sábado, 13 de janeiro de 2024

Slayers — Volume 01 — Capítulo 03

Capítulo 03: Más notícias! Eles me pegaram (Patético, eu sei...)

Acordei em algum lugar completamente desconhecido. Parecia uma sala de alguma velha igreja abandonada. Os vitrais estavam tão destruídos que eu nem conseguia dizer que lenda antiga eles eram supostos a representar, e as paredes sombrias estavam repletas de estátuas de figuras sagradas antigas e há muito esquecidas. Perguntei-me por um momento se isso poderia ser o carma agindo sobre mim... Mas deixei o pensamento de lado. Não era hora para introspecção!



O lado esquerdo da minha cabeça latejava, porém pelo lado positivo, pelo menos significava que não estava morta! Meus captores amarraram minhas mãos para me pendurar no teto. Pude ver Zelgadis parado na minha frente ao lado de Zolf, o homem múmia. Dilgear, o lobisomem, estava junto também, assim como um quarto cara que nunca tinha visto antes.



O quarto cara era um homem-peixe. E não, não o tipo de Ragon ou Gillman¹, de ‘apenas um cara normal coberto de escamas’ que você deve estar imaginando. Esse cara parecia mais um peixe com braços e pernas. Seu corpo era quase completamente plano. Sua grande e velha cabeça de peixe também era achatada, com dois grandes olhos vidrados de cada lado. Ele estava coberto de escamas brilhantes e viscosas, e sua pequena boca estava um pouco aberta. Estamos falando de cara de peixe, ok? Sem dúvida era o tipo de cara que você não gostaria de ver de perto e em pessoa se tivesse um coração ruim.



A única pessoa que não vi por perto foi o velho lutador.



De qualquer forma, Zelgadis foi o primeiro a dizer alguma coisa.



“Você com certeza não resistiu muito, mocinha.”



Desista, amigo!



“Deveria agradecer a Zolf. Eu queria matá-la, contudo ele pediu que a trouxéssemos aqui viva.”



“Obrigado, Zolf! Te devo uma.” eu disse com uma risada contagiante.



“Hmm... Ela não está me parece angustiada.” comentou Zolf.



“Me esquece. Onde está meu companheiro?” perguntei.



“Aquele homem? Foi embora e a deixou para trás. Você foi largada, menina.” zombou Dilgear.



“Oh? Que pena para vocês, hein?” zombei.



“De fato...” Zelgadis suspirou. “Não esperava que deixasse a estátua com ele... No entanto isso significa que mantê-la viva foi a coisa certa a fazer. Afinal, seu companheiro ainda pode retornar para salvá-la.”



“Ei, do que está falando?” Dilgear perguntou.



“Esta mulher não está com o objeto.”



“O que?” todos — exceto eu e Zelgadis — gritaram em uníssono.



“Você checou em todos os lugares?” Dilgear perguntou em dúvida.



Indignado, Zelgadis respondeu.



“Onde exatamente acha que ela poderia estar escondendo-a?”



E, ah, só para vocês, leitores, não ficarem com a ideia errada... Não foi como se eles tivessem me amarrado nua ou algo assim. Eu estava com minha roupa normal — sem capa e espada, é claro. E embora pequena, a estátua era com certeza grande o bastante para que fosse óbvio se a estivesse escondendo em algum lugar comigo.



Entretanto Dilgear permaneceu cético. Ele me circulou, me inspecionando com cuidado.



“Hmm, tem razão... Não, espere. Ela é uma mulher. Poderia estar escondendo isso nela... Não, de jeito nenhum. Algo assim enfiado ali iria rasgá-la por dentro!” ele disse, rindo de sua própria piada vil.



Eu podia sentir meu rosto ficar vermelho brilhante.



“Mas se aquele homem tem a estatueta de oricalco, me pergunto por que não consigo mais rastreá-la.” refletiu Zelgadis, colocando a conversa de volta nos trilhos.



“Não sabia qual item estavam procurando quando os peguei, então lancei ‘Proteção’ em todo o lote só para ter certeza.”



“‘Proteção’?”



“Sim. Afasta feitiços de busca. Não será mais capaz de localizar a estátua através do plano astral.”



“Você pode fazer isso?” perguntou Zelgadis, parecendo quase impressionado.



“Brincadeira de criança.” me gabei.



O que esperava? Hah, essa gente não tem fé alguma em mim.



“Se é capaz de algo assim, então por que se limitou a feitiços tão pequenos quando lutamos?”



“Você não estava exatamente colocando as cartas na mesa também, sabe?”



“Ah, conseguiu perceber?”



“É óbvio!”



“Você parece uma garota bastante inteligente. Sendo esse o caso, a fraqueza de seus feitiços sugere...” Zelgadis refletiu. Então, depois de cerca de um minuto, bateu o punho na palma em sinal compreensão. “Ah, é essa época do mês.”



“Vá a merda!” gritei, ainda mais vermelha do que antes.



“Não se preocupe. Não vamos matá-la até que aquele homem venha resgatá-la. Zolf, enquanto isso faça o que quiser com ela. Apenas deixe-a viva.”



Bem, isso foi ameaçador.



“Pode deixar.” Zolf riu de forma ameaçadora.



Ah, não gosto nem um pouco de pra onde isto esta indo...



“Agora, mocinha.” disse Zolf em um tom sinistro enquanto se virava para mim. “Você fez muito por mim nos últimos dias e agora gostaria de retribuir o favor. Alguma sugestão?”



Uh-ah. Temos um verdadeiro aspirante a durão nas mãos. Nunca consigo evitar caras assim...



“Zolf, por favor...” falei em voz baixa.



“Sim?” ele respondeu, radiante de confiança.



“Antes de começar, eu imploro... Permita-me dizer apenas uma coisa.”



“Se está implorando para que a poupe, nem se incomode.”



“Não é isso.”



“Tudo bem. Vamos logo, então.”



Olhei direto nos olhos de Zolf e gritei sem vacilar.



“Feiticeiro de terceira.”



A sala explodiu em gargalhadas.



Hah! Essa foi boa, né? Quero dizer, sabia que era boa, contudo não esperava que fosse tão na mira... Todo mundo (exceto Zolf, é claro) estava gargalhando. Até Zelgadis se virou, curvado, com os ombros tremendo de tanto rir.



Viu? Eu te disse que só não consigo evitar! Por infelicidade, porém, pessoalmente não estava em condições de me juntar a eles na risada. Achei que Zolf ficaria bravo e faria uma cena, no entanto ele continuou me encarando com olhos duros e resolutos.



Foi meio estranho, na verdade!



Assim que a risada enfim cessou, Zolf se virou e chamou o lobisomem ao seu lado com uma voz monótona e insensível.



“Dilgear.”



“S-Sim?”



“Estupre-a.”



