sábado, 29 de novembro de 2025

Vampire Hunter D — Volume 03: Demon Deathchase — Capítulo 17

Volume 03: Demon Deathchase — Capítulo 17: Uma Aldeia de Aberrações

Parte 1


Em outro lugar, outro confronto estava prestes a acontecer.

O ônibus do clã Marcus se aproximava de um trecho de vale marrom-avermelhado, a cerca de cinquenta quilômetros da ponte.

O motivo pelo qual Kyle não havia sido enviado à frente era que Borgoff havia calculado a velocidade da carruagem e o tempo restante até o amanhecer, concluindo que o próprio ônibus seria suficiente para alcançar o inimigo. Além disso, se Kyle partisse, teria que cuidar de Leila e Groveck pessoalmente. Para completar, tinha receio de deixar Kyle lidar com a situação sozinho.

Também estava preocupado com Nolt, a quem enviara para eliminar D. Embora, considerando a habilidade especial de seu irmão com aquele bastão, a tarefa de finalizar um Caçador que quase certamente se afogara deveria ser mais fácil do que quebrar o braço de um bebê. Assim que terminassem o trabalho ali, poderiam só disparar um sinalizador e chamá-lo de volta.

— Espere aí. É um sinalizador. — disse Kyle, semicerrando os olhos para enxergar enquanto mantinha o volante firme.

— O que é isso? — perguntou Borgoff, espiando para fora do quarto. Um único raio de luz subiu em um céu já brilhante com o brilho do amanhecer. O raio em poucos instantes se tornou várias vezes mais intenso. — Um sinalizador aqui longe, bem no meio do nada? Eu diria que só pode ser a Nobreza.

— Bingo! Há cerca de cinco quilômetros daqui. Estaremos em cima deles em cinco minutos. O desgraçado não vai conseguir se mexer. — rindo com confiança, Kyle acrescentou. — Um bom soco resolverá!

Enquanto lambia os lábios, Kyle acariciou a ponta de uma das estacas fixadas na parede.

— Mesmo assim, tem algo que não gosto nessa situação. — disse Borgoff, cruzando os braços. — O que espera conseguir disparando um sinalizador tão longe daqui? Ainda que quisesse ajuda, não há ninguém que viria... — após alguma reflexão, Borgoff ergueu de repente seu semblante barbudo de novo. — De jeito nenhum! — exclamou, ofegante. — É melhor acelerarmos, Kyle. Se meu palpite estiver certo, aquele desgraçado pode ter atraído problemas sérios.

O rosto de Kyle ficou tenso com o tom grave do irmão.

— Vamos lá! — gritou.

Com uma mudança brusca de marcha e um pisão no acelerador, o ônibus disparou para a frente. A paisagem do lado de fora das janelas começou a passar em alta velocidade. O cenário dos penhascos rochosos da montanha tornou-se cada vez mais desolado. Fumaça branca jorrava da terra em pontos aleatórios e se espalhava densamente pelo chão, evidência de atividade vulcânica próxima. A área ao redor das crateras estava coberta de pedaços amarelos de enxofre. Até as rochas formavam figuras extraordinárias, algumas ameaçando os céus como lanças, outras parecendo tão impossivelmente frágeis que se despedaçariam ao menor toque.

A simples passagem do veículo causava rachaduras aqui e ali na terra afundada e, quando algo aquoso, embora não exatamente da cor de sangue, jorrava de baixo, os minúsculos insetos que voavam por aquele mundo eram tomados por espasmos e caíam no chão.

Várias vezes o ônibus passou por cima de ossos branqueados... Montanhas deles, provenientes de tudo, desde enormes feras com presas à mostra até as menores pragas. A atmosfera estava impregnada não só de enxofre, como também de fortes toxinas.

Em pouco tempo, a estrada se estreitou e a superfície rochosa de ambos os lados se elevou, dando o efeito dramático de uma avalanche prestes a atingir o ônibus. Nem Kyle nem Borgoff conseguiam esconder a preocupação.

Continuaram seguindo pela estrada ameaçadora através do vale por cerca de vinte minutos. Então, sem aviso, Kyle diminuiu a velocidade.

— Ali está! — gritou.

À frente, a forma borrada da carruagem era visível nas profundezas da fumaça branca rodopiante.

— O que a gente faz, mano? Só continua e atropela o desgraçado? — afinal, o ônibus tinha placas de aço blindado parafusadas na frente.

— Não. — respondeu o irmão mais velho. — Temos que levar em conta que a garota ainda pode estar viva. De qualquer forma, os Nobres não podem se mover durante o dia. Vamos sair e acabar logo com isso. Coloque uma máscara de gás.

Quando os dois irmãos se viraram, a porta do quarto se abriu e Leila olhou para fora. Não surpreendentemente, sua tez seguia estando pálida, embora seus olhos brilhavam com a vontade de lutar.

— Escolheram um lugar péssimo para parar! — disse ela. — Vocês os encontraram?

— Descanse um pouco agora. E cuide do Grove. — disse Borgoff enquanto colocava sua máscara de gás.

— Sem chance! Deixe-me ir junto! — Leila agarrou o mais velho do clã pelo braço. Os músculos pareciam de pedra. — Estamos lidando com um nobre. Mesmo que não possa se mover durante o dia, não significa que estará indefeso. Você pode usar todo o reforço que conseguir.

— Uma pessoa debilitada só atrapalharia. — respondeu Borgoff.

— Mas...

— Leila, por que não descansa? — Kyle interrompeu, com um dardo segurado firme em sua mão. Em seu quadril direito, pendia outra máscara de gás que pretendia usar na garota sequestrada. — Olha, já ouviu o que o Borgoff disse. Ele te mandou deixar para nós dois. Quer dizer, olha como o sol já está alto. Não tem nada com que se preocupar.

Sua voz era persuasiva, porém havia um toque de desejo carnal no meio, e Leila se virou. Ela assentiu, aparentemente cedendo.

— Agora não saia!

Com essa advertência final, Borgoff e Kyle ficaram nos degraus perto da porta. Quando Kyle apertou o interruptor ao seu lado, um véu semitransparente desceu de cima, isolando os dois do resto do veículo. Não era a primeira vez que tinham que perseguir sua presa em um ambiente envolto em veneno.

Abrindo a porta manualmente, os dois desceram para o chão. Eles não usavam nenhuma outra proteção além das máscaras de gás. Anticorpos artificiais em seu sangue podiam lidar com o resto dos vapores venenosos e da radiação.

Seus passos não fizeram o menor ruído enquanto se apressavam pelo chão.

A carruagem do Nobre estava imóvel, apenas marcando a terra com sua sombra tênue e solitária. Até mesmo os seis cavalos negros baixaram a cabeça, parecendo dormir ou estar absortos em contemplação.

Ao contrário do que se poderia esperar, essa imagem de indefesa semeou tensões e ansiedade nos corações da dupla. Kyle ajustou a empunhadura do dardo.

A dez passos da carruagem, uma fumaça branca privou a dupla da visão, depois se dissipou.

Sem fazer barulho, a dupla saltou para os lados. Entre os dois e a carruagem, de repente, surgiu uma silhueta negra. A figura alongada, vestida com um manto preto com capuz, parecia uma ilusão, algo conjurado pelos vapores venenosos.

— Quem diabos é você? — perguntou Kyle em voz baixa. Os filtros em suas máscaras funcionavam como amplificadores de voz.

Sem responder, a sombra ergueu a mão direita. Voando com um rosnado abafado, uma flecha de aço a atravessou no pulso. A sombra estremeceu.

Não havia sido apenas uma flecha. Graças à habilidade magistral de Borgoff, flechas também cravaram na cabeça da sombra e no lado esquerdo do peito. Embora fosse verdade que estivessem lidando com um elemento desconhecido, três flechas talvez fossem um exagero. Contudo esse era o jeito Marcus de fazer as coisas.

A sombra ergueu o rosto. Os olhos dos irmãos se arregalaram. O capuz estava vazio.

