segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Slayers — Volume 01 — Capítulo 04

Capítulo 04: Finalmente! Uma chance de mostrar meu poder!

“Oh? Este é outro membro da sua gangue?” Zolom perguntou.



“Não faço parte de nenhuma gangue.” respondeu Gourry balançando a cabeça. “Sou apenas o guardião dessa garota.”



“Hmm... Mas isso ainda faz de você meu inimigo, não é?”



“Parece que sim, senhor.”



“Então vou matá-lo primeiro.”



“Pode tentar!” Gourry declarou, começando a correr.



“Hyah!” Zolom gritou, soltando seu chicote de chamas e suas agulhas de prata ao mesmo tempo.



Gourry se esquivou sem suar a camisa e diminuiu a distância entre ele e o velho feiticeiro em um segundo. Então houve um lampejo de sua espada. Estava tudo acontecendo tão rápido que eu nem conseguia acompanhar. Não tive a chance de realmente sentar e assistir Gourry trabalhando antes, então esta foi a primeira vez que percebi o quão bom ele de fato era. Quero dizer, também não sou desleixada com uma lâmina, porém Gourry estava em um nível superior ao meu!



A cabeça de Zolom tornou a se abrir, enviando mais agulhas prateadas voando em direção a Gourry por trás, contudo...



“Hah!”



Gourry derrubou todas uma vez mais com facilidade.



“Hmm... Nada mal para um jovem.” disse Zolom jovialmente.



“Hã... Eu não sabia que você era um mazoku¹.” comentou Gourry, igualmente imperturbável.



Ah, vamos lá, homem! Quer começar a prestar atenção! Nossa...



“Então deve saber agora, senhor, que não pode me vencer com espadas como a sua.”



Ele estava certo. Criaturas meio-demônios como demônios inferiores e demônios de bronze eram uma coisa, no entanto mazokus como esse cara eram habitantes do plano astral — em outras palavras, não poderiam ser destruídos por meios físicos aqui no lado material da realidade. Uma espada mágica decente cheia de amuletos de exorcismo poderia ferir Zolom, entretanto embora a espada de Gourry fosse muito boa, não era nada mágica. Enquanto isso, a minha era feita com um amuleto, mas não era poderoso o suficiente para ferir Zolom.



Ah, bem. Acho que terei de levar a sério e...



“Mas posso cortá-lo.” disse Gourry casualmente.



Quão estúpido esse cara é?



“Ohh?” Zolom cantarolou, sua voz cheia de zombaria. “Vá em frente e experimente se achar que pode.”



“Se é o que deseja...”



Eu não conseguia nem imaginar o que se passava na cabeça de Gourry enquanto embainhava a espada e, em seu lugar, tirava um alfinete do bolso.



“Não me diga que acha que pode me derrotar com essa coisinha.”



“Ah, claro que não.” sorrindo de forma amigável, Gourry colocou a mão esquerda no punho da espada embainhada. “Disse que iria cortá-lo, não cutucá-lo, lembra?”



“Jogo de palavras, hmm? O que acha que vai fazer com isso, então?”



“Isto aqui.”



Nesse momento, Gourry inseriu o alfinete da mão direita no punho da espada que segurava com a esquerda.



Hum?



Ao que parece, liberou o mecanismo que mantinha a lâmina no lugar. Em outras palavras, Gourry estava separando-a por completo... Porém, por quê?



“Já percebeu?” ele perguntou, colocando o alfinete de volta no bolso.



Claro que não, idiota! Nada disso fez sentido algum! Gritei internamente.



Mesmo assim, Gourry permaneceu perfeitamente calmo, seja por confiança ou por pura falta de noção. Eu não tinha certeza de qual.



“Não posso dizer que entendo, jovem, contudo...”



“Então... Que tal agora?” Gourry gritou, agarrando o punho com a mão direita e atacando!



O idiota!



“Eu certamente percebi que você é um homem tolo!” Zolom gritou, conjurando uma dúzia de Flechas Flamejantes e atirando-as em Gourry de uma só vez.



“Hah!” Gourry zombou.



Incrivelmente, ele se esquivou de cada flecha! No entanto esquivar-se sozinho não ia vencer essa luta...



Num piscar de olhos, Gourry se aproximou de Zolom, ergueu sua espada e rugiu.



“Luz, venha!”



Meus olhos se arregalaram. Zolom congelou em estado de choque. Antes que pudesse tentar se mover foi dividido em dois. Sequer teve tempo de gritar.



Com isso, Zolom foi de fato cortado pela espada de Gourry. No lugar da lâmina de metal que havia removido antes, brilhou uma lâmina de pura luz.



“A Espada... da Luz...”



Não havia dúvida. A coisa que eu estava vendo — o artefato brilhando na mão direita de Gourry — era sem dúvida a lendária Espada da Luz. A lâmina serviu efetivamente como bainha; removê-la permitiu que Gourry liberasse seu verdadeiro poder, que acabara de demonstrar com grande efeito. O corpo sem vida de Zolom agora se desfez em pó.



“G-Gourry...” consegui enfim dizer, minha voz suave e rouca.



“Olá.” ele respondeu, olhando para mim com um sorriso grande e brilhante. “Parece que nos encontramos de novo. Como você está, mocinha?”



“Gourry!”



Saí correndo em direção a Gourry de todo o coração. Ele lentamente devolveu a Espada da Luz à sua ‘bainha’ e ficou lá em silêncio, esperando por mim. Corri em sua direção, olhando para aquele rosto velho e familiar.


Splat! Gourry plantou a mão no rosto espetacularmente.



Oh, poupe-me da teatralidade!



“Por favor, por favor! Me dá! Por favor!”



“Wow, hmm...” Gourry se recuperou, esfregando a cabeça. “Por um momento, pensei que você estava feliz em me ver ou algo assim...”



“Reencontros felizes mais tarde! Me de a espada agora! Olha, não é como se estivesse te pedindo de graça! Quinhentas! Pagarei quinhentas moedas por ela!”



“Como é?” Gourry quase gritou. “Quinhentas? Você não poderia nem comprar um florete² com esse valor!”