“O quê?”



Todos os olhares se voltaram para a origem do grito... Mas não fui eu; era o próprio Dilgear. Ele se opôs ao comando de Zolf antes mesmo que eu tivesse a chance.



“Está brincando não é?” guinchou finalmente.



“O que? Não... Estou falando sério.” respondeu Zolf.



“Vamos, cara, não me obrigue a fazer algo assim. Se fosse uma goblin peituda ou uma ciclope fofinha, então talvez... Contudo por que tenho que ser desagradável com uma garota humana esquisita? Nem acho que conseguiria levantar aquilo...”



Ei!



“Acho que há todos os tipos de gostos.” Zelgadis encolheu os ombros. “Dilgear apenas não sente atração sexual por humanos.”



Sim, ok. Acho que era a mesma lógica que impediria um homem humano de se sentir atraído por uma goblin feminina. Não quer dizer que alguns caras não gostem, contudo mesmo assim...



Mesmo assim, não precisava fazer parecer que goblins e ciclopes são mais bonitas do que eu!



Por um minuto, estive prestes a fazer uma cena por causa disso. Felizmente, consegui manter a calma. Quero dizer, não é como se na verdade quisesse convencê-lo a continuar com a ideia! Só teria que me vingar mais tarde.



“Tudo bem então. Nunsa!” Zolf gritou, agora se virando para o homem-peixe — o super repugnante. “Você a estupra!”



“Estuprar... Ela?” o homem-peixe respondeu devagar.



“Sim!”



“Quer dizer... Se envolver em... Procriação... Com ela?”



“Er... Sim, suponho...”



Ficou claro que Zolf também não tinha grandes esperanças nesse cúmplice.



Todavia, desafiando todas as expectativas...



“Tudo bem... Se é o que quer...”



“Espere!”



Desta vez, realmente fui eu quem gritou.



Só pode estar brincando! Prefiro sair por aí beijando pessoas aleatórias na rua do que apertar a mão desse esquisito da piscina! E agora, e agora... Agora tinha que transar com ele? Prefiro morrer!



“Sim, maravilhoso! Quão decisivo! Você é um verdadeiro homem, Nunsa!” Zolf aplaudiu, recuperando a excitação.



Nunsa, o cara de peixe, se aproximou aos poucos de mim. Cada passo que dava soava como um pano úmido arrastando-se pelo chão.



“Não! Sai de perto, seu canalha! Desapareça!”



“Você tem muita sorte...” Nunsa disse com sua voz lenta. “Vai poder procriar comigo, o homem mais bonito da minha aldeia...”



“Bonito, meu rabo! Sai fora! Ah, você está me matando! Não chegue mais perto!”



“Sim! Chore! Grite! Trema de medo! Vai se arrepender do dia em que me desafiou!” Zolf gritou triunfantemente.



Eu estava de fato tremendo de medo neste momento. Nunsa se aproximou, seu rosto a poucos centímetros do meu.



“Tudo bem...” ele disse, ainda lânguido.



Fiquei com muito medo de fazer barulho.



“Agora... Coloque seus ovos.”



...



Silêncio. Silêncio absoluto.



Nenhuma alma na sala tinha ideia do que Nunsa queria dizer. Todos nós o encaramos, completamente estupefatos.



“Tem algo errado?” Nunsa perguntou.



“Ei...” disse Dilgear primeiro. “O que exatamente ovos têm a ver com isso, Nunsa?”



Nunsa olhou para o lobisomem. Se ele fosse fisicamente capaz de expressão facial, acredito que a expressão atual em seu rosto seria de perplexidade.



“Bom... Não posso procriar sem ovos...” respondeu, como se fosse total bom senso.


“Ah!” Zelgadis exclamou, batendo palmas. “Os homens-peixe se reproduzem de maneira diferente de nós.”



“O que?” Zolf perguntou, seus olhos se estreitaram com desconfiança.



Oh, claro...



“Diga-nos, Nunsa. Como seu povo tem filhos?” Zelgadis perguntou.



“A fêmea põe os ovos... E o macho os fertiliza. Aí deixa os ovos em um lugar úmido... E cinquenta dias depois... Emergem os filhotes...”



Sim, que figuras. Eles se reproduziam mais como peixes do que como homens.



“Que diabos...” Zolf murmurou antes de atacar Nunsa. “Poderia ter dito antes, sabe?”



“Não pensei... Que o seu processo de procriação era diferente do nosso...”



“Por que você...”



“Espere aí, Zolf...” Dilgear interrompeu. “Em vez de latir para nós, por que não se torna homem e faz por sua conta? Ou manda Rodimus fazer? Vocês dois são humanos, pelo menos.”



“Rodimus tem seu complexo de cavaleiro. Sabe como é, aquela bobagem antiquada sobre cavalheirismo e tudo mais. Ele nem está aqui agora porque estamos ‘intimidando uma criança’. Mesmo que eu ficasse de joelhos e implorasse, nunca o faria.”



Estava supondo que ‘Rodimus’ era o espadachim de meia-idade.



“Quanto a mim, estou coberto de queimaduras — graças a ela, pra variar. Qualquer coisa que faça seria mais sofrida para mim do que para ela.”



“Então... Talvez possa só não fazer nada?”



“Espere, ainda há...” Zolf murmurou, agora voltando seu olhar para Zelgadis.



“E-Ei, só um minuto agora.” o homem golem começou em pânico. “Não olhe para mim. Não gosto de sexo com mulheres que choram e gritam.”



“Aw, vamos lá...” Zolf implorou em lágrimas.



Que diabos? Está chorando? O que você é, uma criança?



Meu alívio com tudo isso logo se transformou em excesso de confiança.



“Então vocês não me deixam escolha...” Zolf resmungou.



Ah, ele estava começando a se recuperar.



“Vou tentar uma tática diferente.”



Não, não há como voltar atrás! Pare!



“Primeiro o mais importante...” Zolf disse, puxando um pano do tamanho de um lenço.



“O-O que vai fazer?”



Zolf ignorou minha pergunta e andou para trás de mim.



“Não fique aí parado! Diga o... Mmph!” gritei, interrompida por uma repentina mordaça na boca.



“Pronto. Nem mais uma palavra sua.” ele disse, casualmente andando de volta na minha frente. “Agora, vamos prosseguir.”



O que diabos ele vai...?



Zolf me encarou, seus lábios se curvando em um sorriso malicioso.



“Anã.”



“Mmgh! [Ei!]”



“Feia.”



“Hrgh! [Maldito!]”



“Pirralha. Tábua de lavar. Megera. Garota com nariz ranhoso. Idiota de olhos redondos. Aspirante narcisista.”



E assim por diante. Os insultos de Zolf continuaram vindo rápidos e furiosos.



Argh! Foi o pior! Nunca perderia um duelo de ofensas enquanto pudesse, você sabe, falar!



