”

É claro, eu havia omitido o fato de que era um ladrão. Amelia, nossa defensora residente de tudo que é justiça, não teria aceitado bem... Correríamos o risco de ela tentar localizá-lo em um acesso de fúria justificada ou algo assim.

“Em outras palavras, não há como corroborar.” disse Zelgadis, com a voz relativamente fria.

“Teremos que confirmar nós mesmos!” declarou Amelia, apertando o garfo com camarão desfiado e ovo frito espetados nele. “No mínimo, não podemos apenas ficar sentados assistindo! Atacar os mazokus... É uma causa nobre, e com certeza muito corajosa, entretanto é muito imprudente! Ainda mais se eles estão sendo manipulados por algum general estranho!”

“Concordo!” respondi com um aceno de cabeça.

“É realmente tão imprudente se eles estão recebendo ajuda de elfos e dragões?” perguntou Gourry, despreocupado.

“Com certeza!” respondi.

“Como assim?” perguntou ele com uma curiosidade tão ociosa que quase me machucou fisicamente.

“Bem... É verdade que elfos e dragões são mais fortes que humanos, mas o poder demoníaco está em outro nível. A lenda diz que durante a Guerra das Encarnações, quando Olhos de Rubi encarnou nas Montanhas Katart há mil anos, um único mazoku destruiu centenas de dragões sozinho. Pode ser um exagero, porém o sentimento por trás era real... Ou seja, ‘os mazokus limparam o chão com os dragões’, tem boas chances de ser verdadeiro. O que estou dizendo é que, mesmo com elfos e dragões do lado da cidade, esta ofensiva seria o equivalente a chutar um vespeiro.”

“E não tenho certeza se elfos e dragões sequer gostariam de se juntar a uma briga de humanos com mazokus.” Zelgadis interrompeu.

“É. De um jeito ou de outro, é um plano imprudente.”

“Hmm...” Gourry pensou por um minuto. “Se é tão perigoso assim, por que o rei está fazendo isso?”

“É o que estamos tentando descobrir!”

“Talvez queira vingar o pai!” murmurou Zelgadis.

Aha... De fato explicaria tudo.

Cerca de vinte anos atrás, o rei anterior do reino, Dils II... Conhecido como o Rei Resoluto ou Dils Rwon Gyria, reuniu um exército para atacar os mazokus nas Montanhas Katart. Ele cavalgou com uma força de elite de cinco mil homens especializados em táticas mágicas, e eles bravamente... Ou melhor, tolamente, cruzaram o Pico dos Dragões a caminho das montanhas ao norte...

Nunca mais se ouviu falar deles, deixando seu legado para os rumores. Não havia como dizer quais histórias eram verdadeiras e quais não eram, mas a viagem às Montanhas Katart em si era um fato documentado. Talvez o então reinante Dils III, Dils Quolt Gyria, soubesse que os mazokus tinham feito algo com seu pai. Talvez tivesse nutrido ódio por todos esses anos por causa do ocorrido. Talvez esse ódio tivesse chegado ao ápice.

Ou... Talvez alguém o tivesse incitado a tomar esse rumo.

“Temos que investigar!” declarou Amelia com paixão na voz mais uma vez. “Aposto que é aquele General Rashart! Ele se infiltrou no reino e está explorando as fraquezas pessoais da família real em nome de alguma conspiração vil! Não vou tolerar isso!”

“Bom, não sabemos com certeza...”

“Não podemos só ignorar a situação! Agora que sabemos que é uma possibilidade, precisamos buscar a verdade!” ela insistiu, me interrompendo.

Ah, é claro... Enfim percebi o que a deixou tão irritada. Sua casa, Saillune, também havia sido perturbada por um mazoku que se infiltrou no palácio.

Aqui também, uma figura misteriosa surgira do nada, efetuando grandes e incertas mudanças no reino... Amelia deve estar projetando o que estava acontecendo em Dils com o pesadelo que ela mesma teve de enfrentar há pouco tempo.

“Vocês todos vão me ajudar, não vão?” implorou, olhando primeiro para mim.

“Er...”

