Capítulo 02.2: Foi Mais um Dia para Belgrieve
Angeline cantarolou uma melodia para si mesma enquanto examinava as lembranças que havia acumulado.
“O papai vai gostar deste? Oh, aquele vai ir para o Kerry...”
Depois de matar o wyvern e cuidar de todos os outros trabalhos diversos que a guilda trouxe até sua porta, Angeline finalmente conseguiu reservar um tempo de folga. Estava planejando embarcar em uma diligência naquela tarde, que a levaria a Turnera em cerca de nove dias, se nada desse errado.
Agora, o que faria quando estivesse de volta? Primeiro, faria seu pai carregá-la e dar-lhe um afago completo na cabeça. Em vez de escrever, poderia contar a ele em pessoa como se tornou uma aventureira de Rank S, e o ouviria dizer que ela fez um bom trabalho. Ambos comeriam juntos, dormiriam na mesma cama, e sim, desta vez quando duelassem, Angeline iria acertar um golpe, com certeza.
Sua expressão suavizou enquanto sua imaginação corria solta. No início, Angeline enfiou suas roupas, provisões e souvenirs em sua bolsa o mais rápido que pode. Então, quando outra ideia lhe ocorresse, pegaria os souvenirs de novo e os substituiria por novos que, talvez, o pessoal de casa preferisse. Já fazia algum tempo que estava realizando esse processo uma e outra vez.
Claro, agora que sua líder estava saindo de férias, Miriam e Anessa inevitavelmente tinham um pouco de tempo livre em suas mãos e assistiram à cena, maravilhadas. Como poderia ser a mesma Angeline quieta e fria?
Miriam sacudiu levemente essas ruminações.
“Quanto ela ama aquele pai dela?” sussurrou Miriam no ouvido de Anessa.
“Sim... É um pouco surpreendente...”
“Certo? Não sabia que Angeline tinha esse lado.”
Não fazia nem um ano desde que as duas formaram uma equipe com Angeline. Angeline havia atuado sozinha até aquele ponto, e essa era uma das coisas que a tornava tão temível. Pelo padrão, eram necessárias várias pessoas trabalhando juntas para subir na hierarquia.
Miriam e Anessa estiveram em outra equipe juntas, mas se separaram devido a uma diferença de opinião. Antes que as duas decidissem o que fazer a seguir, a guilda solicitou que ambas se unissem a sua pequena prodígia. Ao que parecia, a guilda era da opinião de que dar a Angeline uma equipe a ajudaria a lidar de forma mais confiável com as solicitações de maior dificuldade.
No início, as duas viram Angeline como uma loba solitária, enquanto Angeline nunca foi uma garota de muitas palavras. Elas tiveram percalços, mal-entendidos e sua cota de momentos tensos. No entanto, embora não falasse muito, não era como se Angeline fosse uma misantropa¹, nem uma fanática. As garotas tinham quase a mesma idade, de qualquer maneira; e por fim se aproximaram uma da outra e se tornaram uma equipe muito unida. A luta ombro a ombro promoveu uma confiança firme uma na outra. Dito isso, foi apenas recentemente que o amor bizarro de Angeline por seu pai veio à tona. Isso foi um pouco demais para as duas acompanharem.
Angeline, por outro lado, parecia não se importar nem um pouco. Exibia esse seu lado oculto de si mesma livremente e parecia deslocada.
“Estou indo embora. ♪ Esta tarde. ♪ Vou ver o papai soo-oon. ♪”
Assim que finalizou sua seleção de souvenirs, Angeline dançou ao redor da sala antes de se virar para as outras duas como se acabasse de lembrar que estavam ali.
“Ei, vocês tem certeza que não querem ir comigo?”
“Quero dizer, uma das condições para as suas férias, Ange, era para nós ajudarmos outras equipes enquanto você estiver fora...”
“Certo, certo. Estou um pouco curiosa para saber que tipo de homem é seu pai.”
“Mmm... Queria apresentá-lo a você. Contudo não podemos fazer muito nesse caso. Boa sorte com o trabalho.”
As duas suspiraram quando Angeline lhes enviou um sorriso inocente e um polegar para cima. Ao que parecia, essa criança perdia algumas células cerebrais sempre que seu pai estava envolvido. Isso, em certo sentido, tornou-a um pouco mais acessível, mas veio com um sentimento bastante conflituoso.
O meio-dia veio e se foi. Angeline partiu para a estação para encontrar uma carruagem rumo ao norte, e Miriam e Anessa a acompanharam. Amanhã, elas apoiariam outra equipe, contudo tinham o dia de folga.
“Está tão lotado como sempre, pelo que vejo.”
“Cough, hack... E empoeirado como o inferno, para variar. Ange, já encontrou uma?”
“Hmm... Muitas pessoas para contar.”
No entanto, enquanto demoravam, alguém entrou na estação em pânico. Era uma recepcionista da guilda. Depois de buscar nervosamente a área, acabou avistando Angeline e foi direto em sua direção, afastando a multidão para chegar lá.
“Ah! Aí está você! Angeline, grande problema!”
“Hã...? O que...?”
A recepcionista estava sem fôlego quando as alcançou. Abaixando-se para se recompor, ela começou a tagarelar.
“Há um surto de demônios da classe Calamidade em Asterinos! A cidade está sitiada — os aventureiros estacionados lá estão mantendo os demônios à distância, porém não vão durar. Por favor, não poderia os ajudar?”
Angeline franziu a testa.
“Só pode estar brincando... Já estou de férias! Em alguns minutos, vou pegar uma carruagem para Turnera para ver meu pai...!” bufou Angeline com raiva.
A recepcionista caiu de joelhos, praticamente orando agora.
“Por favor, abra uma exceção! Por favor! Os outros Ranks S estão todos fora e já sofremos baixas! Estou te implorando!”
“Grrrr...”
Enquanto Angeline mordeu o lábio, Anessa colocou a mão em seu ombro. “Entendo de onde você veio, Ange. Contudo se não formos, a cidade será varrida do mapa.”
“Ela está certa, Ange. É uma pena, mas só desta vez... Ok?”
Por um tempo, Angeline ficou rigidamente ereta e em silêncio, entretanto após um tempo, empurrou sua mala de presentes para a recepcionista.
“Hmm? Er, o que é isso...?”
“Mantenha-a segura... Com o que estamos lidando?”
“É-É uma colônia de formigas giga, e possuem uma rainha junto, porém... Isso significa...?”
“Ha... Aha-ha... Seus malditos insetos... Vou matar cada um de vocês!” Angeline rugiu tão feroz quanto uma divindade colérica.
Notas:
1. Misantropa é aquele ou aquela que possui aversão às pessoas, alguém que prefere a solidão que o convívio com outras pessoas.
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