Está se achando o gostosão, não é? Você é baixo e tem pernas tortas, sem falar que é um completo idiota! Aposto que sob todas essas bandagens você é tão feio quanto estúpido! Em que mundo um cara assim tira sarro da personalidade e da aparência de outra pessoa? O sujo querendo falar do mal lavado!



“Acho que já deu.” disse Zelgadis por fim, embora parecesse um pouco satisfeito com a coisa toda. “Mas devo dizer que tudo isso foi bastante infantil. Não deveria tentar algo um pouco mais... Sabe...”



“Ela me chamou de feiticeiro de terceira! Terei a minha vingança!” Zolf gritou.



Era óbvio que Zolf estava irritado. Mas eu? Estava possessa.



“@%$!#%@#&!$*&@@%!” gritei, atacando-o com o tipo de palavrão que a maioria das pessoas chamaria de ‘palavras de batalha’. Porém graças à gag², tudo saiu como “Mmgh! Affh! Rrrgh!”



“Qual é o problema? Não gosta disso, não é? Hah! Lute se odeia tanto! Vamos lá! Faça o seu pior!”



E-Esse pequeno...!



“Hmm! Mmrgh! [Você! Você vai pagar por isso!]”



Juro que vou pagar essa humilhação um dia desses!



———



Eventualmente, o dia começou a se pôr. A luz laranja entrava pelas pequenas janelas de popa, iluminando as antigas estátuas que ladeavam a parede oposta. À medida que as horas passavam, aquela luz laranja também se desvaneceu, dando lugar a uma escuridão índigo que cobria tanto o mundo exterior como a pequena sala onde eu estava detida.



Meus captores não pareciam ter planos específicos para mim depois da sessão de insultos de Zolf. Todos saíram da sala, me deixando sozinha. Sem lâmpadas por perto, minha única fonte de luz era a luz das estrelas que entrava pelas janelas. Meus pulsos doíam. Não conseguia ter uma boa noite de sono pendurada no teto, entretanto a exaustão do dia estava me alcançando. Aos poucos, comecei a cochilar.



Não sei quanto tempo cochilei assim, no entanto acordei totalmente quando ouvi a porta do quarto se abrir. Alguém estava entrando.



“Fique quieta.” uma voz sussurrou. Foi Zelgadis.



Mas por que ele queria que eu ficasse quieta? Parecia estar carregando alguma coisa, embora estivesse escuro demais para ver o quê.



Tive um vislumbre, no entanto, de um flash no ar. Gritei e bati no chão com um baque.



“Sua espada e capa.” ofereceu Zelgadis.



“Hã?”



Tirei a mordaça da boca e peguei os itens em questão. Nenhuma dúvida sobre isso; eles eram meus.



“O que é isso?” perguntei.



“Não há tempo para explicar.” disse ele. “Você quer sair daqui ou não?”



Havia apenas uma resposta para essa pergunta. Balancei a cabeça sem palavras enquanto pendurava minha espada e capa.



“Então me siga.” sussurrou Zelgadis.



Eu o segui silenciosamente, me esgueirando o tempo todo. Tudo cheirava a uma armadilha bastante óbvia, entretanto não consegui decifrar o motivo. Bem, onde quer que levasse, tinha que ser melhor do que ficar pendurada no teto a noite toda.



Não demorou para conseguirmos sair. O luar irradiava sobre a profunda floresta negra e a velha igreja em ruínas. Um caminho estreito levava do prédio até a floresta.



“Vá!” disse Zelgadis.



“Mas...” hesitei.



Parecia bom demais para ser verdade — o que significava que definitivamente era. Palavras de um sábio: ‘conveniente’ raramente anda de mãos dadas com ‘confiável’.



“As circunstâncias mudaram.” respondeu com leve aborrecimento. “Então vá já!”



“Tudo bem.”



Se fosse uma armadilha, eu cruzaria essa ponte quando a hora chegasse! Saí correndo pela estrada em direção à floresta... E parei.



Uma sombra vermelha assustadora espreitava no início da linha das árvores. Parecia que Zelgadis também tinha avistado a sombra; Eu podia ouvi-lo estalar a língua atrás de mim em frustração. Olhando mais de perto, vi quem era: o homem que se autodenominava Rezo, o Sacerdote Vermelho.



“O que está fazendo, Zelgadis? Está deixando ela escapar?” Rezo perguntou. “Sempre soube que seu coração não estava totalmente na causa... Porém isso não é nada menos que uma insurreição.”



“Cale-se!” Zelgadis rugiu, com desespero na voz. Era claro que estava com medo de Rezo. “Não vou mais fazer isso com você!”



“Ah... Não, é?” Rezo disse sem perder a compostura.



Sua expressão era tão inescrutável quanto na noite em que o conheci, tornando impossível conseguir uma leitura do cara.



“Eu realizei o seu desejo e fiz de você o que você é.” disse ele. “Mesmo assim, ainda retribui meu presente de poder com traição?”



O que disse?



“Não foi nenhum presente!” Zelgadis gritou. “Sei que disse que queria poder... Contudo nunca pedi para ser transformado em quimera!”



“Foi a maneira mais fácil de concedê-lo o poder que procurava. No entanto, independentemente das suas razões para tomar isso, se esta for a sua decisão, então suponho que devemos fazer um acerto de contas.”



A resposta de Zelgadis foi correr até mim e me agarrar por trás.



“E-Ei!”



Zelgadis então lentamente começou a caminhar comigo. Rezo cantarolou em sinal de estar se divertindo.



“Acha que pode escapar usando a garota como escudo? Que tolo da sua parte... Acredita mesmo que vai me impedir?”



“Claro que não!” Zelgadis uivou, com mais do que um pouco de desespero.



Era bem provável que estivesse tentando disfarçar o terror que estava sentindo, mas eu ainda teria apreciado se não gritasse bem no meu ouvido...



“Sei que não posso escapar a usando como escudo. Não, não como escudo...” ele disse com estranha ênfase na última parte.



E bem na hora, senti meu corpo levantar do chão. Ele não vai...



“Gwah!”



Não, ele realmente vai!



A próxima coisa que percebi foi que estava voando pelo ar. Isso mesmo. Zelgadis me jogou em Rezo! Até o Rezo ficou surpreso com sua ação, porque, quer dizer, quem não ficaria? Ao se apressar em sair do caminho, deixou-me voando em direção à linha das árvores.



Yeeek! Balancei meus braços e pernas, tentando me endireitar no ar... Porém não foi suficiente.



Splat!



Bati de frente na árvore, meus braços e pernas envolvendo-a reflexivamente.



“Coala!” fiz uma piadinha sem sentido, na tentativa de me distrair da dor que percorria todo o meu corpo.



