quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Slayers — Volume 01 — Capítulo 02

Capítulo 02: Os bandidos vem, mesmo quando você mais espera eles

Bem, nosso visitante parecia suspeito. Estava vestido de branco da cabeça aos pés: capa branca, manto branco e um capuz branco tão apertado em torno de seu rosto que eu só podia ver seus olhos. E não estava sozinho.

“Bem, bem...”

Não me preocupei em esconder minha mudança de expressão quando vi que estava com o homem múmia que instigou os trolls a me atacar antes. Os dois lentamente entraram no quarto. O homem múmia estava mancando um pouco.

Gourry fechou a porta atrás dos dois. O homem múmia olhou por cima do ombro assustado, porém o homem de branco não se incomodou. Ambos pararam no centro da habitação, comigo e Gourry os flanqueando.

“Então você e o homem múmia aqui se conhecem, hein?” eu disse.

“Múmia—!”

Os olhos do homem múmia se arregalaram de indignação, porém antes que pudesse avançar, o homem de branco o parou.

“Ele sabe como causar uma boa primeira impressão.” acrescentei.

“Sinto muito por isso.” respondeu o homem de branco. “O seu nome é Zolf. Ele leva suas responsabilidades muito a sério, mas isso às vezes o inclina à impulsividade... Espero que possa perdoá-lo.”

“Claro, no entanto ainda vai influenciar meu preço.”

Não percebi até este ponto da conversa que o homem de branco não era humano. Não tinha notado antes na luz fraca da lâmpada, contudo o que pude ver da área ao redor de seus olhos parecia como se fosse algo mais sólido do que a pele. Quer dizer, não estava prestes a estender a mão e tocá-lo, então não podia ter certeza... Mas parecia que era pedra ou algo parecido.

Achei que poderia ser um golem por um segundo, entretanto descartei essa teoria no momento seguinte. Golens foram criados para servir aos humanos, e este homem tinha um brilho de autodeterminação em seus olhos.

“Muito astuto da sua parte... Mas está bem. Vamos negociar.” disse ele.

“Ok. Suponho que queira comprar de mim, certo?”

“Sim. Algo que você tirou de um esconderijo de um bandido há algum tempo.”

“O que é esse algo, pra ser exato?”

“Não posso dizer.”

“Não pode dizer?” questionei com uma carranca.

“Não, não posso.”

“Não é assim que comprar coisas funciona, na minha experiência...”

“Apenas me escute. Se disser o que quero desde o início, vai acabar tentando me cobrar a mais. Ou pode ficar curiosa sobre porque o quero e então se recusar a vender, não é? Então, aqui está a minha oferta: coloque um preço em todos os itens que adquiriu nos últimos dias. Então, pagaremos o preço pedido pelo que queremos.”

“Acho que entendi, entretanto tenho que dizer, você não parece o tipo que faz amizade com bandidos... ”

“Faz algum tempo que estou procurando este item.” disse o homem de branco. “Zolf foi um dos vários homens que enviei para procurá-lo. Zolf se infiltrou naquela gangue de bandidos e, um dia, eles encontraram o item em questão. Ele mandou os bandidos roubá-lo e planejou fugir com o saque e trazê-lo para mim em sua próxima oportunidade.”

“Só que então eu apareci, hein?”

“Isso mesmo.”

“Ainda assim, usar bandidos para roubar algo, apenas para fugir com isso você mesmo... É um tanto mesquinho, não acha?”

“Olha quem fala sobre mesquinhez.”

Ahem!

“Bem, seus termos soam justos, de qualquer maneira. Vamos ao que interessa. Meu inventário consiste em uma estátua, uma faca e algumas moedas antigas. Também tenho algumas pedras preciosas, porém acho que podemos deixá-las fora. É claro que são apenas joias comuns; ninguém me deixaria ditar meu preço por elas.”

O homem de branco acenou com a cabeça em concordância.

“Ok, vamos ver aqui. Começando com a faca...”

Passei a definir um preço para cada item, conforme solicitado. O homem de branco deu alguns passos cambaleantes para trás, os olhos do homem múmia se arregalaram e o queixo de Gourry caiu.

Homens! Eles não têm coragem e nem bolas. Se deixar o vendedor definir os preços, é melhor estar pronto para pagar cem vezes o valor de mercado!

Na verdade... Acabei de perceber que, inadvertidamente, pedi o suficiente para comprar um castelo todo mobiliado. Opa! Hahaha.

“Estava disposto a pagar o dobro ou o triplo do preço de mercado, mas...” o homem de branco conseguiu gaguejar depois de alguns instantes.

“Sim, acho que uma solicitação de cem vezes é um pouco ultrajante. Aha, hahaha...”

“Você nem percebeu o que estava pedindo?” o homem de branco perguntou, exasperado.

“De qualquer forma, já que isso é definitivamente muito alto... Corte tudo o que acabei de dizer pela metade.”

“Só pela metade?”

“Esta pirralha está tentando nos limpar!”

“Cale a boca, Zolf.”

Pirralha? Rrgh!

Ooh, lá se vai aquele meu temperamento de novo...

“Suponho que não concordaria com um plano de parcelamento ou estaria disposta a enviar uma fatura mais tarde.”

“Nos seus sonhos. Por que aceitaria condições estúpidas além da tristeza de ser chamada de pirralha por um feiticeiro de terceira categoria que não consegue distinguir Bola de Fogo de Iluminação?”

“O-O quê?” ao que parece, o homem múmia estava percebendo agora como havia sido enganado. “Chamei você de pirralha porque é exatamente o que é! Sua pequena—”

“Zolf! É o suficiente!” o homem de branco repreendeu o homem múmia de forma tão ríspida que o deixou tremendo em suas bandagens. “Tudo bem, aqui está minha oferta final. Que tal trabalhar comigo? Em um ano — não, na metade disso — posso pagar duas até três vezes o preço inicial pedido.”



“Hmm.” cruzei meus braços. “Parece que você quer muito o que quer que essa coisa seja... Então, aposto que se disser não, vou direto de parceira de barganha a inimiga, certo?”

O homem de branco não respondeu além de arquear um pouco a sobrancelha.

“Quanto a mim, gostaria de limitar minhas relações com sua laia tanto quanto possível. Não sei dizer o porquê exato... Vamos chamar de intuição feminina.”

“Hmm.”

“E agora, minha intuição está me dizendo que eu estaria melhor morta do que trabalhando com vocês.”

