Capítulo 34: O Mestre do Inferno faz seu movimento
Uma mão branca como porcelana. Seria de uma mulher? Eu não tinha certeza... Mas foi o que vi.
“Hã?” suspirei, momentaneamente desorientada.
Minha Lâmina Ragna havia desarmado o Dragão do Caos literalmente do lado direito. Também havia exaurido minha magia e me deixado desamparada no chão. Tudo o que pude fazer foi encarar Gaav enquanto este se aproximava, pronto para acabar comigo... Porém então, de repente, ele soltou um uivo mortal.
E agora... Podia ver um braço esguio emergindo da barriga do Dragão do Caos.
“S-Seu...”
Seu rosto estava contorcido de ódio enquanto olhava por cima do ombro, sua voz tingida com uma mistura de dor e raiva.
“Seu... Quando você...”
Com essas palavras, enfim entendi o que havia acontecido. Enquanto Gaav estava focado em mim, outra pessoa se aproximou pelas suas costas e o atravessou... Com as mãos nuas. É claro, não foi nenhum de nós. O Dragão do Caos conseguia suportar a maioria dos nossos feitiços quase ileso. O único capaz de fazer tal coisa era...
“Eu estive aqui o tempo todo... Embora pelo visto só o Xellos percebeu.” disse uma voz clara atrás de Gaav.
Não era uma mulher. Não, parecia... Uma criança? De onde tinha vindo?
“Faz algum tempo, Lina Inverse.” disse uma pequena cabeça, agora aparecendo por trás do mazoku empalado.
“O quê...?” gemi.
Aquele rosto familiar, aquele cabelo preto e levemente ondulado... Pertenciam a um garoto de onze ou doze anos com aparência um tanto feminina. Aliás, o mesmo que conheci na Cidade Gyria. Este era o garotinho que me deu as dicas sobre os planos da facção de Gaav... E que encontrei sem vida após o ataque de Xellos a cidade.
“Achei que você estivesse morto.” falei, mesmo enquanto um indício de sua verdadeira identidade começava a tomar forma em minha mente.
“Ninguém nunca disse que eu estava. Você apenas presumiu porque Xellos lhe disse que meu coração não estava batendo. E no fim não era mentira. Afinal, como meu coração poderia estar batendo se não tenho um?” disse ele, provocando.
Aha... É, acho que tecnicamente não era mentira. Xellos era muito bom em ofuscar a verdade sem mentir de forma descarada.
“Uma c-criança?” Amelia ofegou trêmula, talvez ainda sem compreender a situação.
O garoto devolveu um sorriso alegre para ela e disse.
“Sim, uma criança. A aparência de uma, pelo menos. Posso assumir qualquer forma que quiser, no entanto esta é bem conveniente. Humanos são criaturas tão interessantes, tão fáceis de manipular... Sempre baixam a guarda na minha presença nesta forma.”
“E é por isso que nunca me disse seu nome...” murmurei.
“Ah, é verdade. Ainda não me apresentei.” respondeu ele descaradamente com uma leve reverência. “Eu...” falou sem um pingo de humanidade nos olhos. “Sou Fibrizo. Mas pode me chamar de Mestre do Inferno.”
Amelia, Zel e o ancião dragão Milgazia ficaram em silêncio diante dessa apresentação sem cerimônia.
Gourry havia se levantado em algum momento e agora estava com a Espada da Luz em uma das mãos enquanto me olhava interrogativamente.
“É uma pessoa famosa ou algo assim?” perguntou.
É, veja só a pachorra de não se lembrar de eu ter mencionado Fibrizo antes... É impossível você se lembrar de nomes com muitas letras, cara?
Por sua vez, o próprio Mestre do Inferno não reagiu muito perturbado pelas palhaçadas de Gourry. Tudo que fez foi dar de ombros e responder.
“Bem, sou bastante renomado em certos círculos... Embora não seja uma pessoa.”
“Isso está claro.” respondeu Gourry, preparando a Espada da Luz mais uma vez... Agora para Fibrizo em vez de Gaav.
“Então... Você e Xellos me tiveram na palma da mão esse tempo todo.” sussurrei entre dentes, com o maxilar cerrado.
O ato de Fibrizo na Cidade Gyria me incitou de tal maneira contra o Dragão do Caos que concordei prontamente em fazer qualquer coisa que Xellos dissesse, mesmo sabendo que estava sendo manipulada... Mesmo sabendo que servia aos propósitos do Mestre do Inferno, que agora sorria para mim.
