Capítulo 33: E agora... Dragão do Caos
O General Rashart deu o primeiro passo.
“Vamos lá!” rugiu ele, atacando Xellos com a espada em punho. Seja lá o que tivesse planejado desta vez, parecia que iria mantê-lo ali, no plano material.
Crack! Com um som baixo, porém sólido, Xellos aparou o golpe com o cajado na mão direita. Ao mesmo tempo, extinguiu as bolas de energia do tamanho de nozes que vinham da esquerda (cortesia de Raltark), envolvendo-as em sua capa.
Incrível... Meus olhos se arregalaram de surpresa. Presumi que esse seria o tipo de batalha em que ondas de poder lançavam faíscas e rajadas mágicas desviadas destruíam a paisagem... Apenas um grande espetáculo, sabe? Mas, para ser franca, a luta estava se tornando perfeitamente direta.
Embora não me parecesse que nenhum dos lados estava se segurando. Havia apenas um surpreendente pouco de excesso no uso de poder.
A explicação mais provável era que estavam tentando evitar danos colaterais, já que uma batalha total entre esses caras acabaria destruindo a montanha inteira. Xellos não queria que nos machucássemos, e Raltark e Rashart não queriam fazer nada que pudesse colocar os dragões contra eles.
Contudo enquanto a luta que eu conseguia acompanhar continuava, com seus bloqueios de ataques e o selamento mágico, parecia que os mazokus agora também estavam se envolvendo no plano astral. De vez em quando vislumbrava uma broca preta entrando e saindo da existência acima da cabeça de Raltark. Ou a espada na mão de Rashart parecia se borrar por um segundo. Ou Raltark soltava um gemido de dor... Suponho que algum tipo de vaivém estava acontecendo; apenas não tinha os detalhes.
É verdade que não estava com tempo para relaxar e vê-los lutar. Os orbes Vermelho e Cinza vinham em nossa direção, ainda que não em grande velocidade. Imaginei que fossem mazokus que Raltark havia arrastado do lado astral da realidade. Gourry e eu já havíamos lutado contra essas criaturas mais abstratas uma vez em Saillune, contudo, a julgar pela incerteza nos rostos de Amelia e Zel, aquela era a sua primeira vez.
“Cuidado, Zel! Amelia! Eles podem parecer um pouco ridículos, no entanto devem ser bastante durões!” alertei.
“É óbvio, é só que...” Zel murmurou.
“Eu ainda não quero lutar com eles.” respondeu Amelia.
Com isso, ambos começaram a entoar cânticos. Por sua vez, Gourry sacou a Espada da Luz e eu comecei a trabalhar em um feitiço próprio.
“Lança Elemekia!” Amelia invocou primeiro.
E no momento em que a lançou, o orbe Cinza mergulhou para interceptar sua trajetória. Pwash! A lança de luz o penetrou diretamente e, no mesmo instante, o vermelho disparou múltiplas lanças de luz... Direto em Zelgadis!
“Videira Astral!” gritou ele, usando seu feitiço para infundir magia em sua espada. Em seguida, se esquivou ou cortou as lanças que se aproximavam.
Agora era a minha vez.
“Garra Negra!” gritei, invocando uma massa disforme de magia que pairava como um enxame de insetos alados negros ao meu redor.
A massa avançou em alta velocidade em direção ao orbe Vermelho... Zoom! Entretanto o Cinza seguiu direto para o perigo que se aproximava mais uma vez, em uma nítida tentativa de defender o Vermelho, recebendo o golpe!
Vrum! Assim que o Cinza foi atingido, o Vermelho cuspiu uma névoa negra em nós!
“O quê?”
Saltamos o quanto antes para longe e nos abrigamos atrás de uma grande rocha próxima. Ouvi o que se assemelhava a água espirrando no chão. Quando saímos da cobertura, pudemos ver inúmeros buracos pequenos e rasos escavados do outro lado da rocha.
Aquilo era... A execução de um feitiço de Garra Negra? Claro! Pelo visto a estratégia dos orbes era que o Cinza absorvesse nossos ataques e depois, de alguma forma, o Vermelho os disparasse de volta amplificados.
“Todos! Mirem no Vermelho!” gritei.
“Pode deixar!” respondeu Gourry, preparando a Espada da Luz enquanto investia.
Cinza flutuou na frente do Vermelho para bloquear seu ataque. Ao fazê-lo, Vermelho disparou alguns raios de luz em Gourry. Ele os cortou sem dificuldade, passou por Cinza e continuou investindo contra Vermelho. Vermelho rapidamente se distanciou, quase quicando para cima antes de parar de repente no ar, alto demais para a espada alcançar.
Ou assim pensou que fosse! Gourry disparou a lâmina da Espada da Luz no orbe, mas... O orbe Vermelho empalideceu em cinza de repente enquanto o orbe Cinza ficou vermelho!
Eles trocaram de lugar? O orbe agora cinza foi atingido pela lâmina de luz, enquanto o orbe agora vermelho devolvia vários disparos em Gourry por trás.
Porcaria! Ele não conseguiria se esquivar! Seu corpo se virou a tempo de ver as lâminas de luz vindo em sua direção, e então...
“Sinalizador Gaav!”
Um raio de fogo percorreu o ar, engolfando a luz que avançava em direção a Gourry! Boa, Amelia! Ela usou um feitiço que preparara como ataque para interceptar a investida.
“Desculpe! E obrigado!” saudou Gourry enquanto recuava para uma distância segura.
Ainda assim, foi um truque bem inteligente para um par de esferas ridículas. Elas podiam mudar de cor e trocar de propriedades ao mesmo tempo.
Espera aí, seria possível... Que parecessem duas entidades, quando na verdade são um único ser? Estavam sincronizadas demais para serem indivíduos distintos. Talvez seu corpo real estivesse no plano astral, e essas fossem apenas facetas que projetava em nosso mundo para ataque e defesa. Todavia, qualquer que fosse a explicação, não mudava o fato de que tínhamos que derrotá-los.
Os novos Cinza e Vermelho se reagruparam, ignoraram Gourry e avançaram direto para o resto de nós. (Eu digo ‘nós’, porém é óbvio que sou o seu verdadeiro alvo!)
