quinta-feira, 13 de novembro de 2025

The Haar — Capítulo 21

Capítulo 21


De mãos dadas, voltaram para casa.

As máquinas voltaram a funcionar, e Muriel conseguia identificar as luzes piscantes dos carros de polícia ao longe. Pensou no que restara dos homens dos quais Billy se alimentara. Sempre fora um comedor desleixado.

Enquanto caminhavam, sentiu que estava diminuindo o ritmo. As antigas dores estavam retornando, e quando olhou para as próprias mãos, estas haviam envelhecido muitos anos.

Billy grunhiu e pousou a mão em seu ombro. Seu corpo estava curvado, com o queixo apoiado no peito.

— Você está bem? — ela perguntou.

— Cansado.

— Vamos parar e descansar um pouco? Também não me importaria de sentar um pouquinho.

— Não. Devemos continuar. — ele lhe lançou um olhar sério, e Muriel entendeu. Estava perdendo as forças. Torná-la jovem outra vez, fosse realidade ou ilusão, havia cobrado um preço enorme.

— Vai conseguir voltar?

— Eu... Não tenho certeza.

Muriel enfiou a mão no bolso do casaco. Lá, encontrou um lenço de papel e uma sacola SPAR amassada que usava para carregar ovos do galinheiro.

— Isso serviria para alguma coisa? — perguntou, erguendo a sacola.

— É feita de carne e osso?

— Não, seu grande idiota. Quero dizer, se você se fizesse... — ela se esforçou para encontrar a palavra certa. — Pequeno de novo, posso te carregar aqui.

Ele a olhou com olhos tristes, a boca uma fenda estreita.

— Pode funcionar.

Seus globos oculares se reviraram nas órbitas e pouco depois seu rosto começou a se desfazer, a carne borbulhando, pequenos furos de alfinetes aparecendo conforme a pele se esticava e...

— Espere! — gritou Muriel. — Tire o terno primeiro!

Ele parou, e em sua boca impossivelmente larga surgiu um grande olho leitoso a encarando. Billy permaneceu assim enquanto se atrapalhava com os botões da camisa, os dedos escorrendo pelo algodão branco e imaculado.

Muriel o ajudou.

— Você não vai ter que lavar isso. — murmurou ela, ignorando o fato de que o rosto do marido estava se desintegrando lentamente. Após o despir, colocou a bolsa na areia e o fez entrar dentro. Sua pele já estava descascando, e alguns pedaços estavam grudados na parte interna das pernas da calça.

— Você vai continuar me alimentando, não é, Muriel? — perguntou, com as palavras arrastadas e quase irreconhecíveis.

— Claro que vou! — respondeu. — Você é meu marido, não é?

— Sim, sou.

Ela lhe deu as costas enquanto ele se dissolvia por completo. Um casal sempre deve ter um pouco de privacidade, pensou. Era isso que os tornava um casal tão forte. Eles passavam muito tempo separados, com Billy no mar por até dez horas por dia, seis dias por semana. Como era tradição entre os pescadores, nunca trabalhava aos domingos e, embora não frequentasse a igreja, a existência de Deus era uma das poucas coisas em que discordavam, sempre a acompanhava até lá e a buscava depois.

Muriel o ouviu derramando líquido molhado na bolsa e, ao se virar, o encontrou observando-a. Havia se encaixado perfeitamente, e o levantou pegando a sacola pelas alças.

— Confortável?

Ele piscou para ela.

— Vou interpretar como um sim.

Muriel seguiu pela praia com o sol nas costas e o marido pendurado em sua mão, dentro de uma sacola. Caramba, como estava com sono! Seus passos tornaram-se pesados, deixando longas marcas na areia. Por um tempo, se esqueceu de como era ser velha. Ao longo da vida, é possível se acostumar com a falha do corpo humano. Todavia agora tudo estava acontecendo de uma vez, e se sentia cada vez mais frágil a cada passo difícil. Moveu a bolsa para a outra mão, inspecionando os hematomas roxo-escuros no pulso e nos dedos, onde havia pressionado.

— Não falta muito agora. — disse para si mesma, rezando para que a casa aparecesse logo. Quando aconteceu, a visão a revigorou, e seguiu em frente com esperança renovada, esperança que morreu no instante seguinte quando avistou a caminhonete preta estacionada em frente ao seu portão. Como sempre, um segurança rondava o veículo.