Eu me vi hesitando. Essa situação poderia sair do controle muito rápido. Não estava lá muito ansiosa para me meter em outra confusão... Porém também sabia que Amelia jamais aceitaria uma resposta como... ‘Parece um pé no saco. Vamos ficar fora disso.’... Então...

“C-Claro!” concordei, encurralada.

Amelia assentiu satisfeita e se virou para Zel.

“Vou ir junto. Não tenho motivo para recusar.” disse ele sem rodeios.

“Então o Mestre Zelgadis está dentro! E o Mestre Gourry provavelmente não está pensando muito a respeito, nesse caso vai concordar de cara.”

“Claro que sim!”

Não a de razão, Gourry!

“Estamos resolvidos, certo?” perguntou a garota com um sorriso satisfeito.

“Não deveríamos pelo menos confirmar os rumores primeiro?” questionei.

“Não seja ingênua, Lina!” retrucou minha companheira. “Há uma conspiração em andamento! Meu senso de justiça me diz isso! Significa que não temos tempo a perder confirmando coisas! Precisamos erradicar essa intriga o quanto antes!”

“Por favor, me diga como?” interrompi, entorpecida. “Se quisermos ir direto à fonte, devemos ir para o palácio. A melhor coisa a fazer seria encontrar esse general e sondá-lo nós mesmos... Contudo você não tem influência suficiente para nos conseguir uma audiência, e entrar escondidos está fora de questão. Nenhum dos palacianos com quem conversei confirmou ou negou nada também...”

“Uh... Hmm.” Amelia cruzou os braços, pensativa.

“Que tal sermos presos de propósito?” sugeriu Gourry, a ideia mais idiota até momento. “Vamos começar uma confusão na cidade e deixar que nos prendam. Aí vamos conhecer o general encarregado da guarda, certo?”

Hahh... Me peguei suspirando.

“Ok, digamos que sejamos presos e conheçamos o general... Acha mesmo que ele vai responder às nossas perguntas? Só seremos tratados como criminosos comuns!”

“Bom... Ainda assim...” murmurou Gourry.

Ainda o quê?

“Talvez seja a solução!” exclamou Amelia.

Vamos lá, garota... Você também não!

“Seremos presos para nos infiltrar no palácio, depois escapar das nossas celas e encontrar provas incontestáveis ​​da conspiração!”

“Só que se não encontrarmos nada, vamos acabar parecendo muito mais culpados!” argumentei.

“Hã?” minhas palavras a silenciaram por um instante, no entanto não demorou muito para que apertasse suas duas mãos na frente do peito mais uma vez. “A justiça sempre prevalece! O que significa que encontraremos provas!”

Ah, pelo amor de...

“De novo, tudo o que estamos discutindo é baseado em boatos, pessoal!” reiterei com outro grande suspiro. “É bem possível que essa história de um general misterioso enlouquecendo no palácio seja pura invenção.”

“Mas o Mestre Zelgadis disse que estão mesmo recrutando soldados e feiticeiros...”

“O que pode ser apenas uma maneira de um novo general reorganizar as tropas. E mesmo que seja verdade que esteja se aproximando dos dragões e elfos, talvez esteja tentando impedir um ataque dos mazokus de Katart em vez de tentar lançar um ataque contra eles. E se for esse o caso, é problema do reino. Não nos cabe interferir.”

“Concordo que, se um novo general está incitando o rei a uma guerra imprudente, alguém deveria fazer algo a respeito... Entretanto não se intervém sem uma boa razão para acreditar que os rumores são verdadeiros. Uma vez que se essa é a situação, então se parte em busca de provas. Em outras palavras, nossa primeira tarefa é fazer uma pequena investigação preliminar.”

“Se estão enviando mensageiros para os dragões e elfos, precisam de alguém que fale essas línguas. E se estão ensinando magia negra aos soldados, precisam de feiticeiros. De qualquer forma, o conselho dos feiticeiros aqui deve saber mais. Se vamos investigar, devemos ir até lá e a qualquer corretor de informações local.”

“Então nós duas vamos entrar em contato com o conselho dos feiticeiros, enquanto o Mestre Gourry e o Mestre Zelgadis vão perguntar pela cidade, certo?” perguntou Amelia.

Suspirei para mim mesma mais uma vez.

