domingo, 23 de novembro de 2025

Slayers — Volume 13 — Capítulo 57

Capítulo 57: Os mazokus escondidos no palácio se reúnem

“Fell Zaleyd!” a luta começou com uma explosão espontânea de Mileena. A espiral de luz que conjurou rasgou o ar, mirando no mazoku no teto! Mas...

Fwoosh! As raízes de Mianzo produziram uma esfera luminosa própria para destruir o ataque iminente! Os dois feitiços se anularam!

“Waaagh!” a explosão que se seguiu foi o sinal para os soldados entrarem em pânico. Alguns deviam ter visto os mazokus que apareceram da última vez que estivemos na cidade, porém a aparência deste era particularmente aterrorizante.

Enquanto alguns soldados abriam uma porta próxima e corriam para salvar suas vidas, outros pegavam lanças e espadas e se colocavam em posição de sentido. Pena que espadas e lanças não alcançavam o teto, e mesmo que alcançassem, não feririam um mazoku puro. Quanto aos soldados que fugiram, a estranha distorção do espaço fez com que reentrassem na sala imediatamente pela porta oposta, o que só aumentou o caos.

Então as raízes de Mianzo... A parte que acabara de disparar a bola de luz interceptora... Começaram a inchar. Estariam criando outra cabeça? Temi que sim a princípio, contudo o nó inchado cresceu muito mais do que uma cabeça antes de... Bloosh! Explodir violentamente, liberando algo negro no chão.

Thwap... Atingiu o chão de leve e pouco depois se ergueu devagar. Era uma cabeça mais alto que os soldados ao seu redor, no entanto era muito mais magro e negro da cabeça aos pés. Quase parecia uma múmia, embora sua forma, distorcida demais para ser humana, e a luz roxa brilhando por trás de seus olhos semicerrados sugeriam que não se tratava de uma mera criatura morta-viva.

“O mazoku... Criou outro mazoku?” Mileena gritou surpresa.

“Não!” respondi. “Ela estava apenas armazenando-o.”

“W-Waaagh!” os soldados, já em pânico, brandiram suas espadas e lanças contra o novo mazoku em seu meio.

Whackawhackwhack! O som abafado do impacto ecoou. Algumas das lâminas dos soldados erraram o alvo e feriram seus camaradas. Outras deslizaram facilmente pelo corpo do mazoku... E, por mais alfinetado que estivesse, os cantos da boca da criatura se curvaram em um sorriso.

“Recuem!” rugiu Gourry enquanto saltava em uma corrida. Mas tanto sua investida quanto a retirada dos soldados chegaram um segundo tarde demais.

Splush! O mazoku balançou as mãos e vários soldados caíram no chão com um som pesado e estridente, transformados em pedaços de carne sem vida.

“Maldito!” Gourry desembainhou sua espada enquanto se aproximava do mazoku negro e... Clink! Saltou para trás um segundo depois, desviando para o lado para bloquear uma lâmina prateada que emergiu de uma armadura de placas próxima.

Espere um minuto! Têm mais?

A lâmina prateada permaneceu cruzada com a de Gourry enquanto seu portador continuava a se libertar da armadura. Parecia um inseto aquático prateado, só que do tamanho de uma pessoa e com uma massa pendurada de órgãos aleatórios onde deveria estar seu corpo.

“Kraaah!” com um grito curiosamente semelhante ao de um pássaro, o mazoku negro avançou contra Gourry pela lateral. E então...

Vwoosh! Luke golpeou seu braço.

“Essas malditas coisas não param de vir!”

Percebendo que a espada de Luke era mágica, o mazoku negro saltou para trás para criar distância entre eles. Porém pode apostar que Mileena e eu não estávamos apenas sentadas assistindo!

“Lança Elemekia!” conjurei, liberando uma versão amplificada do feitiço.

“Chama Elemekia!” Mileena disparou logo depois.

Estávamos mirando em Mianzo, e nossa sincronia perfeita tornaria os feitiços impossíveis de desviar... Pelo menos, enquanto ela permanecesse presa ao teto.

Vwip... Sem surpresa, Mianzo não hesitou em descer até o chão, permitindo que nossos feitiços atingissem o teto sem lhe causar danos. Contudo não foi um fracasso, trazer Mianzo para o nosso nível era um resultado igualmente desejável para nós. Afinal, era difícil lidar com o monstro cheio de raízes enquanto estava fora do alcance de nossas espadas. Tínhamos acabado de equilibrar um pouco as coisas.

No momento em que Mianzo pousou, a boca de sua cabeça sem vida expeliu um jato de água de alta pressão! Sangue jorrou e soldados caíram. A trajetória do jato se moveu em direção às costas de Gourry e... Splut! Uma lança de um soldado próximo perfurou a bochecha da cabeça do mazoku, reduzindo sua torrente concentrado a um aguaceiro bagunçado!

Ótimo! Mesmo que ataques físicos não possam realmente ferir Mianzo, ainda podem neutralizar seus ataques físicos de água! Podemos trabalhar com isso!

As raízes de Mianzo se estenderam para derrubar o soldado que a atacara com a lança, retirando a lança de sua bochecha. A essa altura, eu e Mileena já tínhamos nos aproximado. O mazoku virou a cabeça em nossa direção... Contudo era tarde demais!

Mileena tirou uma adaga do bolso e a cravou na bochecha de Mianzo, espirrando água em nós duas, embora reduzindo o jato mortal a nada mais que um borrifo seco. Mianzo fez surgir uma segunda cabeça ao lado da sua, no entanto saquei minha própria adaga e a cravei também nessa. Então, quando nós duas terminamos de entoar nossos próximos feitiços...

?