Zolf se inclinou para frente com raiva. Era óbvio que tinha algo a dizer, mas parou no meio do fôlego. Ele pareceu perder a coragem no segundo em que percebeu o ar de hostilidade girando entre mim e seu companheiro. A aura de pura força do homem de branco me disse que não era alguém com quem se brincar.

Nosso concurso de encarar durou alguns bons segundos, porém foi o homem de branco que acabou recuando, soltando um suspiro profundo.

“Estamos em um impasse, então... Contudo suponho que seja a vida, garota obstinada.”

“Sim, é uma pena.”

“Vou me retirar pacificamente por hoje, como prometido. No entanto voltarei para pegar o item, à força se necessário. No segundo que deixar esta pousada amanhã de manhã, você e eu seremos inimigos.”

Dei a ele um pequeno aceno de cabeça. Ele então se virou para sair.

“Vamos, Zolf.”

“M-Mas...”

O homem de branco ignorou os protestos de Zolf e foi para a porta. Gourry abriu bem a tempo. Zolf demorou um minuto, então correu atrás de seu companheiro.

“Ah, esqueci de mencionar...” bem do outro lado da porta, o homem de branco parou e disse sem se virar para trás. “Meu nome é Zelgadis.”

“Vou me lembrar disso.”

Gourry fechou logo em seguida à porta atrás de nossos visitantes.

“Eles se foram.” disse Gourry após alguns minutos. “Então, por que colocou esses preços exorbitantes em tudo?”

“Você teria ficado mais feliz se tivesse vendido o que queriam a um preço razoável?”

Com um sorriso irônico, Gourry balançou a cabeça.



“Ahh, que tempo bom...”

Eu estava atualmente esticada no chão, olhando para um perfeito céu azul e claro.

A luz do sol era como o paraíso, quente e confortável. A estrada que estávamos seguindo passava em maior parte pela floresta, contudo chegamos a uma planície aberta por enquanto. O céu estava azul brilhante, os pássaros cantavam e... O cheiro de sangue pairava no ar.

“Não fica muito melhor do que isso...” murmurei.

“Sabe, Lina...” disse Gourry, tentando recuperar o fôlego enquanto desabava ao meu lado. “Você não pode só deixar um cara para enfrentar todas as lutas... Enquanto relaxa se divertindo...”

Olhei de volta para os montes de cadáveres de berserkers que Gourry havia deixado em seu rastro.

“Aha, desculpe por isso. Mas ei, ajudei um pouco...”

“Só no início e só um pouquinho. Até que então, em vez de lançar pelo mesmo um feitiço de ataque para me ajudar, você apenas disse: ‘Cuide do resto a partir daqui’.”

“Sim, acho que posso ter feito algo assim.”

“Não, definitivamente fez.” argumentou Gourry, usando sua espada para se levantar.

“É melhor descansar um pouco mais.” encorajei, no entanto Gourry balançou a cabeça.



“Precisamos chegar à próxima cidade ao anoitecer ou eles virão atrás de nós de novo. Vamos andando.”

Não posso culpá-lo por estar frustrado. Tenho certeza de que Gourry não ficou satisfeito por eu ter deixado de lutar, e sua própria exaustão parecia estar estragando seu humor. Contudo continuei apenas deitada lá em vez de responder.

“Lina.” disse ele no tom de um pai repreendendo enquanto se aproximava de mim com pernas surpreendentemente firmes.

“Vamos, só mais um pouco. O sol está tão bom...”

“Já basta!” Gourry gritou, agarrando meu braço direito e puxando.

Não, isso não!

“Urgh!” gemi de agonia por reflexo.

“Hã?” Gourry gaguejou quando me soltou.

Eu me curvei em posição fetal, pressionando minha testa contra o chão. Não gosto de admitir, contudo tenho uma tolerância muito baixa à dor.

Sussurrei um feitiço de Recuperação vacilante, concentrando o poder da minha mão direita na minha ferida. Aos poucos, a dor foi diminuindo. No geral, uma ferida desse tamanho teria cicatrizado muito mais rápido, entretanto está estava bastante lenta. Tive que me maravilhar...

“Lina?”

“Hmm?”

Olhei para Gourry, tentando permanecer o mais calma que pude... Embora soubesse que não havia como esconder agora.

“Você está ferida?” Gourry perguntou.

Dei um pequeno sorriso, o que é provável que não ajudou muito a tranquilizá-lo.

“Só comi demais.”

Gourry deu a volta na minha frente, sentou-se e olhou para mim com firmeza.

“O que?”

Encarei seus olhos. Ele olhou de volta para os meus.

“Urgh!”

Gemi de novo quando uma nova onda de dor passou por mim. Gourry enfiou a mão na minha capa, roçando por acidente a ferida do meu lado direito. No entanto, puxou sua mão em seguida quando viu como respondi.

“Você...” ele sussurrou em voz baixa. “Está coberta de sangue...”

“Estou bem.”

Estava fazendo o meu melhor para sorrir e aguentar, mas também estava dizendo a verdade. A dor ainda estava diminuindo pouco a pouco.

“Tem certeza de que está bem?”

“Disse que estava, então estou. Tenho um feitiço de Recuperação em andamento, então a ferida vai fechar em breve.”

“Mas...”

“Sabe, esse é exatamente o tipo de situação que estava tentando evitar quando decidi ‘relaxar e me divertir’.”

“Sinto muito.”

“Tudo bem. Porém, sério, estarei melhor em breve, então vá com calma até lá também.”

“C-Claro...”

Gourry sentou-se obediente de novo na minha frente, seus olhos brilhando de preocupação. Apreciei a preocupação e tudo, porém nunca me senti confortável com esse tipo de atenção.

“Então você foi ferida no início da luta?” perguntou Gourry.

“Eu os subestimei, ok.”

“Então estava se concentrando em sua cura... Lamento ter tirado conclusões precipitadas.”

“Eu te disse, está tudo bem.”

Gourry não disse mais nada depois disso. Ficamos parados por um tempo, apenas sentido a brisa passar por nós.

“Então, sobre o que esses caras estão atrás...” finalmente falei, quebrando o silêncio. “Depois que nos separamos ontem à noite, examinei algumas coisas.”

“Sim?”

“Sim. Lembra do que falei ontem? Sobre ser provável que o homem múmia marcou o item com magia?”

“Descobriu o que era?”