Mais uma bela enrascada em que me meteram...

———

Dois dias depois, encontrei uma inesperada oportunidade.

“Você é Lina Inverse?” perguntou uma voz do nada.

Olhei para cima e vi dois soldados totalmente blindados parados atrás de mim. Todos os olhares na biblioteca do conselho de feiticeiros se voltaram para nós três.

“Não!” respondi sem rodeios. Nada de bom poderia resultar de uma abordagem dessas. Minha melhor opção era despistá-los e dar o fora daqui o mais rápido possível.

“Acredito que sim.” protestou o soldado, sem se deixar enganar e nem se abalar com a minha insistência em que tinham pego a garota errada.

Argh. Que bando de cães insistentes...

Nos últimos dois dias, Amelia e eu estivemos fazendo pesquisas aqui no conselho dos feiticeiros. Amelia estava encarregada de fazer perguntas, enquanto fique responsável de vasculhar os registros. Isto, claro, significava que não estava investigando eventos atuais, e sim vasculhando tomos de conhecimento antigo em busca de fragmentos de sabedoria para combater mazokus...

O problema era que o conselho dos feiticeiros tinha um registro de visitantes. Alguém deve ter visto meu nome escrito nele. Não adianta negar, pelo visto.

“Ok, sou sim!” admiti, sem entender nada, fechando meu livro com força.

“Nos acompanhe até o castelo conosco, certo?”

É, foi o que imaginei... Esses caras estavam equipados como cavaleiros reais. Meio que esperava que algo assim acontecesse... Ou seja, a verdadeira questão era o que queriam comigo.

“Qual é o motivo da convocatória?” perguntei.

“Pediram para que a trouxéssemos e nos disseram que a encontraríamos aqui. Nada mais.” respondeu o soldado, sem rodeios.

Interessante... A atitude direta desses caras tornou mais difícil para mim protestar. Se tivesse dito algo como ‘Você não precisa saber’, poderia ter me esquivado com uma frase como ‘Não vou a lugar nenhum até me digam o porquê’. Contudo agora não podia reclamar sobre como isso era suspeito sem que as pessoas ao redor pensassem que eu era suspeita.

Em outras palavras, eles me pegaram. Achei que era melhor ir junto sem fazer cena.

“Certo. Vou acompanhá-los, mas preciso avisar minha companheira que estou indo. Ela vai ficar preocupada se eu só desaparecer.”

“Tudo bem. Seja rápida.” respondeu o homem, mal-humorado.

Devolvi meu livro ao seu devido lugar na prateleira, saí da biblioteca e fui procurar Amelia. Os soldados me seguiram de perto, porém não podia reclamar disso.

Andei por todos os lados, até que finalmente...

“Lina?”

Na verdade, foi Amelia quem me encontrou. Seu olhar foi de mim para os soldados atrás, e gritou.

“O que você fez desta vez?”

“Ei! Não vá assumindo que cometi um crime! Eles querem me levar para o castelo por algum motivo, então resolvi entrar na brincadeira.”

“Entrar na brincadeira, hã?” Amelia fez uma careta. “Tem certeza? Não quer que eu vá junto?”

“Não, vou ficar bem!” respondi com um leve aceno de mão. “Se tentarem alguma gracinha, mando o castelo para o alto e fujo.”

“Ei!” protestou um dos soldados, compreensivelmente irritado.

“Calma, cara. Somente será o caso se tentarem alguma gracinha. Jamais faria um ato terrorista contra pessoas honestas.”

“Hmph!” grunhiu o soldado, contudo permaneceu em silêncio. É óbvio que não poderia dizer nada se suas intenções fossem só uma visita.

“De qualquer forma, Amelia, avise os garotos. Agora, rapazes, vamos embora!”

Chamei os soldados sem esboçar qualquer preocupação, virando as costas para Amelia com o rosto incerto.

———

Ao passar pelo portão da frente, fui recebida por um extenso gramado verde. No final de um caminho de lajes brancas, erguia-se um palácio grande, sóbrio, no entanto de aparência robusta, feito de pedra escura. O gramado, cercado pelas muralhas do castelo, era pontilhado de construções isoladas e anexos. À minha esquerda, fileiras de cavaleiros realizavam exercícios, liderados por alguém que só pude imaginar ser o capitão da guarda.