“Tudo bem, cinquenta e cinco! Estou cavando fundo aqui! Pegue meu dinheiro já, seu vigarista!”



“Você é a vigarista aqui! Pelo amor de Deus, em que universo alguém venderia a Espada da Luz por esse preço irrisório?”



“Neste! Provavelmente!”



“Chega!”



Nossa, que avarento! Ele não entende que abrir mão de uma única moeda de cobre é como uma tortura para mim? Quero dizer, olá? Filha de comerciantes aqui!



“Em primeiro lugar, esta espada é uma herança. Foi transmitida em minha família por gerações. Nunca vou vendê-la, não importa o quanto me ofereça!”



“Apenas me dê, então! Vou torná-la minha herança de família e transmiti-la à minha família por gerações! Isso é legal, certo? Certo?”



“S-Sua idiota! Por que eu concordaria com isso? A espada é minha e ponto final!”



“Seu monstro! Que maneira de tratar uma senhorita! Vou chorar! Bloo-hoo-hoo!”



“Não estou te ouvindo!”



“Ok, chega de brincadeira.”



Gourry, pego de surpresa pelo meu giro de 180º do modo de negociante séria, deu outro golpe na cara.



“O que... O que há de errado com você?”



“Apenas me escute. Não tenho tempo para explicar tudo, contudo o cara que me salvou daqueles idiotas está em apuros agora. Então, visto que eu meio que devo uma a ele, talvez pudéssemos trabalhar juntos e fazê-lo um favor?”



“Bem, se insiste.”



“Ótimo! Que bom que estamos na mesma página! Agora siga-me!” proclamei enquanto saía correndo.



É hora de salvar Zelgadis!



———



Achei que até um cara durão como Zelgadis teria problemas com tantos inimigos e, no fim das contas, acertei em cheio. Tive que elogiá-lo por já ter acabado com a maior parte da bucha de canhão dos ogros e dos berserkers, no entanto os verdadeiros grandes vilões — Dilgear, o louva-a-deus de guerra e o dullahan — seguiam de pé no combate.



Quando chegamos, Gourry foi direto para o dullahan próximo e cortou-o com a Espada da Luz antes que alguém pudesse dizer uma palavra.



“Ei, ei! A cavalaria está aqui!” gritei.



“Sim!” Gourry complementou.



Nossa entrada surpreendeu todos os presentes e mudou o rumo da batalha rapidamente. Os lacaios de Rezo foram rechaçados enquanto nós três destroçamos os ogros e berserkers restantes.



“Rgh!” Dilgear rosnou ressentido. E foi bem então...



“Oh?”



Zelgadis foi o primeiro a notar. Sua reação confusa fez com que todos nós três parássemos.



“Hã?” Dilgear se virou, sua expressão triste se transformando em alegria. “Rodimus!”



Sim. Entrando em cena agora estava o lutador de meia-idade Rodimus, com a alabarda na mão. Ele estava acompanhado por um cara que nunca tinha visto antes e que, se assim posso dizer, era de um tipo bem bonito! ♡♡♡



Ack, espere! Este não é lugar para colocar corações no roteiro!



“Não acredito que você veio, Rodimus! Eu realmente poderia usar a ajuda!”



“Agora estaremos empatados.” declarou o louva-a-deus de guerra.



Entretanto naquele momento, antes que Dilgear pudesse reagir, Rodimus se aproximou e deu um soco no rosto dele! O golpe fez o lobisomem voar. Dilgear bateu em uma árvore próxima com um forte estrondo... E então caiu no chão, imóvel.



“R-Rodimus! O que está fazendo?” o louva-a-deus de guerra uivou. “Perdeu a cabeça?”



“Longe disso!” Rodimus respondeu, aproximando-se de nós lentamente. “Eu jurei fidelidade a Sir Zelgadis — um juramento que não se aplica a esse chamado Sacerdote Vermelho!”



“C-Como você ousa?”



Enfurecido, o louva-a-deus de guerra avançou. Mas não teve chance contra a alabarda de Rodimus.



“Graaahh!” Rodimus uivou e tudo acabou.



Ele cortou o louva-a-deus de guerra em dois na cintura. Sua metade inferior continuou correndo até bater em uma árvore. Por sua vez, a metade superior caiu no chão e, depois de muitos espasmos dramáticos, acabou ficando imóvel. Depois disso, o restante dos inimigos se espalhou como moscas.



“Obrigado pela ajuda.” disse Zelgadis.



“Ainda não sei o que está acontecendo... Acho que realmente não importa.” disse Gourry com uma risada vaga antes de se virar para o cavaleiro de meia-idade e seu belo companheiro. “Mas vocês têm certeza do que fizeram?”



“Não é nada, na verdade.” disse o sonhador sênior.



Espere, aquela voz... Eu conhecia aquela voz...



“Obrigado, Rodimus, Zolf.” disse Zelgadis. “Gostaria de não ter que arrastar vocês para essa bobagem.”



Z-Z-Zolf? Espere só um minuto! Está me dizendo que, por baixo das faixas, o Sr. Homem-Múmia era na verdade um galã de meia-idade? Sem chance! Nunca imaginei que fosse tão bonito...



“Oh... Mocinha. Ainda não está morta?” ele disse, lançando um olhar em minha direção.



Grr... Pensei em perdoá-lo, já que era tão agradável aos olhos e tudo mais, mas aquela pequena provocação me convenceu de que guardar rancor era o caminho a percorrer. Ainda assim, se estivéssemos enfrentando o mesmo inimigo, não havia sentido em derrubá-lo agora.



“Pelo bem da nossa aliança temporária, estou disposta a deixar o passado para trás.” falei. (Muito nobremente, devo acrescentar.) “Mesmo que você seja um fardo constante, um feiticeiro sem talento, um sádico assustador... Um aliado é um aliado. Até as árvores mortas realçam a paisagem montanhosa à sua maneira. Nós vamos compensar a folga abundante que você sem dúvida deixará em todos os aspectos, então considere todas as águas passadas debaixo da ponte.”



“Você ainda guarda rancor.”



“Pereça o pensamento! Quero dizer, é claro que pensaria isso, porém não deve projetar em mim seu próprio ciúme furioso, complexo de inferioridade fervilhante e sentimento distorcido de orgulho.”