Quando a simples túnica caiu no chão com três flechas ainda cravadas nela, Borgoff se esqueceu de lançar um segundo ataque. Algo lhe ocorreu e, sem aviso, se virou e disparou uma flecha contra a carruagem. Enquanto a observava atravessar a placa de ferro polido na traseira, a janela do veículo perdeu seus contornos, as rodas giraram frouxamente e toda a carruagem se tornou um único pedaço de pano preto arrastando pelo chão.

Um clarão prateado disparou pela fumaça branca. Desenhou um arco gracioso e passou pelos pescoços dos cavalos. Era o clarão de uma lâmina crescente. Suas cabeças estavam caídas, os pescoços grossos cortados quase ao meio.

Não saía sangue. Não havia carne ou seção transversal de vértebras à vista nas feridas recentes. O interior era oco. A dupla observou atordoada enquanto cada um dos seis cavalos se transformava em pano preto e se acomodava suave no chão.

Risadas sinistras se elevavam como fumaça ao redor. Em tons altos e baixos, a voz estranha, porém bela, que parecia escapar das entranhas da terra, era a de uma mulher.

A cerca de nove metros à frente dos dois, uma figura feminina esbelta surgiu em foco. Rindo com arrogância, ela disse.

— Seguiram um nobre até aqui, é? Vim para ver a extensão de suas habilidades, contudo, como imaginei, elas não são grande coisa. Sendo assim, nada os aguarda nesta estrada além das chamas ferventes do inferno. Seria bom se fugissem agora com o rabo entre as pernas.

Sentindo uma maldade desmedida no timbre dourado e ressonante de sua voz, Kyle gritou.

— Foi você quem fez aquele truque agora há pouco?

O dardo estava em sua mão esquerda, e a direita segurava uma de suas lâminas crescentes mortais, pronta para ser usada.

— Infelizmente, não. — disse a mulher. — Embora, na verdade, vocês tenham bastante sorte de não ter sido eu. Caso contrário, não teriam se safado com uma simples brincadeira. Se prezam suas vidas insignificantes, é melhor voltarem agora.

— Onde está o Nobre? — perguntou Borgoff. O estranho era que ele estava com os dois olhos cerrados.

— Em nossa aldeia. — respondeu a mulher. — Ele veio contratar os melhores guardas como garantia contra vermes como vocês que o seguem. — rindo com sarcasmo, a mulher acrescentou. — Talvez, rapazes, devessem contratar alguns de nós também para servir como Caçadores e ir persegui-lo?

Por baixo da máscara de gás, o rosto de Kyle ficou sombrio de raiva. Sua mão esquerda entrou em ação. Quando o dardo voou pelo ar e passou em vão pela figura da mulher, apenas para se cravar na parede de rocha atrás desta, formas indistintas apareceram ao redor deles, pairando no ar. Todas as formas se pareciam com a mulher.

— Vadia! — Kyle cuspiu as palavras depois que o brilho da lâmina crescente que brandiu atravessou os espectros sem encontrar resistência. Seu olhar se voltou para o irmão mais velho.

— Então era isso que estava aprontando, Borgoff?

De olhos ainda fechados, o gigante assentiu, e a risada zombeteira, embora melodiosa, invadiu seus ouvidos outra vez.

— Ainda não entenderam, seus tolos? Que vagueiem por esta fumaça venenosa por toda a eternidade.

Uma fração de segundo depois, suas palavras se transformaram em um grito.

Uma das figuras cintilantes atrás deles havia sido perfurada pela flecha de Borgoff. Quando e como o gigante atirou era um mistério. Kyle não vira as mãos do irmão se moverem. Além do mais, seu arco e a flecha engatilhada estavam apontados para frente desde o início.

O aroma do próprio sangue se misturava com o fedor da fumaça venenosa.

— Seu... Seu desgraçado! — ela gritou, as figuras sombrias desaparecendo tão rápido quanto seu grito.

— Mano, você conseguiu!

— Sim. — Borgoff assentiu com a cabeça, e talvez fosse a certeza de que a mulher tinha ido embora para sempre que fez seus olhos de tigre brilharem de forma tão estranha. Em seguida, os irmãos voltaram para o ônibus.

A porta se fechou e, assim que o gás venenoso foi expelido pelas saídas de ar, entraram na cabine principal. Lá, pela primeira vez, Borgoff socou a parede do veículo com seu punho enorme. O teto tremeu.

— O que você quer fazer agora, mano?

— Isto virou uma baita merda. Aquele desgraçado do Nobre sumiu e se escondeu na aldeia dos Barbarois.

Kyle não foi o único que ficou tenso com as palavras do irmão. Leila, que os esperava, reagiu da mesma forma. Pela primeira vez, algo parecido com um medo pálido passou pelos rostos dos irmãos. No entanto até isso foi passageiro.

— Soa divertido. — murmurou Leila, e até mesmo um rubor vermelho de excitação pareceu surgir em seu rosto pálido. — A aldeia dos Barbarois... Monstros e aberrações têm se cruzado lá por cinco mil anos, aprimorando suas feitiçarias e habilidades na escuridão. Sempre esperei poder tentar a minha sorte contra eles algum dia.

— Malditos sejam! — Kyle mostrou os dentes. — Se estão escondidos na aldeia deles, há uma grande chance de que ele... Bom, na verdade, a mulher já nos contou o que irão fazer. Disse que viria contratá-la e a outros. Não há dúvidas, o Nobre contratou alguns guardas bizarros. — Kyle deu uma risadinha. — Estou louco para dar uma lição nesses malditos intrometidos. Todos nós já ouvimos rumores sobre os poderes sobrenaturais dos Barbarois. A questão é: quais habilidades prevalecerão, as suas ou as nossas? Afinal, não seria incrível enfrentá-los pelo menos uma vez?

— Claro que sim. — respondeu Marcus, o mais velho. — Não me importo se forem os Barbarois ou o próprio Ancestral Sagrado da Nobreza, mancharemos nossas mãos com o sangue deles. Só uma coisa. Nossa primeira prioridade é aquele bastardo do Nobre e os dez milhões de dalas. Não quero lutar a menos que sejamos pagos para isso. Por enquanto, vamos vigiar esse ninho de aberrações e esperar Nolt voltar. Eu e Kyle iremos. Leila, lance um sinalizador assim que sair deste canto do inferno e espere lá por Nolt.

Os irmãos brutais se entreolharam e começaram a rir, uma risada macabra e arrepiante. O que era então essa aldeia dos Barbarois que até eles achavam tão difícil de ignorar? Quem residia lá?

E quais eram seus poderes gerados pelas trevas?



Parte 2

A cinco quilômetros do local onde os irmãos Marcus encontraram a estranha mulher, uma montanha particularmente alta e rochosa se erguia à esquerda da estrada.

Aos olhos do viajante desavisado, o amontoado de inúmeras pedras, grandes e pequenas, era apenas um produto da natureza. Mas, após uma inspeção mais atenta, os pedaços de pedra que à primeira vista pareciam empilhados aleatoriamente estavam, na verdade, dispostos de forma sistemática por alguém ou algo com conhecimento de dinâmica. E, à medida que a disposição das pedras se tornava clara, também se tornava clara a aura sinistra que as envolvia. Um arrepio descia como um fantasma das alturas geladas da montanha, percorrendo as costas dos viajantes mais corajosos e dos mais medrosos.

Embora a montanha parecesse fácil de escalar, não importava o quão forte fosse o ser humano que a desafiasse, a meio caminho de sua superfície rochosa, as pedras estavam dispostas de maneira tão intrincada que desmoronariam em um segundo. Ainda que, por uma remota possibilidade, um alpinista conseguisse passar por aquela parte, havia trechos na rota onde cada rocha estava preparada para soterrá-lo em uma avalanche de pedras.

Mesmo assim, se a sorte lhes sorrisse e, por algum milagre, o alpinista chegasse às entranhas da montanha, seus olhos seriam recebidos por uma única caverna. Ao atravessá-la, seriam atingidos por ventos úmidos que pareciam soprar dos próprios infernos, e logo chegariam a uma fortaleza construída com pedras ciclópicas e árvores colossais. Apesar de os sons muito humanos de risos, gritos e choros poderem ser ouvidos com frequência, e a fumaça das fogueiras nunca cessar, havia algo na atmosfera que separava aquele lugar do mundo da humanidade, uma aura sobrenatural que pairava no ar. Este era o ninho de demônios que fazia o clã Marcus estremecer... A aldeia dos Barbarois.