“Por aqui!” insistiram os soldados, conduzindo-me para longe dos cavaleiros em treinamento, até uma construção isolada bastante grande. Havia alguns soldados espalhados ao redor.

Eu já havia participado de uma situação como essa antes. Tudo cheirava a emboscada inimiga.

“Trouxemos Lina Inverse!” proclamou um dos meus soldados de escolta assim que chegamos à entrada da construção.

“Deixe-a entrar.” respondeu uma voz.

“Senhor!” respondeu o soldado, abrindo a porta.

Lá dentro, havia uma sala de tamanho generoso, equipada para receber reuniões. Três homens estavam sentados à grande mesa no centro. Um deles estava vestido como um feiticeiro. Ele era um homem de aparência bastante estranha, já no início da velhice. Os outros dois pareciam militares: um rude e de meia-idade, o outro jovem e bonito.

“Então você é Lina Inverse?” perguntou o militar de aparência mais grosseira, com um sorriso radiante, enquanto se levantava do assento. “Já ouvi muito a seu respeito. É uma honra conhecê-la. Espero que nos perdoe por chamá-la aqui tão repentinamente.”

Seus modos eram os mais amigáveis ​​possíveis. Não... É bem o que estava esperando.

“Eu sou Rashart, estou servindo como general do Reino de Dils.”


“O quê?” gritei antes de conseguir pensar.

Rashart piscou surpreso, perguntando.

“Há algo estranho com o meu nome?”

“Ah... Não, claro que não. Só conhecia alguém com o mesmo nome, não é nada demais...” disfarcei.

Sério mesmo! Se quer puxar o tapete de uma garota, diga a ela que o cavalheiro à sua frente é o cara que ela suspeita ser um gênio do mal! A vida é mestra em dar umas reviravoltas...

“Agora, Senhora Lina, permita-me dizer por que a chamei aqui. Tenho um favor a pedir. Não quer se sentar?” convidou o General Rashart.

Fiz o que sugeriu, sentando-me na cadeira do outro lado da mesa, em frente aos três homens. O soldado fechou a porta atrás de mim.

“Como tenho certeza de que já sabe... Ao norte do Reino de Dils ficam as Montanhas Katart, lar dos mazokus.” começou o general assim que me sentei. “Pode-se dizer que estamos sob constante ameaça de ataque. Fomos poupados de uma grande invasão até agora, mas não significa que tal coisa nunca acontecerá. Entretanto, apesar dessa eventualidade, os preparativos do reino para isso têm sido bastante decepcionantes.”

Um dos soldados trouxe bebidas, porém eu recusei. Só para o caso de estarem, sabe, drogadas ou algo assim.

“Tudo o que fizeram foi construir uma pequena fortaleza perto das montanhas e colocar homens lá como vigias. Embora possam impedir que os ocasionais transeuntes locais invadam Katart, não podem fazer nada para impedir que os mazokus venham na direção oposta. O melhor que poderiam fazer seria enviar um soldado à cidade com um aviso. Eles não têm a menor chance de conter uma ofensiva.”

“Isso me fez pensar... E se pudéssemos ensinar magia aos homens exatamente para esse propósito?” nesse momento, o general parou por um instante e lançou um olhar para o velho feiticeiro. “Claro, pedimos ajuda ao conselho local de feiticeiros. O vice-presidente aqui nos ensinou muito, na verdade. No entanto há certas coisas sobre magias de ataque que não se pode compreender a não ser com um mentor com ampla experiência de campo.”

“E aconteceu de alguém ter visto seu nome no registro de visitantes da biblioteca do conselho. Sua reputação te precede. Certamente você tem alguma experiência lutando contra mazokus. Foi por esse motivo que a chamei aqui. Então... O que me diz? Você ensinaria aos nossos soldados alguns feitiços de ataque práticos?”

“Gee... Bem...” cruzei os braços, pensativa. Não era nada do que imaginei que seria. Meu pressentimento era que, no momento que estivéssemos sozinhos, o General Rashart se revelaria um mazoku, mostraria sua verdadeira forma e detalharia seus planos mais profundos e sombrios com gargalhadas exageradas... Depois disso, Gourry e os outros viriam correndo em meu auxílio, tendo de alguma forma descoberto o que estava acontecendo. “Meio fora do roteiro aqui.” murmurei.