“Sua pequena pirralha...”



“Espere aí, Lina.” interrompeu Gourry. “Poderia pelo menos se segurar por enquanto até me dizer o que está acontecendo? Ainda estou no escuro aqui.”



Oh, certo. Não tinha explicado toda a situação para Gourry. E então comecei a informá-lo sobre tudo o que havia perdido.



———



“E é isso. Você está em dia agora?”



Terminei a hora da história bem na hora em que o sol começou a se pôr atrás de mim.



“Está comigo?” perguntei novamente.



Gourry não respondeu. Apenas ficou lá olhando para mim — não, além de mim — com os olhos vidrados. Todos os outros já haviam se acomodado no chão há muito tempo; a batalha desta tarde deve ter cobrado seu preço. Dito isto, sou uma mulher e me sinto bem, então acho que eles são apenas moles ou algo assim.



“Devo dizer...” Rodimus começou, seu tom cansado. “Você parece gostar do som da sua própria voz.”



“Eu?”



Todos concordaram com a cabeça.



Sério?



“De qualquer forma... Entendeu agora, certo?”



“Poderia ter passado sem os monólogos internos e as descrições dramáticas, contudo fora isso, acho que entendi a essência das coisas.” reconheceu Gourry, recompondo-se.



“O que nos leva à verdadeira questão.” interrompeu Zelgadis, levantando-se também. “Você me entregará a Pedra Filosofal ou não?”



“Não.” respondi num tom casual.



“Pensei que não.” respondeu Zelgadis. Pude sentir a hostilidade começando a irradiar dele.



“Rezo quer restaurar a visão. Você quer vingança. É tudo um pouco mesquinho para a Pedra Filosofal, não acha?”



“Está tentando me insultar?”



“Não, não, não! Nenhum insulto intencional. Só não estou lhe dando a Pedra Filosofal; isso é tudo. Além do mais, é perfeitamente possível que tudo seja algum estratagema que inventou com Rezo, sabe?”



“Tive a sensação de que diria isso.” disse Zelgadis, desembainhando a espada suavemente. “Então é assim que tudo termina, afinal...”



“Acho que sim...” Gourry respondeu, colocando a mão na espada também.



Nesse instante, Zolf e Rodimus correram para o lado de Zelgadis.



“Afastem-se, vocês dois.” disse Zelgadis.



Rodimus sorriu severamente e deu um passo para trás.



“M-Mas...” Zolf argumentou.



“Afaste-se.” repetiu Zelgadis, com Zolf deslizando para trás, mal-humorado.



“Oh, vamos lá! Isto é ridículo!” gritei.



Estava tentando interromper, porém nem Gourry nem Zelgadis me dignificaram com um simples olhar. Isso estava ficando muito sério. Até Zolf e Rodimus estavam observando com atenção para ver como tudo se desenrolaria.



Zelgadis e Gourry se aproximaram lenta, porém firmemente.



Gritei ainda mais alto desta vez.



“Já disse que já chega! Sim, todos nós sabemos que este seria um estúpido duelo incrível, contudo prioridades, pessoal!”



“De fato. Deveriam ouvir a garota.” veio uma nova voz.



Eu engasguei quando ouvi a voz. Veio bem atrás de mim — não, estava bem no meu ouvido.



Chkk. Uma sensação de frio percorreu minha nuca. Meus instintos me disseram que estaria morta se me movesse. Todos os olhos (exceto os meus, claro) se viraram para ver quem estava atrás de mim.



No entanto eu já sabia quem era. Reconheci sua voz. Era o único homem que conseguia inspirar tanto medo, mesmo em Zelgadis...



“Rezo...” Gourry disse primeiro, ousando falar seu nome.



“Já faz algum tempo, não é?” Rezo respondeu. “Embora espero que possamos pular as formalidades. Acredito que já sabe por que estou aqui, ah... Gourry, não é?”



“A Pedra Filosofal, certo?”



“Correto. Ah, e eu desaconselho tentativas de subterfúgios. Esta agulha está bem no fundo do pescoço dela. Um pequeno empurrão e terei sangue nas mãos.”



Urk! A gravidade da situação me fez engolir em seco por reflexo. O suor começou a escorrer da minha testa.



“Ele está blefando! Não a entregue!” Zelgadis bradou com uma voz próxima de um grito.



Obviamente, ninguém estava acreditando no que havia dito. Ficou claro que a única prioridade de Zelgadis era garantir que Rezo não pegasse a pedra; ele sabia melhor do que qualquer um de nós que Rezo não estava blefando. O suor escorria pelo meu rosto e caía do meu queixo.



“Por que quer isso?” Gourry perguntou.



“O que ela disse antes estava correto. Quero poder ver; isso é tudo.”



“Por que... Você quer tanto isso?” perguntei, minha voz tremendo de medo.



“Eu não preciso me explicar para você. Como alguém abençoado com visão, nunca poderia entender.”



É assim que vai ser, hein?



“Agora, a pedra, por favor.”



“Tudo bem.”



“Não, não a entregue! Não de a pedra a ele!”



Ignorando os protestos de Zelgadis, Gourry pegou o ídolo de oricalco e jogou-o dissimuladamente para Rezo.



“Aqui.”



Rezo estendeu a mão livre e pegou-a com firmeza.



“Eu tenho... É minha!” exclamou Rezo, seu tom mudando completamente.



Havia uma espécie de alegria demoníaca em suas palavras.



“Agora solte Lina!”



“Oh, acalme-se. Vou libertá-la em breve...”



Puff! O ídolo de oricalco se desintegrou nas mãos de Rezo. Aquele metal selador mágico, pulverizado tão facilmente... De dentro apareceu uma pequena pedra preta. Para qualquer um — amadores e veteranos — pareceria apenas um pedaço aleatório de carvão, uma pedra comum. Mas esta era de fato a famosa Pedra Filosofal. Seu poder deve ter ressoado com a magia de Rezo, permitindo-lhe quebrar o oricalco, que de outra forma seria magicamente inquebrável.



“Sim... É isso! Finalmente!”



Rezo me empurrou com força pelas costas, me afastando.