“Acho que vamos ter que atacar os dois de uma vez!” disse Amelia, avaliando-os.
“Muito bem. Você pega um; eu cuido do outro!” respondeu Zel, saindo do nosso lado para flanquear os orbes.
Eles estavam lentamente ganhando velocidade enquanto avançavam em nossa direção pelo ar... Então, ao mesmo tempo, ambos desferiram um raio!
Quê? Amelia e eu saltamos rapidamente para longe de onde estávamos. Os dois orbes nos perseguiram, continuando a lançar raios!
Por sorte, já tinha terminado de entoar meu feitiço. O resto caberia a Zel, então... Lancei um olhar em sua direção, e ele devolveu um firme aceno de cabeça. Ótimo! Pelo visto também estava pronto para jogar. Assenti de volta.
“Lança Elemekia!” gritamos em uníssono.
Duas lanças de luz então se lançaram em direção aos orbes.
E pouco antes de perfurarem suas respectivas esferas... Snap! Algo invisível as desviou!
Geh! Essas coisas não conseguem apenas neutralizar os feitiços, também conseguem bloqueá-los?
As duas esferas continuaram a acelerar, aproximando-se cada vez mais de mim! Sua intenção era me esmagar entre elas?
Em pânico, comecei outro cântico... Todavia não o terminaria a tempo! Assim que a esfera vermelha chegou bem na minha cara...
“Vis Farank!” gritou Amelia.
Slam! Ouviu-se um som abafado, e Vermelho desapareceu da minha vista no instante seguinte.
Amelia havia reunido poder mágico em suas mãos e deu um soco no orbe. Ele, com razão, não esperava que alguém o socasse diretamente, então recebeu o golpe na hora. O mundo é um lugar grande, entretanto acho que as únicas pessoas que conseguiam espancar um mazoku no soco até a morte com as próprias mãos eram Amelia e seu pai.
Bom, ok, talvez minha irmã mais velha consiga...
Vermelho saiu voando com o golpe, e Amelia perseguiu, socando-o pela segunda vez! Ouvi algo... Kreeeeeee! Talvez um grito. Ambos os orbes emitiram um som de metal vibrando.
Isso significava que eram a mesma entidade, afinal.
Enquanto Amelia continuava batendo no Vermelho, o outro investiu em sua direção e... Vwing! Zelgadis se aproximou e cortou Cinza ao meio com sua espada larga magicamente infundida! E então... Ba-bwoom! Vermelho e Cinza explodiram!
———
“Ugh...” sentei-me com um gemido suave.
Meu corpo doía por todo lugar. Não estava muito machucada, mas devo ter desmaiado por um segundo. Minha cabeça estava um pouco zonza. Também era difícil ouvir; a explosão deve ter estourado meus tímpanos.
Isso mesmo. As esferas explodiram de repente e...
“Amelia! Zel!”
Vasculhei os arredores e vi os dois caídos, após serem jogados contra uma rocha que os havia impedido de voar. Parecia que eu tinha escapado do pior da explosão porque estava mais longe, porém Zel e Amelia quase a levaram à queima-roupa.
Zel tentava se sentar com um gemido de dor, por sua vez Amelia estava completamente imóvel.
Sem chance...
“Amelia?”
Corri até ela em pânico. Peguei seu braço e senti seu pulso... Ótimo. Ainda respirava.
Mas seu estado era péssimo... Usar Recuperação era minha única opção. Uma pena que esgotava a resistência do alvo para curá-lo. Por desgraça, dada a gravidade dos ferimentos de Amelia, era difícil dizer se conseguiria fechar seus ferimentos antes de esgotar sua força. De toda forma, estava claro que não duraria muito em sua condição atual.
Se ao menos eu pudesse usar Ressurreição, que converte a força vital ao redor em poder de cura... Porém não havia sentido em lamentar o que não tinha. Agachei-me ao lado de Amelia e comecei a entoar Recuperação.
“Acho que você não vai conseguir assim.” disse uma voz masculina. Ajoelhando-se ao meu lado agora estava...
“Milgazia, senhor?”
Ainda em forma humana, ele estendeu a mão sobre o corpo de Amelia.
Hru... U... U... Sons que uma voz humana jamais conseguiria reproduzir flutuavam no vento. Pelo que entendi, estava recitando um cântico.
Por fim, sua palma começou a emitir uma tênue luz azul. Era uma cor um tanto doentia, o mais provável é que fosse um feitiço de cura. Observei os ferimentos de Amelia começarem a se fechar diante dos meus olhos. Seja qual for o feitiço que estivesse usando, poderia ser até mais potente que Ressurreição.
“Você está a salvando?” perguntei baixinho.
“Por que devo abandonar alguém que está ao meu alcance salvar? A garota não é minha inimiga.” respondeu ele, com os olhos ainda focados em Amelia.
“Obrigado...” falei, com sinceridade, e então voltei meu olhar para Zel.
Embora pudesse odiar seu corpo quimérico, foi sua pele pétrea aquela que atenuou a severidade do dano que sofrera. Zel já estava de pé e lançando Recuperação em si mesmo. Quando percebeu meu olhar em sua direção, devolveu um leve aceno. Pelo visto conseguia se virar muito bem.
Gourry, por sua vez, estava longe o suficiente da explosão para sair ileso.
“Como está Amelia?” perguntou preocupado, ao chegar ao meu lado.
“Sir Milgazia está cuidando dela. Acho que vai ficar bem.”
“Isso é ótimo!” ele disse com um suspiro de alívio.
Contudo, maldição... Esta foi a minha primeira vez lutei contra mazokus que explodiam quando os derrotava. Talvez esse fosse o objetivo de Raltark desde o início. Os orbes deveriam se autodestruir de um jeito ou de outro. Seu único erro de cálculo foi que a explosão não teve o impacto mortal que esperava.
Mesmo assim, isto não mudava o fato de que Zel e Amelia haviam sofrido um duro golpe que era pra mim. O que significava... Que era hora de retribuir o favor!
“Gourry! Me passa a Espada da Luz!”
“Aqui!” respondeu meu companheiro, jogando a espada, com a lâmina retraída, na minha direção.