“Roteiro?” perguntou o general, conseguindo ouvir.

“Hã? É, brincadeira. Só ignore... Bom, não tenho planos de viagem particularmente urgentes no momento, mas não posso dizer que não estou ocupada. Prefiro não ficar presa aqui. Também não estou viajando sozinha, então...” tentei me disfarçar.

“Ah, não se preocupe, não é minha intenção retê-la por muito tempo.” garantiu o general, acenando com as duas mãos. “Um mês... Não, uma semana. Se for muito, dois ou três dias bastam. É claro que não espero que ensine aos homens todos os detalhes da conjuração em tão pouco tempo. Apenas de dicas sobre o que observar, como os mazokus de fato são, como costumam lutar... Esse tipo de coisa.”

“Bem, sendo assim...”

Parei um minuto pensando sobre o que ouvi. Digamos que Rashart realmente se revelasse um mazoku ou algo desagradável desse tipo. Se quisesse me atrair para o castelo e baixar minha guarda, enganá-lo para expô-lo mais tarde talvez não fosse a pior ideia do mundo. E digamos que fosse apenas um velho general inofensivo. Se tudo o que quisesse de verdade fosse o que disse... Nesse caso era uma posição nobre o suficiente, porém não tinha intenção de ficar por ali e ser professora para sempre. Dito isto... Dois ou três dias talvez não fossem tão ruins.

De qualquer forma, não poderia fazer isso sem primeiro avisar os outros. Amelia, em particular, ficaria convencida de que o general maligno me sequestrou se eu não voltasse. Ora, ela poderia até invadir o castelo sozinha.

“Meus companheiros estão na cidade, vou precisar voltar e discutir o assunto com eles primeiro.” expliquei.

“Não posso permitir que o faça.”

“Hã?” o protesto severo do general me fez erguer uma sobrancelha. “E por quê?”

“Estamos escondendo essa informação do público em geral por enquanto...” respondeu ele calmamente. Nosso plano é apenas uma medida contra mazokus, contudo há aqueles que interpretariam nossas ações como preparação para uma guerra contra outro reino. Para evitar mal-entendidos e pânico desnecessários, gostaria de manter as informações em segredo até que tudo esteja pronto. Portanto, peço que se abstenha de compartilhar o que descobriu. Claro, não me importaria que discutisse o assunto com seus companheiros, se eles prometessem manter segredo... No entanto não na cidade, onde poderiam ser ouvidos.”

Hmm... Certo, é justo.

“Então, dadas as circunstâncias, se importaria se chamássemos seus companheiros aqui? Enviarei mensageiros para buscá-los, então vou pedir que aguarde até que um dos meus homens os tragam.”

“Ok... Não me importo.” respondi, concordando com a cabeça.

———

“Aqui está.”

Fui levada a um quarto dentro de um dos prédios independentes. Não era lá muito luxuoso, entretanto era adequado para quartos de hóspedes. Era de tamanho razoável e mobiliado com uma cama, uma mesa de carvalho preto no centro com uma jarra de água e duas cadeiras.

“Vamos avisá-la quando seus companheiros chegarem. Até lá.” disse o soldado que me guiava, fechando a porta atrás de si e saindo.

Ouvi seus passos se distanciarem cada vez mais... Até que o silêncio tomou conta do quarto.

“Whew!” suspirei, me jogando na cama. Bem confortável, se me permite dizer.

Mas o que diabos está acontecendo aqui? Remoí a pergunta enquanto estava deitada na cama, observando o teto...

Em pouco tempo, passos se aproximaram. Parecia cedo demais para a gangue estar aqui... Sentei-me e olhei em direção à porta. Em questão de instantes, os passos pararam em frente a ela. Pouco depois, houve um leve e metálico ruído do outro lado.

Droga! Me trancaram aqui dentro? Me levantei de um salto, porém naquele momento...

“Hehehe... Este será o seu fim, Lina Inverse!” ouviu uma voz ao meu redor. Uma que nunca tinha ouvido antes.