“Não há tempo para brincadeiras!” Zelgadis me deu uma bronca, arrancando-me logo depois da árvore.



Ele devia estar bem atrás de mim, passando por Rezo assim que me lançou. Em seguida, jogou uma Bola de Fogo atrás de nós e começou a correr outra vez, claramente tentando manter o sacerdote afastado enquanto ganhávamos alguma distância.



“Poderia ser um pouco mais gentil, sabe!” reclamei.



“Ouvirei todas as suas queixas quando estivermos seguros!” gritou de volta.



Zelgadis manteve um braço firme em volta de mim enquanto jogava mais algumas Bolas de Fogo com o outro. E assim, partimos para a escuridão.



———



“Acho que enfim o despistamos...”



O amanhecer estava começando a raiar quando Zelgadis por fim parou para respirar na margem de um rio que cortava a floresta. Estávamos um pouco fora da estrada principal e havia uma pequena cachoeira por perto, então não havia necessidade de nos preocuparmos em sermos ouvidos aqui, mesmo que falássemos em nossas vozes normais.



Pra ser sincera, tive que admirar a resistência desse cara. Ele correu a noite toda me carregando, enquanto tudo que fiz o tempo todo foi esfregar meus pulsos e nariz doloridos.



“Meu nariz dói.” choraminguei.



“O que há de errado? Sífilis³³?” ele disse casualmente.



“Idiota...”



Eu caí no chão. As pedras eram agradáveis e frescas ao toque, e a ideia de deitar agora era como o paraíso. Mal consegui dormir ontem à noite e, deixe-me dizer, isso estava cobrando seu preço. Sou um pouco menor do que a maioria, veja, e embora isso me torne muito rápida e ágil, também significa que fico sem energia mais rápido do que um lutador típico.



“Talvez descansemos aqui um pouco. Estou ficando cansado também.” Zelgadis quase que murmurou para si mesmo.



Perfeito!



“No entanto nem pense em fugir enquanto estou dormindo.” acrescentou.



“Nem sonharia com isso. Estou exausta também, lembra? Além do mais, só recuperei um pouco da minha magia.”



“Oh?” Zelgadis disse, parecendo impressionado. “Significa que recuperou um pouco?”



“A questão é que não vou a lugar nenhum. Todavia, antes de irmos para a cama, você se importaria de me dizer o que está acontecendo aqui?”



Zelgadis deu um sorriso amargo.



“Justo. Você está muito envolvida nessa situação agora, então lhe devo uma explicação. A questão é por onde começar...”



“Que tal com o cara que se autodenomina Rezo, o Sacerdote Vermelho?”



“Entendo, então ele já entrou em contato com você...”



“Quem é, de verdade?”



“É quem diz ser: Rezo, o Sacerdote Vermelho, o único.” respondeu Zelgadis com um encolher de ombros. “As pessoas podem falar dele como se fosse um santo, mas agora teve um vislumbre de quem de fato é. Me disseram que nem sempre foi assim, mas tenho minhas dúvidas...”



“Espere, ‘quem ele realmente é’? O que esse cara tem feito desde que saiu dos olhos do público?”



“O que acha? Está procurando por algo.”



“Então é ele quem na verdade está tentando reviver o Lorde das Trevas Shabranigdu, e não você?”



Minha pergunta foi recebida com um olhar vazio de confusão.



“Shabranigdu?” Zelgadis perguntou. “Do que está falando?”



“Hein?”



“O item que Rezo nos ordenou que procurássemos... Posso muito bem contar a você. Na verdade, é a famosa Pedra Filosofal.”



Whoa, sério? Rapaz, o que você diz sobre uma coisa dessas?



“Q-Quer dizer...” gaguejei.



Zelgadis me deu um leve aceno de cabeça e disse: “A Pedra Filosofal está dentro desse ídolo”.



A Pedra Filosofal... Qualquer pessoa que praticasse magia conhecia bem esse nome. Havia todos os tipos de teorias a respeito. Alguns disseram que foi produzida por uma antiga cultura de super feiticeiros, outros disseram que era um fragmento do “Cajado dos Deuses” que sustentava o nosso mundo. O único consenso real era que a pedra era um amplificador de poder mágico — e extremamente potente.



A Pedra Filosofal só tinha sido vista algumas vezes antes. Contudo era tão conhecida porque, cada vez que aparecia, mudava o curso da história. Certa vez, um mero aprendiz de feiticeiro o usou para arruinar um reino inteiro. Parecia coisa de lenda, no entanto até onde eu sabia, a Pedra Filosofal era muito real. Não que esperasse vê-la pessoalmente...



“Então... O que diabos Rezo quer com ela?” ousei perguntar.



Se Rezo fosse como diziam os rumores, já seria absurdamente poderoso. E se quisesse a Pedra Filosofal junto...



“Por favor, não me diga que ele quer dominar o mundo.”



Com isso, Zelgadis balançou a cabeça e disse.



“Não... Mas ele me disse uma vez: ‘Tudo que eu quero é ver o mundo’.”



“Quer... Ver o mundo?”



“Sim. Os rumores sobre Rezo são verdadeiros: ele nasceu cego. A única razão pela qual aprendeu magia branca foi na tentativa de abrir os olhos. Depois de dominar a arte, viajou pelo mundo, realizando milagres e salvando pessoas em todo o mundo... Entretanto tudo foi apenas prática a serviço de seu objetivo original.”



“Todavia, embora pudesse restaurar a visão de outras pessoas, por algum motivo, nunca foi capaz de fazer o mesmo por si próprio. Rezo veio à conclusão de que devia estar faltando alguma coisa e, assim, começou a se envolver também com magia xamânica e negra. Ele pensou que, combinando-os de alguma forma com a magia branca, seria capaz de criar feitiços ainda mais poderosos. E embora tenha conseguido alcançar níveis prodigiosos de crescimento e destreza mágica... Mesmo assim, a visão ainda lhe escapava. Foi quando colocou os olhos na...”



“Lendária Pedra Filosofal?” perguntei.



Zelgadis assentiu.



“Então por que está tentando impedi-lo?” continuei. “Por que é da conta de alguém se ele recupera a visão ou não?”



“Não se trata disso... Não estou tentando impedi-lo. Estou tentando matá-lo. E para conseguir isso, preciso da Pedra Filosofal. Detesto admitir, entretanto não sou forte o bastante para realizar a ação sem ela.” explicou Zelgadis com uma expressão fria que deu credibilidade à sua franqueza.



“Rezo é realmente tão poderoso?” perguntei.



Zelgadis apenas respondeu com um aceno silencioso. Se um feiticeiro do seu calibre estava dizendo que não podia derrotar Rezo, então o Sacerdote Vermelho deveria ser de fato outra coisa.



“Se quer tanto matar o cara... Então é verdade que foi ele quem colocou você nesse corpo?”