Imediatamente, dei um impulso no chão e me choquei contra Mileena, nos jogando para o lado. No mesmo instante, uma mão pálida cortou o lugar onde estávamos. Assim que completou seu arco, o dono da mão emergiu aos poucos Mianzo.

Um quarto mazoku? Quantos desses existem?

Este era todo branco e tinha quatro braços, mas... Em troca, digamos assim, nenhuma cabeça.

“Você desviou...?” perguntou o mazoku branco, surpreso.

Foi por pouco, com certeza, e estive perto o bastante para ver o golpe chegando. Senti um arrepio percorrer minha espinha e agi por instinto.

Porém não tive tempo de explicar a ninguém. Mileena e eu trocamos um olhar e corremos direto para o mazoku branco.

———

Gourry estava em grande desvantagem... Pelo menos, deveria estar.

O mazoku andorinhão-d’água usava três pernas para se estabilizar e as três restantes para atacá-lo. Sua velocidade era excelente, suas lâminas afiadas e seus ataques vinham em ondas brutais e intermináveis. Não importava o quão extraordinário Gourry fosse com uma espada, estava usando toda a sua força apenas para contê-los... E nem isso estava conseguindo totalmente.

Entretanto os mazokus cometeram um erro fatal: presumiram que nós quatro seríamos os únicos que enfrentariam. Era verdade que os soldados não eram capazes de os matar, todavia...

“Hyahhh!” com gritos de esforço, eles lançaram suas lanças, emaranhando-as nas pernas do mazoku! Mesmo que não pudessem ferir a criatura, podiam restringir os movimentos de sua forma corpórea. E essa abertura era tudo o que Gourry precisava.

“Hah!” Slash! A espada do grandalhão cortou a ponta da lança de um soldado junto com uma das pernas do mazoku, seguida por seu corpo.

“Skreeeeeeee!” com um estertor que lembrava o de um inseto de verdade, o mazoku prateado caiu em pedaços, atingiu o chão e se estilhaçou como porcelana fina.

“Estamos salvos!” enquanto os soldados expressavam sua gratidão a Gourry, ele se virou para encarar Mianzo.

———

Pouco antes de Mileena e eu chegarmos ao alcance do mazoku branco, que estava pronto para contra-atacar, saltamos para os lados e lançamos os feitiços que tínhamos à disposição!

“Fell Zaleyd!”

“Explosão Infernal!”


Nosso alvo? Mianzo, que estava concentrado em Gourry enquanto este se aproximava! A luz branca queimou a cabeça do mazoku, e a lança mortal perfurou suas raízes emaranhadas!

“Gyaaaaah!” com um grito, Mianzo se transformou em uma coluna de cinzas. A espada de Gourry atravessou seu corpo pulverizado e continuou, empalando também o mazoku branco em pânico.

———

“Vá em frente e tente nos atacar em grupo...” Slash! A lâmina de aço de Luke, banhada em luz, cortou o mazoku negro ao mesmo tempo. “Mas é melhor mandar uns capangas menos fracos para fazer o trabalho! Não nos subestime só porque somos humanos!”

Sua espada infundida com magia derrubou o mazoku sem esforço.

E com isso, a breve batalha chegou ao fim.

———

“Você... Você é tão forte...” disse um dos soldados com um suspiro de alívio.

As coisas ficaram meio tensas por alguns minutos, porém a luta em si foi rápida. Sabia que eu e Gourry nos sairíamos bem, embora parecesse que Luke e Mileena tinham ficado bem habilidosos em enfrentar mazokus puros.

Tínhamos descoberto o truque, digamos assim. Mantenha a batalha curta, ataque-os de surpresa e mire em mortes instantâneas. É verdade que me perguntei o que aquilo dizia sobre mim, o fato de ter levado uma vida em que aprendia esses truques... Melhor não pensar muito a respeito.

Claro, também recebemos uma pequena ajuda dos soldados, que os mazokus pareciam não ter incluído em seus planos. Mesmo assim, nosso pequeno esquadrão de apoio estava longe de sair ileso. A maioria estava ilesa, contudo alguns sofreram ferimentos graves e podia prever alguns como mortos à primeira vista.

“Quem está em pior estado? Podemos fazer um pouco de primeiros socorros com magia de cura!” gritei enquanto examinava a sala.

“Você poderia dar uma olhada neste?” veio uma resposta.

“Este também, por favor...” veio outro.

“Vou trazer remédios e bandagens!” ofereceu um soldado, correndo para a sala ao lado.

Alguns dos soldados feridos tiveram sorte, enquanto a maioria estava em péssima situação. Luke, Mileena e eu fizemos um trabalho razoável reduzindo os seus ferimentos com Recuperação, no entanto o feitiço apenas acelerou o processo natural de cura, consumindo a resistência do alvo. Não tenho certeza de quantos soldados de fato poderíamos salvar dessa forma. Poderíamos ter nos saído melhor com Milgazia e seu feitiço de cura mais impressionante, Ressurreição, por perto, todavia...

“Fui buscar remédios e bandagens!”

“Ótimo! Estamos lançando feitiços para fechar os ferimentos, mas é só uma medida paliativa! Usem os remédios e as bandagens para resolver a situação, e assim que esses caras estiverem estáveis, chamem um médico... Espera, você foi buscar remédios e bandagens?” exclamei em meio à algazarra.

Todos os outros entenderam um instante depois. A estranha barreira que mantinha a sala isolada do mundo exterior havia se dissipado.

“Espera, podemos ir embora?” gritou um dos soldados, caminhou até a porta que dava para o pátio... E saiu.

“Então vocês não precisam mais ficar aqui. Vão!” insistiu outro soldado. “Nós mesmos podemos cuidar dos feridos. Mas se houver mazokus no castelo, por quaisquer motivos que sejam, vocês devem ser os únicos que podem os enfrentar. Então... Por favor, vão!”