Balancei minha cabeça desapontada.

“O que roubei dos bandidos incluiu uma estátua de oricalco, uma grande faca com uma lâmina encantada e algumas moedas de ouro que fariam um colecionador ficar com os olhos esbugalhados. Nenhum desses tinha um feitiço de marcação.”

“Mas então...”

“Isso significa que é seguro descartar as moedas; elas não são rastreáveis ​​de maneira inata. O que deixa a faca e a estátua.”

“Toda essa conversa não incomoda sua ferida?”

“Hã? Oh... Não, estou bem agora. Estou quase curada já.”

“Quase?”

“Estou bem, de verdade. Agora, quanto ao que nos resta, o encantamento da faca... É meio desagradável, contudo é rastreável. Por outro lado, a estátua é feita de um metal chamado oricalco, que tem algum grau de propriedades de selagem mágica.”

“Então, não é rastreável?”

“É, na verdade. Quando você faz uma busca no plano astral, as ondas espirituais viajam na direção em que o metal se encontra — está conseguindo entender alguma dessas coisas?”

“Não.”

“Bem, a questão é que a estátua também pode ser rastreada.”

“Então tem que ser uma ou outra, certo? No entanto por que esses caras estão tão desesperados para tomá-los de volta?”

“Sim, essa é a questão. Ainda estou trabalhando nisso. Oricalco é muito mais valioso do que ouro e a faca encantada é uma verdadeira obra de arte. No entanto, nenhum dos objetos vale o trabalho que estão tendo para pegá-los.”

“Até se dispuseram a pagar o triplo do preço pedido em seis meses, o que nos diz quanto vale para eles. Talvez contenha a localização de um grande tesouro escondido ou algo assim.”

Uma teoria um tanto caprichosa, mas não impossível.

“Ou talvez seja algum tipo de chave.” acrescentei.

“Uma chave?” Gourry perguntou, olhando para mim com curiosidade.

“Com certas aplicações de magia, pode transformar algo em uma chave. Já ouvi falar de propriedades de nobres na Cidade da Magia que são manipuladas dessa maneira. Se uma jovem entra em uma fonte no pátio, por exemplo, abre a porta para o cofre do tesouro ou algo assim... Nesse caso, a jovem é a chave.”

“Então, a chave não precisa ser mágica em si?”

“Exato.”

“Então, ou a estátua ou a faca...”

“Pode desbloquear algo. Essa é uma possibilidade, pelo menos.”

“Não sinto que tenhamos restringido isso de forma alguma.”

“Ainda estamos sem pistas. Ah, lá vamos nós...”

Então, consegui me levantar. Minhas pernas ainda estavam um pouco instáveis, porém podia andar, pelo menos.

“Ei, agora...”

“Estou bem. Juro. Estou um pouco cansada, no entanto é melhor irmos, certo?”

Gourry me olhou com desaprovação enquanto se levantava, e então...

“Yeek!”

Soltei um gritinho quando ele me pegou em seus braços.

“E-Ei! O que você está fazendo?” gritei, bem ciente de que tinha ficado vermelha como uma beterraba.

“Vou te carregar um pouco. Não acho que esteja em condições de se movimentar por conta própria.”

“Disse que estou bem! E você também está bastante esgotado, não é?”

“Minha avó sempre me disse para ser gentil com as crianças.” disse Gourry com uma piscadela.



Ouvi passos no corredor. E não estou apenas ouvindo coisas.

Eu estava descansando na cama da pousada por um tempo agora e, apesar de estar cansada, meus pensamentos turbulentos estavam dificultando o sono. Essa inquietação pode ter acabado de salvar minha vida, no entanto. Não eram os passos de um velho bêbado voltando para o quarto depois de uma última bebida. Era um grupo, tentando ao máximo não fazer barulho.

Sentei na cama. Não havia como saber com certeza se era eu quem esses intrusos estavam procurando, contudo, dados os eventos dos últimos dias, parecia bastante provável. Decidi jogar pelo seguro e me preparar para o pior.

Aos poucos, os passos foram se aproximando.

Peguei minha capa pendurada ao lado da cama. Por precaução, em momentos como este, foi à única coisa que tirei enquanto dormia.

Sem fazer barulho algum fiz meu movimento. Logo depois, os passos pararam. Do lado de fora do meu quarto. Tal como suspeitei.

De repente, a porta se abriu e um grupo de figuras estranhas entrou no quarto. Eles estavam esperando que eu estivesse na cama, então ao não me ver lá, ficaram confusos.

“Onde ela está?” um dos intrusos perguntou.

“Bem aqui!” era o que queria dizer, mas decidi não fazer.

Em vez disso, apenas me levantei. Provavelmente parece um pouco bobo, contudo na verdade só estava sentada ao lado da porta. No entanto, sentar não era tudo o que estive fazendo — estava me preparando.

Meu canto agora estava completo. Peguei minhas mãos, segurei juntas na frente do meu peito e pouco a pouco as afastei uma da outra. No espaço entre as duas, uma bola de luz brilhante apareceu.

Este não era um feitiço de Iluminação. Era uma Bola de Fogo de verdade!

Os intrusos se viraram em pânico, porém era tarde demais. Liberei a Bola de Fogo no quarto enquanto corria para o corredor (que eu tinha verificado com antecedência para ter certeza de que estava livre de assassinos) e fechei a porta atrás de mim. Uma Bola de Fogo explodindo em um espaço fechado tende a ser duas vezes mais destrutiva do que um uso normal.

Bwoom!

Bem na hora, houve uma explosão impressionante dentro do quarto. Quando estou em minha melhor forma, um golpe direto da minha Bola de Fogo pode derreter ferro. Entretanto...

“O que? O que está acontecendo?” Gourry disse enquanto voava para fora de seu quarto ao lado. Típico mercenário; ao que parece teve a mesma ideia que eu e dormiu em seu traje usual, com espada e tudo.

“Assassinos!” gritei.

Com essa única palavra, Gourry estava a par da situação.

“Você os pegou?” ele perguntou.

“Não sei!” dei uma resposta honesta.

Se tivesse acontecido ontem, poderia ter respondido com mais confiança. Entretanto como suspeitava...

No segundo que respondi, a porta do meu quarto se abriu. As estranhas figuras saíram correndo, envoltas em chamas e cheirando a carvão.

“Tsk!”

