Capítulo 58: A sombra que se aproxima do trono
Nenhum vestígio restou do homem chamado Jade Caudwell. O demônio que habitava seu corpo desmoronou com um único golpe da espada de Luke e se derreteu em uma lama vermelha, que então se desfez em pó. Acho que perder a humanidade significava que você nem sequer tinha a graça de retornar à Terra...
Luke se deixou cair desanimado e soltou um suspiro curto, mas profundo.
“Mephy!” chamou Milgazia em seu tom habitual, como se quisesse aliviar o clima pesado. “Lina Inverse está ferida. Cure-a.”
Memphys obedeceu, caminhando até minhas costas e conjurando um feitiço.
“Você também está ferido. Deixe-me ver sua mão.” disse Mileena com sua franqueza característica enquanto se aproximava de seu companheiro mercenário e começava a conjurar um feitiço de Recuperação. A explosão subsequente do orbe mágico de Jade atingiu Luke quando ele o cortou com sua espada, embora mal parecesse senti-lo.
O local estava tão silencioso que parecia que a batalha nunca tinha acontecido. Um calor agradável se espalhou pelas minhas costas, vindo da magia de cura, e a dor diminuiu.
“Ei... Memphys”. chamei, olhando para frente enquanto me dirigia à elfa atrás de mim.
“Sim?”
“Deveria encontrar uma maneira melhor de fazer uma entrada. Acabou me lembrando de uma esquisita que conheci uma vez...”
Eu nem precisei olhar por cima do ombro para saber que uma veia estava saltando em sua testa.
“Como é? É assim que agradecem a pessoa que salvou suas vidas? Vocês humanos nunca conseguem só agradecer a alguém pela ajuda?”
Mileena respondeu em meu lugar, olhando diretamente para Memphys e dizendo.
“Estamos verdadeiramente em dívida com você. Obrigada, Memphys.”
“Erk...”
O que foi isso? Não posso jurar, mas achei que ouvi um gemido baixo atrás de mim.
Então Gourry, que estava olhando para nós, perguntou com uma expressão confusa.
“Hã? Por que seu rosto está todo vermelho?”
“C-Cale a boca! Não é da sua conta!” Memphys respondeu sem jeito. “Mais importante, seu tratamento terminou!” ela mudou de assunto enquanto me dava um tapinha nas costas. A dor havia desaparecido por completo.
Espere... Aha, será possível? Virei a cabeça beeeem devagar e lancei um olhar provocativo para Memphys.
“P-Por que está me olhando desse jeito?”
“Ah, nenhum motivo. Só queria agradecer por me curar.” falei, olhando-a direto nos olhos.
Ela desviou o olhar ligeiramente.
“Eu... Apenas fiz o que o tio Milgazia me mandou fazer!”
Mweeheehee... Isso prova tudo. Oho, sim. Agora entendi tudo...
“Ei, Memphys, será possível que... Apesar do seu jeito dominador... Você é na verdade muito tímida?”
“O quê?” o rubor tomou conta do seu rosto e se espalhou até suas orelhas.
Ahhhhha, bingo! Agora sei a forma perfeita de como provocá-la!
“Ohhh, eu sabia! Olha só você, toda vermelha!” provoquei.
“O quê? Ah! Buh!” Memphys guinchou algo ininteligível.
“É verdade. Mephy tem um histórico de ser bastante introvertida perto de estranhos.” anunciou Milgazia em um tom franco, lançando um olhar de soslaio para a elfa em questão.
“O quê? Tio! Não conte para eles...!”
“Qual o problema? Lembro-me do seu pai lamentando para mim sobre a sua timidez extrema.”
“Ohhh? Então é só uma garotinha tímida e inocente no fundo, hein? Interessante...” provoquei.
“Nngh!” ela pareceu não ter resposta para essa.
Milgazia continuou, imperturbável.
“Também me lembro de uma feiticeira humana que conhecemos naquela época, que lhe disse ‘Quando estiver tímida, é a hora de agir com autoridade.’ Isso pareceu curar sua timidez.”
Hmm? Essa menção passageira fez meu rosto franzir a testa.
“Oh? Então, suponho que uma mera humana realmente te ajudou, hein?” Luke interrompeu.
Memphys ficou ainda mais vermelha.
“Aquilo... Aquilo foi diferente! Ela era uma pessoa verdadeiramente nobre, de autoconfiança e princípios inabaláveis!”
Oho? Tenho a sensação de ter conhecido alguém que se encaixava nessa descrição alguns anos atrás, antes de conhecer Gourry. Um pensamento aterrador me ocorreu.
“Diga, existe alguma chance de essa feiticeira ser... Não, deixa pra lá.”
Temendo a resposta que poderia receber, guardei a pergunta para mim. Há algumas coisas neste mundo que é melhor não saber.
“O que é?” Milgazia perguntou.
“Sério, deixa pra lá! E-Enfim...” decidi mudar de assunto. “Mestre Milgazia, quando nos separamos na torre norte... Nós quatro ficamos presos dentro daquele estranho espaço-barreira, e imagino que vocês estivessem lutando quando conseguimos escapar. O que eles fizeram com vocês?”
“Mais do mesmo. Memphys e eu fomos atraídos para um espaço delimitado onde fomos recebidos por mazokus... Dez deles em forma humana.”
Gehhh! Dez? Então é esse o motivo pelo qual Farial ficou tão surpreso que conseguiram sair...
“Eu... Não acredito que vocês conseguiram passar por isso.”
“Bem, Mephy imediatamente entrou em ação com sua armadura Zenafa completa e, enquanto os mazokus ainda tentavam se reagrupar do ataque inicial, nós os eliminamos um por um.”
Wow, que loucura! Apesar de que, acho que ver uma elfa com uma armadura estranha se transformar de repente em uma gigante e começar a destruir tudo assustaria até um mazoku... De qualquer forma, parecia que tínhamos acabado com todos os mazokus que nos atacaram até agora.
“A questão agora é o que vem a seguir. Limpamos a casa, entretanto tenho a sensação de que ainda não acabou.” comentei.
“Hmm...” Milgazia murmurou.
A julgar pela forma como conversaram, Sardian e Farial eram mazokus de posição semelhante. E o fato de terem se referido à nossa General favorita como ‘senhora’ Sherra sugeria que eram de patente inferior à dela. Os mazokus que Milgazia e Memphys enfrentaram deviam estar no mesmo nível. Pelo menos, presumi que não tivessem uma classificação superior, considerando que Farial os havia chamado de suas ‘forças’.
Do jeito que estava, a situação sugeria que um bando de mazokus do nível de Sardian estava conspirando entre si sem nenhuma hierarquia real... E, bom, é altamente improvável. Tinha que haver alguém dando as ordens.