Suas palavras nos fizeram engasgar.

“Por favor... Continuem!” acrescentou um soldado que havia levado uma forte rasteira de Mianzo. “Nós vamos ficar... Bem. Só... Continuem...” ele forçou um sorriso em seu rosto pálido. “Sei que proteger o castelo é nossa responsabilidade, não a sua... Porém deter os mazokus facilitará nossa chegada a um médico. Por favor...”

“Entendi.” respondi com um aceno de cabeça. Nós quatro nos viramos para sair, com os soldados nos observando partir...

———

Lá fora, fomos recebidos pela escuridão e um céu estrelado.

“Eles não estão aqui.” sussurrou Gourry olhando ao redor.

Tinha razão. Milgazia e Memphys, de quem havíamos sido separados ao entrar na base da torre, não estavam em lugar nenhum.

“Diga... Não acha que os dois foram pegos também, acha?” perguntou Luke, sugerindo uma possibilidade assustadora.

As coisas poderiam ter acontecido dessa forma, com certeza... Contudo eu preferia manter o otimismo.

“É possível que estejam presos em sua própria dimensão paralela distorcida. Também podem ter escolhido seguir em frente sem nós.” retruquei.

“É... Não acreditaria nisso vindo do cara dragão, no entanto consigo imaginar a elfa agora mesmo. ‘Esses humanos são apenas um fardo para nós de qualquer forma. Vamos em frente, tio’, e toda essa baboseira.”

É... Soa como a Memphys para mim.

“Isso nos deixa com apenas uma opção...” disse Mileena, voltando o olhar... Para o palácio envolto em trevas.

———

Tudo parecia quieto dentro do palácio. Estávamos parados em uma porta dos fundos, no lado norte, tentando ouvir o que havia além. Pelo menos, estava claro que Milgazia e Memphys não estavam tendo uma grande briga lá dentro.

“Não parece haver ninguém por perto.” disse Gourry baixinho, com o ouvido encostado na porta.

Hum. Nesse caso... Vamos dar uma olhada nesta fechadura. Examinei o mecanismo e perguntei.

“Gourry, você consegue cortar o ferrolho através da fresta na porta?”

“Acho que sim.” respondeu o grandalhão ao meu pedido absurdo com sua habitual tranquilidade e se posicionou em frente à porta. Os outros recuaram e... “Hahhh!” com um grito, cortou um arco prateado na escuridão.

Clink! Todos ouvimos um leve toque metálico... E assim, a fechadura foi destravada.

“Caramba... Sua habilidade continua incrível como sempre!” sussurrou Luke, com uma mistura de admiração e repulsa.

Por sua vez, Gourry abriu a porta devagar. Entramos em um saguão de tamanho razoável, no fundo do qual havia um longo corredor que levava para o interior do prédio. Luzes mágicas fracas pairavam ao nosso redor, embora não houvesse sinal de ninguém nas proximidades.

“Estranho. Ninguém vigiando as entradas do palácio?” murmurou Mileena.

“É. Cheira a armadilha para mim.” respondeu Luke.

“De qualquer forma, temos que continuar. É o ministro ou o feiticeiro da corte... Vamos com o mais próximo primeiro.” falei.

Os outros assentiram em resposta, e então começamos a seguir a rota que Allus havia traçado para nós.

“Sabe, Gourry, estou me perguntando... Aquela espada que tem aí sempre foi tão afiada?” sussurrei para meu companheiro enquanto corríamos pelo corredor o mais silenciosamente possível. Eu me lembrava de ser uma espada mágica muito boa, no entanto não forte o suficiente para derrotar mazokus puros com um só golpe.

“Ah, esta coisa? Aquele cara... Mil-como-era?”

“Hmm, Milgazia?”

“Isso, ele.”

Espera aí, cara... Vocês estão viajando juntos há dias e ainda não consegue se lembrar do seu nome?

“Ele disse que minha espada não era suficiente para derrotar mazokus, então desenhou esse padrão estranho nela para torná-la mais forte.”

“Hã?” sua explicação foi tão simples que não pude deixar de piscar. Ele tornou a espada do Gourry... Mais forte? “É a primeira vez que ouço falar de algo assim!”

“É, acho que nunca mencionei.”

Haaah... Usar padrões... Ou seja, inscrições... Para fortalecer objetos era uma forma de magia que não podíamos praticar. O que significava...

“Oooh, Gourry!” exclamei. “Você vai me deixar dar uma boa olhada nessa espada mais tarde, tá bom?”

“Claro... Mas não vai trocá-la por uma cópia e depois vendê-la, vai?”

“Que bobagem! Nunca a venderia sem antes examiná-la por inteiro!”

“Espera, então faria isso depois?”

“Quem pode dizer o que o futuro reserva?”

“Isto é...” Gourry começou a objetar, porém parou de repente.

O resto de nós também parou. O longo corredor ainda estava vazio, e as portas que o ladeavam não emitiam nenhum som. O que deixava apenas a porta solitária à nossa frente, no final do corredor. Pretendíamos passar por ela, contudo...

“Tem alguém aí dentro?” perguntei.

“Não!” respondeu Gourry, com os olhos fixos na porta. “Alguma coisa.”

Esse aviso causou uma onda de tensão no grupo. Gourry insinuara que o que quer que estivesse à nossa frente não era humano.

“O que vamos fazer? Pegar outro caminho?” hesitei.

Luke bufou, desdenhoso.

“Duvido que o que quer que esteja lá dentro nos deixe procurar outro caminho...”

“Tem razão. Melhor encarar de frente do que improvisar um desvio e nos vermos cercados.” Mileena assentiu levemente.

E assim ficou decidido. Nos aproximamos da porta, hesitamos por um instante e então...