Era um mistério como diabos a carruagem e a parelha de seis cavalos que a puxava tinham chegado à aldeia, porém entraram, pois a luz da aurora enfim começava a se inflar com a vitalidade do dia.

Havia casas na aldeia e muitos homens e mulheres. Parando onde trabalhavam ou espiando pelas portas, formaram um círculo ao redor da carruagem no instante em que esta parou. Talvez já estivessem cientes da verdadeira natureza de seu estranho visitante, pois nenhum tentou abrir a porta.

Abrindo caminho através do círculo que agora tinha várias camadas de profundidade, um velho com uma juba grisalha apareceu. Sua barba branca era longa o suficiente para varrer o chão, e suas costas eram tão curvadas que seu peito estava paralelo ao solo. Com incontáveis ​​séculos de idade, seu rosto estava obscurecido por inúmeras rugas, e ainda assim cada centímetro seu transbordava um vigor inefável.

Ele se aproximou da porta do lado esquerdo da carruagem e deu uma leve batida na superfície de aço com sua bengala. Em seguida, acenou para si mesmo e, depois de se virar para piscar o olho para a multidão atrás, encostou sua orelha murcha e semelhante a barro na porta.

O vento cessou em seguida.

O silêncio sepulcral persistiu por horas a fio, mas, com o tempo, o velho começou a assentir com a expressão amável de um velho rabugento que adora seus netos.

— Entendo, entendo. Fico feliz que tenha vindo. Então, são guardas que deseja para proteger sua amada? Muito bem, muito bem. De quantos precisa? Três? Hmm, tinha alguém em mente em particular?

As pálpebras que havia fechado como uma linha fina se abriram de repente. Uma luz assustadora emanou delas, porém, depois de um instante, voltou a fechar os olhos.

— Bengé, Caroline, Mashira... Oh, esses são os melhores, a nata da nossa aldeia. Ótimo. Quando seu sinalizador nos informou que estava sendo seguido, Caroline saiu para brincar com aqueles vira-latas errantes, contudo eles voltarão em breve. Estão inteiramente à sua disposição.

Será que algum nobre, que deveria estar em coma durante o dia, estaria conversando com esse velho? Nenhum dos presentes pareceu achar aquilo minimamente suspeito quando os olhos do velho se abriram de repente.

— Ah, então você diz que tem mais um favor a pedir. — murmurou o velho. — Qual? Há outro que o segue sozinho, você diz? Hmm... Um dampiro.

O ar se agitou de forma notável. Nenhum dos aldeões se moveu um centímetro, como se uma aura branca e fantasmagórica os tivesse envolvido. Gemidos de choque escaparam dos lábios dos aldeões quando as seguintes palavras escaparam do velho.

— Seu nome é... D.

Em pouco tempo, quando o silêncio reinou outra vez, os murmúrios do velho foram adornados com um tremor de deleite desenfreado.

— Ah, o maior Caçador de Vampiros da Fronteira... Acredito que estamos à altura do desafio. Se o atrairmos para nossa fortaleza e atacarmos, desgastando-o pouco a pouco, é claro. Esse serviço, no entanto, lhe custará muito caro.



Uma hora depois que seus irmãos saíram, o estado de Groveck piorou de forma estranha. Sua respiração ficou rápida e superficial, e o suor escorria de seu rosto magro. Seu estado era mais grave do que o normal, o que deixou Leila em pânico. Seu pulso também estava acelerado.

— Uma convulsão... — murmurou para si mesma. — Mas não como nenhuma que já vimos antes. Que diabos está acontecendo...

Ela colocou o máximo de ibuprofeno que pôde no frasco do soro e estava indo em direção à cozinha para esfriar o pano que usaria para enxugar o suor de sua testa quando o ônibus balançou com força.

Talheres de metal caíram um após o outro no chão e, embora o carpete antirruído tentasse preservar o silêncio, o veículo foi preenchido por uma cacofonia. Cada ferida no corpo da garota pulsava em pura agonia.

Apressando-se, prendendo o frasco do soro com fita isolante, Leila correu ao redor do veículo, olhando por todas as janelas, verificando em todas as direções. Não havia ninguém lá fora. Estavam estacionados no meio de uma clareira circular com cerca de cem metros de diâmetro, não muito longe da estrada. Com um estalo de língua, Leila mergulhou na garagem, na parte traseira do veículo.

Ignorando os cinco cavalos ciborgues guardados ali com os membros retraídos, saltou para o banco do motorista de seu carro de combate. Ao girar a chave na ignição, uma vibração reconfortante a percorreu. Sem olhar para os indicadores digitais ao lado do volante, Leila avaliou o estado do carro como se pudesse segurá-lo com as duas mãos.

Combustível atômico a 98% da capacidade... Motor, ok... Estabilizadores, ok... Danos por furos, insignificantes.

Tensão de propulsão pronta para subir até 97%.

Controles de armas, ok... Vamos lá!

As portas traseiras do ônibus se abriram e, sem esperar que a rampa deslizasse para o lugar, o carro de combate saiu voando. Ela acelerou ao máximo assim que este tocou o solo e deu uma volta completa ao redor do ônibus.

O ônibus era a única coisa que tremia, e de fato não havia ninguém lá fora, afinal.

Leila estacionou o carro de combate de lado para bloquear a entrada da clareira e, em seguida, levantou-se do assento como uma deusa vingativa.

— Quem está aí? Apareça. Sou Leila Marcus, do clã Marcus. Vocês não vão me pegar correndo ou me escondendo! — declarou, tentando esconder a dor que a atravessava. Então, tão repentinamente quanto começou, o tremor do ônibus parou.

Uma voz alegre respondeu.

— Nossa, mocinha, vejo que é muito animada!

Leila se virou, surpresa. A expressão perplexa que ostentara antes de virar a cabeça era porque não sabia de onde vinha aquela voz distinta.

Não havia ninguém atrás dela. Nem à sua esquerda, nem à sua direita.

— Onde você está? — perguntou. — Onde diabos está? Apareça, seu covarde miserável!

— Não tem para onde sair! — zombou a voz. — Estou bem ao seu lado. Se não consegue me ver, o problema é com seus olhos.

Seu sangue quase gelou. Mais uma vez, examinou os arredores. Percebeu que a voz falava a verdade. Quem quer que fosse, tinha que estar em algum lugar. Bem debaixo do seu nariz, nada menos.

Leila usou toda a sua força para procurar em todas as direções. Como seus irmãos, havia aguçado seus cinco sentidos a um nível extremamente apurado. Agora, sua audição e seu tato lhe diziam que não havia outra criatura viva na clareira. Mesmo assim, conseguia ouvir a voz.

Leila foi tomada por um medo diferente de tudo que já sentira. Surgia da perda de autoconfiança e de feridas que não haviam cicatrizado por completo.

Com a pistola de prata que carregava na cintura em mãos, Leila saltou do carro. Seus olhos injetados de sangue percorreram o ambiente. Ainda não havia desistido da luta.

Uma dor lancinante percorreu suas costas.

Atingida por uma saraivada de tiros da pistola de prata que disparou assim que se virou, um dos pedaços de rocha que delimitavam a clareira foi reduzido a pó. Disparadas por oxigênio sob alta pressão, as meio milhão de agulhas de um mícron de comprimento e 0,001 mícron de largura da pistola poderiam deixar as paredes de um castelo nobre tão quebradiças quanto cerâmica sem esmalte. Todavia não significava muito contra um oponente invisível.

Leila levou uma das mãos às costas. A sensação pegajosa que sentiu era sangue. Era óbvio que havia sido cortada por algum tipo de lâmina, entretanto estava impotente para fazer qualquer coisa a respeito. A agonia a atingiu pela segunda vez, e Leila caiu de joelhos. Suas forças estavam se esvaindo.

A voz retornou.

— O que foi, mocinha? Comparado ao ferimento que minha colega sofreu, isto não é nada. Absolutamente nada. Vai ser preciso muito mais do que um arranhãozinho para te enlouquecer, não é?