“Tem algo aqui que não faz sentido, né?” concordou Luke. Ele estava abrindo e fechando as mãos para verificá-las depois que o feitiço de cura de Mileena fez efeito. “Queria que alguém apenas aparecesse e dissesse ‘hahaha, eu sou o chefe’ e explicasse o plano para que pudéssemos acabar com esses desgraçados de uma vez.”
Pena que as coisas não seriam tão convenientes para nós. Dito isto, não estou muito ansiosa para lidar com quem quer que fosse o líder de todo esse circo... Todavia Luke estava certo ao dizer que parecia haver outro mistério em jogo. Costumava haver uma chefe de verdade aqui... Sherra, então...
Espera... Sherra? Chefe? Calma aí. Isso significa... E se...
“Desculpem, mas... Vocês poderiam vir comigo?” perguntei.
Gourry respondeu.
“Precisa ir ao banheiro?”
“Não, droga! O que acha que sou, uma criancinha?” bufei. “Acho que descobri algo. É só um palpite, então não quero dizer nada sem ter certeza... Porém quero ver se estou certa.”
“O que descobriu?” perguntou Memphys.
Não sabia como respondê-la. Para ser honesta, a base da minha ideia era um pouco frágil.
“Vou entrar na brincadeira, seja lá o que for. Não estamos conseguindo nada ficando aqui.” disse Mileena em silêncio. E se ela concordasse, isso significava...
“A Mileena tem razão. Eu vou também.”
Sim, Luke também iria.
“Também não me importo de ir.”
Gourry... Sua opinião não estava em questão. Agora só restava...
“Seria melhor do que ficar aqui sem nada para fazer.” disse Milgazia, e Memphys não podia exatamente contestar.
“Nesse caso... Vocês todos vêm comigo?”
Todos assentiram, então comecei a andar.
“A propósito, Milgazia...” eu disse depois de refazer meus passos por um tempo.
“O ataque que Sardian... Que aquele mazoku lançou contra Memphys mais cedo. Foi um ataque do plano astral, certo? Sei que vocês conseguem bloquear esses ataques, contudo existe alguma maneira de humanos como nós bloquearmos ataques semelhantes de mazokus?
“Não.”
Wow... Foi tão direto que me pegou de surpresa.
“Apesar de que mazokus nunca usariam ataques astrais em combate com humanos.”
“Por quê?” Luke interrompeu.
“Há um ditado humano: ‘um dragão usará toda a sua força para esmagar um pardal’. No entanto tal ideia não se aplica aos mazokus. Estes pensam nos humanos menos como adversários e mais como alimento... Dispensadores irracionais de emoções negativas como o medo. Existem algumas exceções, como vocês, entretanto, em geral, os humanos são só fracos demais para merecer a sua atenção. E mesmo vocês ainda são muito inferiores aos mazokus de nível inferior em termos de puro poder mágico.”
“É muita coisa para assimilar, cara!” murmurou Luke.
Embora era a verdade. Os maiores feiticeiros humanos precisavam entoar cânticos e invocar palavras de poder para lançar feitiços, mas até mesmo os mazokus mais fracos conseguiam conjurar flechas flamejantes com um simples uivo. Dragões e elfos também possuíam uma habilidade semelhante, a julgar por Milgazia e Memphys.
De qualquer forma, Milgazia continuou.
“Não leve para o lado pessoal. Estou apenas explicando a mentalidade dos mazokus. Eles não consideram os humanos adversários dignos, então atacar um humano do lado astral... Em outras palavras, desferir um ataque verdadeiro... Seria como admitir que não são poderosos o suficiente para derrotar um ser inferior sem recorrer a todo o seu poder. Essa forma de pensar pode ser fatal para seres astrais como os mazokus.”
Aha... Entendi.
“Hmm... Não entendi muito bem.” disse Gourry, como era de se esperar.
Aha... Faz sentido.
“Bem... Resumindo, mazokus são meio exigentes, então não vão usar ataques estranhos contra nós.”
“Ah, é só isso? Por que você não disse logo?” perguntou Gourry num tom displicente.
Milgazia ficou em silêncio.
Ooh... Será que Gourry o irritou? Seja como for, enquanto conversávamos, subimos as escadas e seguimos por um corredor deserto.
Wahhhh... Ahhhh... A corrente de ar vinda do outro lado do corredor trouxe consigo um som fraco.
“Que voz era aquela?”
“Um gemido...? Não, mais como um grito distante.”
Memphys e Milgazia identificaram que era uma voz em seguida.
“Você está me dizendo... Que era uma pessoa?” Luke franziu a testa.
Eu também tinha ouvido o mesmo uivo no palácio quando lutei contra Sherra da última vez. Contei de forma resumida a todos sobre a lenda.
“Dizem que o rei local foi lutar contra os mazokus e voltou grotescamente transformado por uma maldição. E aqui está ele, escondido no castelo, um amontoado disforme de carne incapaz de morrer.”
“Ah, acho que já ouvimos falar disso... Dele.” a voz de Luke baixou quando pareceu se lembrar de que foi Jade quem contou a história da outra vez.
“Não vamos investigar isso, vamos?” Memphys me perguntou.
“Claro que não!” respondi, balançando a cabeça. Investigar um boato assustador não nos ajudaria em nada nesta situação.
“Se é assim, para onde vamos?” ela perguntou.
Não respondi. Não podia dizer... Que eu meio que tinha me perdido.
Pensando bem, não estava muito familiarizada com a planta interna do castelo. Além do mais, tínhamos vindo por um caminho diferente da última vez, e este não era o caminho que o antigo General Allus havia nos indicado mais cedo. Hum...
Depois de mais um pouco de vaguear sem rumo, saímos abruptamente do corredor e entramos em uma sala ampla e aberta. Era revestida com pilares de mármore e um tapete vermelho cobria o chão entre eles.
A sala de audiências?
Toda aquela caminhada enfim nos levou à entrada VIP. No final do tapete vermelho, havia um trono desocupado, e...
Uma onda de tensão percorreu meu corpo. Havia uma figura parada ao lado do trono. Ele voltou um olhar silencioso para nós seis quando paramos. Estava vestindo uma pesada armadura prateada com uma espada longa de uma mão presa ao cinto. Não usava capacete, e reconheci seu rosto. Cabelos longos e negros. Meados dos trinta. A majestade da realeza estampada em sua face.
“Rei Wells Xeno Gyria...” murmurei.
“Não acredito...” Mileena e Luke sussurraram em choque. Parecia que por fim tinham entendido.