“Está destrancada. Por favor, entrem.” disse uma voz de dentro.

Do outro lado da porta, encontramos uma sala ampla e aberta. Não sabia para que havia sido originalmente projetada, no entanto havia uma porta em cada parede e uma escada que subia em um dos lados.

Um homem estava no centro de tudo, vestido com longas vestes índigo bordadas com símbolos que deviam indicar sua alta posição. Parecia ter uns trinta anos, com um cavanhaque que parecia deslocado em seu rosto de traços suaves e pele clara. O homem poderia ser confundido com um sujeito magricela de meia-idade perdido em suas próprias roupas, não fosse o brilho intenso de intelecto que cintilava em seus olhos.

Será que este é...?

“Agradeço por terem vindo apesar do horário tardio. É um prazer enfim conhecê-los. Sou Sardian, o ministro do comércio deste reino... Pelo menos no que diz respeito as aparências.”

Dei um sorriso irônico.

“‘Nas aparências’, hein? Isso é bem direto. Então vai nos enfrentar de frente, sem se importar com truques?”

“Não estaria errado em interpretar dessa forma.” disse ele, fazendo uma reverência.

Hmm... Então esse é o seu jogo, hein? Para ser honesta, estava suando frio com a possibilidade de se passar por humano e mandar mais soldados contra nós, então isso foi até um alívio. Mesmo assim, vir nos desafiar de frente, sem mais nem menos, me desconcentrou.

Acho que está bem confiante, né?

No geral, mazokus que conseguiam se passar por humanos eram mais fortes do que os que não conseguiam, então era seguro presumir que esse tal de Sardian era bem poderoso. Espero que não no nível da Sherra, porém...

“Então você é o idiota por trás de toda essa bagunça, hein? Desembucha logo! Qual é o seu plano?” Luke gritou.

Diante da sua pergunta, Sardian se limitou a sorrir.

“Receio não poder revelar. Por agora, gostaria que lutassem contra este peão que preparei. Se me permitir...” Sardian estalou os dedos.

Whoosh! Uma figura vermelha desceu ao seu lado, vinda da escada que levava ao segundo andar. Parecia feita de argila tingida com sangue e moldada em uma silhueta humana. Não tinha olhos, nariz, boca ou orelhas... Apenas padrões abstratos desenhados em seu rosto e corpo em preto.

E a espada em suas mãos... No momento em que a vi, senti um arrepio na espinha.

Não... Não podia ser...

“Já está nos entregando aos seus peões, é?” Luke debochou, pelo visto sem notar o que estou vendo.

Sardian apenas balançou a cabeça.

“Sequer considerei a ideia. Apenas subjugá-los com escória demoníaca seria o cúmulo da vulgaridade. Em vez disso, lutarei com vocês pessoalmente, ao lado deste oponente escolhido a dedo. Permita-me apresentar o demônio produzido pelas técnicas inovadoras da Senhora Sherra... Jade Caudwell.”


As palavras de Sardian causaram um choque em nosso grupo. Era justo como eu temia.

Demônios inferiores e de bronze eram criados a partir de mazokus de nível inferior... Que eram fracos demais para se manifestarem neste mundo por seus próprios poderes, possuindo e transmutando seres não sencientes, como animais. Isto não era um processo natural, entenda bem. Feiticeiros, ou mazokus de nível superior, precisavam invocá-los. O que sugeria que o surgimento atual de demônios perto do castelo era resultado de alguma mente brilhante invocando demônios de nível inferior para possuir a fauna local... Gatos, ratos, cachorros, etc.

Ainda assim, embora fosse fácil demonizar pequenos animais, os humanos tinham muita força de vontade individual para servirem de hospedeiros para demônios de nível inferior. Pelo menos em circunstâncias normais. Se conseguisse enfraquecer suficientemente a vontade de uma pessoa antes de invocar um demônio do plano astral para possuí-la, os humanos poderiam de fato ser demonizados de forma terrível. Encontramos alguns exemplos disso em nossas viagens. Um destes sendo o pai de Jade, Grancis Caudwell.

A espada de Sherra, Dulgoffa, criava demônios com aparência humana ao esmagar a vontade de uma pessoa... E era exatamente essa aura que a criatura ao lado de Sardian emanava. Eu a senti no momento em que a vi pela primeira vez, e o pior cenário possível que passou pela minha mente me fez estremecer. Desejei de todo coração que estivesse enganada.

Ainda havia uma pequena possibilidade de que Sardian estivesse blefando numa tentativa de nos desestabilizar. Que aquele não fosse de fato Jade. Mas sabíamos que Jade tinha vindo procurar no castelo e que estava desaparecido desde então. Sardian não afirmaria que aquele era Jade a menos que ao menos o tivessem sob sua custódia... A mentira poderia ser descoberta em pouco tempo. E se os mazokus tivessem Jade em suas mãos, não havia razão para pensar que não o usariam dessa maneira.

O que significa... Que de fato era...

“V-Você... Seu filho da...” Luke sibilou entre dentes cerrados. Sardian apenas sorriu em resposta.

“Cuidado. Esse tal de Sardian... É mais durão do que aparenta.” avisei a todos.

Sardian me lançou um sorriso forçado.

“Mais durão do que pareço? Que grosseria! Talvez faça vocês se arrependerem disso. Vamos começar... Jade.”

Quando o mazoku estalou os dedos, o tal de Jade avançou contra nós!

Nós... Nós temos que lutar!

Todos desembainhamos nossas espadas e nos preparamos para a batalha. Gourry foi para a frente para enfrentar o ataque de Jade, enquanto o resto de nós começou a entoar feitiços. Sabíamos do que Jade era capaz, baseado no tempo que passamos juntos. Em termos de pura habilidade com a espada, ele era melhor do que eu, mas não tão bom quanto Luke e muito inferior a Gourry. Mas como a possessão afetaria sua habilidade? Só saberíamos quando nossas espadas se cruzassem.