“Sim. Um dia, Rezo me ofereceu um grande poder em troca de ajudá-lo a encontrar a Pedra Filosofal. Concordei sem considerar as implicações de sua oferta...” explicou Zelgadis, com claro ódio em sua voz.



“Como vocês dois se conheceram, afinal?”



Eu esperava melhorar o clima com isso, mas Zelgadis lançou um sorriso de autocensura e demorou alguns momentos antes de responder.



“Eu o conheço há toda a minha vida. Ele deve ser meu avô ou meu bisavô, eu acho... Não tenho certeza, e na verdade não me importo.”



“O quê?”



“Apesar de sua aparência, acredito que tenha pelo menos cem anos. Porém a questão é que tenho o sangue do grande pretendente à santidade, Rezo, correndo em minhas veias.”



“Desculpe por ter perguntado...”



Uwaah, que clima estranho... Cocei a ponta do nariz com o dedo.



“Está tudo bem.” disse Zelgadis, caindo na melancolia.



Meu Deus... Isso era muito deprimente para lidar agora.



“Bem, uh, acho que agora estou atualizada... Então, vamos descansar um pouco, ok?” propus, forçando um tom alegre e caindo no chão (o que foi incrível, aliás). “Você quer dormir também? Está cansado, não está?”



“Estou... Contudo ainda podemos ser emboscados. Vou ficar de guarda por enquanto. Vou acordá-la daqui a pouco e podemos trocar de lugar.”



“Perfeito. Boa noite, então.” eu disse enquanto fechava os olhos. E logo estava dormindo.



———



Quando abri os olhos em seguida, percebi que não havia passado muito tempo com base no ângulo do sol e nos protestos raivosos do meu corpo em relação ao conceito de estar acordada novamente... No entanto o que me acordou foi uma sensação palpável de hostilidade, e de múltiplas fontes, nada menos. Eu era capaz de identificar — apenas por instinto, não por magia — até dez inimigos ao meu redor. E como não consegui tempo pra uma contagem adequada no momento, sabia que teria que ser mais do que isso.



“Estamos cercados.” disse Zelgadis num tom casual.



Ele não estava tentando manter a voz baixa. O inimigo sabia claramente onde estávamos, então tentar ser furtivo agora era inútil.



“Quantos?” perguntei.



“Vinte ou trinta trolls, eu acho. Rezo não parece estar junto, então é provável que possamos lidar com eles nós mesmos.”



Zelgadis parecia bastante tranquilo com a coisa toda, embora eu tivesse dúvidas sobre se sua confiança fria era justificada ou não...



“Vamos lá. Tenho certeza que já sabe que o pegamos. Vamos terminar isso agora, Chefe Zel.” chamou uma voz familiar.



Levantei-me no local e pude ver que Zelgadis acertou em cheio. Havia trolls saltando entre as árvores.



Levantei minha voz para responder.



“Olá, Mestre Dilgear. Saiu em uma longa patrulha, hein? Trabalho difícil.”



Quando Dilgear me ouviu chamá-lo, o lobisomem saiu de trás de uma árvore. Estava mais próximo do que esperava.



“Você se lembra do meu nome? Fico lisonjeado.”



“Como poderia esquecer?” respondi, fixando um olhar em Dilgear. “Depois de dizer todas aquelas coisas sobre mim. Você sabe, sobre como eu era menos sexy do que um goblin, e como preferia beijar um ciclope, e como eu tenho a pele mais áspera do que um golem de rocha, e como sou mais baixa do que um duende...”



“Não me lembro de ter dito tudo isso.”



“A questão é que Zelgadis aqui vai vingar minha honra! Agora vá, Zelgadis! O mundo está esperando por você! Vá, grande herói! Vá!”



“Não tem nada que possa ser feito em relação a essa sua personalidade?” Zelgadis disse com um olhar de soslaio para mim.



“Nada.” respondi.



Não é como se eu fizesse isso para minha própria satisfação. Só ajo da maneira que ajo para baixar a guarda dos inimigos. (Sério! De coração!)



“Você não jurou lealdade a mim, Dilgear?” Zelgadis perguntou com ferocidade acentuada.



Contudo o lobisomem apenas bufou em resposta.



“Não jurei lealdade a você, Zelgadis. Jurei lealdade ao espadachim louco do Sacerdote Vermelho. Agora que traiu Lorde Rezo, somos inimigos!”



“Hmm...” os olhos de Zelgadis se estreitaram. Ele parecia exatamente à espada mágica que era. “Acha que um lobisomem patético como você pode me vencer?”



“Sou patético, hein? Talvez eu lhe mostre o que um lobisomem realmente pode fazer. Peguem-no!” Dilgear uivou.



O enxame de trolls armados atacou-nos num instante. Quão idiota você consegue ser?



Com um pequeno sorriso no rosto, Zelgadis ergueu a mão direita. Então, como se estivesse segurando algo invisível na palma da mão, bateu com aquilo no chão.



“Dug Haute!”



Whoa! Me apressei para pular atrás de Zelgadis. A terra estremeceu a princípio, depois começou a ondular como água. Em seguida, surgiu e quebrou em ondas, deixando os trolls em pânico.



“Hah!” com um sorriso que de fato o fez parecer um pouco louco, Zelgadis ergueu outra vez a mão direita. “Terra abaixo, sirva minha vontade!”



O chão abaixo de seus pés respondeu ao chamado de Zelgadis. A terra se agitou e se enfureceu, e de repente explodiu em incontáveis espinhos que atravessaram muitos trolls!


Só assim, a batalha acabou.



As pontas de pedra perfuraram os trolls, erguendo-os no ar. Muitos ainda respiravam, no entanto mesmo com seus poderes regenerativos, suas feridas não conseguiam fechar nesse estado. A vida foi lentamente drenada deles até que, por fim, todos morreram.



Foi uma maneira torturante de morrer. Pensei em dizer alguma coisa, mas me contive. Não estava em posição de criticar depois do meu feitiço de recuperação reversa apenas alguns dias atrás.



“Agora...” disse Zelgadis com um sorriso gelado. “Você ia me mostrar o que pode fazer, não é? Ou só perdeu a coragem?”



“Tsk...” Dilgear saiu de trás de uma das pontas de pedra. “Entendo por que eles o chamam de espadachim louco de Rezo... Contanto que tenha aquela magia xamânica, não há como vencê-lo.”



“Oh?” Zelgadis disse zombeteiramente. “Está fazendo parecer que poderia me vencer se tudo se resumisse a pura esgrima.”



“Eu diria que poderia.” Dilgear sorriu.



“Então vamos testar a teoria.” respondeu Zelgadis, desembainhando a espada suavemente.



“Você apenas usará sua magia se eu começar a vencer.” respondeu Dilgear sem retribuir o gesto.