Peguei-a com a mão direita e mirei em Raltark, que seguia focado em sua batalha com Xellos. Tinha a sensação de que poderia estar prestes a cair nas mãos de Xellos e seu bando... No entanto Raltark, o Sacerdote do Dragão, tinha que pagar.
Enfim, vamos nessa! Hora da Lâmina Dragon Slave!
Tu que és mais sombrio que o crepúsculo...
Tu que és mais vermelho que o sangue...
Juro em teu nome exaltado...
Obscurecido, nas profundo do fluxo do tempo...
Enquanto entoava meu feitiço, Raltark, que estava à direita de Xellos de onde eu estava, percebeu minhas intenções. Ou seja, entoando um feitiço de ataque que invocava o poder do Lorde das Trevas Olhos de Rubi Shabranigdu. Todavia enquanto esse poder tivesse que ser canalizado através da escassa capacidade de um humano... Bom, não faria muita coisa contra Raltark, e sem dúvida não seria o suficiente para matá-lo.
Entretanto...
Tenho um truque na manga que já havia tentado uma vez. Veja bem, quando lancei um Dragon Slave através da Espada da Luz e concentrei sua luz vermelha em uma lâmina, isso me rendeu algo com poder destrutivo significativo.
Raltark não tinha como saber dessa técnica, mas não estava disposto a me deixar fazer o que planejava. A mensagem veio na forma de uma pequena bola de magia que ele disparou em minha direção.
Porcaria! Poderia apenas rebatê-la, porém estava preocupada que seu tamanho minúsculo pudesse esconder um grande poder de explosão. Derrubá-la com uma pedra ou algo desse tipo poderia significar uma explosão bem na minha cara. E, ainda assim, se apenas me esquivar, ela atingiria os outros atrás de mim...
Ugh! Vamos fazer um teste, então!
Assim que decidi derrubá-la no ar... A bola de magia que se aproximava foi engolida pelo ar ao seu redor e desapareceu. Provavelmente obra protetora de Xellos outra vez. Raltark pareceu atordoado ao ver seu ataque anulado de maneira tão fácil.
E, naquele momento, terminei meu feitiço.
“Dragon Slave!”
Respondendo às minhas palavras de poder, a Espada da Luz em minha mão direita produziu uma lâmina carmesim! E com ela em punho, corri pelo chão em direção a Raltark! Parecendo um tanto abalado, o mazoku expandiu sua presença espiritual.
Bwoosh! A onda de pressão que se seguiu me paralisou. Poderia me apoiar nela se quisesse, contudo... Embora a chamasse de ‘presença espiritual’, era mais parecida com um miasma. A exposição contínua desgastava minha resistência e dificultava a continuidade.
Então, em vez disso, enquanto lutava contra a pressão, agarrei minha espada com as duas mãos e...
“Vai!” gritei, disparando a lâmina rubi contra Raltark!
Acerte-o, droga!
Raltark estalou a língua e, no momento em que tentava se esquivar... Whoom! Uma única broca negra surgiu do nada, perfurando seu estômago! Xellos!
“Graaaaaaaaagh!” Raltark berrou em um grito ecoante.
Então... Crash! A luz carmesim que disparei perfurou o Sacerdote do Dragão direto no peito, fazendo-o gritar em resposta. Enquanto Raltark recuava, outra broca negra surgiu do nada e pulverizou sua cabeça! E esse foi o fim do Sacerdote do Dragão Raltark.
Bwush! Seu corpo se despedaçou como uma fruta sob uma marreta. Tudo o que restou foi uma lama índigo pingando de onde ele estivera, mas isso também logo desapareceu, levado pelo vento ou afundado no chão.
Os únicos de pé agora eram o Sacerdote Xellos, sorrindo como sempre... E o General Rashart, completamente estupefato.
“S-Senhor Raltark...!” Rashart ofegou com a voz trêmula enquanto voltava aos poucos o olhar para Xellos.
“Agora então...” disse Xellos, e...
“Aaaaah!” Rashart desapareceu com um grito patético.
...
Um longo silêncio se seguiu.
“Ah... Ele escapou tão facilmente.” sussurrou Xellos por fim, coçando a ponta do nariz.
“Gaaah! Não escapou coisa nenhuma! Você o deixou ir! Por quê?” eu me vi gritando, frustrada com a natureza perpetuamente imperturbável de Xellos.
“Bom, aconteceu tão de repente. Mas, Srta. Lina, devo agradecer imensamente pela sua ajuda. Se não fosse sua ação ao distrair o Mestre Raltark... Ouso dizer que acabaria em apuros por um momento. Os outros estão bem?”
Ack, claro! Não tinha tempo para discutir com Xellos! Virei-me e voltei para onde Zelgadis descansava no chão.
Devolvi a Espada da Luz ao seu legítimo dono e disse.
“Obrigado, Gourry. Como você está, Zel?”
“Não é tão ruim quanto parece. Para mim, pelo menos...” respondeu com firmeza, embora parecesse bastante abatido. “Como está Amelia?”
“Sir Milgazia está tratando dela. Vou dar uma conferida.” falei, indo para lá em seguida.
“O tratamento terminou!” o ancião dragão dourado disse em um tom apaziguador. “Ela deve estar bem agora.”
Amelia seguia deitada inconsciente, porém seus ferimentos haviam fechado e sua respiração havia normalizado. Whew... Isso me tirou um peso da consciência.
“Obrigado, senhor!” eu disse, curvando-me para Milgazia.
“Não precisa me agradecer!” ele falou sem rodeios, desviando o olhar.
Estava ficando tímido comigo? Senti vontade de provocá-lo, contudo...
“A porta parece ter desaparecido.” murmurou então, ainda desviando o olhar.
“Que porta?” perguntei, seguindo seu olhar.
Agora havia um grande buraco no penhasco que se elevava sobre a estrada que levava ao pico. Espere...
“Para a Bíblia Claire?”
“Correto.”
Caminhei até o buraco aberto na face da rocha, onde o caminho para a Bíblia Claire havia sido escondido, e estendi a mão para testar. Minha mão teria atravessado a parede antes, no entanto agora encontrou a superfície dura da rocha. Talvez devido à explosão que Raltark havia provocado de dentro...
“Quer dizer... Que a Bíblia Claire também desapareceu?”