“Ei!”



Tropecei alguns passos cambaleantes, então estendi a mão por trás de mim e tirei a agulha que ele havia enfiado em mim. Guhhh... Senti um arrepio na espinha. Na verdade, não doeu, mas foi estranho perceber que estava a cerca de um polegar de um ponto vital. Pra ser franca, fiquei chocada por isso não ter me matado. Acho que Rezo era muito bom, né?



Zelgadis começou a entoar um feitiço. Gourry sacou sua Espada da Luz. E Rezo...



Rezo levou a pedra à boca.



Não pude acreditar no que via, porém foi exatamente isso que ele fez. Sem hesitar um momento, engoliu a pedra inteira.



Rrroar!



“Argh!”



Um vento forte de repente soprou ao nosso redor. Eu instintivamente protegi meu rosto com minha capa. Então uma onda de náusea tomou conta de mim e tive que tapar a boca com a mão.



“Urgh, blurgh...”



Este não era um vento normal; era um miasma tão poderoso que na verdade se manifestou fisicamente. E no centro da força rodopiante estava Rezo, rindo.



“Tome isso!”



Zelgadis lançou um feitiço. Um pilar de chama azul envolveu Rezo... E foi isso. Não sei o que tentou lançar, porém seja lá o que for não funcionou.



Rezo continuou a gargalhar, sua voz assumindo um toque de loucura.



“Oh, posso ver! Eu consigo ver!”



Eu vi... Pela primeira vez na minha vida, vi uma pessoa se transformar em algo completamente diferente.



Os olhos de Rezo estavam agora abertos. Eles revelaram uma escuridão — uma escuridão tingida de vermelho. Na verdade, por trás de suas pálpebras havia olhos brilhantes, vermelho-sangue, como um par de rubis.



“Gah... Gahahahahaha! Eles estão abertos! Meus olhos estão abertos!”



Um pedaço de carne se soltou da bochecha de Rezo, expondo algo branco por baixo.



“O quê?” alguém gritou.



Sluph... Em seguida caiu um pedaço da carne de sua testa.


Foi quando me dei conta. Foi então que percebi quem de fato era — o que estava selado dentro dos olhos cegos de Rezo.



Não demorou muito para que Rezo mudasse completamente o rosto, revelando uma máscara de pedra branca com um par de rubis onde deveriam estar seus olhos. As vestes vermelhas que cobriam seu corpo também se transformaram em algo duro e rígido.



“Não pode ser...” Zelgadis respirou.



Ele também percebeu: Olhos de Rubi Shabranigdu havia retornado. O silêncio se abateu sobre todos nós.



“Vou deixá-los decidir seu próprio destino. É o mínimo que posso fazer pelo seu papel em contribuir para o meu avivamento.” a criatura que uma vez foi Rezo falou, ficando diante de nós agora com a maior calma. “Sirvam-me e eu lhes concederei uma vida longa e saudável. Mas se recusarem, não irão me deixar escolha. Antes de libertar meu outro eu, o Lorde das Trevas do Norte, enraizado no lugar pelo Lorde Dragão... Primeiro terei que lidar com vocês. Agora, escolham com sabedoria. Qual caminho preferem?”



Foi uma proposta indescritível. Libertar o Lorde das Trevas do Norte iria, sem dúvida, provocar a destruição de tudo o que conhecíamos. Era isso que Rezo Shabranigdu nos pedia para fazer. E se recusássemos, teríamos que enfrentá-lo. Estaríamos enfrentando o Lorde das Trevas que — mesmo que tivesse apenas um sétimo de seu poder original — uma vez lutou contra um deus pelo domínio deste mundo.



A resposta era óbvia, claro. Se ele conduzisse o mundo à destruição, estaríamos todos condenados de qualquer maneira. Então, se fosse morrer de todo jeito, preferiria sair limpa. Acho que a maioria dos seres, não apenas os humanos, sentiria o mesmo.



Rezo Shabranigdu certamente sabia disso... Porém mesmo assim nos pediu para escolher.



“Que estupidez!” Zolf gritou, sua atitude arrogante sugerindo uma ignorância chocante da situação. “Poupe-nos de sua arrogância! A cultura humana progrediu muito enquanto você estava selado além do tempo! Então agora, Lorde das Trevas do velho mundo... Eu, Zolf, acabarei com você!”



Sim, ele com certeza não tinha ideia de com o que estava lidando aqui...



Zolf ergueu as mãos e começou a recitar:



Tu que és mais sombrio que o crepúsculo,

Tu que és mais vermelho que o sangue,

Juro em teu nome exaltado,

Obscurecido, nas profundezas do fluxo do tempo...



Reconheci esse encantamento. Era um Dragon Slave!



Dragon Slave foi considerado o feitiço de ataque mais poderoso de toda a magia negra. Como o próprio nome sugere, foi originalmente projetado para ser usado contra dragões. É poderoso o suficiente para varrer um pequeno castelo do mapa. Na verdade, era tão poderoso que um país poderia ser revirado de cabeça pra baixo e só haveria apenas alguns feiticeiros capazes de lançá-lo. Nunca sonhei que Zolf tivesse algo assim na manga...



Quero dizer, não me sinto mal em dizer que já faz um tempo que estou me perguntando como um idiota como Zolf acabou aliado a alguém durão como Zelgadis. Acho que esse foi um mistério resolvido, pelo menos...



Contudo, por desgraça, já sabia que Zolf não poderia vencer com aquele feitiço.



“Pare! Não vai funcionar!” gritei sem sucesso.



“Oho?” Olhos de Rubi murmurou, parecendo impressionado — provavelmente por causa da minha observação.



“Ah...” Zelgadis engasgou baixinho. Parecia que havia chegado à mesma conclusão que a minha.



No entanto antes que Zelgadis pudesse gritar para avisá-lo, Zolf terminou de entoar o feitiço.



“Dragon Slave!”



Uma explosão irrompeu do próprio Lorde das Trevas. Este era o poder do Dragon Slave; nenhum humano jamais experimentou isso e viveu para contar a história.



“Consegui!” Zolf declarou triunfante.



Todavia no mesmo momento...