— Quem diabos é você? Onde está se escondendo?

— Eu já te disse, não disse? Estou bem ao seu lado. Se olhar com atenção, vai me ver. Não me vê porque acha que não consegue. Aqui, talvez isto te ajude a entender?

A garota Marcus soltou um grito de agonia. Com sangue fresco escorrendo das costas de sua camisa rasgada, Leila se agachou no chão.

Que tipo de tortura a sangue frio era essa, dilacerando a carne de uma garota indefesa com cortes profundos e superficiais? Talvez, de alguma forma doentia, seu agressor se excitasse com a visão de Leila em agonia, porque a voz tinha um tom semelhante à luxúria quando perguntou.

— Bem, o que acha? Prove mais dor, mais sofrimento. Seus irmãos provarão do mesmo tratamento em breve. Hahahaha!

A risada zombeteira cessou de repente. Leila podia sentir alguém tremendo intensamente bem ao seu lado. Uma aura sobrenatural vinha em sua direção, da entrada da clareira.

Deve ser Nolt, pensou. Não, não é. Com mais uma decepção se instalando em seu peito, Leila virou o rosto em desespero.

Não estava claro como ele havia passado pelo carro de combate, mas um jovem vestido de preto estava parado casualmente no centro da clareira, sem fazer nenhum som. Esquecendo a dor diante da beleza daquele que agora a contemplava, Leila ficou em estupefação.

A presença perturbadora desapareceu num instante.

Esperando um pouco a cavalo enquanto parecia avaliar a situação, D guiou seu cavalo até o lado de Leila sem dizer uma palavra.

— Seu oponente não está mais aqui. — disse. — Consegue se levantar?

Leila se levantou com dificuldade.

— Sem problema algum, como pode ver. O que diabos o traz aqui?

Sua arrogância não demonstrava nenhuma animosidade. Borgoff havia lhe dito que alguém cuidara dela quando estava ferida, e ninguém além daquele jovem deslumbrante poderia se encaixar nesse perfil.

— Vi o brilho do seu disparo e vim. Onde está o resto do seu clã?

— No ônibus. Se tentar alguma gracinha, eles vêm voando para cá. — mentiu Leila.

— Então estão só sentados assistindo sua irmãzinha lutar, é? O clã Marcus chegou a um novo nível de baixeza.

Com o tom de D, que apenas transmitia a verdade sem sarcasmo, Leila ficou furiosa. Ela cambaleou. A grande perda de sangue que sofrera a alcançou. Seus outros ferimentos também não haviam cicatrizado ainda. Olhando mais uma vez para a beleza fria do jovem que a encarava do alto do cavalo, Leila desmaiou.



A próxima coisa que se lembrou é de estar deitada em uma cama. Antes que tivesse tempo de perceber que sua pele nua estava envolta em bandagens, Leila se virou e olhou para a porta. Uma figura negra estava saindo. Sem fazer barulho.

— Espere. Por favor, espere um segundo! — a própria Leila não sabia por que o chamava tão freneticamente.

A figura sombria parou.

Leila se levantou. Ela arrancou o tubo do braço direito. O frasco de plasma acoplado balançou, era fácil ver quem tinha se dado ao trabalho de preparar a transfusão.

— Volte a dormir. — disse D. — Pode reabrir os ferimentos e acordar seu irmão.

— Não se preocupe com ele. — respondeu Leila. Mesmo assim, apesar do que disse, espiou Groveck do outro lado do corredor. Ao confirmar que seu estado era estável, Leila sentiu alívio.

De repente, a dor lancinante voltou ao seu corpo e soltou um gemido.

— Não vá! — gritou. — Se você for, eu morro.

O jovem se dirigiu para a porta.

— Espere. Não se importa com o que vai acontecer comigo? — Leila não sabia por que sua voz parecia tão miserável ao dizer isso. Seria possível que apenas o quisesse ao seu lado? Não, essa possibilidade não lhe ocorreu.

Ia segui-lo, porém seu pé prendeu em algo fazendo-a cair no chão. O grito que escapou de seus lábios não era fingido.

O jovem caminhou calmamente e a pegou no colo.

— Minhas costas... Estão me matando. — era mentira. — Me leve até a cama.

O jovem Caçador se virou para partir outra vez.

— Espere! O que era aquilo? Se você for embora, pode voltar. Por favor, fique comigo.

O jovem se virou.

— Sou a sua concorrência, sabia?

— É o meu salvador. Meu e de Grove. E se meus irmãos voltarem, não vou deixar que eles encostem um dedo em você.

— Há uma coisa que devo te contar primeiro... — continuou o jovem, sem se preocupar. — Eu matei seu irmão, Nolt.

Os olhos de Leila se arregalaram. Uma fúria selvagem se espalhou por seu corpo. Parecia que ia pular em cima de D, no entanto, em vez disso, deixou os ombros caírem.

— Entendo! — murmurou, atordoada. — Então meu irmão foi morto... Acho que entendi o porquê. Quer dizer, ele te enfrentou, não é? Espere, não vá. Quero você aqui ao meu lado, mesmo que seja só por mais um tempinho.

Algo além de seus gritos de angústia deve ter detido o jovem gélido. Ele voltou para o quarto. Leila deitou-se na cama e o jovem encostou as costas na parede, observando-a.

— Por que me salvou, não uma, mas duas vezes? — ela perguntou.

— Estou com um tempo livre.

— Então não está atrás do Nobre?

— Descobri para onde ele está indo.

— Oh, e não seria gentil o suficiente para compartilhar, seria? Meus irmãos ficariam muito felizes.

— Aquele ali na cama é seu irmão doente? — o jovem perguntou baixinho. Não fez nenhuma tentativa de olhar para Groveck.

— Sim. A verdade é que ele nem consegue andar ou fazer qualquer coisa desde que nasceu.

— Mas parece que consegue fazer outra coisa.

Uma expressão de espanto tomou conta do rosto de Leila. Logo, sua expressão sóbria retornou e falou.

— Você é uma figura estranha, não é? Salvando a competição duas vezes e tudo mais. Mesmo sem ter escrúpulos em matar um dos meus irmãos. O que, tem medo de que derrubar uma mulher traga vergonha à sua espada?

— Se tentar me atacar, vou te matar.

Ao ouvir as palavras impassíveis de D, Leila empalideceu. Sabia que estava falando sério. Ali estava um jovem com a perspicácia de uma lâmina mística escondida por trás de sua beleza. E, no entanto, enquanto seus olhares estivessem fixos um no outro, não se importaria de ser cortada, contanto que fosse D quem o fizesse. O pensamento de que até mesmo desejaria que ele a matasse brotou em seu peito como uma névoa encantada, transformando o conteúdo de seu coração e mente em lama. Esse devia ser o poder de um dampiro... O poder de um descendente da Nobreza.

— Você é um cara estranho! — Leila voltou a dizer. — Nem vai me perguntar para onde meus irmãos foram? Se eu não tivesse acordado, você teria ido embora, não é? Como uma sombra. Como o vento. Todos os dampiros são assim?

— Há quanto tempo você é uma Caçadora?

Com sua própria pergunta descartada, Leila ficou um pouco desorientada.

— Há quanto tempo? Desde que me lembro. Além do mais, não consigo viver de outro jeito.

— Este não é um trabalho para mulheres. Quando chega ao ponto de gostar de perseguir sua presa, isso prova que não é mais uma mulher.

— Que tato o seu dizer isso. Guarde suas opiniões para si. — disse Leila, virando-se. Qualquer outro homem teria a palma de sua mão ou uma faca apontada para ele. Mas como o jovem falou naquele tom despreocupado, nem repreensivo nem provocador, havia algo em suas palavras que abalou Leila. — Não posso mudar meu estilo de vida nesta altura do campeonato. — continuou. — Tenho muito sangue nas mãos.

— Sai se você lavar.

— Por que está insistindo tanto? Está tentando me tirar do emprego?

O jovem caminhou em direção à porta.

— Da próxima vez que me vir... — disse ele. — É melhor esquecer a conversa fiada e começar a atirar. Também não vou me conter.

— Por mim, tudo bem! — respondeu ela. Havia um tom de tristeza nos olhos de Leila.

— Seus irmãos não fariam muito alarde por perder uma irmãzinha. — disse a figura sombria enquanto desaparecia na luz do sol. — Qualquer garota que chora pela mãe enquanto agoniza não serve para caçar.

E então o jovem se foi. Como uma sombra derretendo ao sol.

Depois que partiu, suas palavras continuaram a ecoar nos ouvidos de Leila.

Os olhos da garota fitaram a porta fechada, e algo neles ficou levemente embaçado. Quando ia em direção à porta, uma mão fina segurou sua manga.

— Grove?

— Leila... Você não vai ouvir... O que aquele cara disse, vai? — a voz vinda de debaixo dos cobertores soava furtiva e trêmula. — Não daria ouvidos àquele cara... Iria embora e nos deixaria, a mim e aos outros... Deixaria, Leila? Não se esqueça...

— Pare com isso!

A mão magra que Leila tentou se soltar a segurava com muita força.

— Nunca se esqueça disso, Leila... — Groveck sussurrou. — Você pertence a todos nós...



Parte 3

As figuras sombrias de Kyle e Borgoff se agarravam como lagartixas à face rochosa com vista para a aldeia. A montanha, intransponível para o viajante comum, não havia servido de grande impedimento para essa dupla.

Espalhado sobre uma rocha plana, inspecionando a aldeia com binóculos eletrônicos, Kyle ergueu a cabeça e disse a Borgoff.

— Maldito seja, a carruagem e o que quer que estivesse dentro dela entraram no bosque, porém não saíram. Acha que talvez já tenham escapado pelo mesmo caminho que entraram?

— Não sei. — Borgoff balançou a cabeça. — E não é como se pudéssemos só ir lá e perguntar, não é?

Kyle ficou em silêncio. De alguma forma, conseguiram subir parte da montanha sem serem detectados, contudo mesmo essa dupla de diabinhos astutos hesitava em se infiltrar na aldeia. Na verdade, seus instintos de Caçadores lhes diziam que seria perigoso se aproximar mais em plena luz do dia.

Embora Barbarois parecesse uma aldeia escondida comum, sem sinal de torres de vigia ou postos de observação, o fato era que, na sombra discreta das rochas e bosques, espreitavam aqueles com uma visão tão afiada quanto espadas.

Comunicando-se apenas com a troca de olhares, os irmãos decidiram entrar sorrateiramente à noite, quando a vigilância diminuiria.

Os irmãos Marcus sabiam que o nobre dono da carruagem havia visitado a aldeia na esperança de conseguir alguns guardas. Se possível, os irmãos queriam eliminá-lo antes que conseguisse, entretanto, agora que a situação havia chegado a esse ponto, essa não era mais uma opção. Os dois irmãos não tinham nenhuma confiança de que conseguiriam se infiltrar naquela multidão de aberrações, que eram seus iguais ou talvez até superiores em batalha, e alcançar seus objetivos.

Nessas circunstâncias, não havia outra escolha a não ser esperar a carruagem sair, todavia também tinham receios quanto a isso. Não conseguiam imaginar como a carruagem poderia ter entrado na aldeia, e as chances de sair sem ser vista não eram poucas. Não saberiam que ela havia partido até que já tivesse ido embora.

Se ao menos soubessem o destino do nobre, poderiam pelo menos interceptá-lo, mas nem sequer sabiam o nome de sua presa. No ritmo em que as coisas estão indo, nunca conseguiriam aquela recompensa... Os irmãos Marcus ficaram impacientes com esse pensamento. E enquanto ferviam de raiva, mais do seu precioso tempo se esvaía.

Quando chegaram ao posto de observação, a carruagem estava sendo movida da praça para um bosque. Mesmo depois de observarem as pessoas se dispersarem da área, parecia que havia ocorrido algum tipo de discussão. O senso comum ditava que a nobreza dormia durante o dia, mas o senso comum não parecia ter muita influência sobre os assuntos desta aldeia.

Então, o que haviam discutido? Bem, os irmãos Marcus tinham uma boa ideia do que havia sido abordado. Podiam supor quantos guardas o nobre havia contratado e que tipo seriam, e talvez para onde estavam indo também.

O sol se aproximava do meio-dia. A superfície rochosa passou de quente a escaldante, e ainda assim os irmãos não tinham um bom plano. Uma tonalidade de impaciência começava a aparecer no rosto de Borgoff quando ouviu um grito repentino.

— Cara, é quem eu estou pensando que é?

Enfrentando a explosão de surpresa de Kyle com seu olhar firme e silencioso, Borgoff sentiu o mesmo choque que o irmão. À esquerda deles, uma figura havia acabado de entrar tranquilamente na caverna escura que levava à aldeia... E parecia ser D!

— Aquele desgraçado devia ter se afogado! O quê, ele não é um dampiro?

Borgoff não respondeu à pergunta de Kyle. Ele próprio já estava tendo dificuldade suficiente para acreditar.

— Então, suponho que isso signifique... Que Nolt morreu.

Virando-se para o irmão mais velho por apenas um segundo, o rosto de Kyle se coloriu instantaneamente de ódio.

— Aquele desgraçado... Matar o Nolt... Não vou deixá-lo sair dessa vivo! — rosnou. — Não é verdade, mano?

Embora tenha assentido, Borgoff manteve-se em silêncio. Por mais difícil que fosse aceitar, Borgoff sabia que Nolt devia estar morto e que D devia tê-lo matado. Porém matar um nobre com uma escolta de Barbarois implicaria arriscar suas vidas. Este jovem dampiro possuía uma intensidade sobrenatural que nem mesmo eles conseguiam igualar, e torná-lo seu inimigo seria pura loucura.

— Aposto que aquele desgraçado está aqui para observar a aldeia, assim como nós. Esta é a nossa chance. Vou acabar com o maldito daqui com minhas lâminas.

Quando o irmão mais novo estava prestes a se levantar, a mão de Borgoff segurou com firmeza seu cotovelo.

— Calma aí, tá bom? Olha, ele está indo direto para o portão. Não está vigiando. Sua intenção é negociar direto com os Barbarois.

— Você está brincando comigo! Droga, não é ainda pior? Se continuar assim, vai nos pegar desprevenidos!

As palavras do irmão mais novo e selvagem continham alguma verdade.

Enquanto Borgoff encarava o vazio, seu rosto ficava cada vez mais tenso e o suor começava a embaçar sua testa. Quando abriu os olhos, havia neles um tom fantasmagórico.

— Não temos escolha. Não queria ter de recorrer a isso, no entanto teremos que chamar Groveck. — anunciou.

— Espere um minuto... — disse Kyle, com a voz rígida. Este era o mesmo irmão que havia recebido um olhar fulminante de Borgoff por sugerir que enviassem Groveck para explorar a vila dos mortos em que haviam entrado dois dias antes.

Que tipo de poder residia naquela múmia enrugada de jovem que poderia oferecer uma solução para seus problemas?

— Vou ficar de guarda aqui, Kyle. Assim que você der uma convulsão no Grove, volte. — disse Marcus, o mais velho.

— Tudo bem.

Por que um sorriso lascivo surgiu no rosto de Kyle enquanto respondia? Seja qual fosse o motivo, durou apenas um instante. Virando-se de costas sobre a rocha, suas vestes de couro brilharam intensamente sob a luz do sol e ele desceu a montanha com a leveza de uma besta sobrenatural. Desceu por cima de rochas extremamente perigosas, nenhuma das quais podia ser pisada sem provocar uma avalanche.



Ao chegar a uns cinco metros dos portões sinistros, que pareciam ser de madeira e pedra interligadas por arame e cobertas com peles, D parou seu cavalo. Ao olhar para a imponente paliçada à frente, sua expressão lembrava a de um jovem poeta ou filósofo galante.

O ar ganhou vida.

Onde eles estavam escondidos era um mistério. Um instante antes, ninguém podia ser visto ou sequer sentido, mas de repente várias pessoas apareceram entre as rochas e árvores. Cercaram D. O rosto de cada um era sombriamente intrépido, porém alguns entre eles eram pálidos a ponto de serem transparentes, ou revestidos por escamas horripilantes. Era um bando que sem dúvida intimidaria qualquer viajante que os encontrasse pela primeira vez, contudo, por algum motivo, com D mantiveram distância. Uma vez que o cercaram, não fizeram nenhum movimento para se aproximar. Ao perceber que era medo e admiração que surgiam em seus rostos desumanos, o próprio Príncipe do Inferno poderia ter duvidado de seus próprios olhos.

Com um olhar penetrante de D, eles recuaram cambaleando.

— Sou o Caçador de Vampiros D. Tenho negócios aqui. Por favor, abram os portões.

Ao seu comando, os misteriosos portões se abriram para dentro sem emitir qualquer som. Sem mais olhar para os guardas à sua frente e atrás, à sua esquerda e à sua direita, D entrou com seu cavalo.

Assim que entraram, uma aura terrível envolveu D e seu cavalo. Desencadeadas pelas emanações sinistras que o próprio D irradiava, todas as energias arcanas no ar pareceram disparar em direção a eles como uma só. A expressão de D não mudou nem um pouco, e seu cavalo não alterou o passo.

Depois de alguns passos, as estranhas energias turbulentas desapareceram. Os homens, que permaneceram posicionados ao redor de D, trocaram olhares surpresos. A aura sobrenatural do Caçador acabara de abafar suas próprias emanações perturbadoras.

A aldeia e seus habitantes passaram diante de D enquanto este cavalgava. A aldeia havia sido estabelecida em uma vasta região arborizada que surgira no meio das montanhas, e as casas eram feitas de madeira e pedra. A maioria dos moradores era autossuficiente em termos de comida e armas, e um prédio que parecia ser uma fábrica podia ser visto escondido entre as árvores.

Embora fossem bastante antiquados, canhões laser de alto calibre e canhões de ondas ultrassônicas eram visíveis dentro da paliçada, indicando que os Barbarois estavam muito bem preparados para lidar com seus inimigos no mundo exterior.

No entanto o que de fato era surpreendente era a aparência dos habitantes da aldeia. Suas roupas eram as roupas comuns de fazenda ou de trabalho encontradas em qualquer vila da Fronteira, entretanto muitos poucos dos braços, pernas e cabeças que se projetavam dessas vestimentas tinham a forma de algo humano. Um vislumbre de língua vermelha podia ser visto tremulando do que deviam ser lábios em um rosto escamoso como o de uma serpente, enquanto outro rosto era coberto por uma pelagem espessa como a de um verdadeiro lobo. Lá no fundo, um jovem inocente espirrava água de sua piscina. Do pescoço para baixo, tinha o corpo de um crocodilo e os membros correspondentes.

Existiam coisas neste mundo que não eram inteiramente naturais, a prole de acasalamentos entre bestas demoníacas e seres humanos. Todos os que habitavam a aldeia dos Barbarois eram fruto dessas relações abomináveis.

A maioria dos humanos do mundo inferior teria desmaiado ao ver esses demônios, todavia D passou por estes em silêncio, chegando ao que parecia ser uma praça central. No centro, estava a carruagem negra, junto com um velho de cabelos grisalhos.

Parando seu cavalo na entrada da praça, D desceu ao chão.

— Oh! — exclamou o velho, acariciando sua longa barba branca que chegava até o chão. — Você desmontou? Vejo que sabe o suficiente para respeitar os mais velhos. Mas me deixou muito intrigado. Como conseguiu subir nossa montanha a cavalo?

Se as palavras que pareciam deslizar pelo chão o alcançaram ou não, era incerto, D segurou as rédeas e caminhou em direção ao velho. Parou a dois metros dele e gesticulou para a carruagem preta com a mão direita.

— Gostaria que me entregasse os dois passageiros daquela carruagem. — falou.

O velho esboçou um amplo sorriso... Ou melhor, todas as rugas do seu rosto se contorceram num sorriso, porém na risada que se seguiu havia um toque de desprezo.

— Jovem, você chegou à nossa aldeia de um jeito que ninguém jamais conseguiu. Gostaria de poder lhe dizer que os passageiros daquela carruagem são seus, contudo é tarde demais, tarde demais. Já nos aliamos à carruagem, entende? O contrato está assinado e fomos pagos em ouro. Pagos com as lendárias moedas de dez mil dalas, dez delas. Será que está em condições de pagar mais?

— Se eu pudesse, você trairia seus clientes?

Com a resposta de D, suave como sempre, o sorriso desapareceu na mesma hora do rosto do velho. Sua expressão furiosa era impressionante, e parecia que poderia até tentar acertar o Caçador com sua bengala. No entanto, inesperadamente, este lançou a cabeça para trás de um jeito que quase pareceu endireitar sua coluna, e deu uma gargalhada sonora.

— Hohoho. Sabendo como entrou nesta aldeia dos Barbarois, até mesmo teve a coragem de me responder. Oh, que delícia, que grande delícia! Ora, a última vez que alguém falou comigo assim foi há exatos trezentos e vinte anos atrás...

Uma expressão estranha passou pelo rosto do velho. Como se tateasse nas profundezas nebulosas de uma memória esquecida com dedos que perderam a sensibilidade, ele estreitou os olhos impacientemente.

Quando os abriu de novo, um tom de espanto transbordou de suas pupilas.

— Esse rosto... — murmurou. — Será que você é...

— Sou um Caçador de Vampiros! — disse D em voz baixa. — A pedido do pai de uma garota sequestrada, estou em busca do culpado. Vim aqui por esse motivo, e nada mais. Entretanto entendo sua posição. Tudo o que peço é que o coloque de volta lá fora e me deixe persegui-lo em paz.

— Oh. Melhor ainda, um homem de princípios. — o velho parecia radiante de alegria, batendo sua bengala no chão. — Por respeito a isso, vou compartilhar algo com sua pessoa. Quais foram os pedidos feitos a nós. Um era que lhe providenciássemos uma escolta para protegê-lo de você e de outros Caçadores. O outro era nos livrarmos de um jovem chamado D, que com toda certeza viria para cá.

A praça estava soterrada por uma avalanche de sede de sangue. Enquanto os dois conversavam, inúmeros aldeões os cercaram. Nenhum deles portava uma arma. Ainda assim, cada um exalava uma aura temível, deixando claro que não teriam problema em matar alguns humanos.

— O que fará agora, D? Foi impressionante como conseguiu chegar até aqui, todavia sair parece ser um pouco mais difícil, não é? Todos os homens e mulheres reunidos aqui foram treinados nas habilidades mais impressionantes. Não importa o quão bom Caçador seja, não poderá matar a todos.

E o que D fazia enquanto o velho falava a verdade indiscutível? Ele olhava para o céu. Contemplava o perfeito azul límpido e as nuvens que ali brincavam.

Sua expressão era tão concentrada que os aldeões pararam de se aproximar e trocaram olhares entre si.

— Então, é para lá que ele quer ir?

Talvez confundindo o murmúrio do Caçador com um pedido de socorro, um dos Barbarois saltou no ar com um grito semelhante ao de um roc selvagem. Quando se endireitou, seu corpo era arredondado no geral, mas seu estômago era plano como uma tábua, uma forma que lembrava uma tartaruga. A besta estendeu os braços em direção ao rosto de D. As pontas dos dedos se fundiram com as unhas e se tornaram como chifres de touro. Se o tocassem, arrancariam um pedaço de carne e osso.

As duas figuras se cruzaram... Uma no ar e a outra no chão... E o homem rechonchudo pousou levemente ao retornar à terra.

Talvez tenha sido a agitação dos aldeões que provocou a névoa sangrenta. Vários deles tinham visto o clarão prateado que surgiu mais rápido do que os olhos podiam acompanhar no instante em que o homem passou por D. Entretanto, não... Certamente viram a cabeça do homem se retrair para dentro da roupa no exato momento em que a lâmina de D estava prestes a atingi-lo. Como uma tartaruga, o corpo do homem era coberto por uma carapaça impenetrável até mesmo a balas, e suas mãos e pés podiam se esticar como molas.

Todavia sua carapaça se partiu ao meio assim que este caiu. O rosto do homem que apareceu por baixo, o pescoço serpentino, o emaranhado de intestinos... Tudo havia sido partido ao meio até a virilha, e o homem lançou um jato de sangue ao tombar.

Pela primeira vez, os outros viram a lâmina brilhando na mão direita de D. Não havia ninguém tolo o suficiente entre eles para pressionar o Caçador uma segunda vez, apesar da raiva profunda que sentiam pela morte de seu camarada e amigo. A constatação de que aquele jovem possuía uma proeza profana com a espada penetrou na medula de seus ossos.

Com a mesma postura e atitude que demonstrara ao saudar seu agressor, D se virou para o velho e disse sem elevar a voz.

— Pode me matar se quiser, mas muitos dos seus aldeões também morrerão. Por que não se afasta e me deixa ficar aqui até a noite? Quando a carruagem partir, irei atrás. É isso. Já que todos vocês firmaram um contrato para o ajudar, não pedirei mais nada.

Se o decreto de morte certa que o velho proferira sobre D fosse válido, o que D disse era igualmente verdadeiro.

— Então, é justo como imaginei... — o velho assentiu, com o rosto demonstrando compreensão. — Tantas habilidades, tanta dignidade! — murmurou. — Sim, eu estava certo o tempo todo...

Então, acenando com a mão direita para que os aldeões se afastassem, disse algo inesperado em um tom cansado.

— Se pedisse que todos na aldeia se afogassem em um lago de sangue, eu não ousaria negar. Imploro que leve a cabeça ressequida deste velho tolo como pagamento por nossa grosseria e nos conceda seu perdão.

— Do que você está falando? — alguém gritou. Essa explosão de raiva abriu caminho entre os aldeões.

Uma mulher com um vestido de um tom de índigo perturbadoramente profundo saiu da multidão para ficar entre o velho e D. A mancha rosa em seu ombro direito exposto era visível em um estranho contraste contra sua pele branca. Sua voz era um uivo venenoso quando disse.

— Por que essa conversa fiada covarde? Ancião, será que já se esqueceu da lei de nossa aldeia? Uma vez que temos um contrato com alguém que veio buscar nossa ajuda... Não importa quem seja... Devemos cumprir os desejos de nosso empregador ou morrer tentando. E eu, Caroline, pretendo fazer isso, com a ajuda de Mashira e Bengé.

— Tem toda razão! — acrescentou uma voz insolente em concordância. Abrindo caminho entre as pessoas, um homem de meia-idade, de estatura e compleição medianas, jogou a barra do seu casaco cinza para trás e tomou seu lugar ao lado da mulher. — Ao descumprir um contrato que já firmamos, estaria fazendo mais do que apenas infringir a lei da aldeia. Significaria a ruína da própria aldeia. Ancião, deixe esta criança aos nossos cuidados.

— Concordo plenamente.

A terceira pessoa a falar provocou uma reação dramática. A voz vinha de trás do homem de meia-idade e deve tê-lo pego de surpresa, pois este estremeceu por um instante e deu um passo para trás.

Emoldurado pelos outros dois, mas atrás deles, estava um homem estranhamente alongado, magro como um louva-a-deus. Suas mãos e rosto eram tão negros como se tivessem sido mergulhados em tinta, e seu casaco era da cor da meia-noite. Embora fosse a mesma cor do couro que Kyle vestia, havia algo peculiar na sua figura que lhe conferia uma sensação diferente.

— Acho que já nos encontramos antes! — disse o homem sombrio, piscando para D. O homem era tão magro que parecia plausível que ninguém conseguisse vê-lo escondido atrás de um poste de tamanho razoável. Contudo não havia sequer uma árvore por perto para ocultá-lo. — Permita-me apresentá-los. A bela dama que ve aqui é Caroline, este é Mashira. E eu sou Bengé. — disse, virando-se com um sorriso para o ancião. — Como ele já está aqui, não há muito que possamos fazer. Ancião, o senhor pode ceder, no entanto vamos prosseguir com o trabalho. Pode nos privar do direito de residir aqui, se assim desejar.

— Os amigos dele desfiguraram minha pele. — disse Caroline com a voz trêmula enquanto pressionava a mão esquerda sobre a mancha rosada. — Não vou esquecer disso. Nunca vou esquecer a dor. Nem mesmo se eu enfiasse uma cunha de ferro no peito desse patife, ela desapareceria!

— Deve haver outros além de nós que se sentem da mesma forma. Venham!

Mas quando o homem de meia-idade... Mashira... Fez esse chamado, o velho gritou... — Seus tolos! — tão alto que o trio rebelde e vários aldeões que se aproximavam para se juntar estremeceram. Aquela forma felina e enrugada do velho fez o grupo de descontentes, três vezes maior que ele, tremer.

— Vocês, seus imbecis, sabem que estou aqui desde a fundação da aldeia? Têm alguma ideia de como seus ancestrais sofreram e suaram para construir esta aldeia na montanha depois de serem expulsos de suas casas por relações carnais com demônios? Saibam que todo o trabalho árduo deles esteve prestes a ser destruído. — até os mais jovens, aqueles para quem o passado ainda não existia, estavam paralisados ​​pela firmeza da voz do velho. Era o tipo de voz que se insinuaria em seus ouvidos mesmo que tivessem as mãos tapadas sobre eles. Talvez o único que pudesse ignorá-la fosse D, parado sozinho e desolado.

Os gritos sangrentos do velho continuavam.

— Naquele dia, o primeiro dia de nossa história de dez mil anos, um gás tóxico horrível jorrou da terra e caiu sobre nossas terras. Metade dos aldeões morreu, e a outra metade nada pôde fazer a não ser esperar pela morte enquanto sua carne apodrecia. Se uma certa pessoa não tivesse aparecido, a aldeia teria se tornado o domínio da Morte, e nenhum de vocês jamais teria nascido. Escutem bem, pois essa pessoa viajou com um grande propósito em mente. Ao ouvir rumores sobre nós, foi o primeiro a correr para cá. E foi isso que disse: ‘Deixem que cinco de seus homens mais fortes e corajosos me acompanhem em minha jornada. Se o fizerem, afastarei esta calamidade que se abateu sobre sua aldeia, e a fortuna sorrirá para vocês.’

Esta foi a primeira vez que mais da metade dos aldeões ouviu esses fatos. Absortos por este relato repentino de tempos passados, os aldeões não perceberam duas coisas que estavam acontecendo. A primeira coisa foi que, talvez devido a algo na história do velho, os olhos de D começaram a emitir uma luz penetrante. E a outra foi que um jovem caminhava pela estrada, vindo do portão principal supostamente trancado, atravessando a aldeia deserta em direção à praça.

— Toda esta praça... — continuou o ancião. — E toda a aldeia, aliás, estava repleta de almas apodrecidas e moribundas. Porém, no instante em que a proposta daquela pessoa chegou aos seus ouvidos, eles se esqueceram de toda a dor excruciante. E então, um aldeão surgiu de trás de uma pilha de entulho ali, e outro veio de trás, além das árvores ressequidas. As pessoas foram até ele como se tivessem sido invocadas pelo nome... Exatamente cinco delas. Além do mais, eram as mais duronas que tínhamos, e todos sabiam.

O jovem se aproximou da entrada da praça. Dando uma rápida olhada ao redor, um sorriso encantador surgiu em suas bochechas rosadas enquanto entrava.

— E então, a aldeia dos Barbarois voltou à vida. — a voz do velho carregava uma profundidade infinita. — Assim que aquela pessoa partiu com os cinco, o chão onde a aldeia se situa elevou-se em direção ao céu e ficou onde o veem agora. Em três respirações, brotaram novos ramos nas árvores e as flores deram frutos. Só mais tarde descobrimos que os gases subterrâneos tóxicos também haviam sido diluídos a níveis inofensivos. Tudo o que podíamos fazer na época era gritar seu nome e pressionar nossos rostos contra o chão. Escutem minhas palavras! — disse o velho, com a voz do Ancião que comandava a todos. — Vou lhes contar uma lei que vocês, jovens, desconhecem. Quando aquela pessoa ou qualquer um de sua linhagem aparecer, então e somente então todos na aldeia deverão desobedecer a quaisquer leis subsequentes e cumprir seus desejos.