“Esta não é a única ‘porta’ para a ruptura.” sussurrou Milgazia para mim. “O escasso poder que ele liberou não teria sido suficiente para destruir seu nexo, a própria Bíblia Claire. Embora não posso ter certeza de que o desaparecimento desta porta não teve qualquer influência sobre ela.”
Bem, tanto para ouvir mais sobre a Espada da Luz e aprender como restaurar a humanidade de Zel... Terei que encontrar outra porta em outro lugar.
Ei, é verdade...
Quando parei para pensar, Xellos sabia que havia uma porta para a Bíblia Claire ali. Isso significava que provavelmente tinha informações sobre outras portas também.
Virei-me para perguntá-lo.
“Ei, Xellos, você sabe onde mais eu poderia encontrar um caminho para a Bíblia Claire?”
Seu olhar se voltou para mim, preocupado, hesitante.
“Bem... Conheço algumas... Todavia elas não são fáceis de alcançar, e não posso te dizer onde estão.
Foi o que imaginei.
“Por que não?” decidi argumentar, embora já tivesse um bom palpite do motivo.
“Bem... Meu trabalho era apenas te levar até a Bíblia Claire da primeira vez. Se fosse te levar para outra porta só porque está se foi, acho que levaria a uma outra conversa.”
“Sempre o garoto de recados relutante, hein?”
“Nós, insignificantes mazokus inferiores, devemos obedecer à vontade dos nossos superiores. A única razão pela qual Raltark e Rashart conseguiram se voltar contra nós foi porque receberam ordens de seu progenitor, o Dragão do Caos Gaav.”
“Mas se mazokus são tão obedientes a ordens vindas de cima, por que Gaav não segue as ordens de seu progenitor, Olhos de Rubi?”
“Agora... Essa é uma história bastante complicada.” Xellos começou a descer a estrada da montanha em nossa direção enquanto falava, seu tom despreocupado, como de costume. “Tudo começou com a Guerra das Encarnações, mil anos atrás. Olhos de Rubi e o Dragão do Caos lutaram contra Aqualord de frente, e quando Aqualord foi destruído, o Dragão do Caos praticamente morreu, desferindo o golpe fatal. Agora, dizer que um de nós ‘morre’ não significa aniquilação total. Significa apenas que nosso poder é temporariamente selado, que perdemos nossa capacidade de influenciar o mundo até que se recupere. Em circunstâncias normais, revivemos após algum tempo.”
“Vocês voltam à vida?”
“Bem, depende do poder individual do mazoku e da natureza da derrota. Aqueles que são aniquilados... Isto é, sua vontade, memória e alma são fundamentalmente obliteradas... Podem ser levados a uma condição onde seu poder é realocado em um novo recipiente, embora nunca se reconstituirão na mesma forma outra vez.”
“Enquanto isso, aqueles que apenas ‘morrem’ podem perder sua capacidade de se manifestar neste mundo, porém podem recuperar seu poder de alguma forma com o passar do tempo, permitindo-lhes retornar mais uma vez.” Xellos parou ao alcançar Zelgadis, que agora estava de pé, ainda que trêmulo. “É frequente que mazokus de nível inferior acabem se manifestando como demônios inferiores, demônios de bronze ou outras criaturas incompletas, quase dignas desse nome, antes de conseguirem reunir seu verdadeiro poder outra vez... Contudo um ser tão poderoso quanto o Dragão do Caos teria alcançado um renascimento perfeito a tempo, em circunstâncias normais.”
“No entanto... Aqualord colocou um selo curioso no Dragão do Caos. Pouco antes de ser destruído, usando um pedaço de sua própria alma, e talvez se aproveitando de suas naturezas dracônicas semelhantes como catalisador, forçou o Dragão do Caos moribundo a reencarnar em um corpo humano. Entretanto o feitiço não foi perfeito... E assim, após inúmeras reencarnações, o Dragão do Caos enfim recuperou suas memórias e habilidades. Tudo ótimo até aí, é claro, exceto...”
Falando como humana, ouso dizer que não tem ‘nada ótimo’ aí...
“Através da cadeia de reencarnações, aquele fragmento da alma de Aqualord atingiu seu propósito pretendido como intermediário e fundiu parte do espírito do Dragão do Caos revivido com o de seu hospedeiro humano. É claro, suas características demoníacas são fundamentalmente dominantes, todavia suas características humanas interagiram com elas de uma forma inesperada que serviu para isolá-lo do controle de Olhos de Rubi. Desde então começou a se opor de forma constante a Olhos de Rubi e até mesmo arrastou os subordinados que havia criado para sua causa! Sério, os jovens de hoje em dia... O que se deve fazer?”
“‘Jovem’?”
“Ah... É apenas uma figura de linguagem. Tenho certeza de que o Dragão do Caos só pensou que um traidor como ele não poderia sobreviver se os mazokus permanecessem unidos sob o comando do Lorde Olhos de Rubi. A única parte de Shabranigdu atualmente ativa é o Lorde das Trevas do Norte nas Montanhas Katart, e se algo acontecesse com ele... Os mazokus, com seu senhor perdido, apenas começariam a agir com base em seus próprios interesses individuais. Isso aumentaria as chances de sobrevivência do Dragão do Caos. Imagino que seja por essa razão que está tentando reunir humanos, dragões e elfos em um ataque às Montanhas Katart. Sua intenção é usar o caos para matar Olhos de Rubi, ainda meio selado por Aqualord e incapaz de usar todos os seus poderes...”
“E ainda assim você destruiu esses planos!” disse uma voz atrás de nós.
Virei-me com o susto e vi um cavaleiro com armadura de dragão parado ali, com a lâmina desembainhada na mão.
O quê, esse cara de novo?
“Ohh... Você voltou, Mestre Rashart.” disse Xellos, descontraído.
“Não posso derrotá-lo sozinho sem Sir Raltark... Mas pelo menos posso acabar com aquela garota!” sibilou o General Dragão Rashart, com os olhos odiosos fixos no Sacerdote da Grande Besta.
“Entendo. Eu simpatizo, com certeza, porém receio que...”
“Xellos!” gritou Gourry, interrompendo-o. Ao fazê-lo, senti uma nova presença sobre nós.
“Ngh?” Xellos se virou bruscamente, com um raro tom de pânico na voz.