Gourry e Jade correram um em direção ao outro, atraídos como ímãs. Porém, quando estavam prestes a se chocar... Whoosh! Sardian apareceu bem ao lado de Gourry!

Ele apareceu do nada?

Sardian conjurou uma esfera brilhante de luz mágica, contudo antes que pudesse atingir Gourry com ela, o grandalhão saltou para trás o mais rápido que pôde!

“O quê?” Sardian gritou surpreso. Já havia lançado a esfera, e a repentina retirada de Gourry significava que Jade agora estava em sua trajetória!

A esfera estava prestes a colidir com nosso antigo camarada, no entanto... Swip! Um golpe da espada de Jade dispersou o orbe que se aproximava. Também devia ser uma espada mágica! Mesmo assim, o golpe deixou seu abdômen desprotegido. Gourry não perdeu tempo e buscou tirar vantagem.

“Nada pessoal!”

Sua espada descreveu um arco no ar... E a mudança aconteceu instantaneamente. O que era um padrão preto abstrato no rosto de argila vermelha da criatura tornou-se o semblante de Jade Caudwell.

A visão do rosto familiar fez Gourry estremecer. Com reflexos incríveis, conteve sua lâmina pouco antes de fazer contato. Todavia Jade, sem hesitar um segundo, nem mesmo com um encantamento, conjurou um globo brilhante e o lançou... Bem em cima de Gourry à queima-roupa!

Ele não tem tempo para desviar! Se isso o atingir...

Whoom! Houve um clarão e uma explosão. Gourry foi arremessado para longe.

“Gourry!” cancelei o feitiço que estava conjurando e corri até ele. Jade foi atrás, mas alguns ataques mágicos de Luke e Mileena o mantiveram à distância. “Gourry...”

“Hah!”

Hein? Quando me aproximei, o grandalhão saltou de volta para os pés, espada em punho. Mas... Aquilo o acertou em cheio!

Embora eu tenha visto uma marca preta de queimadura em sua camisa, sobre o estômago, não vi nenhum sinal de ferimento real.

“Espere... Você está mesmo bem?”

“Eu bloqueei com o cabo da minha espada! Vamos lá!” Gourry declarou enquanto avançava contra Jade de novo.

Oh... Claro. Para evitar um impacto direto, detonou o globo brilhante com o cabo da espada, saltando para trás no mesmo instante para mitigar a força da explosão. O grandão tem reflexos sobre-humanos, hein? Bem...

Lancei um novo feitiço, preparando-me para enfrentar Sardian e Jade mais uma vez.

“Tch! Criança esperta...” Sardian agora conjurou inúmeras bolas de luz e as lançou sobre nós.

Fwa-fa-fa-fa-fwoom! Todos nós saltamos para trás quando várias pequenas explosões irromperam aos nossos pés. Então, Jade surgiu da fumaça, ainda com seu rosto humano inexpressivo. Claro, não significava que havia voltado a ser ele mesmo. Era apenas uma tática para nos desestabilizar.

Estava ciente disso, e ainda assim... Era difícil lutar contra um inimigo feito de alguém que você conhecia e que seguia tendo o rosto de um amigo. Na verdade, podia sentir a hesitação de todos no nosso grupo enquanto enfrentavam Jade.

Por sua vez, Jade permanecia impassível enquanto nos atacava. Seu alvo desta vez era... Mileena, a mais próxima dele!

Shing! Os dois cruzaram espadas por um breve momento. Jade retirou rápido a sua para tentar uma estocada. Mileena aparou o golpe, deslizando sua lâmina ao longo da de Jade e canalizando o impulso em um corte ascendente. Jade desviou com um passo para trás, então produziu e disparou outro globo brilhante.

“Fell Zaleyd!”

Whum! Mileena lançou um feitiço para interceptar o orbe e então saltou para trás para ganhar distância.

Jade tentou perseguir, porém foi contido por um golpe certeiro de Luke.

Por sua vez, Gourry passou por ambos em uma corrida em direção a Sardian. Shing! Assim que a espada de Jade bloqueou a de Luke...

“Dolph Strash!” o feitiço completo de Luke atingiu Sardian em cheio!

Se o mazoku tentasse se esquivar ou repelir o ataque mágico iminente, Gourry aproveitaria a oportunidade para atacar. Defender-se contra esse tipo de trabalho em equipe seria difícil... Pelo menos, para um oponente normal. Contudo Sardian manteve a calma e apenas desapareceu no ar.

Ele vai se teletransportar pelo espaço de novo!

No momento em que Sardian sumiu, Mileena e eu corremos até Luke, enquanto Gourry girava com um golpe horizontal. Sardian reapareceu... Bem no caminho de sua espada!

“Gaaah!” Sardian saltou para trás ao sentir a espada cortar seu estômago.

Sim! Mesmo que não tenha sido fatal, isso deve ter doído!

“I-Impossível!” os olhos de Sardian tremeram de medo enquanto se apressava em recuar. O cara parecia não acreditar que oferecêssemos tanta resistência.

Sabíamos que o golpe em dupla de Luke com Gourry forçaria Sardian a se teletransportar pelo espaço para evitá-lo. A questão, então, era onde reapareceria. Tínhamos um palpite... Atrás de um de nós. Claro, não sabíamos quem ao certo, então todos nos movemos para nos proteger mutuamente. Mileena e eu nos posicionamos de costas para a parede, ao alcance de Luke, para ajudá-lo caso Sardian aparecesse em suas costas enquanto lutava com Jade. Gourry, por outro lado, lançou um contra-ataque preventivo caso tivesse a honra... E Sardian tivesse escolhido o pior lugar possível para reaparecer.