Seu tom imponente era uma ordem. Até mesmo o trio rebelde ficou sem palavras.

O velho fez uma profunda reverência diante do belo Caçador, cujos cabelos negros balançavam na brisa.

— Há muito tempo que o aguardamos. Tudo o que Vossa Alteza desejar será concedido. Se quiser que essa carruagem seja despedaçada ou queimada até o chão onde está, estamos às suas ordens.

Enquanto o observavam com olhos cheios de uma admiração que superava o medo, a resposta de D chegou aos ouvidos dos aldeões.

— Agradeço a oferta, mas vocês estão com a pessoa errada. Deixem esses três irem guardar a carruagem, como quiserem. Estarei logo atrás deles.

— O que está tentando dizer? — perguntou o velho, surpreso.

— Que sujeito honesto. — riu Bengé, o negro, com um tom estridente. — Bem, já que ele mesmo diz isso, essa lei que mencionou não se aplica, ancião. Porém, dada a sua franqueza, não deixaremos ninguém mais tocá-lo. Nós três, sozinhos, o enfrentaremos.

— Tenho uma fofoca suculenta para te contar antes de levá-lo para seu túmulo. — riu Caroline, com os lábios carmesins se curvando para cima. — Esta carruagem está indo para os Estados de Claybourne.

— Vamos lá, pirralho! — gritou Mashira, agachando-se. Um machado pesado brilhava em sua mão direita.

Parecia que nem mesmo o velho tinha meios de impedir o ataque violento do trio. Nesse instante, ouviu-se uma pergunta áspera.

— Quem diabos é você?

Podia-se ouvir algo vindo do fundo da multidão, contudo a pergunta logo se transformou em um grito prolongado.

As fileiras de pessoas levantaram areia ao se separarem e, no final do caminho reto que abriram, um jovem de bochechas rosadas sorriu. Era um sorriso angelical, o tipo de sorriso que qualquer um retribuiria sem pensar duas vezes. No entanto, o fedor fétido que subia à sua frente era parte da fumaça que saía do peito de um aldeão caído. Embora não estivesse claro que tipo de energia havia atingido o aldeão, as chamas ainda lambiam as feridas carbonizadas e perfeitamente circulares em seu peito e costas.

D se tornou uma estrela cadente negra voando pelo ar. O raio que atravessou o espaço que ocupara um instante antes continuou além dele. Sem nada para atingir, acertou em cheio a carruagem estacionada em um dos lados da praça.

— Isso não é bom! — gritou alguém. Assustada com as faíscas e a descarga de energia, a parelha de cavalos relinchou alto e disparou em direção à saída do outro lado da praça.

— Fechem o portão dos fundos!

Alguns aldeões fugiram em resposta aos gritos do velho, entretanto um instante depois um raio os interceptou e eles caíram para a frente com as cabeças explodidas. Ninguém conseguia dizer de onde vinham os raios. A praça havia se tornado um lugar onde raios de luz cintilavam loucamente e, enquanto os aldeões em fuga desapareciam nos clarões, a origem dos raios assassinos seguia impossível de determinar.

Todavia, a única imagem nítida que saudava qualquer um que olhasse para trás era a expressão extasiada do jovem angelical enquanto este estava parado na entrada da praça observando a dança louca das luzes. Era inspirador como seu rosto transbordava com a alegria de viver enquanto brincava alegre com seus raios mortais.

De repente, a praça recuperou sua cor original. Talvez fosse um efeito colateral dos poderosos clarões brancos, mas as árvores verdes e as casas marrons se tingiram na paisagem em tons quase dolorosamente profundos, antes de retornarem aos poucos às suas cores naturais.

Os aldeões, rastejando até a borda da praça... Ou, em alguns casos, agachados no chão, observando para onde esse fenômeno sobrenatural se dirigia... Viram duas figuras se encarando com cerca de nove metros de distância entre elas. Uma era um jovem com um sorriso angelical, a outra, um Caçador tão belo quanto a coroa da lua.

Qual seria mais rápido, a figura correndo de preto ou o fluxo de luz branca?

Todos prenderam a respiração quando D se defendeu de um ataque incandescente, porém teve mais dois raios perfurando seu corpo enquanto avançava. Embora o que os aldeões realmente viram e sobre o que tanto se assustaram?

D estendeu a mão esquerda sobre o peito. Os dois raios de luz mudaram de direção bem diante dele, tornaram-se um único clarão e foram absorvidos pela palma de sua mão.

O jovem não se moveu. Seu sorriso ainda transbordava de prazer.

A lâmina reluzente de D deslizou da ponta da cabeça do inimigo até o queixo. Não houve resistência. Mantendo a pose do golpe descendente, D se aproximou um pouco mais da borda da praça.


O jovem havia desaparecido repentinamente. Sombras tênues que se projetavam no rosto de D indicavam que aquilo não fora resultado de algo que fizera.

O velho correu até ele.

— D! Está ferido, meu senhor?

Sem responder, D olhou para trás, através da praça. Não havia sinal da carruagem.

— Posso descer pela parte de trás da montanha? — perguntou.

O velho assentiu.

— Há uma passagem conhecida apenas pelos aldeões. Droga! — gritou o velho, lançado um olhar desesperado para os arredores.

D sabia por que o ancião praguejou. Os três capangas que Mayerling havia contratado não estavam em lugar nenhum.



Kyle afastou seus lábios quentes do corpo da mulher agora que a resistência havia cedido a gemidos, como sempre acontecia. De uma cama que até então estivera em completo silêncio, ouvia-se o som de uma respiração superficial, porém urgente.

— Droga, ele voltou muito rápido dessa vez. — Kyle cuspiu as palavras irritado e se levantou. — Ei, se apresse e prepare esse soro. — ordenou a Leila, que ainda estava completamente nua.

Lançando um olhar fulminante para o irmão mais velho, com as marcas de lágrimas ainda frescas no rosto, Leila recolheu as roupas que havia jogado fora.

Olhando para os hematomas em sua pele e as marcas roxas de mordida, Kyle estalou a língua em tom de repreensão.

— Você deveria ter se comportado como sempre e feito o que mandei. Não sei o que te deu hoje, contudo é o que ganha por ser burra e resistir. — rindo baixinho, acrescentou. — Claro, suponho que isso só facilitou para irritar mais o Grove.

— Pare com isso! — Leila deu um tapa na mão que tentava alcançar seu seio farto. — Ultimamente, o intervalo entre os ataques normais dele tem diminuído bastante, sabia? Se continuar forçando o Grove a ter mais ataques além desses, mesmo sabendo que está encurtando a sua vida, o que acha que vai acontecer? Se a sua energia ficar descontrolada, ninguém tem ideia da destruição que seria.

— Droga, acha que a gente já não pensou nisso? Temos problemas agora. Só vamos saber como as coisas aconteceram assim que Borgoff voltar. Não, pensando bem, acho que vou perguntar para o Grove primeiro. Sai da minha frente.

Empurrando Leila com força para o lado, Kyle foi até o travesseiro do terceiro irmão Marcus.

— Ei, mano, sou eu, Kyle. Me conta o que foi que viu enquanto estava... Lá dentro. Lembra do que te pedi para investigar antes de ir?

Por um bom tempo, os sons roucos que escapam de um paciente à beira da morte continuaram, até cessarem.

Um suspiro repentino. Não veio do homem debaixo dos cobertores. Uma mão pálida e fina estava em volta da traqueia de Kyle.

— Quer saber, Kyle? Você quer saber? — Groveck sussurrou com dificuldade. — Você está aqui se divertindo com a Leila... Enquanto me submete às torturas do inferno... E quer saber?

— É... Sim. Claro, quero saber. — foi tudo o que o irmão mais novo do clã Marcus conseguiu responder, com a mão em sua garganta.

A mão se afastou rapidamente. A voz delicada de Groveck quase soluçou.

— Nossa presa está indo para... Os Estados de Claybourne...

***

Link para o índice de capítulos: Vampire Hunter D

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