Nesse momento, um clarão vermelho surgiu no ar!
Vrm! Incapaz de se esquivar por completo do golpe, Xellos foi separado do braço na altura do ombro!
O quê...? Enquanto ainda processava o que acabara de acontecer, outro golpe lateral cortou seu estômago!
Com um suspiro, Xellos recuou o mais rápido que pôde. Não pareceu ser um golpe fatal, contudo o fez cair de joelhos, sem forças. Antes que seu braço decepado pudesse atingir o chão, transformou-se em névoa negra e desapareceu.
“Xellos!” corri até o sacerdote sem pensar.
Aquele golpe pareceu vir do nada, assim como aquelas brocas pretas que Xellos usava...
“Ataques do lado astral são a sua especialidade, não são, Sacerdote?” disse uma voz grave.
Virei-me e vi um homem desconhecido parado ali, como se para bloquear minha fuga de Rashart. Aparentava ter uns vinte anos. Tinha peito largo, era musculoso e vestia um casaco cor de marfim. Carregava uma espada longa carmesim de um único gume na mão direita, cuja espinha repousava sobre seu ombro. Tinha uma espécie de beleza desleixada, contudo seu rosto estava coberto por um sorriso largo que beirava a maldade. Seus longos cabelos ruivos balançavam ao vento.
“Já faz um bom tempo...” Xellos murmurou do chão. “Dragão do Caos Gaav...”
Claro... Rashart havia desaparecido e reapareceu porque havia enfiado o rabo entre as pernas e foi chamar esse cara para a cena.
“Faz um tempo, né? Desde a Guerra das Encarnações, certo?”
Ele caminhou até o caído Xellos, passando direto por mim e por Gourry em guarda, e continuou a falar como se estivesse reencontrando um velho amigo.
Como mazoku, Xellos não derramou uma única gota de sangue; havia apenas uma área branca imaculada onde seu braço havia sido decepado. Por mais exangue que a cena estivesse, era óbvio que nosso amigo, normalmente alegre, estava em maus lençóis.
“Você mudou muito nos mil anos desde que te vi pela última vez, Dragão do Caos...”
“Ah, é? Eu era um pouco mais calmo naquela época?”
“Pelo contrário... Acho que ficava com raiva muito mais rápido naquela época.”
“Talvez.” respondeu Gaav com um sorriso. “Mas vejo que segue sendo o mesmo Sacerdote Xellos que conheci, não é? Levar dois golpes meus e ainda continuar vivo... Admito que tal ataque teria destruído Rashart ou Raltark sem dificuldade.”
Rashart, que estava parado mais adiante na estrada, esboçou uma expressão incomodada com o comentário, porém preferiu manter a boca fechada.
“Mesmo assim, isso deve te manter afastado por um tempo. Contudo se não se recuperar...”
“Estou ciente... Ferido tão a tal ponto, não tenho certeza se conseguiria derrotar nem Rashart...”
“‘Nem’?”
“Mesmo assim... Sinto muito dizer, no entanto você tem sido uma verdadeira pedra no meu sapato.” continuou Gaav, ignorando a objeção de Rashart. “Todos aqueles esquemas, depois matar Raltark... Achei que estávamos indo muito bem com a questão do segredo, nos esgueirando para não machucar nenhum humano ou chamar sua atenção. Perder a cidade de Gyria doeu muito, sabe? Estávamos trabalhando especialmente duro lá.”
“Ah, por favor!” me vi gritando e apontando para Rashart. “Ele destruiu tudo só para tentar me matar!”
Ao ouvir meu comentário, o Dragão do Caos franziu a testa e olhou para mim.
“Do que está falando?”
“Ah, entendi... Vejo que não entendeu o que aconteceu ali. “disse Rashart. “Foi Xellos quem arrasou Gyria.”
O quê...? Instantaneamente estupefata, voltei meus olhos para Xellos. Não houve nenhuma resposta... O sacerdote apenas permaneceu onde estava, no chão, com o mesmo sorriso implacável no rosto.
“Ma... Mas...”
“Vou ser mais claro, garota.” Rashart me disse. “Meu trabalho era subjugar o Reino de Dils, bem como conquistar a ajuda dos dragões e elfos. Acabar com você era o dever de Sir Raltark. É verdade que pensei em te derrotar por minha conta assim que descobri sobre sua estadia na cidade... Entretanto não tinha intenção de fazê-lo naquele momento.”
“Não estava mentindo no palácio. De fato queria que desse aulas de magia aos meus soldados, capacitando-os a causar dano a mazokus de nível baixo. Meu pensamento era te matar depois que fizesse o trabalho. Todavia antes que pudesse colocar meus planos em ação, Xellos apareceu, mudou sua voz e aparência, e destruiu o palácio e a cidade sob o pretexto de te atacar. Formar um exército será impossível depois do que ocorreu.”
“Pense nisso, garota. É claro que estou ciente de que a sua pessoa faz parte da trama do Mestre do Inferno... Porém que tipo de idiota eu seria para sabotar por conta própria o meu próprio plano... E um plano muito importante, aliás, só para tentar frustrar uma completa desconhecida?”
Ahh...
“Xellos... Você...” sussurrei com a voz rouca, encarando-o.
O Sacerdote da Grande Besta permaneceu em silêncio.
Então essa é a verdade... Ele havia simultaneamente esmagado o exército do Dragão do Caos e incriminado Rashart pelo ocorrido, inflamando minha raiva contra a facção de Gaav e me tornando ainda mais fácil de manipular. Achei que estava entrando nisso com os olhos arregalados, contudo ainda fui enganada...
No entanto se tudo era parte do seu plano, nesse caso...
“Ok, agora já sabe a história!” disse Gaav no mesmo tom amigável. E então...
Crack! Ele desferiu um chute rápido no queixo de Xellos.
“Retiro o que disse...” disse Xellos, se levantando. “Seu temperamento... Está tão ruim quanto sempre esteve...”
“Está? Bem, tanto faz.” o Dragão do Caos apontou a ponta de sua espada para Xellos. “Hora de confessar. Que diabos Fibrizo está planejando?”
“Receio que o Lorde Mestre do Inferno não me contou nada sobre seu plano.” respondeu, repetindo a mesma resposta que dera a Amelia.
Embora Gaav respondeu sem se alterar.
“Entendo. Vamos mudar a abordagem então. Alguém além do Mestre do Inferno... Por exemplo, a Grande Besta, lhe contou o plano?”
“Hã?” um pequeno grito escapou dos meus lábios.
O cara tinha razão... Xellos nunca disse que não sabia do plano.
“Que astuto da sua parte.” disse Xellos com um sorriso fraco. “Está correto... A Grande Besta Zellas Metallium me contou os detalhes do plano. Nosso objetivo é...”
“É o quê?” Gaav repetiu.
“Um segredo!” respondeu Xellos com um sorriso.
E com isso... Ele desapareceu sem deixar rastros.
“Escapou?” Rashart gritou em choque.
“Persiga-o, Rashart!” disse Gaav, mantendo a calma. “Vou segui-lo logo depois. Embora, em seu estado atual, você deve conseguir derrotá-lo sozinho.”
“Senhor!” Rashart respondeu, e desapareceu também.
“Agora, vejamos...” Gaav sussurrou, virando-se lentamente para mim.
Dei um grande passo para trás. Não havia dúvidas em minha mente sobre qual seria o seu próximo passo.
Ele vai me matar.
“Ainda não sei o que o Mestre do Inferno está tramando... No entanto preciso de você morta, seja lá o que for.” disse o Dragão do Caos, cuspindo a frase exata que eu esperava. “Em parte para destruir o plano do Mestre do Inferno, mas também como vingança por tudo o que nos fez passar.”
“Não vou deixá-lo fazer isso!” respondeu Gourry. Ele preparou a Espada da Luz na mão direita, avançando lentamente para se colocar entre nós.
“Ohh... É a Gorun Nova! Incrível!” disse Gaav, como uma criança que acabou de ver um brinquedo interessante.
Gorun Nova... Não foi assim que a Bíblia Claire chamou a Espada da Luz?
“Porém deixe-me avisá-lo: não há como um humano me derrotar com isso. Não adianta arriscar a vida em uma batalha perdida, não é?”
“Sou o guardião dela.” disse Gourry, até sorrindo. “Autodeclarado, é claro. Contudo mesmo assim... Um guardião autodeclarado ainda é um guardião. Não posso ficar parado vendo-a ser morta.”
“O mesmo aqui.”
Isso veio de Zelgadis, que falou com a voz rouca. Sua condição não devia estar completamente recuperada, pois seus passos seguiam instáveis. Ainda assim, seus olhos estavam fixos em Gaav.
“Não sou seu guardião, apenas um companheiro. No entanto não vou deixar fazer o que bem entender. Embora no meu estado atual, o máximo que consigo fazer são lançar alguns feitiços de ataque...”
“De qualquer forma, vamos dar tudo de nós!” disse uma voz animada do meu outro lado.
“Amelia!”
Tudo bem! Não sei quando ela acordou, mas, como sempre, estava com o queixo erguido, orgulhosa, e apontava ousadamente para Gaav!
“Não sei o quão durão você é, vilão, todavia enquanto fizermos o nosso melhor, o bem sempre triunfará!”
Ohh! Ela estava realmente de volta à ativa!
“Ei, Amelia! Tem certeza que está bem?”
“Hah! Um coração que ama a justiça pode sobreviver a uma ou duas pequenas explosões!”
Acho que não se lembra de estar às portas da morte há alguns minutos atrás...
“A propósito, Lina, quem é esse homem?”
Blam! Nossas cabeças bateram no chão com essa pergunta. Até a expressão do Dragão do Caos ficou amuada quando virou os olhos na direção de Amelia.
“E-Ei, Amelia! Não diga bobagens de classe Gourry numa hora dessas! Quando foi que acordou?”
“Mais ou menos na hora em que disseram: ‘Ainda não sei o que o Mestre do Inferno está tramando... No entanto preciso de você morta’. A partir disso, intuí que fosse um vilão, o que desencadeou minha fúria de justiça!”
“Arrrgh! Certo, tudo bem! Este é o Dragão do Caos Gaav! Ele acabou de derrotar Xellos, que fugiu!”
“Dragão... Do Caos?” Amelia franziu a testa ligeiramente. “Hah... Não é nada como imaginei! Pensei que seria muito mais imponente!”
“Não sou fã dessa fanfarronice toda!” disse Gaav em um tom calmo que se tornou seco à medida que continuava. “Posso assumir uma forma mais monstruosa... Mas gosto desta. Transformar-me em monstro não me tornaria mais forte, e duvido que me fariam a decência de se intimidar... Então é tudo perda de tempo.”
Entretanto Amelia, fiel à sua forma, manteve o dedo apontado e declarou.
“Seja como for, você arrastou as cortes de Saillune e Dils para o caos e tentou matar Lina! Não há quaisquer dúvidas sobre sua natureza maligna!”
“Não me faça rir!” respondeu Gaav com um bufo. “O bem e o mal não têm nada a ver com isso. Estou apenas fazendo o que preciso para sobreviver.”
“Então fere pessoas inocentes e semeia o caos pela terra apenas para servir aos seus próprios interesses? O que seria tal coisa senão maldade?”
“Tudo bem, nesse caso permita-me perguntar uma coisa... Para salvar a própria vida, Lina ali está servindo por vontade própria ao Mestre do Inferno, apesar de saber que trará o caos ao mundo. Isto não a torna má também? E como sua companheira, não a torna má por associação?” Gaav perguntou em um tom irônico.
“Guh!”
Sua pergunta tirou o fôlego de Amelia.
“Qual o problema em lutar para sobreviver? Ou devo ser como aqueles idiotas nas Montanhas Katart cujo único propósito na vida é destruir tudo, inclusive a si mesmos? Hmm?”
“Destruir tudo?” Amelia repetiu.
“Sim. Os mazokus querem destruir o mundo, depois se destruir e devolver tudo ao caos. Foi por essa razão que foram criados.”
Claro... Isso mesmo.
“Mil anos atrás, eu pensava da mesma forma que eles. Mas depois de morrer e renascer dentro de um corpo humano repetidas vezes, comecei a mudar de ideia. Não posso mais ficar com os bastardos de Katart. É verdade, posso continuar fugindo deles, porém... Se algo acontecer para reviver os outros fragmentos do Olhos de Rubi, serei destruído junto com o resto do mundo, mais cedo ou mais tarde.”
“O que me deixa apenas uma opção: atacar e destruir os seus fragmentos um por um eu mesmo, começando pelo Lorde das Trevas do Norte em Katart.”
Gaav se virou para mim de novo.
“Destruir Olhos de Rubi para sobreviver, destruir os planos do Mestre do Inferno para sobreviver, matar você para sobreviver... É nisso que tudo se resume. Estou lutando para sobreviver... Sou como você, de certa forma.”
“Não se preocupe. Não farei nada estúpido como pedir para me deixar te matar... Resista o quanto quiser e tente o seu melhor para se manter viva. Seus aliados são livres para ajudar!” disse ele, lentamente preparando a espada na mão direita.
“Então prepare-se!” Amelia gritou e começou a entoar um feitiço.
Era... Um Ra Tilt, o feitiço xamânico supremo utilizável por humanos! Tinha poder suficiente para derrotar a maioria dos mazokus com um único golpe, contudo este era o Dragão do Caos... Qual seria o efeito real contra alguém do seu nível?
Por fim, ela terminou seu cântico e... Fwee! Um som semelhante a um assobio saiu da boca de Gaav.
“Ra Tilt!” Amelia liberou um pilar azul que consumiu temporariamente o corpo de Gaav, e pouco depois... Kringgg! Com um som agudo, o pilar azul se estilhaçou!
“O quê?” Amelia ofegou, o queixo caindo em choque.
É, já imaginava... Só que não era hora de se fazer de presunçosa.
“Um golpe direto de um feitiço como esse não é pior do que ser mordido por um gatinho... No entanto ainda assim doeria, então decidi bloqueá-lo.”
Sua descrição casual deixou Amelia sem palavras.
“Gorun Nova, em mãos humanas, também não causaria muito dano. O único da sua espécie que teria alguma chance seria aquela Cavaleira de Ceifeed de quem tanto ouvi falar.”
Oh?
“Na verdade, ela está ocupada servindo mesas no momento...” respondi.
Todavia Gaav me ignorou, talvez presumindo que estivesse falando bobagem. Bom, tudo bem, tanto faz. De qualquer forma, decidi...
“Gourry! Vamos!”
“Certo!”
Percebendo o que eu estava tentando fazer, Gourry assentiu e preparou a Espada da Luz. Quanto a mim, comecei a preparar um cântico.
“Dragon Slave?” Gaav fez uma careta de deboche. “Isso também não vai funcionar, só para você saber.”
Tenho certeza de que não funcionaria... Se fosse acertá-lo em um golpe direto, claro.
O Dragão do Caos emitiu aquele som sibilante outra vez, que presumi ser um feitiço defensivo.
“Dragon Slave!”
Fwsh! Assim que invoquei meu feitiço, a lâmina na mão de Gourry adquiriu um brilho vermelho!
“Hoh!”
Meio surpreso e meio entretido, Gaav assumiu uma postura defensiva pela primeira vez. O fato de não estar ciente do nosso pequeno truque sugeria que Rashart não havia compartilhado os detalhes da morte de Raltark.
“Você consegue usa tal truque, hein? Interessante! Estava pensando em te matar de improviso com um ataque do plano astral... Entretanto isto torna as coisas muito mais divertidas!” comentou ele com uma voz que soava mais encantada do que assustada. Em seguida, virou-se para encarar Gourry. “Bem... Vamos lá.”
Pronto, ele veio em disparada. Esse cara era rápido!
“Whew!” Gourry conseguiu bloquear um golpe ascendente seguido de uma estocada.
Clink! Clash! Cada vez que a Espada da Luz rubi bloqueava um golpe da lâmina carmesim de Gaav, liberava ondas de choque e faíscas de plasma vermelho. Era um sinal de que meu feitiço na espada estava perdendo força. Por sua vez, não havia um único trincado na lâmina do Dragão do Caos. Gaav e Gourry pareciam empatados em termos de habilidade, porém Gourry estava em clara desvantagem... A Espada da Luz acabaria perdendo poder com tempo.
Isso significava que eu tinha que terminar tudo antes. Eu era a única que tinha alguma chance de causar dano real ao Dragão do Caos. Contudo agora que conhecia sua verdadeira forma, fiquei ainda mais hesitante em usá-la...
Ainda assim, não podia só deixar Gourry morrer.
Ok, ok, apenas faça logo! Não há chance de sair do controle se for dessa forma!
Como uma Bola de Fogo, segurei as palmas das mãos na frente do peito, ligeiramente afastadas. Em seguida, recitei o cântico de amplificação. Respondendo às palavras de caos que saíram dos meus lábios, os quatro talismãs do Sangue de Demônio em meus pulsos, cinto e colar emitiram uma luz pálida em cores diferentes. Então, levantei minha mão direita para o céu e comecei o feitiço...
Fragmento do Senhor dos Pesadelos
Lâmina forjada do vazio negro congelante,
Liberte-se do selo mundano...
Torne-se minha, torne-se parte de mim...
Causemos destruição como um...
Esmague até mesmo as almas dos deuses...
“O quê?” o Dragão do Caos berrou surpreso ao ouvir meu encantamento. Gourry o atacou sem hesitar, no entanto tudo o que sua lâmina fez foi arranhar de leve o peito de Gaav.
Eu havia feito alguns ajustes no cântico com base no conhecimento que adquiri da Bíblia Claire e em minhas próprias especulações. Sim. Esta era a forma perfeita da...
“Lâmina Ragna!
Vrummmmm!
O próprio ar pareceu tremer quando uma lâmina de puro vazio se manifestou em minha mão direita!
“Ngh!” não consegui conter um gemido. O poder era... Incrível! Ainda mais do que antes! Não conseguia acreditar em quão intenso era!
Claro, isso tornava o fardo sobre mim muito maior. Estava consumindo toda a minha resistência e poder espiritual apenas para manter a lâmina sob controle. Não duraria muito assim!
“Hyah!”