“O que vocês estão fazendo aqui? Já é muito tarde!” disse a voz solene do Rei Wells, ecoando na câmara vazia.
Mantendo uma certa distância, comecei a caminhar pelo tapete vermelho.
“Imagino o que você está fazendo aqui. Encontrar o rei rondando sua câmara de audiências a esta hora, armado e com armadura...”
“Acho que perguntei primeiro.”
Ele deu alguns passos em minha direção. Sem pensar duas vezes, recuei na mesma medida. Claro, não deixei de notar como sua armadura de metal não fazia barulho enquanto caminhava.
“Acho que já sabe por que estamos aqui... Rei Wells.”
“Hmm...” ao ouvir minhas palavras, o canto de sua boca se curvou em um singelo sorriso.
Whommm!
Uma poderosa onda de choque me atravessou, roubando-me o fôlego.
“Guh!”
“O quê?” ouvi as vozes de Memphys e Milgazia se elevarem em surpresa atrás de mim.
Aquela onda de choque não era um ataque de verdade. Ele apenas deixou cair o glamour da camuflagem que usava para mascarar sua verdadeira aura... Mas isso por si só foi suficiente para abalar meu corpo e alma.
“Bons instintos!” disse ele. “Quando percebeu?”
“Não faz muito tempo...” a pressão que emanava era tão forte que só de falar já era uma agonia. “Eu sabia... Porque uma vez ouvi...” alarguei minhas pernas e estufei o peito para tentar suportar. “Ouvi dizer que os mazokus só servem... Aqueles com quem fazem um pacto... E aqueles mais fortes do que eles. O que significa...” continuei, virando-me para encará-lo. “O que significa que o único a quem a General Sherra juraria lealdade... É você, Dinasta Graushera.”
O silêncio preencheu a sala de audiências. Quem pode dizer quanto tempo durou?
Descobriu-se que não havia rei para Sherra deslumbrar com seus encantos femininos ou manipular com poder mágico. Todos acreditavam que Sua Majestade havia mudado com a sua chegada... E embora fosse fundamentalmente incorreto, também era uma verdade inquestionável.
Mazokus eram seres astrais. Os mais fortes entre eles conseguiam se disfarçar de humanos. Não seria possível, então, que escolhessem se parecer com um humano específico? O rei havia mudado, de fato... Do verdadeiro para um impostor.
É provável que tenham feito a troca depois que Sherra se infiltrou no castelo. Como estava constantemente ao lado do rei depois disso, quaisquer mudanças em seu comportamento foram atribuídas a ela. No entanto Sherra não era a verdadeira instigadora desse plano. Não, era apenas uma distração, uma cortina de fumaça para a escuridão ainda maior que se escondia por trás. O jeito como Sherra sorriu no momento de sua derrota... Talvez fosse a satisfação de saber que havia desempenhado seu papel com perfeição.
“Hahahahahahaha!” a risada de Graushera quebrou o silêncio. “Que imaginação poderosa. Foi tudo que você precisou para descobrir?”
“Na verdade, foi um pouco mais do que isso. Fechar os portões da cidade para impedir interferências, a ordem ridícula para os soldados não saírem dos prédios. Quem faria tal coisa? Isto é uma monarquia. Sim, talvez um rei covarde cercado por conselheiros demoníacos se submetesse mansinho e fizesse o que lhe mandavam... Mas foi muito mais fácil para mim acreditar que a ordem tinha vindo do próprio Rei. Aliás, qual era o objetivo dessas ordens?”
“O objetivo? Não me diga que acha que existe algum plano maior em jogo. Estamos apenas fazendo um banquete.”
“Um banquete?” perguntou Mileena.
“Sim. As emoções negativas das quais nos alimentamos... Ansiedade e inquietação. Medo e frustração. Esta não foi uma má maneira de fazê-las se agitarem bastante na cidade, não acha?”
“Então... Enviar aquelas hordas de demônios foi só preparar o terreno, é?” Luke cuspiu as palavras.
“Em parte, sim... Porém, acima de tudo, eu anseio por batalha.” ao dizer aquilo, ele começou a caminhar. Lentamente. Em nossa direção.
“Ele é... Extremamente forte!” disse Milgazia com a voz rouca, de onde estava ao meu lado.
“Eu sei.”
“Podemos derrotá-lo, garota humana?”
“Claro que não.”
“Então por quê? Quando você percebeu o que ele era, por que não sugeriu que fugíssemos?”
“Acha mesmo que nos deixaria ir?”
Milgazia ficou em silêncio. Ele estava em pânico. O ancião dragão dourado que havia sobrevivido à Guerra das Encarnações... Estava em pânico.
“O que fez com o outro... Com o verdadeiro Rei Wells?” gritei para o mazoku que se aproximava. Já sabia a resposta, é claro. Só estava perguntando para tentar me distrair do meu crescente terror.
“Quem vai notar mais uma bola de carne chorosa escondida no castelo?” foi a sua resposta. Ele havia lançado a mesma maldição sobre o rei atual para transformá-lo em uma massa imortal e sofredora, e então o selou no mesmo lugar.
Uma mudança ocorreu no rosto do mazoku, gradualmente, enquanto caminhava. Dois apêndices semelhantes a chifres cresceram em sua cabeça, arqueando-se para trás e endurecendo para cobrir suas bochechas, sua testa e seus olhos. Essa pressão que ameaçava congelar meu coração... Seria o medo de saber que aquele era Dinastia, ou algum terror primordial mais profundo?
“Eu não vou perder!” gritei. Pretendia me recompor e a todos ao meu redor. “Não posso me dar a esse luxo! Não para alguém tão preguiçoso que dá o nome de ‘Sherra’ em homenagem a si mesmo à sua subordinada!”
“O nome dela, hein? Sherra veio me perguntar a mesma coisa não faz muito tempo...” disse Dinastia enquanto caminhava, seu rosto se transformando em um capacete prateado. Seu passo lento não mudou. “A Grande Besta disse que também deu metade do nome ao seu Sacerdote... Para ser honesto, não vejo problema. Por que uma mera ferramenta precisaria de um nome mais interessante?”
Eu engasguei.
“É... É isso que você disse para Sherra?”
“Sim. As emoções negativas dos mazokus também são bastante deliciosas.”
Seu desgraçado! Isso explicava por que ela estava tão estranhamente desesperada em nosso último encontro aqui no palácio. O senhor a quem servia havia dito que não passava de uma ferramenta. Não que eu fosse ter pena da Sherra ou algo assim... Contudo não podia só deixar esse idiota à solta.
“Eu vou te derrotar!” declarei sem rodeios. “Seu poder pode ser aterrorizante... Mas vou te derrotar!”