“Zolf, corra!” Rodimus bradou.



Ele deve ter percebido, apenas por instinto, que Rezo seguia vivo.



“O que?”



Zolf, por sua vez, ainda não havia percebido. Apenas ficou lá parecendo confuso.



“Tsk!” o velho cavaleiro estalou a língua e avançou até Zolf, provavelmente com a intenção de tirá-lo do caminho. “Apenas saia daqui e...”



Foi então que uma Bola de Fogo os consumiu — os dois.



“Rodimus! Zolf!” Zelgadis gritou.



Como se fosse atender seu chamado, uma figura apareceu em meio às chamas rodopiantes.



Uma figura mais vermelha que o próprio fogo.



“Não...”



Senti como se tivesse ouvido algo — uma voz? — em meio ao rugido do incêndio.



“Corra...” Zelgadis sussurrou.



“O quê?” eu me peguei perguntando.



“Corra!”



Na sua deixa, nós três fugimos em alta velocidade.



———



Meus olhos estavam fixos em nossa pequena fogueira. Gourry e Zelgadis estavam em estado semelhante.



Ugh, me senti patética. Rezo Shabranigdu nos dominou completamente. Conseguimos fugir, porém sabíamos que ele nos encontraria mais cedo ou mais tarde — e bem provável que fosse mais cedo, falando realisticamente. E quando isso acontecer...



“Eu farei isso!” sussurrou Zelgadis enquanto o fogo sibilava e cuspia. “Sei que não posso vencer, contudo... Estaria desonrando a memória de Rodimus e Zolf se apenas fugisse.”



Picka-pop! O fogo estalou de novo.



“Acho que irei com você.” disse Gourry suavemente. “Mesmo que não faça nenhuma diferença, não podemos apenas deixar aquela coisa descontrolada solta.”



“Obrigado.”



“Ei, pare. Quero dizer, este é o meu mundo também...”



E com isso, os dois ficaram em silêncio. Eu sabia por quê, é claro. Estavam esperando por mim.



Não que tenham dito diretamente. Os dois também não estavam me encarando, esperando que interviesse. Estavam apenas observando o fogo em silêncio. No entanto, ainda assim, poderia dizer que estavam esperando que eu dissesse alguma coisa.



“Eu...” quando enfim o fiz, nenhum dos dois reagiu. Só ficaram observando o fogo em silêncio, embora estivesse fazendo a mesma coisa. “Não... Quero morrer.”



“Ninguém vai forçá-la.” disse Gourry com calma, com olhos simpáticos e gentis.



Me encontrei ficando de pé.



“Não, me escute. Todo mundo sabe que marchar para uma luta sem chance de vitória é estúpido. Danem-se os ideais masculinos de honra e coragem! Nada disso importa quando você está morto!”



“Faça o que quiser, então.” disse Zelgadis. “Fuja se quiser. Apenas não se alie a ele. Se o fizer, teremos que matá-la também.”



Coloquei as mãos nos quadris e soltei um grande suspiro.



“Com licença. Quando exatamente disse que iria fugir?”



“Hã?”



Os dois garotos olharam para mim ao mesmo tempo.



“Não entenda mal. Disse que é estúpido entrar em uma batalha que espera perder; nunca disse que não iria lutar. Entendeu? Claro, talvez tenhamos apenas um por cento de chance de ganhar! Mas se entrarmos numa luta acreditando que vamos perder, esse um por cento vira zero. Então, quando digo que não quero morrer, significa que vou lutar — vou lutar para vencer! E vocês deveriam fazer o mesmo!”



Eles se entreolharam.



“Porém... Como vamos vencer?” perguntou Zelgadis, com um tom notavelmente manso.



“Bem, minha especialidade em magia negra não pode vencê-lo. Contudo ainda temos sua magia xamânica, certo?”



“Não vai funcionar.”



“O-O que? Por quê?”



“Porque... Você me viu lançar um feitiço quando ele reviveu, certo?”



“Sim. Não reconheci o encantamento, entretanto parecia que não o afetou. Espere... Não me diga...”



“Sim, foi um Ra Tilt.”



“Caramba...” suspirei, minhas mãos voando para as têmporas nervosamente.



“O que é isso?” perguntou Gourry, ignorante da magia.



Nossa. Difícil ter uma discussão com esse cara por aí...



“Ra Tilt é o feitiço ofensivo mais forte da magia xamânica. Foi projetado para destruir a forma astral do seu oponente. Você só pode usá-lo em um alvo de cada vez, mas em termos de poder destrutivo contra um ser vivo, diz-se que está no mesmo nível do Dragon Slave da magia negra.”



“O que é um Dragon Slave?”



Argh! Será que nunca leu um livro?



“Dragon Slave é o feitiço de magia negra mais forte disponível para os humanos... Ou, pelo menos, é o que dizem. Foi inventado pelo grande sábio Lei Magnus, que o usou para derrotar um arquidragão de 1.600 anos de idade. Ficou conhecido como ‘Dragon Slayer’, que acabou sendo abreviado para ‘Dragon Slave’. É o feitiço que Zolf tentou usar no Sacerdote Vermelho.”



“Então... Por que nenhum dos feitiços funcionou?”



Me dá um descanso, vai!



“Passando a bola. Essa fica pra você, Zelgadis.”



“A magia xamânica se divide em magia elemental — feitiços que lidam com terra, água, fogo e vento — e magia astral, que lida com o lado astral da realidade. Como Lina disse, Ra Tilt é o ápice; tem como alvo a forma astral de um oponente. Porém o Lorde das Trevas é muito mais um verdadeiro ser astral do que nós. Sua forma astral é incrivelmente poderosa... Tanto é verdade, eu acho, que ele pode ignorar a escassa influência astral que qualquer humano pode reunir. Em outras palavras, não conseguiremos vencê-lo usando magia xamânica astral. Quanto à magia xamânica elementar, até mesmo os humanos podem contra enfeitiçar isso — desde que sejam fortes o suficiente. Resumindo, a magia xamânica não vai nos ajudar.”



“Quanto ao motivo pelo qual a magia negra não funciona com ele, é simples. A magia negra é alimentada pelas emoções mais sombrias do mundo — ódio, medo, hostilidade — e seu poder é governado por Shabranigdu.”