E então... Fwooooom! Uma explosão sacudiu o quarto! Poeira subiu ao meu redor enquanto a parede de pedra desabava para dentro!

Tudo ficou escuro.

———

Finalmente, o tremor diminuiu. Não conseguia mais sentir ninguém por perto.

“Blergh! Ack!” enquanto me engasgava com a persistente nuvem de poeira, me levantei no centro do quarto agora destruído.

Assim que a explosão abalou o lugar, mergulhei debaixo da mesa de carvalho com uma barreira de vento recém-moldada. Recitei o feitiço enquanto quem estava do lado de fora parava para trancar a porta e declarar vitória.

A durabilidade da mesa e da minha barreira de vento, assim como talvez um pequeno erro de cálculo de mira por parte do inimigo, foram minha salvação. Saí ilesa, contudo...

No fim era mesmo uma armadilha, hein?

Não tinha ouvido uma palavra sequer de encantamento do lado de fora da porta. A explosão veio logo após a sua pequena proclamação de triunfo. Os únicos seres neste mundo que podiam lançar feitiços sem entoar antes eram mazokus.

Depois de tudo, o General Rashart era um deles? De toda forma, minha maior prioridade agora era dar o fora dali! Por sorte, a explosão havia destruído a parede externa, o que me rendeu uma saída fácil.

Agora, para me reagrupar com a gangue...

Atravessei o buraco na parede e saí para o gramado. Podia ver soldados vindo em minha direção à distância. Sabia que não podia deixar que me pegassem, no entanto também não podia só dar uma surra em um bando de idiotas inocentes que provavelmente não sabiam da trama. Em outras palavras, hora de ir embora! Comecei a entoar um feitiço de voo rápido...

“Você ainda está viva?” sibilou uma voz do alto.

Virei meu olhar para cima e vi uma figura flutuando no ar acima de mim. É claro, não era humano... Sua forma era humana em tamanho e formato, todavia seu corpo era preto como carvão, retorcido e deformado, com uma única mancha branca no rosto. Nele havia dois olhos arregalados e duas listras vermelho-sangue em cada bochecha. Sim, um mazoku de verdade!

Será que essa é a verdadeira forma do General Rashart? Eu me perguntei, mas a voz não parecia ser a mesma. Essa figura flutuante soava e como a voz que ouvi no meu quarto.

Para ser justo, mazokus poderosos podiam mudar de aparência para se parecerem idênticos aos humanos... Mudar de voz não devia ser um grande problema.

De qualquer forma, esse acontecimento me forçou a mudar de estratégia. Tinha que sair correndo agora mesmo!

“Desta vez... Não terei misericórdia!” sibilou o mazoku, e um momento depois, incontáveis ​​orbes branco-claros apareceram ao seu redor. “Morra!”

Com esse comando, as bolas de luz começaram a chover ao meu redor!

“Waaagh!” rapidamente comecei a correr.

Vwoosh! Um orbe explodiu atrás de mim. Tudo bem, tinha conseguido me esquivar do ataque inicial! Continuei correndo a toda velocidade, em direção ao portão da frente do castelo.

“Você não vai escapar!” gritou meu perseguidor, liberando mais bolas de luz.

Elas rasgaram o chão, explodiram parte da muralha do castelo e fizeram soldados inocentes voarem! Os orbes do mazoku estavam se espalhando em todas as direções, causando destruição indiscriminada.

Puta merda! Tenha um pouco de controle, cara!

Comecei a me mover em movimento de zigue-zague, desviando dos ataques por uma pequena margem, e então corri em direção ao buraco que o sujeito tinha acabado de convenientemente fazer na muralha! Mantendo o ritmo, olhei para trás por cima do ombro e o vi me perseguindo.

“Eu te disse, não vai escapar!” vociferou o mazoku, conjurando ainda mais orbes de luz do que antes.

Não... Sem chance!

“Não faça isso!” gritei ao parar.

Porém... Quer minha voz o alcançasse ou não, o resultado foi o mesmo. Os orbes de luz sem rumo se projetaram e transformaram a Cidade Gyria em um inferno flamejante.

***

Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.

Chave PIXmylittleworldofsecrets@outlook.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário