Capítulo 00.2: Prólogo
Cinco Anos Atrás
“Hyaaaah!”
A garota com cabelo preto curto ergueu sua espada de madeira acima da cabeça e a golpeou em Belgrieve. Seu trabalho de pés era impressionante; ela praticamente deslizou pelo chão enquanto mirava em uma brecha nas defesas dele.
No entanto, Belgrieve girou ágil em sua perna de pau, evitando a lâmina de madeira e golpeando a cabeça da garota com a sua. A garota gritou e caiu de joelhos.
“Você está caindo em fintas óbvias.” disse Belgrieve, batendo com a espada de madeira no ombro. “Esqueça as aberturas conspícuas. Tente prever o que seu oponente fará.”
“Urgh... Você me bateu de verdade...”
A garota olhou para Belgrieve com os olhos marejados.
“Hã?” Belgrieve estremeceu. “Bem, quero dizer, como me pediu para levar a sério...”
A garota estendeu os braços, uma expressão carrancuda no rosto.
“Me carregue.”
“Caramba... Você será sempre um bebê, Ange.”
Quando Belgrieve a ergueu, a garota alegremente o abraçou de volta.
Doze anos se passaram desde que Belgrieve pegou o bebê nas montanhas. Esta agora havia crescido e se tornado Angeline, uma adorável jovem de cabelo preto. Talvez por ter sido criada por um ex-aventureiro, acabou passando a admirar os próprios aventureiros. No momento em que Belgrieve percebeu, Angeline estava lá ao seu lado, imitando os balanços de treino que fazia todos os dias. Sua forma melhorou de forma rápida e com certeza tinha o talento.
Nesse caso, pensou Belgrieve, por que não? E então, ele ensinou a Angeline a espada para autodefesa. Nesse ponto, mesmo os adultos da vila não eram páreo para ela. Embora, claro, nunca tivesse conseguido acertar um golpe em seu pai e mestre.
Angeline esfregou a cabeça no peito de Belgrieve.
“Seu cheiro é bom, pai...”
“As coisas que minha filha diz hoje em dia... Que tal jantarmos?”
“Sim.”
Belgrieve entrou na casa, ainda carregando Angeline. Estava quase anoitecendo.
Belgrieve estava perto dos trinta e sete anos. A juventude havia desaparecido por completo de seu rosto, sua mandíbula estava coberta por uma barba ruiva e a imponência condizente com sua idade havia começado a se estabelecer. Apesar de ter quase quarenta anos, no entanto, ainda estava em boa forma. Ele ainda entrava nas montanhas e lutava contra feras e monstros. Sua perna de madeira quase não era um problema, seus movimentos mais fortes e ainda mais refinados do que em sua juventude. Seu trabalho simples e honesto conquistou-lhe cada vez mais confiança e, agora, era um dos pilares de sustentação da comunidade.
O jantar consistiu em uma sopa de vegetais e sal com alguns pedacinhos de carne, pão duro e queijo de cabra, com um prato abundante de mirtilos-vermelhos favoritos de Angeline para sobremesa. Depois de colher mirtilos-vermelhos no outono, eles costumavam os mordiscar com moderação. No entanto, este seria o último jantar que comeriam juntos. Que mal faria um pouco de indulgência?
A vida selvagem nas montanhas estava ficando mais viva ultimamente, e Belgrieve costumava levar Angeline para caçar. Embora ficassem com uma parte da carne, a maioria era compartilhada com os moradores. Possivelmente por causa disso os aldeões estavam mais bem nutridos do que antes e, apesar do gado escasso que mantinham, pareciam bastante saudáveis enquanto trabalhavam nos campos.
Além de conseguir carne, a caça servia como o treinamento especial de Angeline. Se fosse se tornar uma aventureira, precisaria de experiência lutando contra oponentes não humanos nas colinas e vales.
Belgrieve observou Angeline mastigando alegre seu pão do outro lado da mesa. Sempre que não estava brandindo uma espada, não conseguia ver nada além de uma garota normal de 12 anos.
Ele desaprovou quando ouviu pela primeira vez que ela queria se tornar uma aventureira. No entanto, já havia sido um aventureiro e entendia o desejo da mesma de se arriscar no mundo e colocar suas habilidades à prova, em vez de desperdiçá-las no meio do nada. Belgrieve não era insensato o suficiente para destruir seus sonhos jovens — seria o equivalente a negar seu eu do passado.
Mesmo assim, para ser totalmente honesto, achava sua filha adorável e não a queria enfrentando nenhum perigo. Queria mantê-la perto o suficiente para cuidá-la.
Depois de dar voltas em seus pensamentos, Belgrieve por fim chegou à resposta. Iria ajudá-la a se tornar uma aventureira da maneira que pudesse. Não havia como manter um aventureiro fora do perigo, então sua melhor aposta era ensiná-la tantas habilidades úteis quanto possível e garantir que nunca pisaria em gelo fino. Além disso, também cuidou para que não ficasse presunçosa com sua própria força, ignorando as lutas dos fracos.
No entanto, embora conseguisse transmitir suas habilidades, Angeline ainda era uma criança mimada. Belgrieve estava um pouco preocupado se ela conseguiria ou não ser uma aventureira assim, embora não se importasse de cuidá-la. Quando ela o pressionava para carregá-la, sempre acabava cedendo, sua fachada severa dando lugar a sorrisos calorosos.
Seu espírito como professor sempre entrou em conflito com seu amor paternal, mas o amor geralmente venceu. Belgrieve era humano, e um pai, afinal.
“Obrigado pela refeição.”
“Sim...”
Belgrieve empilhou os talheres, levou-os para a pia e estava prestes a despejar um pote de água sobre eles quando Angeline puxou sua manga.
“Pai...”
“Sim?”
“Eu vou fazer isso...”
“Não, não é problema nenhum. Papai pode fazê-lo...”
Angeline balançou a cabeça.
“Amanhã estarei indo para a capital... Não poderei mais ajudar.”
Após uma pausa, por fim cedeu a sua insistência.
“Haha, entendo. Então vá em frente.”
Belgrieve bagunçou seu cabelo e Angeline podia sentir seus olhos se estreitando de alegria. Então ela tomou o lugar dele e começou a lavar os pratos.
Angeline cresceu e se tornou uma boa menina, pensou Belgrieve. Ele não sabia nada sobre criar filhos; nunca teve uma esposa. Quando a pegou pela primeira vez, estava ansioso para saber se poderia criar uma filha da maneira adequada. Contudo, olhando-a agora, se assegurou de que não estava enganado.
Angeline partiria para a capital amanhã. Ela havia se preparado para isso aos poucos, até que não havia mais nada a fazer. Nenhum deles pretendia que esta fosse uma despedida para toda a vida, porém seria uma despedida mesmo assim. Não haveria como contornar a solidão. No entanto, se demorassem muito, apenas os deixaria mais tristes. Tanto Belgrieve quanto Angeline agiram como se fosse qualquer outro dia. Os mirtilos-vermelhos eram a única coisa especial.
“O tempo voa...”
Belgrieve murmurou enquanto a observava limpar os pratos.
Angeline já tinha doze anos. Seu cabelo era curto como o de um menino, contudo suas feições eram femininas e fofas. Sem dúvida teria sido uma boa esposa para alguém se não se tornasse uma aventureira, pensou Belgrieve, depois balançando a cabeça.
“Não sei quando desistir, não é?” disse Belgrieve, sorrindo amargamente.
Assim que os pratos foram lavados, Angeline se lançou sobre ele.
“Whoa.”
“Pai... Me abrace...”
“Suas mãos ainda estão molhadas... Meu Deus.”
Angeline derreteu em seu abraço.
“Vou fazer o meu melhor.” disse ela, após um momento.
“Sim.”
“Mesmo se estiver sozinha... Farei o meu melhor para me tornar uma aventureira esplêndida que pode proteger os fracos.”
“Sim.”
“Então vou acertá-lo um dia.”
“Haha, estarei ansioso por esse dia.”
Belgrieve acariciou sua cabeça enquanto Angeline se sentava em seu colo.
“O que você faz quando se perde na floresta?”
“Procure por grama prateada wyrm. A maior pétala aponta para o norte.”
“Como encontrar água?”
“Siga o cheiro da erva gota do diabo. Ela só cresce perto da água limpa.”
“Sobre o que você precisa ter mais cuidado ao lutar contra monstros?”
“Tem que ter certeza de que não há nenhum outro monstro por perto. Em seguida, certificar-se de estar em um terreno vantajoso.”
“O que fazer se lutar contra alguém que não pode derrotar?”
“Corra assim que puder. Se não puder, continue correndo. Garanta uma rota de fuga, pegue o oponente desprevenido e corra.”
“Bom.” Belgrieve acenou com a cabeça, satisfeito. “Sobreviver é a principal prioridade de um aventureiro. Nunca ultrapasse seus limites.”
Angeline devolveu o gesto, esfregando a bochecha contra a barba dele.
“Eu sei... Entendi.”
“Agradável e pinica...”
“As coisas que minha filha faz... Você tem um dia cedo amanhã. Que tal encerrarmos a noite?”
“Pai…”
Ele se levantou e ela puxou sua manga.
“Podemos dormir juntos hoje...?”
“Hmm? Você não treinou para dormir sozinha?”
“Malvado.” respondeu Angeline depois de uma batida.
Ao vê-la esticar os lábios e fazer beicinho, Belgrieve gargalhou.
“Estou brincando. Vamos.”
“Oba...!” Angeline se agarrou alegremente ao braço dele.
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