“Não irei.”



“Sério?”



“Sim.”



“Bem, será o seu funeral...”



O lobisomem enfim desembainhou a espada com um golpe certeiro. Parecia uma cimitarra especialmente longa que brilhava com um brilho sinistro quando a segurava ao sol do meio-dia.



Sabia que seria pega na briga se ficasse ali parada, boquiaberta, então recuei alguns passos para dar espaço aos meninos.



“Graaawr!”



Dilgear soltou um grito bestial e avançou contra Zelgadis, que por sua vez saltou sobre ele. Os dois se encontraram de frente, faíscas voando de suas espadas em conflito.



Zelgadis resistiu ao golpe do lobisomem e riu.



“Hah! O que há de errado, Dilgear? Achei que poderia me vencer em uma luta de espadas.”



“Estou apenas começando, chefe Zel!”



Dilgear deu um leve giro em sua cimitarra para desviar a força por trás da espada larga de Zelgadis. Então, calculando exatamente onde a espada iria voar, escorregou para o lado e balançou a cimitarra no ar, na altura do peito. Zelgadis se esquivou do golpe por um fio de cabelo.



“Nada mal.”



“Fico lisonjeado.”



Estimei que eles eram quase iguais em termos de habilidade, mas Dilgear não parecia tão confiante quanto Zelgadis. Aposto que estava planejando recorrer à sua magia se fosse necessário.



Porém, ei, não estou tomando partido aqui! Afinal, tanto Rezo quanto Zelgadis me viam como nada além de uma ferramenta para ajudá-los a colocar as mãos na Pedra Filosofal, então não me importava muito de quem eu acabasse sendo refém.



Os dois lutadores se aproximaram aos poucos. Pensei em aproveitar a oportunidade para correr, contudo se Zelgadis me pegasse fugindo, receberia uma saraivada de magia para resolver meus problemas.



“Hyah!” Dilgear rugiu enquanto fazia seu movimento.



Ele saltou para o lado, correu até uma das pontas de pedra deixadas pelo Dug Haute de Zelgadis e golpeou-o com força com sua cimitarra. Era uma estrutura mágica instável, por isso quebrou facilmente sob sua lâmina, enviando escombros para Zelgadis.



“Wah!” soltei um grito e recuei quando Dilgear acertou uma segunda e depois uma terceira estaca.



Em pouco tempo cobriu a área com uma nuvem de poeira e detritos que engoliu Zelgadis, ocultando-o de vista. Dilgear, por sua vez, atacou com ferocidade a nuvem.



Enquanto isso, eu estava cuspindo e tossindo. Tinha sido apenas uma espectadora até aquele momento, mas agora estava lutando contra uma nuvem de poeira. Prendi a respiração, tirei um lenço do bolso e usei-o para cobrir o nariz e a boca. Ah, meus olhos estavam ardendo...



Enquanto estava ocupada com esse problema, os dois combatentes voaram para fora da nuvem. A poeira baixava rapidamente; não parecia que a grande ideia de Dilgear tivesse resultado a seu favor. Apesar de sua determinação e talento para o dramático, ele na verdade não pensava muito bem em suas ações... Você ve muitas pessoas assim na vida, imagino.



“Esse foi um pequeno truque inútil.” disse Zelgadis com uma voz zombeteira. “Como pode um homem falar tanto com tão pouco para mostrar? É quase impressionante.”



“Cale-se!” Dilgear gritou, atacando outra vez.



“Heh!” Zelgadis riu.



Embora... Parecesse que perdeu o equilíbrio por um momento enquanto ria. Num piscar de olhos, Dilgear se aproximou. Os dois se cruzaram, a espada de Zelgadis atingindo o ombro de Dilgear no processo.



Eu poderia dizer o que havia acontecido. Quando parecia que Zelgadis havia perdido o equilíbrio, estava na verdade usando os pés — que ainda estavam obscurecidos pelos restos da nuvem de poeira — para chutar uma pedra ou algo assim direto em Dilgear. Não fez muito para machucá-lo, porém conseguiu tirá-lo do caminho.



“Bem? Ainda estou esperando meu funeral.” disse Zelgadis sarcasticamente ao lobisomem, que agora estava sangrando no ombro.



“Apenas seja paciente.” Dilgear riu.



Meus olhos se arregalaram. Os de Zelgadis também fizeram o mesmo enquanto estávamos ali e observávamos a ferida do lobisomem começar a fechar. Em questão de segundos, o corte aberto estava todo curado, como se nunca tivesse existido.



“Esqueceu que sou meio troll? Se quiser me vencer com a espada — e disse que o faria — terá que cortar minha cabeça de uma só vez! Eu me pergunto se você pode...”



Claro! Se esse cara tivesse os poderes regenerativos de um troll, então decapitá-lo seria a única maneira de vencê-lo com apenas uma espada. Zelgadis, contudo, não demonstrou sinais de pânico.



“De fato, tinha me esquecido.” disse ele, preparando sua espada uma vez mais para partir para a ofensiva. “Grah!”



Zelgadis ergueu sua espada para derrubá-la na cabeça de Dilgear — nada bom! Ele deixou sua cintura aberta e Dilgear não perdeu a chance de atacar!



“Hngh!”



A cimitarra de Dilgear cortou o estômago de Zelgadis. Eu esperava um jato de sangue...



No entanto tudo o que veio foi um tilintar forte.



“Parece que também esqueceu... Sou parte golem de pedra.” revelou Zelgadis, erguendo-se com um sorriso calmo. “Se quiser me derrotar com uma lâmina, teria que ser a Espada da Luz. O que significa que nunca poderá me derrotar, não importa o quanto tente.”



Uma expressão de desespero se abateu sobre Dilgear.



“Então você deseja encontrar seu destino aqui ou vai voltar chorando para Rezo? Qual será?”



“Tch!”



Dilgear virou-se para recuar, mas jogou algo parecido com uma pedra do bolso ao fazê-lo. Zelgadis só precisou dar um passo para o lado para evitá-lo, e o que quer que fosse, caiu inutilmente no rio atrás dele.



“Ainda vou te pegar!” Dilgear gritou (oof, mega clichê!) enquanto desaparecia na floresta.



Zelgadis apenas o observou partir, sem fazer nenhuma tentativa de persegui-lo.



“Patético.” comentou, passando a mão pelo cabelo um tanto desgrenhado.



“Wow, Mestre Zelgadis! Você é tão forte! Isso foi magnífico!” proclamei, cumprimentando o vencedor com uma salva de palmas.



Zelgadis reagiu tão bem quanto você esperaria.



“Poderia parar?” pediu claramente.



“Mas estou te parabenizando!”



“Uh-huh.”



Ele decidiu desistir da discussão verbal e passou por mim a caminho do rio.



“Onde está indo?” perguntei.