Gourry imediatamente desembainhou sua espada e atacou os intrusos, derrubando um deles em um piscar de olhos. Pude ver agora que eram na maioria trolls, armados com espadas e armaduras simples.

Nada bom!

Gourry cortou um segundo intruso, mas mesmo com a fumaça ainda subindo de seu corpo... Ele conseguiu bloquear a espada de Gourry com a sua. E isso não é uma façanha fácil. Esse cara — um homem de meia-idade bem construído que era o único humano no grupo — deve ter alguma habilidade real.

“Você está com ela, meu jovem?”

“Você não está nada mau, velho.” respondeu Gourry.

“É melhor eu estar depois de todos esses anos.”

Os dois pularam para trás ao mesmo tempo.

O troll que Gourry havia abatido um minuto atrás já estava, ainda que um tanto devagar, se recuperando. Seus poderes regenerativos eram de fato algo para se apreciar... Porém realmente não tive tempo para sentar e desfrutar do show. Estávamos em uma situação muito arriscada aqui, não importava como se visse.

Já que Gourry estava ocupado com o velho, lidar com os trolls cabia a mim. Gourry era talentoso com uma lâmina, contudo o velho também não podia ser menosprezado. Ele estava mantendo Gourry muito ocupado para não me ajudar.

Para minha infelicidade, não havia como derrotar os trolls sozinha agora. Minha magia estava em um estado lamentável.

Em qualquer outra noite, teria acabado com eles antes mesmo de Gourry sair de seu quarto. Gourry diria: ‘Você os pegou?’ e piscaria enquanto respondo: ‘Fácil!’. Então, limparíamos as consequências da minha Bola de Fogo, e seria isso, mas...

Infelizmente, aqui na realidade, tudo o que fiz foi queimar as roupas dos assassinos e suas sobrancelhas. Caso contrário, eles ainda estavam em perfeita forma para lutar.

Não posso desferir um golpe fatal com minha magia agora, e minha espada não seria de muito uso também. Sou uma espadachim muito boa — talvez até tão boa quanto Gourry — só que apenas contra oponentes humanos. Como mencionei antes, ao lutar contra trolls, é preciso matá-los com um ataque... Digamos, decepando suas cabeças, por exemplo. Embora eu pudesse saber como colocar minha espada contra o pescoço de um troll, não tinha o poder de selar seu destino. Precisava decapitá-los com um golpe.

E se não pudesse fazer isso, então só teria que lutar com inteligência.

Meu plano era deixar a luta real para Gourry enquanto usava alguns truques de mágica baratos para distrair os vilões e apoiá-lo. O corredor estreito em que estávamos os impediria de aglomerar-se ao mesmo tempo, então precisávamos aproveitar esse fator e diminuir os seus número um por um.

Essa era praticamente nossa única opção. Ia ser bem irritante, mas... Ugh. Que assim seja!

“Tudo bem, aqui vamos nós.”

No entanto, assim que estava me preparando para rolar...

Os trolls congelaram de repente no lugar. O velho que lutava contra Gourry também parou de repente, apenas parado ali, imóvel. A luz havia deixado seus olhos.

Ah, este era um feitiço ‘Marionete’.

Não era um feitiço com alto grau de dificuldade, e não foi surpresa ver criaturas simples como trolls sendo vítimas dele. Dito isso, o homem que sucumbiu ao feitiço junto dos trolls era outra história. Afinal, os humanos eram um pouco mais complexos. Quer dizer... Deve haver um conjurador excepcional por trás do feitiço.

O feitiço Marionete típico normalmente funcionava apenas em um alvo e, mesmo assim, lançá-lo requeria certa quantidade de tempo e materiais. Para controlar tantas pessoas e fazê-lo de forma instantânea... O conjurador deve ter feito estudos específicos de como aplicar o feitiço a grandes grupos. Talvez da próxima vez que tivesse tempo para matar, eu mesma tentaria.

“O que há com eles?” perguntou Gourry.

“Lancei um feitiço menor sobre eles.” alguém respondeu.

E não, não fui eu.

“Não sei quem começou as coisas aqui, porém temo que todo esse barulho incomode os outros clientes.” disse a mesma voz.

Olhei para o corredor, passando pelos trolls e avistei um sacerdote. Ele estava parado ali de maneira tão silenciosa que não havia como saber quando havia entrado em cena.


Seu rosto era branco como porcelana e parecia irradiar benevolência. Sua idade era difícil de ler; ele parecia ao mesmo tempo jovem e velho. Seus olhos estavam fechados com firmeza —— seria cego?

A coisa mais interessante sobre o homem, porém, era sua roupa. Sem dúvida estava vestindo uma túnica de sacerdote, contudo todos os fios eram vermelhos. No geral, os sacerdotes vestiam-se de branco. Alguns podem usar lavanda ou jade, dependendo de onde vieram e que deus adoram, entretanto de qualquer forma, ainda tendem a preferir cores suaves.

Por sua vez, as vestes desse homem eram de um vermelho tão profundo que parecia que haviam sido tecidas com o próprio sangue. Talvez apenas parecessem impressionantes na luz fraca da lâmpada do corredor...

“Obrigada. Você nos salvou ali.” eu disse. “Posso perguntar quem você é?”

“Ah... Um mero inquilino nesta pousada, não diferente de vocês. Ouvi passos de intrusos se aproximando, então pensei em enfiar meu nariz onde não devia...”

“Parece que encontrou uma alma gêmea.” murmurou Gourry com sarcasmo.

Olhei com as adagas de volta para ele. Era para ser uma cena séria!

“Então, foi o seu feitiço de sono que foi lançado também nos outros hóspedes aqui?”

“Consegue identificar?” o homem perguntou por sua vez, parecendo impressionado.

Ha! Não me subestime!

“Chame de palpite. Quero dizer, todo esse barulho e ninguém veio olhar?”

“Inocentes inundando os corredores só teriam piorado as coisas. Não havia razão para se envolverem.”

“E quanto a você?”

Com isso, o sacerdote estalou os dedos. Os trolls e o velho imediatamente saíram em fila, como zumbis.

“A julgar pela composição...” disse o sacerdote. “Presumo que Zelgadis os tenha enviado.”

“Você conhece aquele cara?”

“Mas é claro.” o sacerdote respondeu com um aceno de cabeça. “Zelgadis procura usar algo em sua posse para reviver o Lorde das Trevas Shabranigdu. Ele é meu inimigo.”

Isso sim foi uma bomba!