“Hahaha! Que ousadia! Gostei!” outra gargalhada de Dinastia ecoou pela câmara. Ele então parou, uivou e brandiu sua espada longa. “Muito bem! Aceito seu desafio, em meu nome como Dinastia Graushera! Venham para cima de mim, como cordeiros para o abate!”
Esse foi o sinal de partida para nossa briga.
———
“Fell Zaleyd!” Luke e Mileena lançaram seus feitiços entoados no instante em que Graushera parou de falar. Os dois raios de luz atingiram direto o corpo do mazoku.
“Teria preferido algo um pouco mais chamativo para começar nossa batalha.” respondeu o mazoku.
“O quê?”
Naturalmente, ambos ficaram chocados.
Outro raio cortou o ar... Desta vez, o hálito laser da Zenafa de Memphys!
“Que luz patética...” uma pequena esfera negra surgiu na mão de Dinastia e absorveu o raio brilhante. “Você acreditou que tal mediocridade poderia esmagar minha escuridão?” sem sequer haver dado um único passo.
“Graaah!” Gourry avançou na esteira da explosão de Memphys com um grito dilacerante.
Clink! Ping! Dinastia bloqueou cada um de seus golpes com sua própria espada.
“Oh? Que habilidade! Vamos tentar isso por um tempo!”
Os lampejos de luz prateada aceleravam entre eles a cada golpe. O estrondo do aço se chocando reverberava pela sala. Milgazia aproveitou a chance para entrar na luta.
“Chama Vrabazard!”
Seu feitiço disparou em direção ao mazoku, mas... Vwoosh! Graushera moveu a mão esquerda, enviando a luz em arco para o teto! Kra-kash! Criando um buraco fumegante no teto e voou para longe.
“Muito fácil!” Dinastia uivou, balançando o braço esquerdo. Whommm!
“Ah...”
A onda de choque que produziu lançou Milgazia para longe antes que pudesse sequer gritar. O corpo do homem-dragão atravessou um pilar de mármore antes de cair no chão além.
“Tio!” Memphys gritou.
“Estou brincando com este humano agora! Não se meta no meu caminho, dragão!” Graushera cuspiu as palavras enquanto voltava sua atenção para o combate corpo a corpo com Gourry. É verdade que, mesmo tendo derrubado Milgazia com a mão esquerda, não havia perdido o ritmo no duelo. Isso mesmo... Estava usando apenas a mão direita para lutar.
Brincando, né? É exatamente o que está fazendo. Porém...
“Não me subestime!”
Suas lâminas continuaram a se chocar. A espada de Gourry deslizou pela de Graushera e... Clink! O golpe atingiu o mazoku no ombro esquerdo!
“Oh? Impressionante!” disse Dinastia com um leve sorriso na voz.
“O quê?” Gourry recuou, confuso. “Você nem sentiu?” ele exclamou em um sussurro chocado.
Dinastia respondeu.
“Não, eu senti. Como uma gota d’água atingindo uma pedra. Contudo não se decepcione, espadachim. Sua habilidade é notável. Entretanto, para sua falta de sorte, sua arma... É insuficiente.”
“Ra Tilt!” Mileena lançou uma coluna de fogo azul sobre Dinastia, na esperança de que ao menos causasse algum dano. Afinal, este era o feitiço de ataque mais forte de toda a magia xamânica! No entanto...
Swsh! Com um simples golpe de sua espada longa, Graushera cortou as chamas que envolviam seu corpo.
“Isso é absurdo!” Mileena exclamou, com uma rara nota de pânico na voz.
“Não, garota! Você é apenas patética! Enquanto estiver presa ao receptáculo conhecido como vida... Hmm?” Dinastia parou de repente para bloquear um golpe de Gourry enquanto falava. “Acha que está me distraindo? Sério?” zombou, com a voz carregada de deboche.
Todavia estava enganado. O Gourry que eu conhecia era estúpido demais para pensar em tal coisa.
“Te distrair? Jamais! Sou mais do que uma distração!” a esgrima de Gourry ganhou ainda mais velocidade. A ponta de sua lâmina roçou repetidamente a armadura de Dinastia.
“Já te disse! Não passa de uma gota d’água contra uma pedra!”
Viu? Como falei. Estúpido.
Mas...
“Você... Está louco?” um toque de surpresa surgiu na voz de Graushera pela primeira vez quando Gourry de fato começou a golpeá-lo com força.
Yup... Esse era o brutamontes que eu conhecia. Desafio nascido da pura tolice era o que precisávamos agora. Eu mesma o ensinei isso há muito tempo: ‘Se entrarmos em uma luta acreditando que vamos perder, nossas chances de vencer se tornam zero. Então, mesmo que as probabilidades estejam contra nós... Vou lutar para vencer!’
Você se lembrou, Gourry!
“Zellas Bullid!” disparei um feixe de luz que traçou um curso em direção a Dinastia.
“Hnn!” enquanto o mazoku brandia sua espada longa contra meu feitiço para cortá-lo, Gourry golpeou a armadura de Graushera mais uma vez.
“Que se dane, pessoal! Vamos atacar o desgraçado em grupo!” gritei.
Luke, mais do que disposto, atacou Dinastia. Mileena entoou seu próximo feitiço, e Milgazia... Que havia conseguido se levantar... Moveu-se para flanquear nosso alvo. Por fim...
“Memphys?” ela estava parada um pouco atrás de mim, tremendo. “Controle-se!” gritei enquanto corria até ela.
“Eu... Não consigo...” sussurrou a elfa timidamente em resposta.
“Do que está falando? Onde foi parar toda aquela sua bravata?”
“Não consigo fazer isso!” sua cabeça balançou, ainda tremendo. “Vocês... Vocês humanos... Só conseguem continuar porque não conseguem ver como aquela coisa é no plano astral. Quando tentei atacar com magia... Quando abaixei a barreira astral da minha Zenafa... Eu vi! Pude ver a verdadeira forma de Dinastia! É tão grande... Uma escuridão imensa e abrangente! Está apenas brincando com todos nós! Quaisquer ferimentos que consigam infligir não significam nada... Tudo que precisa é apenas canaliza um pouco mais de poder para sua forma material para compensar. Nós não podemos vencer. Não há como derrotarmos essa coisa...”
Então sua cabeça voltou a balançar.
“Parece que aquela feiticeira humana que você conheceu era bem sem graça, né?” eu provoquei.
“O quê?” sua testa franziu, sem entender.
“Milgazia disse que conhecê-la te mudou. Eu não te conhecia naquela época, mas aposto que você era desse jeito aí... Não é, Mephy?”