“Pegar um pouco de água.” respondeu de maneira brusca.



“Boa ideia. É melhor eu me lavar também...”



Corri atrás de Zelgadis. O feitiço que tinha usado antes bagunçou o chão o suficiente para que atravessá-lo fosse uma tarefa arriscada, entretanto no fim consegui chegar ao leito do rio, tirei as luvas e enchi as mãos com água fria.



Cara, essa sim é uma sensação boa! Hã? Espere um minuto...



“Não beba! Está envenenada!” gritei.



Parecendo surpreso com minha declaração repentina, Zelgadis cuspiu na hora o que estava em sua boca.



“O que acabou de dizer?”



“A água está envenenada! Envenenada! Olhe!” disse, apontando rio acima.



Havia alguns peixes flutuando em nossa direção... Porém eles estavam flutuando, não nadando.



“Quem poderia ter feito isso?” Zelgadis murmurou pensativo.



“Dilgear, presumo. Aquela coisa parecida com uma pedra que jogou antes devia ser um frasco de veneno ou algo parecido. É provável que pensou que você iria tomar uma bebida depois da luta.”



“Aha...” Zelgadis cantarolou, parecendo estranhamente impressionado. “Dilgear é mais inteligente do que imaginei.”



“Ah, claro, ele é brilhante!” respondi com sarcasmo. “Contudo e de qualquer forma, agora Rezo e seus capangas sabem onde estamos. Alguma ideia de onde devemos ir em seguida?”



“Não.” ele disse simplesmente.



“Oh, você está sem esperança! Certo, tudo bem. Siga-me, então.” falei, seguindo em frente.



Meu destino era a Cidade Atlas. Achei que se pudesse me reunir com Gourry lá, talvez pudéssemos começar a mudar as coisas.



No entanto, cara, tenho que dizer... Começamos especulando sobre um tesouro misterioso e então mergulhamos direto em uma potencial conspiração para ‘impedir o renascimento do Lorde das Trevas’. Mas, agora que a verdade veio à tona, trata-se apenas de um cara que quer ver e outro que quer vingança?



Parece meio anticlimático, sabe?



———



Os capangas de Rezo intensificaram seus ataques após nosso encontro com Dilgear. Zelgadis e eu fomos atacados duas vezes antes do meio-dia, novamente durante o almoço, mais duas vezes à tarde e mais uma vez durante o jantar.



E depois que fomos dormir naquela noite? Adivinhou? Mais capangas!



Dá um tempo!



Tive que me perguntar de onde diabos todos esses caras estavam vindo. Eram como as cabeças de uma hidra — se uma delas fosse cortada, outras surgiam em seu lugar. Também era uma verdadeira galeria de bandidos: trolls, goblins, ciclopes, berserkers, ogros e assim por diante. Pareciam menos com unidades de ataque e mais com um desfile. Só que estão desfilando direto pra pegar nossas cabeças.



De qualquer forma, isso nos traz até hoje. Como é provável que já tenha imaginado, temos mais caras atrás de nós. Este grupo em particular foi liderado mais uma vez pelo nosso querido amigo Dilgear, o lobisomem. Entretanto também havia alguns rostos novos: um velho que parecia um feiticeiro, um louva-a-deus de guerra e um dullahan4. O resto de suas fileiras estava repleto de ogros, berserkers e afins — cerca de cinquenta caras ao todo.



“Uma festa de boas-vindas bastante impressionante.” disse Zelgadis, embora sem a sua confiança habitual. Deve ter ficado impressionado com a escalação.



“Olá, chefe Zel.” Dilgear chamou enquanto dava um passo à frente. “Você com certeza deu uma surra no meu orgulho da última vez. Estou aqui para me vingar.”



Ok, agora entendo esse cara. É do tipo que só age durão quando tem uma equipe para apoiá-lo. Isso realmente me fez querer cumprimentá-lo por meio de uma Bola de Fogo.



“Você certamente provou sua força, todavia acha mesmo que pode vencer todos nós sozinho?” Dilgear provocou.



“Espere só um minuto.” interrompi e dei um passo à frente. “Não está se esquecendo de alguém?”



“Quem?” perguntou, parecendo confuso.



Ora, esse pequeno...!



“Eu, é claro! Eu!”



“E o que vai fazer?”



Ok, não gosto de ser subestimada. Vou ter que fazer uma demonstração aqui!



“Ei, não jogue todas as suas cartas ainda.” disse Zelgadis, me parando pouco antes de eu me soltar. Deve ter lido minha mente.



“Por que não?” perguntei.



“Se esgotar seu poder aqui, então quando o próximo ataque vier — o que pode incluir o próprio Rezo — seremos alvos fáceis.”



“Ok, bom ponto.”



Isso significava que teria que me limitar ao que era mesquinho e mundano. Ah, cruel decepção! No entanto uma garota tem que fazer o que uma garota tem que fazer.



Mas, quando desembainhei minha espada, algo me ocorreu de repente.



“Diga... Como eles continuam nos encontrando, afinal?” perguntei.



Estávamos indo na direção geral da Cidade Atlas, porém mudamos de rumo algumas vezes para tentar despistar nossos perseguidores. Só que, de alguma forma, eles conseguiram identificar nossa localização todas às vezes.



“Oh, é porque estou aqui.” disse Zelgadis como se fosse óbvio.



“Hã?” olhei para ele.



“Eu te disse. Meu corpo é um composto feito da magia de Rezo.”



Ah, dããh. Em outras palavras, o próprio Zelgadis era um marcador mágico. Eu conhecia feitiços para desviar o rastreamento mágico, mas precisava entender a magia em jogo para fazê-los funcionar. Significava que, para esconder Zelgadis de Rezo, precisaria de detalhes sobre como ele foi fundido... Porém o feitiço que Rezo usou foi quase com certeza uma invenção sua, e levaria muito tempo para ser desvendada, até mesmo para uma bela gênio como eu.



“Isso basicamente significa que teremos que eliminar o Sacerdote Vermelho em algum momento, não é?”



“Sim.”



Ora, que maravilhoso. Talvez não devesse ter me juntado a esse cara, afinal. Não, ainda era melhor do que ficar pendurada no teto de uma igreja... Erm, não era?



Seja o que for! Ficar remoendo não me levaria a lugar nenhum agora. Era hora de começar a trabalhar!



Recitei um encantamento abafado e gritei.



“Bola de Fogo!”


O feitiço que liberei sinalizou o início da batalha. Fiz isso sem o ritual usual de mãos na frente do peito, o que significava que era mais fraco que o normal — contudo com o elemento surpresa ao meu lado, peguei alguns ogros desprevenidos.



Depois da minha iniciativa, os inimigos nos atacaram.



“Dig Volt!”