“Você ouviu isso no início do canto de Zolf, certo? ‘Tu que és mais sombrio que o crepúsculo, tu que és mais vermelho que o sangue’? Isso se refere ao próprio Shabranigdu.” acrescentei.



“Hã? Ele disse?”



“Claro que sim! Estava ouvindo por acaso... Ah, é verdade. Você não conhece as palavras do caos, Gourry.”



“Palavras do caos?”



Eu estava falando sobre a linguagem em que os praticantes de magia negra cantavam seus feitiços, contudo não tive vontade de explicar tudo.



“Esqueça essa parte. Resumindo, usar magia negra nele é basicamente como dizer: ‘Ei, amigo, poderia nos ajudar a te matar!’. Qualquer um pode ver como soa bobo, até você.”



“Ei, o que isso quer dizer?”



“Agora, antes que pergunte, não existem feitiços de ataque na magia branca. Existem feitiços de purificação que eliminam mortos-vivos como zumbis, no entanto também não funcionam com ele. Então, sim, para resumir: eu e Zelgadis não podemos vencer esse cara.”



“O que significa...” Zelgadis disse, voltando os olhos para Gourry. “A Espada da Luz é nosso único recurso restante.”



“Então você estará na frente, Gourry. Claro, faremos o que pudermos para apoiá-lo.”



“Bem... Você faz parecer fácil, mas...”



“Que outra escolha temos? Estou aberta a sugestões, se tiver alguma.”



“Bom... Não tenho, porém...”



“Então é isso.”



“Entendo. Então vocês fizeram sua escolha, não é?” uma voz familiar interrompeu.



Eu suspirei. Nós três nos viramos ao mesmo tempo. Quando ele chegou? Há quanto tempo estava lá? Aquela assustadora sombra vermelha à espreita na floresta coberta de noite...



Era o Lorde das Trevas Olhos de Rubi, Rezo Shabranigdu.



“Matar Zolf e Rodimus e depois matar covardes enquanto fogem... Mal poderia chamar de um aquecimento. Assim, por que todos vocês não aceitam seu infeliz destino e me fornecem algum treinamento adequado? Fiquei trancado por tanto tempo que é difícil lembrar como tudo funciona... Contudo não se preocupem. Em breve, enfrentarei exércitos inteiros.”



“Era pra ser uma piada?” perguntei, levantando-me lentamente.



Um aquecimento? Treinamento?



Eu não era fã de Zolf, e Rodimus não era muito para se olhar... No entanto, ainda assim, matá-los e chamar de aquecimento?



Já sei, já sei. Não sou do tipo que prega sobre a santidade da vida humana. Já matei pessoas antes. Gourry e Zelgadis também, tenho certeza. Entretanto não posso deixar esse comentário passar.



“É treinamento que quer, né? Tudo bem, vamos brincar juntos. Mas você vai acabar se arrependendo disso.”



“Oho. Interessante, senhorita. Com certeza, pode começar. Isso tornará suas mortes muito mais satisfatórias.”



“Não pretendemos morrer.” disse Gourry enquanto ele e Zelgadis se levantavam atrás de mim.



“É uma pena a divisão entre intenção e realidade. Muitas vezes as coisas não acontecem como planejamos.”



“Podemos concordar com isso, Rezo Shabranigdu.” cuspi, devolvendo as palavras zombeteiras do Lorde das Trevas contra ele.



Contração muscular.



Um pequeno arrepio percorreu o corpo do Lorde das Trevas. O que foi aquilo?



“Agora, vamos começar.”



O Lorde das Trevas bateu com seu cajado no chão. Instantaneamente, o chão começou a se mover. Não... Não era o chão, mas algo embaixo dele que se movia — as raízes das árvores da floresta! Concedida uma aparência de vida pelo Lorde das Trevas, elas se contorceram do chão como serpentes.



“Sério? É o melhor que pode fazer?” bufei. “Ei, Zelgadis!”



“Pode deixar! Dug Haute!”



Zelgadis percebeu na hora o que eu estava pensando. Ao seu comando, o chão realmente começou a tremer. Cada tremor violento destruiu mais e mais raízes serpentinas das árvores enquanto seu Dug Haute rasgava o chão de onde tentavam emergir.



“Ok, eu sou a próxima! Minha vez!”



“Vá em frente, mocinha.” Zelgadis sorriu.



“Hmm? E o que você vai me mostrar?” o Lorde das Trevas proferiu.



“Este também vai ser bem simples, contudo... Aqui vamos nós!” levantei minha mão direita, uma bola de luz se formando dentro dela.



“Espero que não seja uma Bola de Fogo.” alertou o Lorde das Trevas.



“Urk. Na verdade, sim, é...”



Joguei sem grande esforço o feitiço nele. A bola de luz flutuou instável em direção ao Lorde das Trevas, parando bem na frente de seu rosto.



“Hmm... Uma versão um pouco alterada, pelo que vejo.” observou com perfeita calma enquanto a bola de luz dançava caoticamente ao seu redor. “No entanto, mesmo que me atinja, não pode me prejudicar.”



“Eu sei. É apenas uma demonstração, viu?”



“Receio não ter intenção de agradá-la.”



Rezo Shabranigdu fez menção de balançar seu cajado. No segundo que o fez...



“Quebre!” gritei enquanto estalava meus dedos.



Ao meu comando, a bola de luz explodiu e caiu em espiral.



“O-O quê?”



Nem mesmo o Lorde das Trevas poderia ter previsto esse movimento, daí seu grito de surpresa ao ser envolto em chamas e fumaça.



“Gourry! Sua vez!” chamei.



“Entendi!” Gourry respondeu, começando a correr com a Espada da Luz em punho.



“Pegue ele, Gourry!” Zelgadis o encorajou.



“Morra, Lorde das Trevas!” Gourry uivou.



A Espada da Luz rugiu pelo ar... Todavia o Lorde das Trevas Olhos de Rubi, Rezo Shabranigdu, apenas sorriu.