“...”
“E se todo o seu suposto crescimento foi superficial... Ela não devia ser muito inspiradora, afinal.”
Imaginei que Memphys não cederia às circunstâncias se a atacasse pessoalmente, então escolhi ir atrás da feiticeira que admirava. E o resto...
“O resto... Depende de você. Vai tremer de medo, servindo um banquete de emoções negativas para aquele mazoku até que te mate? Ou vai apostar em uma pequena chance e lutar? A decisão é sua, Mephy. A escolha está em suas mãos.”
Com isso, me virei para Dinastia e comecei a entoar um cântico baixinho.
“É Memphys para você...” ela disse atrás de mim.
Aha. Isso aí!
———
“Lâmina Olhos de Rubi!” Luke lançou seu feitiço, posicionando-se para imobilizar Dinastia com Gourry. Uma espada vermelha mágica apareceu em suas mãos, já preparadas, no lugar de sua outra espada, agora embainhada. O feitiço invocava o poder do Lorde das Trevas do nosso mundo, Olhos de Rubi Shabranigdu.
“Geh!” Graushera, aparentando temer um golpe direto, retirou sua própria espada do confronto com Gourry. Em seguida, criou uma luz mágica sobre ela e a usou para bloquear o ataque de Luke.
Clink! Enquanto a atenção de Dinastia estava desviada, Gourry golpeou a armadura do mazoku outra vez.
“Hahhh!” Dinastia desferiu um golpe em Gourry com o braço esquerdo. Gourry bloqueou com o cabo da espada, porém o grandalhão ainda voou pelos ares. Dinastia deve ter produzido uma onda de choque no momento do impacto. Ou talvez apenas tivesse dominado o cara. Era difícil ter certeza.
Sem perder o ritmo, Milgazia mergulhou na briga para tomar o lugar de Gourry. Avançando direto para o espaço pessoal de Dinastia, acertou um soco no mazoku! Pow! Um clarão de luz apareceu ao redor de sua mão cerrada. É provável que a tivesse imbuído com magia no momento do golpe.
“Você vai ter que fazer melhor do que isso!” Graushera uivou, derrubando Milgazia no chão com um golpe de sua mão esquerda. Nesse instante...
“Ra Tilt!”
O segundo golpe espiritual de Mileena envolveu Graushera. Fwoom!
“Isto não vai funcionar!” Dinastia gritou. E assim, a coluna de chamas se estilhaçou!
Zing! Nesse meio tempo, Gourry se levantou e avançou para atacar Graushera pelo flanco. O mazoku se virou para encará-lo... Então seu olhar mudou e de repente balançou a mão esquerda! Crackle! Ouvi um som suave no ar. Olhei e vi sua mão apontada para Memphys, que empunhava uma espada branca de formato curioso.
Claro... Ele havia detectado o golpe de Memphys vindo de outra dimensão e o interrompido antes que reaparecesse nesta. Contudo se quiséssemos que nossa tática funcionasse, o trabalho em equipe era o caminho!
“Zellas Bullid!” disparei outro feixe de luz direto para Dinastia.
“Será que não ve que é inútil?” sua mão esquerda foi erguida para bloquear a explosão, quando...
“Zellas Phalanx!” Milgazia berrou atrás de mim.
Não havia como evitar esse ataque duplo! Embora naquele instante... Luke deve ter ficado sem magia, porque a luz desapareceu da sua mão. Dinastia uivou, produzindo um escudo em sua mão esquerda para pulverizar meu feitiço, seguido por um golpe de sua espada agora livre para destruir a bola de luz que Milgazia havia disparado.
Nesse instante, algo branco passou por mim em alta velocidade. Memphys! Dinastia voltou sua atenção para lá.
“Romper! Ataque!” ao grito de Memphys, o deslumbrante raio branco arqueou-se para cima e disparou seu hálito de laser contra o mazoku!
“Já disse, seus esforços são inúteis...” ele criou uma esfera negra que absorveu a luz, no entanto sua provocação parou abruptamente... Pois era apenas Zenafa no ar.
“?”
Memphys havia removido temporariamente sua armadura para mergulhar aos pés de Dinastia.
“Runa Esquivada!”
Nreeoom! A lança de luz encontrou seu alvo. O corpo de Dinastia tremeu um pouco e... Wham!
“Ngh!” o mazoku desferiu um chute que lançou Memphys pelos ares! Ela quicou com um grande ruído pelo chão, parando não muito longe de mim.
“Mephy!” Milgazia gritou, embora o olhar de Dinastia e a pressão que emanava o mantivessem imóvel.
Corri para o lado dela, todavia antes que eu pudesse alcançá-la, sua armadura branca retornou sozinha e a envolveu outra vez. Isso é...
“Hmm. Elfos são seres tão fisicamente frágeis!” Graushera cuspiu com desdém casual. O ataque de Memphys não o afetou muito.
“Esse cara não é brincadeira...” Luke sussurrou.
“Sério? Considero a quantidade de poder que estou usando atualmente uma grande piada.” respondeu Graushera.
“Memphys!” chamei a elfa ainda desmaiada.
Ao me ouvir, seus olhos abriram um pouco e conseguiu se sentar por um instante antes de se curvar em uma crise de tosse, expelindo um pouco de sangue. Com um suspiro, tentei começar a conjurar um feitiço de Recuperação, porém ela me interrompeu e começou seu próprio encantamento, levando a mão ao estômago. Sabia que sua magia de cura aprimorada por Zenafa devia funcionar muito melhor que a minha... Contudo será que Dinastia lhe daria tempo para se recuperar?
“Você está tentando se curar? Criança estranha.” disse Graushera despreocupado, mesmo enquanto retomava seu duelo de espadas com Gourry. “Apenas se entregue à morte. Por que escolhe prolongar seu sofrimento?”
O desgraçado estava mesmo brincando conosco. Poderia ter nos matado a qualquer momento. Precisávamos terminar com essa luta antes que se cansasse dessa brincadeira, então...
O feitiço de cura de Memphys pareceu funcionar, porque ela conseguiu se levantar parcialmente.
“Não se esforce demais.” eu a incentivei.
“Você... Acha que podemos vencer essa luta sem nos esforçarmos?” Memphys disse com um sorriso em resposta.
“Caramba... Aliás, aquela coisa da Zenafa atacou e voltou sozinha?”
“Sim. Foi feita sob medida para mim. Não obedece a ninguém mais, embora possa funcionar de forma independente até certo ponto...”
Aha...
“Nesse caso... Quer me ajudar a realmente forçar as coisas?”