Acertei a multidão que se aproximava com outro feitiço de ataque. Meu alvo era o velho feiticeiro que liderava o bando. Eu sei, eu sei! As pessoas sempre dizem para respeitar os mais velhos, no entanto digo que você pode abrir exceções quando eles estão tentando te matar! Além do mais, tinha certeza de que esse cara causaria muitos problemas mais tarde se não o matasse primeiro.



Infelizmente, o velho se esquivou com facilidade do meu feitiço com mais velocidade do que esperei. Acabei matando o berserker atrás dele, embora achasse que isso também deveria chamar a atenção o suficiente. Com certeza, o velho feiticeiro olhou na minha direção e mudou de rumo.



O homem era um velho careca vestido com uma túnica verde. Seu rosto abaixo do nariz estava escondido atrás de uma barba branca, todavia seus olhos eram de uma cor pálida e sem pupilas, o que, para ser sincera, era um pouco assustador.



Bah, sem tempo para calafrios! Aqui vou eu!



“Flecha Flamejante!” ao meu chamado, uma dúzia de flechas de fogo apareceram à minha frente. “Vão!”



Minhas flechas de fogo atingiriam o feiticeiro pela frente, pelos lados e por cima. Achei que não havia como ele escapar, mas...



Ele era muito rápido!



“Krah!” o velho gritou com uma exalação de energia interna que fez com que as flechas à sua frente se dispersassem!



Como diabos fez isso? O resto das flechas destinadas a prendê-lo apenas rasgaram o ar vazio, e ele diminuiu a distância até mim em um segundo.



Se você está se perguntando sobre os outros vilões, todos estavam indo atrás de Zelgadis. Sua situação era bem ruim, na verdade... Porém a minha também! Esse velho era outra coisa! Nunca subestime os idosos!



“Hrk!”



Em algum momento, o velho deve ter cantado um feitiço. Um chicote feito de fogo apareceu de repente em sua mão. Lancei o feitiço de congelamento que estava preparando para meu próximo ataque à minha espada, que usei para cortar o chicote ao meio.



Nós dois paramos, avaliando um ao outro a alguma distância.



“Você é uma garotinha espirituosa para enfrentar o grande Zolom.” proclamou o velho, com os bigodes estranhamente imóveis enquanto falava.



“E você é um velho suicida por desafiar a grande Lina.” respondi.



Zolom soltou uma risada calorosa. Pulei para trás, segurando as palmas das mãos na frente do peito enquanto começava a recitar outro feitiço.



“Uma Bola de Fogo, hein? Isso não vai te ajudar!” Zolom declarou, me atacando.



“Veja se ainda pensa assim...” respondi, embalando a pequena bola de luz que produzi contra meu corpo antes de jogá-la. “Depois de me ver usá-la!”



“Hwah!” ele se esquivou sem esforço da bola de luz, voando como um pássaro no ar. “Avisei que seria inútil!”



Como já expliquei antes, as Bolas de Fogo só explodem quando atingem alguma coisa. Se errarem o alvo, não fazem qualquer estrago. Contudo neste caso...



Fwip!



Levantei meu polegar direito e apontei para meu peito. Não pude deixar de sorrir um pouco. Zolom tinha acabado de tocar levemente o chão, quando...



“Hrm?”



Minha Bola de Fogo o atingiu bem nas costas!



“Gwah!”



E explodiu com o impacto!



“Nunca disse que era uma Bola de Fogo comum!” gritei, lançando minhas provocações ao inferno que rapidamente subiu para cercá-lo.



Durante meu tempo estudando magia, desenvolvi algumas variações divertidas de feitiços específicos. Esta foi uma delas.



“Que isso sirva de lição para você: nunca baixe a guarda. Agora, talvez eu vá ajudar Zelgadis...”



Fiz um floreio com minha capa e estava prestes a entrar na briga quando, de repente, senti um arrepio na espinha. Mergulhei para a esquerda por reflexo, mas fui uma fração de segundo lenta demais.



“Urgh!”



A dor subiu pelo meu braço direito. Havia várias agulhas de prata saindo dele. Virei-me rapidamente para ver Zolom parado ali, triunfante.



“‘Rumores da minha morte’, como dizem. Nunca baixe a guarda, mocinha.” falou com uma pitada de zombaria. (Na verdade, foi mais do que apenas uma pitada.) “Você é uma ótima praticante... Porém a magia xamânica com um intermediário físico nunca funcionará comigo.”



O que?



Suas palavras me tiraram o fôlego. Se a magia xamanística não funcionasse com ele, então... Isso significava que esse velho de aparência um pouco estranha era um demônio puro? Se for assim, é claro que feitiços de fogo nunca funcionariam.



Maldição. Me dói admitir, contudo eu baixei a guarda. Interpretei mal esse cara. E graças a esse erro, minha mão direita ficou praticamente paralisada.



“Agora, permita-me assumir a iniciativa desta vez.”



Chicotes de chamas saíram de ambas as mãos. O velho mirou na minha cabeça com o da esquerda e nas minhas pernas com o da direita.



“Oh, por favor!”



Usei minha espada encantada pelo frio, que troquei para a mão esquerda, para bloquear o chicote que vinha em direção à minha cabeça enquanto saltava sobre aquele que vinha em direção às minhas pernas como uma corda de pular. Esta é a parte em que admito que já fui conhecida pelo embaraçoso apelido de “Lina, a Saltadora”.



No entanto assim que meus pés saíram do chão...



A testa de Zolom se abriu. Incontáveis agulhas prateadas saíram da abertura, voando direto em minha direção. Não tive tempo para me esquivar!



Shink!



Hã...?



As agulhas prateadas caíram no chão com um som metálico. Alguém veio em meu socorro, e só havia uma pessoa que eu conhecia que tinha esse tipo de timing de ‘herói lendário’...



“Olá! Nos encontramos de novo, mocinha.”



Eu conhecia esse tom! Essa piscadela!



“Gourry!” eu não pude deixar de gritar seu nome.



Notas:
1. Ragon é um Kaijin aquático que apareceu pela primeira vez na série de televisão “Ultra Q”, de 1966 e fez diversas aparições ao longo da franquia Ultraman. Por sua vez, Gillman é uma criatura anfíbia e principal antagonista do filme “O Monstro da Lagoa Negra” de 1954.
2. Gag, ou piada visual, é qualquer coisa que transmita seu humor visualmente, muitas vezes sem o uso de palavras. A piada pode envolver uma impossibilidade física ou uma ocorrência inesperada, sendo o humor causado por interpretações alternativas dos acontecimentos.
3. Sífilis é uma doença sexualmente transmissível
4. Dullahan é um tipo de criatura imortal proveniente da mitologia irlandesa. Ele não tem cabeça e geralmente é visto montado num cavalo negro, também sem cabeça, e carregando sua própria cabeça nos braços.

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