“Hã? Quem é Sha... Shara... Seja lá o que for que ele acabou de dizer?” perguntou Gourry.

“Explicarei mais tarde.” sibilei antes de me virar para o sacerdote. “Tem certeza?”

“Não há engano. Zelgadis se transformou em uma mistura de humano, golem e daemon. Zelgadis busca reviver o Lorde das Trevas a fim de adquirir um poder ainda maior e lançar o mundo no caos.”

“Por que diabos faria algo assim?”

“Receio que não sei.” respondeu o sacerdote com um aceno de cabeça. “No entanto o que sei com certeza é que é nosso inimigo em comum.”

Hmm...

“Nosso inimigo em comum, hein? O que é que o torna seu inimigo, exatamente?”

“Por mais indigno que eu seja, ainda sou um sacerdote. Não posso apenas sentar e permitir que o Lorde das Trevas seja revivido.”

“Hmm...”

Cruzei meus braços enquanto refletia. Gourry apenas ficou lá, olhando fixo para o espaço.

“Está propondo um trabalho em equipe, então?” perguntei.

“Certamente que não.” o sacerdote negou em seguida. “Posso presumir que seus lacaios estão perseguindo-a porque, sem saber, ficou de posse da chave para reviver o Lorde das Trevas?”

“Parece que sim.”

“Nesse caso, me daria à chave então? Isso iria livrá-la de todo esse problema.”

“Não seria mais rápido apenas quebrá-la?”

“Por favor, não!” o sacerdote gritou de repente. “Essa é a exata ação que reviveria o Lorde das Trevas!”

“Porém se eu te entregar a chave, esses caras vão atacá-lo e você terá de lutar sozinho.”

“Não tema. Por mais impressionantes que suas forças possam ser, eu, Rezo, devo prová-los que não sou um adversário simples.”

Rezo...?

“Espere um minuto! Você é Rezo, o Sacerdote Vermelho?” gritei, de repente percebendo quem esse cara era na verdade.

“Esse é um nome pelo qual sou conhecido, sim.” admitiu com um sorriso preocupado.

Rezo, o Sacerdote Vermelho... Sempre trajado com túnicas vermelhas e tinha um poder espiritual igual ao do Sumo Sacerdote de Saillune. No entanto, em vez de obter uma posição em qualquer reino em particular, Rezo só viajou pelo mundo realizando milagres. Ou assim diziam os rumores.

Além da magia branca clerical, ele dominava tanto a magia xamânica quanto a negra. Rezo foi saudado como um dos Cinco Grandes Sábios de nossos dias. Havia apenas duas certezas sobre sua pessoa. Uma: que nasceu cego. Dois: ele realmente tinha o nome de um vilão. Até crianças de cinco anos tinham ouvido falar do seu nome.

Senti um puxão na minha capa. Foi Gourry.

“Esse cara é famoso ou algo assim?” Gourry sussurrou.

Sério amigo?

“Vou explicar mais tarde!” rebati antes de recuperar minha calma e retomar minha conversa com o sacerdote. “Ficaríamos sem dúvida honrados de poder lutar ao seu lado, senhor.”

“Er... Perdão?”

“Depois do que me disse, não posso colocar o fardo de um item tão perigoso apenas em seus ombros.”

“Agradeço a sua consideração, mas—”

“Por favor, senhor. Não é que eu não confie em você. É que se houver uma chance de o Lorde das Trevas ser revivido, então esse é o meu problema também. Sei que meus poderes são insignificantes em comparação com os seus, contudo se houver alguma maneira de ajudar, quero fazê-lo.”

“N-No entanto...” o sacerdote gaguejou, parecendo bastante perturbado.

“Não há nenhuma necessidade de se preocupar. Sou uma feiticeira bastante capaz, e meu companheiro aqui possui uma habilidade incrível com a espada. Prometo que não vamos decepcioná-lo.”

“Muito bem.” disse Rezo com um suspiro pesado. “Se insiste, então irei aceitar.”

“Quer dizer...!”

“De fato. Vamos unir forças.”

“Sim senhor!”

Gourry puxou minha capa de novo, mas só o ignorei.

“Nesse caso, deixe-me levar a chave sob minha custódia.” ofereceu o sacerdote.

Balancei minha cabeça em silêncio. O sacerdote vermelho parecia cauteloso.

“Eles ainda não sabem que estamos trabalhando juntos. Gostaria de pedir que você nos deixe agir como isca enquanto nos apoia das sombras, senhor.”

“Porém... Isso os exporia a um grande perigo. Se alguém vai ser a isca, então com certeza—”

“Por favor, senhor. Se pegar a chave, eles perceberão que entramos em contato. Assim vão presumir que devemos ter elaborado uma estratégia, e isso anularia o ponto de ter um engodo.”

“É verdade, porém—”

“Por favor. Tenha fé em mim, senhor.”

Seria preciso um verdadeiro idiota para continuar insistindo depois de tudo... Então, acho que Gourry pode fazer isso. Felizmente, porém, esse cara era mais inteligente.

“Muito bem. Vou deixar a chave aos seus cuidados então.” o sacerdote concedeu caminhando até minha porta.

O que no mundo...?

O sacerdote tirou um pequeno objeto parecido com uma esfera do bolso, jogou-o no quarto e fechou a porta. Um canto tranquilo saiu de seus lábios. Parecia um pouco com um feitiço de Ressurreição, mas não era o mesmo.

E quando terminou o cântico, foi isso. Não parecia que nada tinha acontecido, contudo...

“Agora, voltarei para o meu quarto. Amanhã, conforme combinamos, começarei a ajudá-lo das sombras. Boa noite para os dois.” ele disse, e então se afastou em seguida.

“Hã. Seu quarto parece normal para mim.” Gourry disse enquanto enfiava a cabeça pela porta. “O que aquele velho achava que estava fazendo?”

“Deixe-me ver.”

Eu coloquei minha cabeça para dentro também, e...

Bwuh!?

Fiquei atordoada em silêncio. Gourry estava certo: o quarto estava perfeitamente normal. Lençóis um tanto desarrumados e cortinas brancas baratas, como deveriam ser. Nem uma única coisa estava errada. Parecia à exata cena de antes de eu jogar a Bola de Fogo mais cedo.

Sabia que receberia uma bronca de manhã se o estalajadeiro encontrasse meu quarto em cinzas, então estava tentando pensar no que fazer com os danos, contudo... Não sei como o fez, mas Rezo, o Sacerdote Vermelho, concertou todo o meu quarto.