———
“Dinasta Graushera!” pronunciei, encarando Gourry e o mazoku com quem continuava em combate. “Por um instante... Por apenas um instante, vamos atacá-lo com tudo o que temos!”
“Vá em frente e tente! Me mostre o que tem!” Dinastia gritou de volta. Minha declaração não abalou sua confiança.
Era hora de ir com tudo.
Saúdem, Lordes das Trevas dos quatro mundos
Eu imploro seu vínculo e rogo por esta bênção
Por seus poderes combinados, entrelaçados,
Abençoem-me com uma magia mais poderosa que a minha!
Os quatro talismãs em meu corpo responderam às minhas palavras de poder, emitiram um clarão e aumentaram temporariamente meu poder mágico. Então, com um olhar meu, Memphys saiu correndo em direção a Dinastia. Eu a segui um instante depois, entoando um feitiço em voz baixa. Memphys se aproximou Dinastia e...
“Seus ataques em cadeia escalonados não funcionarão!” gritou Graushera enquanto a figura branca avançava em sua direção. “Não me subestime! Acha que o mesmo truque funcionará comigo duas vezes?”
Derrubando a lâmina de Gourry com força, ele ignorou o Zenafa no ar e brandiu sua espada para baixo.
Por favor! Você é quem está nos subestimando! Não ousaríamos tentar o mesmo truque em você duas vezes!
Memphys, sem sua Zenafa, saltou para trás assim que pousou, deixando a espada de Dinastia sem nada para atingir enquanto raspava no chão! E então... Kreeyom! A Zenafa se prendeu ao mazoku!
“O quê?” pela primeira vez, Graushera gritou em choque. É provável que não tenha compreendido o que estávamos tentando fazer.
Vou te mostrar... É isto!
“Escudo!”
Em resposta instantânea ao comando de Memphys, a Zenafa ativou uma de suas habilidades... Separando seu usuário do plano astral! Exato. Estávamos usando a armadura para cortar a forma material de Graushera de seu corpo verdadeiro no plano astral!
“O que vocês...” até Dinastia ficou surpreso.
“Lâmina Olhos de Rubi!” Luke conjurou sua lâmina mágica uma segunda vez e atacou Dinastia.
“Não tão rápido!” o mazoku bloqueou o golpe, infundindo sua espada longa com magia. Seus movimentos eram confiantes, embora mais lentos do que antes.
Do outro lado, Gourry se aproximou de Graushera com um grito alto. O mazoku não se deu ao trabalho de enfrentá-lo. Mesmo que tivéssemos reduzido o poder de Dinastia pela metade... Ou pior... Um único golpe daquele brutamontes não deveria causar muito dano. Entretanto, assim que sua lâmina fez contato...
“Hraaaah!” Milgazia soltou um uivo dracônico. Naquele momento, os símbolos na lâmina na mão de Gourry começaram a brilhar em vermelho.
Será que foi isso que Milgazia desenhou na espada? Claro! Foram esculpidos com sangue de dragão! Provavelmente o seu próprio sangue!
A espada, ressoando com o poder de Milgazia, perfurou Dinastia!
“Gah!” o mazoku soltou um pequeno grito de dor. Ele sentiu aquele golpe, ainda que só um pouco!
Graushera ergueu a mão esquerda e agarrou a espada de Gourry. Eu podia ouvir o rangido suave do metal.
“Pirralho insolente!”
Kra-kinnng! Enquanto Dinastia uivava, a lâmina se partiu como um graveto. Todavia então, de dentro da lâmina quebrada... Uma lâmina mais estreita apareceu!
“O quê?”
Todos nós olhamos para Gourry, chocados.
“A Espada Explosiva?” Milgazia gritou, enquanto a lâmina brilhava com uma luz púrpura pálida e penetrava fundo no flanco de Dinastia.
“Graaaaah!” o grito de Graushera ecoou, e sua esgrima se tornou mais furiosa.
Luke aproveitou a oportunidade para intervir, cortando o mazoku pelo outro flanco com sua espada.
“Raaaaaaaagh!” com um lamento desumano, o olhar de Dinastia congelou... Fixo na visão à sua frente. Sim, ele estava olhando diretamente para mim enquanto eu me aproximava.
Lâmina forjada do vazio negro congelante,
Seja libertada sob o selo do céu...
Torne-se minha, torne-se parte de mim...
Causemos destruição como um...
Esmague até mesmo as almas dos deuses...
Dinastia conhecia esse feitiço. Estou tomando emprestado o poder do Senhor dos Pesadelos para forjar uma lâmina de puro vazio. Ele ergueu sua espada longa, talvez com a intenção de me repelir liberando uma onda de choque mágica... Mas brandir a espada pelo ar não surtiu efeito. O portador da Zenafa, isolado do plano astral, não podia ser afetado por ataques mágicos sem contato, porém, em contrapartida, também não podia conjurar magia. A menos que Memphys desse a ordem para abaixar o selo da Zenafa.
Eu havia informado Mileena disso, e era por essa razão que ela não se moveu. Contudo Dinastia não fazia ideia. O ferido Graushera, com a espada ainda no meio do golpe, ficou completamente vulnerável! Mergulhei de cabeça, não ia perder minha chance! E então...
“Lâmina Ragna!”
Sem fazer qualquer barulho, minha lâmina de escuridão recém forjada partiu Dinastia Graushera ao meio.
———
Com um leve e oco clangor, a armadura branca caiu no chão. Seu portador, Dinastia Graushera, havia sido aniquilado dentro dela.
“Nós... O pegamos?” perguntou Gourry.
“Pelo menos sua forma corpórea.” respondi enquanto me deixava cair no chão frio. “Usamos o Zenafa para separar sua manifestação... A minúscula parte de si mesmo que projetou em nosso plano de existência, de seu corpo real. E por pouco não conseguimos derrotar essa pequena fração sua.”
“Ei! Espera aí! Quer dizer que o corpo verdadeiro ainda está lá fora?” gritou Luke, que também havia desabado no chão.
“Sim.”
“Então ele vai voltar?”
“Talvez. Se estiver disposto a se mostrar aos humanos em um estado enfraquecido.”
“Não acho isso provável.” respondeu Milgazia.
“É. Então... Acabou.” lancei um olhar para a elfa que estava por perto. “Obrigada por entrar na minha onda com o meu plano maluco. Ótimo trabalho, Memphys.”
“Mephy... Pode me chamar de Mephy!” ela respondeu com um pequeno sorriso.
———
Na luz da manhã, podíamos ver as lojas e barracas ao longo da avenida central de Gyria começando a abrir, enquanto as pessoas circulavam. O portão do castelo estava aberto e os ataques noturnos dos demônios haviam cessado. A vida havia retornado à cidade de Gyria.