Corri com todas as minhas forças e golpeei Gaav, que seguia abalado com a visão! Ele preparou sua lâmina vermelha para me aparar. No momento em que brandi minha espada negra, tudo ficou nebuloso por um segundo.
Será que o esgotamento é tão insano assim? No momento em que tive esse pensamento, a espada começou a enlouquecer. Quando minhas forças me abandonaram, baixei a lâmina negra...
E não senti nada.
A lâmina negra apenas desceu, silenciosa e sem sensação, cortando a espada carmesim do Dragão do Caos Gaav... Junto com seu braço.
“Graaah!” gritou ele em agonia.
Mas eu estava no meu limite. A lâmina negra retornou ao vazio e caí de joelhos, decepcionada.
Hahh, hahh, hahh... Minha respiração ficou pesada e irregular. Fiquei encharcada de suor da cabeça aos pés. Manter o feitiço tinha sido muito mais desgastante do que imaginei. Quase não tinha mais resistência ou poder espiritual.
“Gourry!” gritei com a voz rouca, reunindo as últimas forças.
“Certo!”
Atendendo ao meu chamado, ele atacou Gaav... E Gaav soltou um rugido!
“Raaah!”
Seu espírito se inflamou, canalizando-se em uma onda de choque que lançou a mim e a Gourry para trás!
“Erk!” rolei sem forças pelo chão. Tentei me endireitar, porém meu corpo estava fraco.
Olhei para cima e vi Gaav caminhando lentamente em minha direção... Mais distante podia ver o que restava de seu braço direito decepado sendo devorado por algo preto, aos poucos.
“Eu vou te matar!” uivou o Dragão do Caos, com seus cabelos ruivos ondulando.
E então, no instante seguinte...
Um estertor de morte ecoou pelo Pico do Dragão... Vindo do Dragão do Caos Gaav!
(Continua!)
Posfácio:
Cena: O Autor e L
Au: O anime de TV Slayers começou a ser exibido hoje, e foi um dia agitado por outros motivos. Espero que todos estejam bem.
L: Este foi Slayers: O Desafio de Gaav! Mas quando parecia que as coisas estavam chegando ao fim, este volume nos dá um ‘Continua!’.
Au: Sim. Na verdade, o suspense foi um pouco pior originalmente.
L: Pior? Como assim?
Au: Ia terminar com um grito e depois o ‘Continua!’. No meu rascunho original, não se sabia quem estava gritando.
L: Wow, sério?
Au: Sim. Porém como o próximo romance só sairia daqui a seis meses, decidi que os leitores poderiam ficar irritados. Então, mudei.
L: Jeez... Essas reimpressões estão saindo tão rápido que nunca pensei nisso. Seis meses teriam sido uma tortura.
Au: É. Estar do lado do leitor desse ‘Continua!’ pode ser difícil. Eu costumava acompanhar um mangá policial. Havia um assassinato e o detetive descobria o culpado, contudo aí você recebia o ‘continua’ pouco antes de o autor do crime ser apontado. Minha curiosidade sempre me levava a comprar o próximo volume quando saía meses depois... No entanto quando lia ‘Foi você, X!’ na primeira linha, nunca conseguia me lembrar do caso real ou do que estava acontecendo.
L: Sério?
Au: Quero dizer, foram meses depois, já estava lendo outras coisas nesse meio tempo. Então, o detetive revelava sua conclusão e o caso era resolvido, e assim, no mesmo volume, havia outro assassinato. O detetive dizia: ‘Eu sei... Quem é o verdadeiro culpado!’. Aí tínhamos o ‘continua’ outra vez. E como leitor, pensava comigo: ‘Espera aí, quem é o assassino? Estou morrendo de curiosidade!’. E assim por diante, num ciclo sem fim.
L: Você é... Idiota ou algo assim?
Au: Rgh... Odeio não poder negar!
L: E tenho certeza de que a pessoa que escreveu o mangá ficaria decepcionada! Se fosse um problema tão grande, por que só não releu o último volume antes do próximo sair?
Au: Heh, não seja ingênua! Acha que conseguiria encontrar uma revista que comprei há alguns meses dentro de um quarto tão bagunçado que parece mal-assombrado?
L: Não se gabe disso! Limpe seu quarto!
Au: Bem... Quando consigo, jogo todas as minhas tralhas antigas em um saco de lixo e empilho os livros que já li ao lado da estante.
L: Quando ‘consegue’? Você coloca as coisas ao lado da estante?
Au: E quando termino, sussurro: ‘Sim, consegui!’, com um sorriso triunfante, e imediatamente ligo a TV...
L: Isso é terrível! Tudo o que está fazendo é jogar um pouco de lixo fora e mover as coisas do ponto A para o ponto B!
Au: Hã? Mas desse jeito fica tudo em ordem...
L: Não fica! Tudo o que consegue é satisfazer seu desejo de se sentir limpo! E não faça só quando ‘tiver tempo’! Faça regularmente! E não se contente empilhando livros perto de uma prateleira! Continue trabalhando até o chão ficar limpo!
Au: Hmph... Porém cada um tem seus limites.
L: Até as crianças conseguem limpar seus próprios quartos!
Au: Aww, mas...
L: Aha... Hahaha... Ok, tudo bem. Vou compartilhar o segredo de como até alguém como você pode limpar a própria casa.
Au: Sério? O que é?
L: Primeiro, me traga um pouco de gasolina e um isqueiro. E tenha uma equipe de mudança pronta.
Au: Er, desculpe... Acho que vou passar. Percebi que é melhor apenas manter as coisas limpas.
L: Contudo, dado o estado das coisas... Espero mesmo que não tenha documentos importantes do trabalho enterrados nessa bagunça toda.
Au: Ah, claro que não... É óbvio. Afinal, como sei que eles vão ficar enterrados se ficarem parados por muito tempo, sempre lido com as coisas relacionadas ao trabalho o mais rápido possível!
L: Você não poderia só... Arrumar seu quarto?
Au: Entendo... Olhando com outros olhos, né?
L: Mais como olhando pro óbvio? Bem, não me incomoda nem um pouco... Você tem sorte de alguém ainda ler suas histórias a essa altura.
Au: Urgh... Isso é um posfácio ou só uma demonstração de ódio ao autor? Bem, é tudo por enquanto!
Posfácio: Fim.
***
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