“Com certeza causa um impacto...”

“Hã? Que impacto?”

“Esqueça, Gourry. Vamos conversar sobre amanhã. Vamos encerrar a noite. Não quero perder nosso sono de beleza...”

Com isso, fechei a porta do meu quarto, invadi o quarto de Gourry e me enrolei no canto.

“Ei, mocinha!” Gourry gritou atrás de mim. “Este é meu quarto!”

“Eu sei.”

“...”

“Se voltar para o meu quarto, posso acabar sendo atacada de novo.”

“Porém se ficar aqui—”

“Então, pelo menos estaremos juntos, certo?”

“Certo. No entanto deite e durma na cama, pelo menos. Vou ficar com o chão.”

“Sabe que não posso fazer isso. Sou a única invadindo aqui.”

“Certo, tudo bem.”

Talvez percebendo que era inútil discutir, Gourry apenas se jogou no chão do outro lado do quarto.

Foi a minha vez de perguntar desta vez: “Por que você não dorme na cama?”

“Idiota. Que tipo de homem poderia ficar na cama enquanto uma jovem dorme no chão?”

“Como quiser...” respondi com um sorriso irônico. “Boa noite, Gourry.”

“Boa noite mocinha.”

Ele realmente seria um cara muito bom... Se ao menos parasse de me tratar como uma criança.



“Você nunca ouviu falar mesmo do Lorde das Trevas Shabranigdu?” perguntei a Gourry enquanto caminhávamos lado a lado pela estrada da floresta salpicada pela luz do sol.

Há dias que andávamos pelos mesmos tipos de árvores, então estava ficando cansada da monotonia, mas tudo bem. A estrada principal para a cidade Atlas cortava a Floresta Cheresus, então não foi surpresa que a paisagem fosse tão verdejante na maior parte do caminho.

“Hmm...” Gourry pensou longa e profundamente por alguns minutos. “Não, eu não faço a menor ideia.”

A lenda de Shabranigdu era bastante famosa, e não apenas entre os feiticeiros. Achei que todos soubessem sobre, contudo...

Soltei um suspiro.

“Certo, muito bem. Vou começar do começo. Lembre-se: isso é lenda, não história.”

“Pode deixar.”

Soltei outro suspiro, esperando não estar perdendo meu fôlego aqui.

“Existem mundos lá fora além daquele em que habitamos. Cada um desses mundos está em cima de um cajado, que alguém jogou no Mar do Caos há muito tempo. Os mundos são redondos e planos... Hmm, pense neles como tortas equilibradas em cima de postes de cerca. É onde estamos agora.” disse eu, apontando para o chão para dar ênfase.

Essa era a teoria amplamente aceita entre meus colegas feiticeiros, embora tivesse minhas dúvidas sobre sua veracidade. Trazer isso à tona apenas confundiria Gourry, então me contive.

“Agora, nos vários mundos que existem, duas raças de seres têm lutado desde os tempos antigos: deuses e demônios. Os deuses tentam proteger os mundos, enquanto os demônios procuram destruí-los a fim de roubar os cajados que os sustentam. Em alguns casos, os deuses venceram e trouxeram paz ao mundo. Em outros, os demônios venceram e destruíram seu mundo. E em outros ainda, esta guerra segue estando em andamento.”

“Olhos de Rubi Shabranigdu e Dragão Chamejante Ceifeed já lutaram pelo controle de nosso mundo. Sua batalha durou séculos, por milênios até, até que, por fim, Ceifeed dividiu o corpo do Lorde das Trevas em sete pedaços e os espalhou por todo o mundo, selando-os.”

“Então o deus venceu?”

“Ceifeed apenas selou Shabranigdu, não o destruiu.” expliquei, balançando minha cabeça.

“Pensei que tivesse dito que o cortou em sete partes?”

“Você não ganha o título de ‘Lorde das Trevas’ se for tão fácil de matar. De qualquer forma, selar Shabranigdu consumiu o restante do poder do Dragão Chamejante, e ele despencou no Mar do Caos.”

“Isso não foi muito inteligente da parte dele.”

“Não se preocupe. Isso não foi tudo. Temendo que o Lorde das Trevas pudesse um dia reviver, o Dragão Chamejante criou quatro clones de si mesmo com o resquício de seu poder — o Senhor da Terra, o Senhor do Ar, o Senhor das Chamas e o Senhor d’Água — cada um dos quais recebeu domínio sobre uma direção cardeal. Dizem que todo o ocorrido aconteceu há cinco milênios, então vamos avançar quatro — ou mil anos antes da época em que vivemos agora.”

“Foi então que aquilo que Ceifeed temia se concretizou. Uma das sete peças de Shabranigdu reviveu e então sequestrou o corpo e a alma de um humano na tentativa de ressuscitar a si mesmo. Ele armou uma armadilha para o Senhor d’Água, protetor do Norte. Eles lutaram e, no final, o Senhor d’Água foi destruído. No entanto o corpo de Shabranigdu também foi preso ao chão sob seus pés, efetivamente aprisionando-o no lugar.”

“Portanto, nenhum dos dois de fato ganhou.”

“Sim, ambos eram muito parelhos. De qualquer forma, todo esse evento perturbou o equilíbrio que mantinha o mundo em paz, o que fez com que o que chamarei de ‘bestas das trevas’ começasse a aparecer.”

“Hã...” Gourry parecia genuinamente impressionado.

Agora, questões de precisão sobre os detalhes exatos da história à parte... Nós sabíamos com certeza que algo chamado Shabranigdu existia há muito tempo. Algo poderoso o suficiente para se chamar sem qualquer pudor de ‘Lorde das Trevas’. Também sabíamos que, bem longe nas terras ao norte, havia outro ‘algo’ igual. Talvez até feito da mesma substância.

“Então, parece que esse Zel... Er, o cara de capa branca... Quer reviver o Lorde das Trevas Parte Dois de Sete, certo?”

“Parece que sim. Supondo que Rezo, o Sacerdote Vermelho, estivesse dizendo a verdade, de qualquer maneira.”

“Sabe...” Gourry disse com suavidade na voz quase inaudível de que ele parecia gostar tanto. “Para ter apostado tanto na educação ontem à noite, você não parece confiar muito nesse cara, Rezo.”