Já haviam se passado alguns dias desde o nosso confronto com Dinastia. Tínhamos acabado de lidar com as consequências e obtido permissão para partir hoje.
“Vai ser difícil para este lugar, hein?” perguntou Gourry, olhando para o horizonte.
“Bem, enquanto houver pessoas como Maias por perto, as coisas voltarão ao normal... Não, elas ficarão ainda melhores do que antes. Tenho certeza.” respondi sem qualquer fundamento para me basear.
No fim, a maior parte da resolução envolveu Allus (depois que explicamos a situação para ele) usando sua influência no castelo para apaziguar os ânimos. Agora, isso faz parecer tudo muito bonito e organizado, no entanto deixe-me dizer uma coisa: não foi uma tarefa fácil. O rei desaparecer da noite para o dia junto com dois oficiais de alta patente e várias outras pessoas... Não havia como isso não ser uma provação.
Eu não saberia dizer o que aconteceu no castelo ou como Allus conseguiu, mas bastaram alguns dias para que tudo se resolvesse com o anúncio oficial do ‘falecimento por doença’ do rei. Porém posso especular. Imaginei que Allus apenas tivesse dito a eles que o rei fora substituído por um mazoku. E para prová-lo, havia tomado o caminho mais rápido possível. Em outras palavras, havia mostrado a eles que agora havia dois pedaços de carne trancados em algum lugar no fundo do castelo.
Só reforçando, é só especulação da minha parte.
De qualquer forma, enquanto tudo estava sendo resolvido, o resto de nós ficou ‘sob custódia’ na mansão de Allus. Era um pouco sufocante às vezes, contudo não era como se todos nós coubéssemos no pequeno apartamento de Maias. Também nos poupou a despesa de uma pousada.
Maias ficou bastante abalado quando lhe contamos sobre Jade, no entanto também fomos nos despedir dele.
“Pensei em voltar para casa, mas acho que vou ficar nesta cidade mais um pouco. Não sei o que posso fazer... Entretanto quero tentar ajudar a torná-la melhor, da maneira que puder.” disse ele com um sorriso tímido.
Não preciso dizer que Luke, Mephy e eu o zoamos bastante por causa daquela frase brega.
E agora, finalmente, era hora de nos despedirmos na estrada.
“Bem, acho que é um adeus!” disse Milgazia.
Gourry se virou para Mephy, que estava ao seu lado, e perguntou.
“Você vai voltar para as montanhas?”
“Por favor, não diga ‘voltar para as montanhas’.”
“Você nos faz parecer animais selvagens.”
“Ah... Foi mal, foi mal!” Gourry se desculpou enquanto os dois se aproximavam dele.
“Embora seja verdade que o Pico dos Dragões seja uma montanha... E a vila de Mephy também fique em uma montanha. Todavia acho que vamos ficar vagando por aí mais um pouco. Nunca descobrimos o que Dinastia de fato estava planejando, sendo assim é possível que tente outra vez.”
O homem tinha razão. Havíamos lutado contra Graushera e vencido, só que não o tínhamos destruído por completo. Também nunca descobrimos o que estava tramando. Não podíamos afirmar com certeza que as infestações em massa de demônios haviam terminado de vez. As coisas estavam longe de estar resolvidas, e não havia garantia de que a até então silenciosa Grande Besta Zellas Metallium e o Golfinho das Profundezas não entrariam em cena para assumir o controle. Mas, por enquanto...
“É verdade.” disse Milgazia, como se estivesse se lembrando, tirou um conjunto de pequenas bolsas de couro do bolso e deu uma para cada um de nós. “Nunca entreguei as armas que prometi, mas considerem isso como um agradecimento por nos ajudarem... Ou como pagamento, se preferirem.”
Gourry olhou fixamente para o conteúdo de sua bolsa.
“Pedras?”
“É oricalco, seu idiota!” gritei bem na cara dele.
“Waaagh! Desculpe, desculpe! Eu não reconheci!” ele se desculpou rapidamente.
Espera... Isso é oricalco?
“O quê?” eu, Luke e até Mileena exclamamos em choque enquanto verificávamos o conteúdo de nossas próprias bolsas.
Wow... É mesmo... As bolsas não eram grandes, porém cada uma estava cheia de pedaços de oricalco do tamanho de pedrinhas. Elas valiam algumas centenas de moedas de ouro.
“Gourryyy! Me dá essa bolsa, e pago todas as suas refeições pelos próximos dez dias!” propus no meu tom mais doce.
“Whoa! Você está falando sério, Lina?”
“Qual é, não aja como se estivesse enganando o cara!” Luke provocou enquanto eu negociava com Gourry.
“Não acho que ela esteja fingindo.” Mileena interrompeu antes de se virar para Milgazia.
“Você tem mesmo certeza disso?”
O velho devolveu um aceno.
“Há um lugar onde se pode encontrar isso no Pico dos Dragões e é tudo o que tenho a oferecer.”
O quê? O Pico dos Dragões tem um depósito de oricalco? Se soubesse, teria ido lá da última vez que estivemos lá! Não que tivéssemos tempo para vasculhar...
Ainda assim, que alívio. Estava começando a achar que tínhamos feito todo esse trabalho de graça.
A princípio, entrei na brincadeira com a promessa de receber armas feitas por Milgazia e pelo povo de Mephy, contudo nunca chegamos à vila élfica.
Então Jade deveria nos pagar... No entanto, bem, tudo aquilo aconteceu. E Maias não parecia estar nadando em dinheiro, então não podia pedir a ele uma compensação. Bom, acho que se pode dizer que enfim descobrir a identidade da espada de Gourry já foi pagamento suficiente.
A lendária Espada Explosiva... Por que ela tinha outra lâmina forjada em cima? A resposta para isto se tornou imediatamente óbvia. Fiel aos rumores, o fio do seu corte era... Simplesmente absurdo. Você podia deixá-la cair com a lâmina para baixo e cortar as pedras da calçada. Se tentasse brandi-la enquanto estivesse na bainha, ela a cortaria ao meio. Aliás, com uma bainha de madeira ou couro, só de tentar embainhar a lâmina já a despedaçava.
Resumindo, era muito perigosa para só carregá-la por aí como se fosse normal. Teríamos um derramamento de sangue acidental em nossas mãos se Gourry tropeçasse enquanto estivéssemos na estrada. Era menos uma espada lendária e mais um presente problemático, o resultado de priorizar o poder de corte acima de qualquer outra preocupação. Suspeitava que alguém talvez houvesse forjado a lâmina secundária de aço de alta qualidade sobre a primeira só para tornar a maldita coisa utilizável. Era absurdo. Absolutamente insano. No final, tivemos que pedir a Milgazia para desenhar uma nova inscrição na espada para cegar seu fio e controlá-la. Claro, nas mãos de Gourry, é provável que ainda poderia cortar a maioria das pedras.