“A Espada da Luz, hmm? Se não me engano, essa é a espada que matou Zanaffar, a besta demoníaca que arrasou a Cidade Mágica de Sairaag em um instante. Venha agora. Embora eu possa estar enfraquecido, não deveria me subestimar, rebaixando-me no nível de uma besta demoníaca.”



Mal pude acreditar no que aconteceu a seguir. O Lorde das Trevas estendeu a mão... E pegou a lâmina da Espada da Luz com a palma nua.



“Está um pouco quente, mas não é nada que não possa suportar.”



Ele... Ele era completamente imparável.



“Ngh! Hrrrngh!” Gourry ficou tenso, incapaz de se mover em qualquer direção.



“Você parece um mestre espadachim, criança, porém precisaria de uma arma muito mais poderosa para me derrotar. Isto é tudo que vocês, humanos, podem fazer? Nesse caso...”



Houve uma explosão repentina. Gourry voou para trás e caiu com força.



“Gourry!”



“Estou... Estou bem.” respondeu Gourry do chão, torcido de um jeito que... Pra ser honesta, não parecia nem um pouco bem.



“Não se preocupe. Não vou acabar com ele ainda.” o Lorde das Trevas me assegurou.



Que desgraçado! Quero dizer, sim, seria mais assustador se o Lorde das Trevas fosse um cara legal, contudo ainda assim...



“Tch...” Zelgadis recuou para trás. Um momento depois, seu corpo estava envolto em chamas.



“Zel!”



“Não se preocupe. Seu corpo é feito de rocha; será preciso mais do que algo desse nível para matá-lo. Agora, quanto a você, pequena senhorita...”



Oooh, rrrgh, grrr!



“Prometeu muito, no entanto me desapontou com o resultado. Precisará pagar por isso.”



Sim, isso é péssimo...



O Lorde das Trevas deu um passo à frente.



Nesse momento, algo veio voando em minha direção. Peguei-o por reflexo no ar. Era... A empunhadura de uma espada? Sim, a Espada da Luz!



“Use, Lina!” Gourry gritou. “Combine o poder da sua magia com o da espada!”



“Tolo...” zombou Rezo Shabranigdu. “Não pode mesclar os poderes das trevas e da luz.”



Ele estava certo. Magia alinhada à luz e magia alinhada às trevas não se misturavam. Elas apenas se cancelariam. Entretanto...



“Espada! Conceda-me poder!” gritei, segurando o artefato no alto.



A luz brotou do punho em forma de lâmina. Era do tamanho de uma espada longa quando Gourry a usou, mas agora se estendia até o comprimento de uma espada bastarda³.



Eu sabia!



“Hah! Fútil!” o Lorde das Trevas zombou, embora pudesse sentir um leve toque de pânico em sua voz.



Comecei a recitar um feitiço. Em sua forma, era quase igual ao Dragon Slave. Porém este encantamento não se dirigia a Olhos de Rubi Shabranigdu, soberano sobre as trevas do nosso mundo. Em vez disso, roguei ao maior de todos os senhores das trevas, o Senhor dos Pesadelos — o Rei Demônio Dourado caído do céu, cuja lenda ouvi em um reino que visitei uma vez durante minhas viagens.



Não havia como prejudicar Shabranigdu usando magia negra emprestada de seu próprio poder. Contudo poder emprestado de outro senhor das trevas de poder igual ou superior? Isso sem dúvida poderia machucá-lo.



Tu que és mais sombrio que a escuridão

Tu que és mais profundo que a noite

Ouça-me, senhor dourado das trevas

À deriva no Mar do Caos



“Você... Sua pirralha!” Shabranigdu gritou, parecendo abalado. “Como... Como um inseto como você conhece o Soberano?”



Eu o ignorei e continuei...



Eu te convoco, rogo esta benção

E a ti ofereço esta promessa:

Todos aqueles em igual medida—

Tolos por bloquear nosso caminho—

Que enfrentem a destruição desenfreada

Conceda-me poder e liberte o vosso!



A escuridão apareceu ao meu redor. A escuridão que é mais negra que a calada da noite. Era como um vazio; a completa e total ausência de luz. Ela lutou contra meu controle enquanto eu trabalhava desesperadamente para controlá-la. Se não conseguisse conter o feitiço aqui, ele consumiria toda a minha energia vital. Isso me mataria.



“Você não vê como isso é fútil?” o Lorde das Trevas exclamou enquanto disparava várias bolas de energia azul pálida sem sequer pronunciar um encantamento. Cada uma delas era poderosa o suficiente para destruir algumas casas.



Mas... Todas desapareceram na escuridão que me envolvia.



“O quê?”



Eis o meu mais secreto dos movimentos secretos: Giga Slave! A primeira vez que tentei lançá-lo, a escuridão que liberei cavou uma nova enseada na costa. Ouvi dizer que, até hoje, os peixes se recusam a chegar perto. Nem mesmo o musgo do pântano crescerá lá.



Eu estava bastante confiante de que esse feitiço, pelo menos, poderia causar algum dano a Shabranigdu. Porém também sabia que só isso não seria suficiente para derrotá-lo. Não importa o quanto me esforcei, um mero humano não era páreo para um Lorde das Trevas. A única coisa que poderia fazer pender a balança, como Gourry dissera, era o poder da Espada da Luz.



Contudo o vazio que girava ao meu redor já estava começando a devorar sua lâmina brilhante. A luz mágica produzida pela espada e a escuridão mágica que conjurei estavam lutando entre si, não cooperando.



Gourry não sabia que isso aconteceria quando me ofereceu a espada. Eu suspeitava... No entanto também sabia mais do que isso. Shabranigdu também. O desespero em seu rosto deixou claro esse fato.



Então tive que tentar!



“Ouça-me, espada!” gritei. “Consuma a escuridão e faça dela uma lâmina!”



“O quê?”



A escuridão evocada pelo meu feitiço Giga Slave começou a se concentrar em torno da espada na minha mão. Funcionou — a Espada da Luz funcionou exatamente do jeito que imaginei.



Basicamente, era um artefato que dava forma à vontade de uma pessoa. Acontece que a luz é a coisa mais fácil de se manifestar. Tive minhas suspeitas quando vi como se materializou de maneira diferente para Gourry, que tinha uma vontade forte, mas não muita magia para melhorá-la; ao contrário de mim, que tinha muita prática quando se tratava de canalizar minha vontade.