“Aha, muito astuto da sua parte.” respondi, juntando-me a Gourry em um sussurro. “Para começar, não tenho provas de que seja mesmo Rezo. O cara é tal qual uma lenda ambulante e, ao que se supõe, ninguém o vê há cerca de uma década.”

“Então, o homem que conhecemos pode ser um dos bandidos que só está usando o nome de Rezo para ganhar nossa confiança?”

“Exato.”

“O que significa que confia em mim, então?”

“Talvez não.” disse brincando.

“Isso é rude...”

“Só estava brincando. Tenho um bom olho para as pessoas, melhor do que você imagina.”

“Obrigado, mocinha.” disse Gourry enquanto acariciava minha cabeça condescendentemente.

De novo não, droga!

“Pare de me tratar como uma criança!” reclamei. Embora eu tenha me acostumado com isso, não estava tão brava assim.

“Dizendo isso de novo. Quantos anos você tem, afinal?”

“Vinte e cinco.”

Gourry congelou, era visível como ficou atordoado.

“Estou brincando! Tenho apenas quinze anos.”

“Caramba, não me assuste assim... Porém faz sentido. Você tem apenas quinze anos, então ainda é uma criança.”

“Só quinze? Eu sou... Ok, então talvez não seja bem uma adulta agora, contudo ainda não sou mais uma criança.”

“É uma idade difícil, hein.”

“Não sei do que está falando... Ah, certo, quase esqueci de mencionar.” voltei a falar no volume normal em algum momento, então comecei a sussurrar de novo. “Não vou ser capaz de usar minha magia por alguns dias. Preciso que você lide com a maioria das lutas por enquanto.”

“Não será capaz de usar sua magia?”

Gourry pareceu surpreso, porém pelo menos foi inteligente o suficiente para manter o volume baixo o suficiente. Balancei a cabeça com firmeza em resposta.

“Oh...” Gourry disse pensativo. “Essa época do mês, hein?”

...

“H-Hey, Gourry!” rebati, meu rosto ficou vermelho.

“O que?” ele perguntou em completo esquecimento.

Fui eu que desviei o olhar envergonhada.

“Como... Como você sabe... Sobre‘ aquela época do mês’?”

O preço que uma mulher pagava pela possibilidade de ter filhos era ser forçada há sofrer um pouco por mês. Por alguns dias nessa época especial, feiticeiras, donzelas do santuário e sacerdotisas sentiriam seu poder espiritual diminuir, se não o perdessem por completo.

A sabedoria convencional ensinava que durante esses momentos ‘perdemos nossa pureza’ e nos tornamos ‘mulheres comuns’, mas não acreditei nisso por um segundo. Acho que provavelmente é apenas uma questão de foco espiritual.

Senti meus poderes enfraquecendo ontem, então achei que estava a caminho. Então, vejam só, dentro do cronograma... Bem, não importa sobre essa parte.

A questão aqui era como Gourry, Sr. Ogro Musculoso com Cérebro de Slime (uma denominação contundente, se é que posso dizer), conseguiu aprender algo tão básico como ‘não posso usar magia’ é igual a ‘aquela época do mês’.

“Não é grande coisa...” disse Gourry. “Quando era criança... Acho que tinha uns cinco anos, no entanto havia uma cartomante que morava perto. Sua loja fechava alguns dias de cada mês e, quando perguntei o motivo, ela apenas ria e dizia: ‘É essa época do mês’. Então, sempre achei que era um código para não poder usar magia... Contudo acho que tem algum outro significado também? Você não pode me explicar, Lina? Eu não entendo.”

“Por que vo...”

Estava começando a achar que esse idiota apenas gostava de me provocar!

“Entretanto, piadas à parte...” disse Gourry, repentinamente impassível ao parar. “Acho que é hora de ficarmos sérios, mocinha.”

Segui o exemplo e parei também. À nossa direita havia arbustos densos e árvores. À nossa esquerda, havia uma clareira aberta.

E bem à frente estava um homem parado no meio da estrada, bloqueando nosso caminho. O homem estava vestindo algo parecido com um casaco e era bastante bonito. Parecia ter em torno de vinte anos, eu diria, mais ou menos.

Contudo... Sua pele era feita de rocha azul escura, e o cabelo em sua cabeça era prateado e espesso, quase como se os fios fossem milhares de fios de metal. Ele segurava uma espada na mão.

Pude reconhecê-lo de imediato.

“Então...” Gourry começou. “Cansou-se de esperar e decidiu se mostrar, não é, Zegaldis?”

Ei!

“Acho que você quer dizer Zeldigas, Gourry.” o corrigi.

“É Zelgadis.” o homem em questão corrigiu a nós dois.

“...”

“...”

E lá se vai o clima! Corríamos o risco de perder nossa crescente sensação de tensão. Melhor colocar as coisas de volta nos trilhos!

“Sim, Zelgadis! Foi o que disse!”

“E-Eu também.” Gourry insistiu.

“Não importa o meu nome...” o homem comentou, com uma clara irritação. “Vou pedir mais uma vez para entregar esse item. Se continuar a se recusar, não terei escolha a não ser fazê-lo à força. Agora, o que vai ser, Sofia?”

Hã?

Gourry e eu nos olhamos por um segundo e então...

“Oh!”

Nós dois batemos palmas em uníssono, de repente percebendo o que estava acontecendo aqui. Zelgadis achou que o nome falso que dei ao homem múmia, Zolf, era meu nome real.

“Meu nome é Lina.”

“Hã?” Zelgadis parou, seu queixo caindo de uma forma que parecia abaixo de sua dignidade.

“Sou Lina. Sofia era um nome falso que dei àquele cara Zolf.” Zelgadis apenas ficou lá, sem saber como reagir.

Parece que meu plano de roubar sua iniciativa funcionou! Ok, foi mais algo no qual tropecei do que um plano em si, porém deixe-me contar vantagem, ok?

Agora, enquanto sua guarda estava baixa—

“Ninguém se importa com o seu nome.” alguém interrompeu de repente.

Esta nova voz veio atrás de nós. Eu me virei para ver quem era e vi um lobisomem parado ali.

Tecnicamente, os lobisomens deveriam ser meio lobo e meio humano, contudo este parecia uma mistura de lobo e troll. Não sei mais como chamá-lo, então vou ficar com ‘lobisomem’. Seu rosto era predominantemente lupino e seu corpo em maior parte humanoide. Ele estava usando armadura de couro por algum motivo (não sei por que) e carregava uma grande cimitarra.