“Lança Elemekia!” lancei o feitiço que estava entoando contra Sardian enquanto este se distanciava de Gourry. O grandalhão se aproximou do mazoku ao mesmo tempo.

Um lampejo de dúvida cruzou o rosto de Sardian. Poderia se esquivar sem problema do nosso ataque duplo, teleportando-se pelo espaço outra vez, no entanto sabia que não aguentaria outro golpe como aquele último. Sem outra alternativa, manteve-se firme e rebateu meu feitiço com uma das mãos.

Pop!

“Gwah!” a dor do golpe pareceu ser maior do que esperava.

Uma Lança Elemekia conjurada por um humano comum poderia derrotar um inimigo do nível de um demônio inferior com um único golpe, todavia estava longe de ser fatal para mazokus mais poderosos. Um golpe direto doeria, sem dúvida, entretanto Sardian aguentaria sem muitos problemas. Foi por essa razão que optou por repelir o feitiço e se concentrar em Gourry. Uma pena que minha Lança Elemekia estava amplificada! Tinha poder demais para ser rebatida com as mãos nuas!

Enquanto Sardian se encolhia com a dor inesperada, a espada de Gourry cortou o ar! Desferindo um golpe diagonal no mazoku, arrancou o terceiro grito consecutivo de sua garganta. Mas antes que Gourry pudesse desferir outro golpe no recuo... Sardian desapareceu mais uma vez.

Seu corpo reapareceu a alguma distância de todos nós, na beira da sala, com o rosto contorcido de ódio... Não, estava se transformando ativamente! O que havia por trás de suas pálpebras distorcidas não eram mais olhos, e sim vórtices negros. Os pelos de seu cavanhaque se uniram em pequenos chifres negros e sinuosos. Talvez não se tratasse de uma daquelas revelações dramáticas de sua ‘verdadeira forma’... O mais provável era que o dano sofrido era mais do que podia lidar e dificultava a manutenção de uma aparência humana.

“Malditos sejam todos vocês...”

Toda a arrogância havia desaparecido de seu tom.

———

Luke continuou a manter Jade sob controle. Jade lançava ataques mágicos de tempos em tempos, embora tudo o que faziam era obrigar Luke a esquivá-los (com relativa facilidade) antes de recuperar o terreno perdido. Dito isso, a visão do rosto humano de Jade continuava a roubar de Luke a vontade de atacar com todas as suas forças.

Assim que Sardian se teletransportou para um canto da sala, Mileena se virou para Jade. Talvez estivesse planejando derrotar Jade e depois se juntar ao ataque contra Sardian. Ela terminou de conjurar seu feitiço, com os olhos ainda fixos em Jade, e... Whommm! Antes que pudesse lançá-lo, uma onda de choque repentina lançou Luke, Mileena e Jade para longe!

O quê? Não pareceu causar muito dano, pois os três se levantaram pouco depois, prontos para continuar lutando. O golpe que os arremessou para trás não veio de Sardian. Um novo personagem apareceu do outro lado da sala.

“Você parece estar com dificuldades para derrotar esses humanos. Está sendo doloroso assistir, Sardian.” disse um homem grande e moreno. Eu o reconheci pela descrição de Allus.

Vai entender. Não era um deles; eram os dois. O Mago da Corte Farial, outro mazoku em pele de humano...

“Fique fora disso, Farial!” Sardian gritou, com a voz fervendo de desprezo. “Eu disse que nós dois éramos suficientes para derrotá-los, e eu estava falando sério!”

“Não dou a mínima para o que disse. Sua incompetência foi tão dolorosa de assistir que decidi, por minha própria vontade, entrar na batalha. E você não está em condições de recusar minha ajuda!” disse ele com arrogância, e começou a caminhar em minha direção.

“Não os subestime, Farial! Não foi mera sorte que permitiu que eles derrotassem a senhora Sherra!”

“Estou ciente.” Farial ergueu a mão em minha direção.

Gourry saltou na minha frente, protegendo-me. E então... Whommm! A onda de choque subsequente que fez meus tímpanos vibrarem foi muito mais poderosa do que aquela que havia arremessado Luke, Mileena e Jade para trás. O tremor secundário sozinho sacudiu as paredes e soltou pequenos fragmentos de pedra. Um impacto direto teria quebrado meus ossos e rompido meus órgãos... Por sorte, Gourry cortou a explosão com sua espada.

Farial claramente não esperava que fizesse algo tão insano quanto contra-atacar uma onda de choque. Pude ver sua sobrancelha se contrair.

Não perdi tempo, saltei para o lado e lancei um feitiço meu!

“Zellas Bullid!” a luz que liberei se tornou um feixe deixando um rastro de imagem em linha reta em direção a Farial! Era um feitiço teleguiado e, se acertasse, com certeza deixaria uma marca!

Gourry seguiu o rastro do meu feitiço. Farial permaneceu imóvel, conjurou quase uma dúzia de balas de luz e as disparou contra Gourry! Ficou claro que não conseguiria evitar todas as balas se continuasse o ataque, então parou e ergueu a espada...

Naquele instante, cada uma das balas de Farial mudou de direção e atravessou meu feixe de luz. Zingazingzing! Incapaz de resistir à saraivada, meu feitiço acabou se dissipando. O cara enganou Gourry para impedi-lo e então contra-atacou meu Zellas Bullid, acabando de vez com nossa jogada em equipe.

Nada mal! Acho que quer provar que não vai nos subestimar como o Sardian fez!

Gourry retomou seu ataque contra Farial, enquanto eu comecei a entoar um novo...