Porém isso seria suficiente para derrotar o Lorde das Trevas? Parecia duvidoso. Se tivesse mais alguma coisa para somar...



“Idiota atrevida!” ele gritou, preparando seu cajado, então começou a sussurrar em voz baixa — palavras que nunca tinha ouvido antes, levadas pelo vento. Um encantamento.



Nada bom!



A espada ainda não havia absorvido toda a escuridão conjurada pelo Giga Slave.



Qualquer feitiço, grande ou pequeno, criava uma barreira mágica ao redor do usuário enquanto era lançado. Então, enquanto eu estivesse no controle do Giga Slave, poderia bloquear até mesmo aquelas poderosas bolas de energia que ele jogou em mim. Entretanto para ser honesta... Nenhuma parte de mim queria descobrir se a barreira resistiria a uma explosão com força total de um Lorde das Trevas empunhando palavras de poder.



Além do mais, a energia do Giga Slave estava sendo canalizada para a espada. Nem tinha certeza se sua barreira funcionava nesse estado.



A ponta do cajado do Lorde das Trevas começou a brilhar em vermelho. Shabranigdu terminou antes de mim! Se me precipitasse e disparasse meu feitiço antes que estivesse completo, não haveria nenhuma maneira de vencê-lo. Não poderia...



“Pare com isso!” uma voz soou. Foi Zelgadis. “Pare agora mesmo! Você não queria ver o mundo, Rezo? Por que o destruiria?”



Ele parecia bastante desorientado. É provável que não entendesse bem o que estava dizendo. E mesmo assim... O encantamento do Lorde das Trevas parou e a luz vermelha que cobria seu cajado desapareceu.



Rezo Shabranigdu olhou calmamente para Zelgadis deitado no chão.



Ali estava! Minha oportunidade!



“Tolo...” Shabranigdu disse após uma longa pausa, sua voz cheia de escárnio.



Foi então que a espada negra na minha mão tomou forma.



“Rezo, o Sacerdote Vermelho!” gritei, segurando a espada negra bem alto. “É a sua vez de decidir o seu destino! Você deixará Shabranigdu devorar sua alma? Ou irá se vingar?”



“Ohh...” uma voz alegre e — “Impossível...” — uma voz em pânico saíram de sua boca simultaneamente.



“Ouça-me, espada! Destrua a escuridão vermelha!”



Ataquei aquele desgraçado com toda força! A luz negra — essa era a única maneira de descrevê-la — cortou o ar em direção ao Lorde das Trevas.



“Coisa patética! Vou desviá-lo facilmente!”



O Lorde das Trevas ergueu seu cajado. Uma bola de energia negra disparou em minha direção. E então...



Shhhnk!


Um pilar de fogo negro — ou algo parecido — perfurou os céus.



“Ah...” deixei escapar um gemido suave. Nem tive energia para enxugar o suor que escorria da minha testa.



Dentro da coluna de fogo, pude ver algo se contorcendo. Com o tempo, tudo se acalmou. Então caí de joelhos com outro gemido.



“Mm... Mm... Mwahahaha!” a risada do Lorde das Trevas ecoou pela floresta escura. “Muito impressionante, de fato... Nunca sonhei que um mero humano pudesse possuir tal técnica...”



Rachadura! Eu ouvi um som estranho.



“Gostei de você... Gostei mesmo de você, garotinha. Verdadeiramente digna de ser chamada de prodígio.”



Apreciei o elogio, no entanto não estava em condições de deleitar-me com ele. Usei quase todo o meu poder com aquele golpe. Não tinha energia suficiente nem para uma Bola de Fogo do tamanho de um dedo mindinho. Tudo o que pude fazer foi ficar deitada no chão, ofegante.



“Entretanto lamento dizer... Que nunca mais nos encontraremos. Embora você possa ser uma feiticeira excepcionalmente boa, no final das contas, é apenas uma humana.”



Rachadura! Esse som novamente. O que no mundo...?



“Mesmo com toda a sua magia, durará apenas algumas centenas de anos, no máximo. Não há como dizer o que acontecerá ao mundo naquele momento, mas não acredito que outro de mim irá reviver enquanto você ainda viver...”



Hã? O que ele quis dizer?



Eu vi quando olhei para cima. O corpo do Lorde das Trevas Shabranigdu estava coberto de rachaduras. Porém então...



“Gostaria de reviver daqui há algum tempo e enfrentá-la outra vez... Contudo sei que esse desejo é em vão. Por respeito a você, partirei deste mundo em silêncio.” // “Agora posso... Dormir...”



Duas vozes se sobrepuseram novamente: a do Lorde das Trevas Olhos de Rubi, Shabranigdu, e a de Rezo, o Sacerdote Vermelho.



Pop! A face da máscara do Lorde das Trevas quebrou e caiu para baixo. Ele desmoronou antes mesmo de atingir o chão, levado como poeira pelo vento.



“Tem sido divertido... Mocinha...” // “Obrigado... E sinto muito...”



Rachadura.



“Realmente tem...” // “Eu sinto mesmo...”



Rachadura.



“Haha... Hahahaha...”



Rachadura...



Tudo o que pude fazer foi observar distraidamente enquanto o resto do Lorde das Trevas Olhos de Rubi se transformava em pó. Ele ria o tempo todo, sua risada permanecendo no vento muito depois de ter desvanecido.



Notas:
1. Mazoku é o nome dado à raça ou clã de demônios do universo de Slayers.
2. Florete é uma das três armas usadas na esgrima, desenvolvida no século XVIII para a prática do espadachim, com finalidade de treinamento, sem corte ou ponta.
3. A espada bastarda, também conhecida como espada de uma mão e meia, é uma espada medieval, que possui esse nome por não se encaixar exatamente nem no grupo de espadas de duas mãos, nem do de espadas de uma mão, tendo tamanho intermediário, e sendo balanceada para poder ser usada com a espada em uma mão e o escudo em outra mão. Uma espada bastarda costuma ter 1,10m a 1,20m de comprimento.

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