De qualquer forma, fiquei muito feliz por termos conseguido um pequeno lucro com toda essa operação.
“Vocês foram de grande ajuda para nós, humanos. Se algo acontecer, esperamos contar com a sua ajuda outra vez.”
“Claro. Exceto... Quer dizer, espero que não nos encontremos em nenhuma situação em que vocês precisem da nossa ajuda, sabe?”
“Sim, é verdade!” disse Milgazia, sorrindo em seguida. “Bem, nós precisamos ir. Obrigado por tudo.”
Com essas palavras, ele se virou para ir embora.
“Cuidem-se todos!” disse Mephy, piscando o olho, e o seguiu.
“Até a próxima... Até algum dia!” gritei para os dois.
Logo, o ancião dragão dourado e a elfa de armadura branca desapareceram na multidão crescente nas ruas.
“E vocês?” perguntei, virando-me para nossos outros companheiros.
Luke estufou o peito.
“O que acha? Ainda somos caçadores de tesouros. Estamos voltando para a estrada...”
“Nem pense em dizer ‘em uma lua de mel particular para dois’ ou algo do tipo.” Mileena avisou.
Luke congelou em resposta, antecipado em seu discurso.
Hmm... Você tem um caminho difícil pela frente, mas dê o seu melhor, Luke.
“Até mais...” alguém disse.
“Até...” respondeu outra pessoa.
Com isso, Gourry, eu, Luke e Mileena seguimos caminhos diferentes.
“Diga...” Gourry interrompeu depois de caminharmos um pouco, como se tivesse acabado de ter uma ideia. “O que vamos fazer agora? Você disse que ia encontrar uma substituta para a Espada da Luz, e parece que conseguiu.”
“Ah...” respondi baixinho.
É, é verdade. Era o que estávamos fazendo, não era? Porém se encontramos uma espada para ele, nesse caso...
“Não se preocupe!” disse Gourry, dando afagando minha cabeça com a mão esquerda.
“Hã? Não se preocupar com o quê?”
“Não é como se eu precisasse de um motivo para viajar com você. Que tal irmos para onde o vento nos levar por um tempo?”
“Acho que sim...”
Gourry bagunçou meu cabelo e, por algum motivo, eu não me importei.
Posfácio:
Cena: O Autor e L
Au: Chegamos à temporada de ensopados! Esta foi a reimpressão de “Presságios da Encarnação”!
L: Uma história em que um gerente de nível médio apanha muito?
Au: Não o chame de gerente de nível médio, coitado. Embora seja verdade que esteja entre a cruz e a espada. Agora é hora de uma confissão... Acho que algumas pessoas já perceberam, mas no posfácio original deste volume, contei uma mentira descarada.
L: Hã? Que tipo de mentira?
Au: Eu disse algo como: “Na verdade, não sei o que são os ‘Presságios da Encarnação’ neste romance. Estava discutindo ideias com meu editor sobre o subtítulo, e nós dois acabamos nos cansando e decidimos por algo que soasse legal, porém que não tivesse nada a ver com o conteúdo.”
L: Eu me lembro de você ter dito algo parecido.
Au: Na verdade, tanto o romance anterior quanto este contém muitos “presságios”. Embora a verdadeira revelação esteja no próximo volume.
L: E dizer isso teria estragado a surpresa, então você mentiu?
Au: Teehee!
L: Não faça isso. É assustador. Contudo se manteve segredo da última vez, será que pode mesmo contar tudo agora?
Au: Houve um intervalo entre os volumes da última vez, então eu disse o que disse para evitar spoilers. No entanto como muita gente já conhece a história e temos vários volumes à venda ao mesmo tempo, acho que não tem problema.
L: Entendo mentir para tentar evitar spoilers, mas... Ei! Quer dizer que toda aquela conversa sobre não haver histórias paralelas sobre mim era só um subterfúgio?
Au: Ah, não. Nesse ponto falei a verdade então...
L: Certo. Sim, claro. Imagino que teria que dizer isso. Entendi, entendi.
Au: Hum, você está...
L: Agora entendi. Escutem, pessoal! Aguardem uma grande revelação surpresa no futuro!
Au: Não há nenhuma revelação surpresa!
L: Enfim, vejo vocês no próximo volume!
Au: Me escutem!
Posfácio: Fim.
L: Uma história em que um gerente de nível médio apanha muito?
Au: Não o chame de gerente de nível médio, coitado. Embora seja verdade que esteja entre a cruz e a espada. Agora é hora de uma confissão... Acho que algumas pessoas já perceberam, mas no posfácio original deste volume, contei uma mentira descarada.
L: Hã? Que tipo de mentira?
Au: Eu disse algo como: “Na verdade, não sei o que são os ‘Presságios da Encarnação’ neste romance. Estava discutindo ideias com meu editor sobre o subtítulo, e nós dois acabamos nos cansando e decidimos por algo que soasse legal, porém que não tivesse nada a ver com o conteúdo.”
L: Eu me lembro de você ter dito algo parecido.
Au: Na verdade, tanto o romance anterior quanto este contém muitos “presságios”. Embora a verdadeira revelação esteja no próximo volume.
L: E dizer isso teria estragado a surpresa, então você mentiu?
Au: Teehee!
L: Não faça isso. É assustador. Contudo se manteve segredo da última vez, será que pode mesmo contar tudo agora?
Au: Houve um intervalo entre os volumes da última vez, então eu disse o que disse para evitar spoilers. No entanto como muita gente já conhece a história e temos vários volumes à venda ao mesmo tempo, acho que não tem problema.
L: Entendo mentir para tentar evitar spoilers, mas... Ei! Quer dizer que toda aquela conversa sobre não haver histórias paralelas sobre mim era só um subterfúgio?
Au: Ah, não. Nesse ponto falei a verdade então...
L: Certo. Sim, claro. Imagino que teria que dizer isso. Entendi, entendi.
Au: Hum, você está...
L: Agora entendi. Escutem, pessoal! Aguardem uma grande revelação surpresa no futuro!
Au: Não há nenhuma revelação surpresa!
L: Enfim, vejo vocês no próximo volume!
Au: Me escutem!
Posfácio: Fim.
***
Link para o índice de capítulos: Slayers
Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.
Chave PIX: mylittleworldofsecrets@outlook.com




Nenhum comentário:
Postar um comentário