Muriel acelerou, mesmo que seus ossos doloridos insistissem para que não o fizesse. A mulher dentuça estava lá, de terno, cinza-escuro desta vez, tentando espiar pela janela. Sabia por que estavam ali. Eles haviam enviado homens para matá-la na noite anterior e agora tinham chegado para admirar sua obra. Bem, se aquela mulher esperava encontrar Muriel pendurada em uma corda na sala de estar, estava para tomar um choque.

— Saia da minha propriedade! — gritou Muriel.

Assustada, a mulher se virou para em sua direção, encarando-a como se não pudesse acreditar no que via. O olhar de descrença logo deu lugar a um de raiva fervilhante e mal disfarçada.

— Senhorita McAuley. — começou a falar com os dentes cerrados. — Que surpresa agradável.

Muriel se aproximou do portão, ignorando o segurança.

— Não esperava me ver? Vieram me checar, ver se ainda estou viva?

A mulher lambeu os lábios.

— Não faço ideia do que está falando.

Aqueles homens que mandaram ontem à noite, ela quase disse, mas pensou melhor. Aqueles homens estavam mortos. Precisava manter a calma e não se deixar levar a dizer algo incriminador. Afinal, era cúmplice de assassinato agora.

— Então por que está aqui? — perguntou Muriel, escolhendo as palavras com cuidado. — Esperava não ter te ver mais por aqui.

A mulher forçou um sorriso feio.

— Na verdade, estou aqui a negócios. — seu olhar atento fixou em Muriel. — Três dos nossos funcionários desapareceram ontem à noite. Queria saber se sabe de alguma coisa a respeito.

— Acha que eu os matei?

— Eu disse que eles desapareceram. Nunca disse nada sobre terem sido mortos.

De repente, Muriel ficou em desvantagem. Olhou para a sacola em sua mão por um instante.

— É, bem... Estava dormindo.

— Também nunca falei que horas.

Muriel respirou fundo. Precisava parar de falar sem pensar e considerar suas respostas, porém seu coração estava acelerado, se sentia cansada e precisava levar Billy para o banheiro.

— Desculpe, não posso ajudar.

Muriel se dirigiu à porta, e a mulher entrou, bloqueando sua passagem.

— Se serve de alguma coisa, Srta. McAuley, a polícia diz que eles foram assassinados. Deixaram seus pertences para trás, entende? E sangue. Muito sangue.

— Por que está me contando isso? — a sacola balançou ao seu lado. — Tenho oitenta e quatro anos. Não pode achar que tive algo a ver com isso.

— Oh, não sei. As pessoas são capazes de loucuras quando estão encurraladas. Como uma última tentativa de assustar os incorporadores. A senhora se rebaixaria a um assassinato, Srta. McAuley?

— Não! — Muriel retrucou de forma brusca. — E você, se rebaixaria?

A mulher ergueu as sobrancelhas finas.

— É claro que não. Somos uma organização respeitável. Os Grants fazem tudo conforme as regras. — seus olhos se voltaram para a sacola pendurada na mão de Muriel. — O que tem aí?

— Nada! — respondeu Muriel, rápido demais.

— Você continua olhando para essa coisa. Não está se livrando de provas, está?

— Como ousa? — disse Muriel, um tremor percorrendo seus membros. — Acho que você deveria s...

A mulher foi rápida. Sua mão se lançou para a sacola e a arrancou das mãos firmes de Muriel. A alça de plástico rasgou, o coração de Muriel parou quando a sacola caiu, esparramando-se no chão entre elas. Caiu de joelhos quando o conteúdo vazou na grama.

— Uma sacola de gosma. — disse a mulher com evidente desgosto. — Que... Nojo.

É do meu marido que está falando, pensou Muriel, enquanto começava a colocar Billy de volta na sacola, tomando muito cuidado para não machucá-lo.

A mulher estava em pé sobre ela, observando.

— Esqueceu um pouco. — falou, apontando o dedo do pé para um pedaço de gosma solto. Muriel estendeu a mão para pegá-lo, e a mulher pressionou o pé, esmagando-o sob o calcanhar.

— Pare! — gritou Muriel. — Vai machucá-lo!

Muriel tentou levantar o pé, contudo a mulher não desistiu. Muriel agarrou seu tornozelo e cravou unhas afiadas na carne, tirando sangue.

— Jesus Cristo! — gritou a mulher, se libertando com um chute e recuando para um lugar seguro.