Não. Um arrepio percorreu minha espinha e me apressei para saltar para o lado. Um clarão prateado passou por onde eu estava um segundo depois. Era Jade! Zinnng! Bloqueei por pouco seu próximo golpe com minha espada curta desembainhada.

Sardian saiu correndo em direção a Mileena, que estava entoando um feitiço e se movendo para enfrentá-lo de frente. Mantendo sua velocidade, o mazoku conjurou duas esferas de luz e as lançou contra Mileena. Ela ousadamente acelerou o passo, esquivando-se entre os dois ataques. Quando o fez...

Bwoom! As esferas de luz explodiram! A força da explosão empurrou Mileena para frente, fazendo-a perde o equilíbrio. Sardian aproveitou a oportunidade para se aproximar... Mas foi forçado a saltar para trás quando Luke avançou com um golpe!

Uma luz mágica infundiu a lâmina na mão de Luke. Ele empunhava uma espada que apelidei de Sugadora de Magia. Não tinha ideia de onde a havia encontrado, porém a espada podia absorver e armazenar um feitiço em sua lâmina para liberá-lo posteriormente à vontade do usuário. Não tenho certeza de qual feitiço havia lançado naquele momento, contudo era óbvio que Sardian queria evitar ser atingido.

Luke passou correndo por Mileena em perseguição ao mazoku. Mileena recuperou o equilíbrio e se juntou à perseguição... Foi nesse momento que Sardian desapareceu. Ele se teletransportou pelo espaço e reapareceu... Bem atrás de mim!

Maldição! Não há ninguém em posição para me proteger! Pior ainda, acabei de lançar um feitiço e estou no meio de outro, me defendendo do ataque de Jade! Argh! Tempos desesperados, pedem medidas desesperadas! Deixei a força do ataque de Jade me impulsionar para trás e, em seguida, canalizei esse impulso em um salto... Direto para Sardian!

“Gah!” Sardian e eu soltamos um gemido ao colidirmos.

Obviamente, Sardian não esperava que eu fizesse algo tão primitivo quanto dar uma rasteira em um mazoku puro. Ele ficou tão surpreso com a minha audácia que perdeu seu equilíbrio. Continuei meu deslizamento para trás para ganhar mais distância de Sardian e Jade.

“Nng.” fiz uma careta ao sentir uma dor lancinante repentina.

Quando me choquei contra Sardian, este parecia estar no meio da conjuração de outra esfera mágica... Os estágios iniciais da qual fritaram minhas costas com o impacto. Não conseguia ver o ferimento, no entanto ainda conseguia mover meus braços e respirar, então imaginei que não era tão ruim. Fisicamente falando, pelo menos. O verdadeiro problema era a dor persistente, que dificultaria manter a concentração necessária para um encantamento. A dor em si poderia ser um bom foco, entretanto seria difícil... Não, impossível conjurar um feitiço poderoso o suficiente para ferir mazokus puros enquanto também esgrimava e desviava de ataques.

Claro, teria morrido instantaneamente se não tivesse me chocado contra Sardian... Todavia as consequências foram, mesmo assim, um golpe desanimador para nossas perspectivas. Luke e Mileena se apressaram para me alcançar.

“Lina!” Gourry também correu, virando as costas para Farial no processo. O mazoku seguiu, mas manteve uma distância segura de Gourry, levando em conta sua velocidade e o alcance de sua espada. “Você está bem?”

Assenti com a cabeça.

“Não é tão ruim. Porém dói...”

Meus companheiros conjuradores, Luke e Mileena, entenderam o que queria dizer, e suas expressões se tornaram sombrias. Não conseguiria contribuir mais. Estávamos reduzidos a três lutadores.

Farial se aproximou de onde estávamos agrupados. Sardian também voltou sua atenção para nós, enquanto Jade se movia para o nosso lado...

“Ohohoho... Nossa, nossa. Já estão derrotados? Vocês humanos são aliados tão delicados.”

Pela primeira vez, aquela voz zombeteira soou como música para meus ouvidos.


“O quê?” alguém exclamou. Não tenho certeza se foi Sardian ou Farial, contudo todos olhamos para cima juntos.

Uma figura vestindo roupas azuis e armadura branca estava em cima da grade de uma sacada do segundo andar. Seus cabelos platinados esvoaçavam... Bem, não havia brisa lá dentro, então não estavam esvoaçando de verdade. Ainda assim, a recém-chegada cuja entrada me causou uma estranha sensação de déjà vu era ninguém menos que Memphys, de quem havíamos sido separados na torre norte!

“A elfa? Não é possível! Você já rompeu nossas defesas?” Farial exclamou surpreso.

Memphys sorriu confiante em resposta.

“Minha presença aqui deve ser toda a resposta de que precisa. Não acha?”

Aha, então eles estavam lutando contra mazokus em outro lugar, afinal...

Memphys saltou ousadamente da sacada, usando suas asas para realizar um pouso suave no térreo.

“Então... Aquele dragão também...” Sardian sussurrou.

“De fato!” respondeu uma voz familiar da sacada de onde Memphys acabara de saltar. “Eliminamos suas forças por enquanto. Por que não nos conta o que vocês, mazokus, estão planejando?” Milgazia perguntou enquanto descia a escada.

“Geh!” Farial sibilou, encarando Memphys em vez de responder. Por um instante, suas sobrancelhas se franziram e o ar ao redor de seu peito ficou turvo... Embora foi tudo o que houve. “Impossível! Meu teleporte...!” exclamou em pânico.

Era difícil para mim determinar ao certo o que acabara de acontecer apenas vendo a cena, todavia parecia que Memphys havia feito algo para restringir sua capacidade de teletransporte.

“Nesse caso...”