“Só precisamos roubar a estátua da garota, certo, Chefe Zel?”

“Dilgear!” Zelgadis gritou em reprovação.

O lobisomem encarou Zelgadis por um longo segundo, sem saber por que gritaram com ele.

“Oooh, você ainda não tinha contado o que estava procurando, hein? Bem, não importa no final. Os dois vão morrer aqui de qualquer maneira.”

“Não tenha tanta certeza.” falei, dando um passo desafiador para frente. “Não sei o quão duro pensa que é, no entanto não é páreo para mim de qualquer maneira.”

“Oho?” o lobisomem estreitou os olhos. “Grandes palavras para uma menina tão pequena. Vejamos o que pode fazer, então!”

“Obrigada pelo elogio. Porém dois contra dois acabaria rápido demais para ser divertido de verdade. Um de nós é mais do que suficiente para lidar com os dois. Vá pegá-los, Gourry!”

“Gwuuuh?!” Gourry chorou de uma forma um tanto dramática. “Espera aí, mocinha...”

“O que?”

“Não há necessidade de lutar, vocês dois.” disse ainda outra voz, embora esta fosse familiar. “Também estou aqui.”

Vai entender. O terceiro personagem a sair e se juntar a Zelgadis foi o velho que liderava os trolls blindados na noite anterior. Desde que nós estávamos do lado de fora hoje, o homem levava uma alabarda — o que se presume que seja sua arma real.

“Espere, três contra um não é justo!” gritei.

“Ei, ei, ei!” Gourry gritou em pânico.

Caramba, fale sobre a falta de calma interior... Embora acho que um pouco de pânico era justificado neste caso.

“Pode ter conseguido me dominar com aquele seu feitiço estranho ontem à noite, contudo não terá tanta sorte hoje.”

Tudo bem, então podemos estar em apuros aqui. Estava começando a pensar em como cortar nossas conversas e fugir, quando—

“Esqueça! Ataque!” Zelgadis ordenou.

Ele fez o primeiro movimento, estendendo a mão direita e disparando uma dúzia de Flechas Chamejantes.

“Tch!”

Gourry e eu mergulhamos logo depois em direções opostas. As Flechas Chamejantes rasgaram o chão onde estávamos. A poeira se espalhou com o impacto, nublando nossa visão. Isso não era bom. Estávamos separados.

Através da fumaça, consegui ouvir o som estridente de metal colidindo em metal.

Parecia que Gourry já estava colidindo com as lâminas de um deles.

“Gourry!”

Gritei por ele, contudo quando o fiz... Vi o brilho de uma lâmina.

“Uh-oh!”

Pulei para trás e puxei a espada em meu quadril.

“Você parece ter alguma habilidade...” declarou meu atacante enquanto a poeira assentava aos poucos. “Permita-me testá-la!”

“Zelgadis!”

Zelgadis soltou um grito de guerra enquanto me atacava de novo. Movi para bloqueá-lo—

Clang!

O golpe foi tão forte que quase deixei cair minha espada.

Zelgadis era bom. Cada um de seus golpes tinha a combinação certa de força e velocidade por trás. Meus braços não durariam muito bloqueando ataques como esses.

Não queria admitir, mas ele era demais para a atual eu. Fazendo minhas apostas na retirada estratégica, dei meia-volta e corri para a floresta. Como Zelgadis estava atrás de mim, sabia que me seguiria. Encontraria uma maneira de despistá-lo na floresta, então voltaria para a briga e daria uma ajuda a Gourry.

Pelo menos, esse era o meu plano. No entanto subestimei Zelgadis. Ele correu direto para a floresta atrás de mim. Isso já esperava, com certeza. A parte que não esperava era ser pega instantaneamente. Antes que soubesse o que estava acontecendo, fui atingida no meu plexo solar com uma joelhada. Tentei balançar minha espada em um contra-ataque, porém tudo que peguei foi o ar vazio enquanto voava para trás em uma árvore.


“Você deveria... Ser mais gentil com as garotas...” ofeguei, o fôlego escapando de mim.

Não estava sem opções ainda, contudo aquele golpe realmente tinha me prejudicado.

“Eu não teria que ser rude se você apenas me desse o que estou procurando.”



Fiz o possível para me controlar e recuei devagar. Zelgadis não diminuiu a distância, mas apenas me observou com atenção. Fiz meu movimento e saltei para uma corrida. Zelgadis deu início à perseguição. Essa era a minha chance!

“Luz!” gritei, lançando um feitiço de Iluminação atrás de mim.

Zelgadis investiu direto contra o feitiço.

“Gwah!”

Óbvio dizer, isso não seria o suficiente para detê-lo, entretanto pelo menos o cegaria por um curto período. Mesmo na minha condição atual, ainda posso usar magia secundária como essa. Se tentasse lançar Bola de Fogo, porém, não conseguiria tanto quanto fumaça.

Não me incomodei em ir para a ofensiva aqui. Tive a sensação de que minha espada não perfuraria aquela pele rochosa dele de qualquer maneira. Apenas segui correndo.

O caminho de árvores chegou ao fim abruptamente e me vi em um pequeno lago, o que não era bom. Não havia nenhum lugar para se esconder aqui. Voltei para a floresta, mas Zelgadis estava vindo direto para mim.

Sem escolha...

Tomei a decisão repentina de contornar o lago.

“Não vai escapar!” Zelgadis gritou.

Acho que ele jogou algo em mim. Ziguezagueei para a esquerda para esquivar sem virar para ver o que era, porém...

Ei, por que não consigo me mover de repente? Olhei para baixo para ver um pequeno fragmento de metal empalando minha sombra no chão. Ah merda, vinculação de sombra! Este era um truque menor que ainda exigia alguma habilidade para ser usado. Só que, se bem executado, pode restringir os movimentos de um alvo do plano astral.

“Mas isso não vai me impedir!”

Cantei outro feitiço de Iluminação, direcionando a bola brilhante para baixo.

Minha sombra desapareceu e recuperei minha liberdade, contudo era tarde demais.

Virei a tempo de encontrar Zelgadis atrás de mim. E então...

***

Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.

Chave PIXmylittleworldofsecrets@outlook.com

Um comentário:

  1. kkkkkkkkkk Hajime Kanzaka visinonário, teve coragem de mencionar uma coisa imensamente rara nas obras japonesas... Ciclo menstrual!!

    ResponderExcluir