— Tudo bem, senhora? — ouviu-se uma voz masculina, seguida pelo som dos passos apressados ​​do segurança no caminho de cascalho.

— Está tudo bem. Essa vagabunda é louca pra caralho, só isso.

Ela inspecionou o tornozelo e então olhou feio para Muriel.

— É isso. Essa foi sua última chance, e acabou de se ferrar, e muito. — ela sorriu, exibindo aqueles dentes brancos perolados novamente. — Voltaremos em breve.

Muriel olhou para o conteúdo da sacola e virou a cabeça para a mulher. Seu coração batia furiosamente no peito.

— Espere! — chamou.

A mulher fez uma pausa.

Muriel tentou sorrir.

— Por favor, entre um minuto. Quero te mostrar uma coisa.

E, de repente, estava lá. Um convite para matar.

Billy estava com fome. Precisava ser alimentado, precisava de força.

E esta mulher... Esta mulher horrível, horrorosa... Precisava morrer.

— Vai se foder! — disse ela, abandonando todas as pretensões. — Não há nada aí que eu queira ver.

Seus passos seguiram em direção ao portão, e Muriel rastejou seguindo-a.

— Espere! Vou assinar o acordo! Pode ficar com a minha casa, é só entrar!

— Tarde demais. — foi a resposta ríspida.

Muriel agarrou a perna da calça da mulher e a puxou.

— Pare! Entre! Por favor!

A mulher tentou se soltar, e Muriel envolveu sua perna com os braços, agarrando-se com unhas e dentes.

— Jesus, você pode me ajudar? — disse a mulher ao segurança. — Ela está abaixando minhas calças!

Muriel estava, mas não se importou. Tinha de impedi-la de sair.

— Entre, eu imploro!

— Sai de cima de mim, porra!

A calça da mulher escorregou pelos quadris, e Muriel cravou os dedos no tecido como uma criança fazendo birra. A mulher a esbofeteou e chutou, e então as mãos do segurança corpulento estavam nos ombros de Muriel.

— Não! Não! Me deixa em paz! Pegue-os, Billy! Pegue-os!

Porém ele não fez isso. Apenas ficou lá, descansando em sua bolsa.

O segurança puxou Muriel com força. O tecido rasgou, e percebeu que havia levado o bolso de trás da calça da mulher consigo. O segurança a empurrou para trás, e Muriel caiu no chão, rolando para o lado. Sem fôlego pelo impacto, lutava para respirar, com lágrimas ardendo nos olhos.

A mulher puxou as calças rasgadas para cima e encarou Muriel com fúria fervente.

— Sua vagabunda! — cuspiu. — Acha que pode me humilhar? Hein? — ela balançou a cabeça. — Você não sabe o significado de humilhação, velha. Espere só. Eu vou te destruir, porra.

Ela se virou para ir embora, e quando a fenda do seu traseiro apareceu através do enorme rasgo na parte de trás da calça, Muriel caiu na gargalhada. O riso logo se transformou em um ataque de tosse, e ficou ali, engasgada, enquanto os dois entravam no carro e seguiam pela estrada de terra.

Demorou um pouco até que conseguisse se levantar de quatro e ir em direção a Billy e carregá-lo para dentro, mancando, o corpo atormentado pela dor, a cabeça latejando.

No banheiro, encheu o tanque de água e tirou Billy da bolsa. Ele estava opaco e sem cor enquanto mergulhava, o grande olho permanecendo resolutamente fechado. Sustento era o que precisava, contudo onde Muriel poderia conseguir agora?

Ela sentou-se na tampa do vaso sanitário e olhou para ele.

— Seu velho tolo! — falou, respirando entrecortadamente. — Você desperdiçou sua força comigo.

Tinha que retribuir o favor. Levando o braço à boca, beliscou um pouco de carne e mordeu. A dor era excruciante, seus olhos úmidos se fechando enquanto seus incisivos cortavam a pele e o sangue espumava à superfície. Cuspiu o pequeno monte de carne e estendeu o braço sobre a banheira, deixando o líquido pingar na água. Billy bebeu com vontade, embora não fosse o suficiente. Nunca era o suficiente.

— E agora? — disse para o quarto vazio, exausta demais para pensar. Tudo o que sabia era que a mulher voltaria.

Bem, tudo bem. Billy só teria que esperar um pouco mais. Fazia tempo que não recebiam visitas juntos.

Seria ótimo receber alguém para jantar.

***

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