Vreeeeee! Sardian soltou um grito ensurdecedor, e o ar ao redor de Memphys se distorceu. Sua armadura Zenafa provavelmente a protegia de um ataque do plano astral, cujos tremores secundários se manifestaram como distorções no espaço ao seu redor. Entretanto, enquanto isso ainda acontecia, Sardian saltou sobre ela! Um ataque em pinça, vindo tanto do plano astral quanto do plano material!

Memphys ficou paralisada, e Farial mantinha Milgazia sob controle para impedi-lo de ajudá-la. Felizmente, Mileena estava livre!

“Ra Tilt!”

“Graaaaah!”

Seu pilar de fogo azul engolfou Sardian! Um golpe do feitiço de ataque mais poderoso de toda a magia xamânica foi suficiente para arrancar um grito até mesmo de um mazoku puro! E, sem perder a interrupção no ataque do plano astral...

“Dis Shield!” Memphys estendeu a mão em direção ao mazoku agonizante. “Megiddo Arc!”

Fwoosh! Ao proferir as palavras de poder, uma explosão de chamas carmesins consumiu o corpo do mazoku! Raaaaah...

Aquele rugido final foi o bramido das chamas ou um estertor? Seja o que for, tanto Sardian quanto o fogo logo desapareceram, deixando apenas sons trêmulos para trás. É. Os mazokus ficaram tão abalados com a aparição de Memphys e Milgazia que se esqueceram de nós, meros humanos. Que belo exemplo de como nos subestimaram.

Foi nesse momento que Milgazia chegou ao pé da escada.

“O que você fará?” perguntou a Farial, com os olhos fixos no mazoku.

Farial retribuiu com um sorriso duro.

“Não me faça rir. Espero que não esteja esperando que eu revele nossos planos. Isso não me beneficiaria em nada... Mazokus como nós e seres vivos como vocês são incompatíveis do começo ao fim. Isto me deixa apenas com um caminho a seguir.”

“Lutar, hein?”

“Exato!” com um uivo, o mazoku saltou para a frente, voando como uma flecha em direção a Milgazia! Ele sabia que um projétil ou um ataque lateral astral jamais funcionariam, então iria desafiar o ancião dragão de frente!

Whom! Seus punhos imbuídos de magia se chocaram, fazendo o mundo inteiro ao redor deles tremer!

“Hraaaaah!” ambos uivaram enquanto as violentas colisões de poder mágico enviavam rastros de plasma escaldante pelo ar. Força e magia disputavam a supremacia. E então... O braço de Farial se transformou! Tentáculos negros brotaram de seu membro e se enrolaram no braço direito de Milgazia!

Mas naquele momento, foi Farial quem arregalou os olhos de surpresa. Quando sua metade superior se lançou para a frente... Zrrum! Asas douradas surgiram das costas de Milgazia e o decapitaram.

Whump. Seu corpo colapsado ficou da cor de cinzas de carvão e então se dissolveu em pó. Esse foi o fim de Farial. Porém...

“Tio!” Memphys gritou com a voz trêmula, sem sequer olhar para o mazoku morto. Ela estava fixada no braço direito de Milgazia... Ou melhor, no toco em seu ombro, onde seu braço costumava estar. O membro ausente jazia no chão, bem ao lado de onde o corpo de Farial havia caído e se desintegrado.

O que é isso...?

“Não precisa se preocupar.” assegurou Milgazia, parecendo tranquilo enquanto pegava o braço direito com o esquerdo. “Suponho que nunca te contei, Mephy... Perdi meu braço direito de verdade há mil anos, na Guerra das Encarnações. Esta é uma prótese criada por magia, embora funcione tão bem como meu antigo braço que até eu me esqueço, às vezes, de que é artificial.”

Wow... Acho que realmente se esqueceu visto como a luta se desenrolou e tudo mais...

Só posso presumir que Milgazia o havia liberado intencionalmente quando os tentáculos de Farial o prenderam para desequilibrá-lo.

“Agora, o último que resta...” Milgazia recolocou o braço e se virou... Para o nosso oponente final, Jade.

Jade não se movia há um tempo. Ou melhor, talvez não conseguisse. O demônio manifestado dentro dele havia percebido que não podia derrotar Milgazia e Memphys.

“Entendo... Eles usaram um humano.” disse Milgazia com desgosto enquanto olhava para Jade. Este parecia haver percebido sozinho que aquele era um demônio usando uma pessoa como material.

“Não há como salvá-lo com a sua magia?” Luke gritou.

O ancião dragão balançou a cabeça.

“Receio que sua humanidade tenha desaparecido. Não há nada que eu possa fazer. Mesmo que houvesse uma maneira de expulsar o demônio de seu corpo e restaurar sua aparência, não haveria como recuperar sua alma. Contudo pelo menos...” Milgazia ergueu a mão para Jade.

Luke a afastou silenciosamente.

“Pelo menos... Deixe-me lhe dar a extrema-unção, Sir Jade!” disse ele com uma voz oca.

Eu havia me esquecido... Foram Luke e Mileena que conheceram Jade e aceitaram seu trabalho.

Com a espada ao lado, Luke começou a caminhar em direção a Jade.

“Desculpe, você poderia...” começou ele.

“Não vou interferir!” respondeu Mileena prontamente.

Talvez percebendo que Milgazia e Memphys também não tinham intenção de intervir, Jade enfim começou a se mover. Ele e Luke ficaram frente a frente, com as lâminas em punho. Começaram a correr ao mesmo tempo. A distância entre os dois diminuiu em um instante. Ambos ergueram suas espadas...

De repente, Jade produziu uma esfera de magia!

“Graaaaah!” com um grito estridente, Luke cortou a esfera mágica ao meio... E o rosto de Jade, tudo de uma vez.

***

Link para o índice de capítulos: Slayers

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