“É verdade que você seguiu meus planos à risca. Gaav também apareceu na hora marcada. Porém podemos recapitular isso em breve... Há algo que preciso resolver primeiro.” disse ele, e então olhou para o Dragão do Caos, que seguia com o braço perfurando-o.
Gaav estivera em silêncio e imóvel todo esse tempo, contudo ao ouvi-lo, soltou um uivo furioso e se virou para atacar o Mestre do Inferno com a mão esquerda. Entretanto...
Shrk! Ouviu-se um som baixo de rasgo, e o braço esquerdo do Dragão do Caos voou.
“Graaaaaaaagh!” Gaav gritou desamparado, caindo de joelhos de dor.
“Nem se incomode, Gaav. Sabe que eu sempre fui mais forte do que você, além de estar preso nessa sua forma imperfeita agora... Tenho certeza que sabe que resistir contra mim é inútil.”
Mestre do Inferno encarou Gaav, que permanecia empalado em seu braço.
“Estive pensando em te matar e expurgar o elemento humano do seu sangue mestiço... No entanto parece estar misturado de uma forma muito curiosa. É impressionantemente confuso, um testemunho das habilidades de fusão do Aqualord. Nem mesmo te matar me permitiria te restaurar a sua antiga forma.”
“Maldito seja! Seu desgraçado!” Gaav fervia, debatendo-se enquanto encarava Fibrizo, todavia a sombra da morte já pairava sobre cada palavra e movimento seu.
“Nunca mais servirá ao Lorde Olhos de Rubi assim... O que nos deixa apenas uma opção.”
“Maldito seja!”
“Preciso acabar com você de vez!” disse Fibrizo, e no momento em que essas palavras saíram de sua boca...
Pop! O corpo do Dragão do Caos foi transformado em cinzas em um mero instante. Foi... Uma morte rápida demais para alguém como o Dragão do Caos Gaav. As cinzas brancas, parecendo quase neve, dançavam mais alto no vento e em direção ao céu.
Agora entendo... Por fim entendi por que o Dragão do Caos desprezava tanto o Mestre do Inferno. Seu poder era simplesmente avassalador.
Mal consegui arranhar o Dragão do Caos Gaav com o ataque mais desesperado e imprudente que tinha em meu arsenal, e Fibrizo o derrubou com um movimento casual de seu braço. Talvez incapazes de compreender a situação, ou talvez por medo instintivo, os outros apenas olharam em silêncio.
“Tudo conforme o planejado, hein?” falei, meus olhos fixados no Mestre do Inferno de onde eu estava, imóvel no chão.
“Mais ou menos.” respondeu Fibrizo em um tom idêntico ao de uma criança se gabando para os amigos. “Sacrifiquei um dos meus subordinados para passar uma certa informação para o próprio Gaav... A informação que estive tramando algo envolvendo Lina Inverse. Foi o chute inicial para a pedra rolar. Então disse a Xellos, que me foi emprestado pela Grande Besta Zellas Metallium, para ficar por perto e de olho em você.”
“E depois de me dar uma dica sobre os movimentos do Dragão do Caos e fingir a própria morte... Esperou que ele saísse do esconderijo para poder apunhalá-lo pelas costas. Bom trabalho, se planejou tudo até aqui.”
“Suponho que sim. Todavia há uma peça do quebra-cabeça que está se esquecendo... Fui eu quem te guiou de volta a Xellos quando se perdeu nos domínios da Bíblia Claire. Xellos é muito útil à sua maneira, mas levaria muito tempo para te encontrar naquele lugar perverso. Não, não, nem se de ao trabalho de me agradecer...”
“O que tudo isso significa?” perguntou Gourry com a testa franzida, ainda sem entender a situação.
Respondi, com os olhos fixos no Mestre do Inferno.
“Significa que, o tempo todo, fui um peão para atrair o traidor Dragão do Caos Gaav.”
“Isso é parte, sim.” respondeu o próprio Mestre do Inferno.
“Parte?” repeti. “Está dizendo que há mais?”
“Oh, pensei que já tivesse percebido... Ou está só fingindo ignorância? De qualquer forma, meu próximo passo deve ser óbvio...” Fibrizo desviou o olhar de mim para Gourry. “Embora não esperava encontrar Gorun Nova aqui. Isto me obriga a escolher você.”
“Me escolher? Para quê?” perguntou Gourry, sem entender nada.
“Isca!” disse Fibrizo casualmente, e então começou a caminhar em sua direção.
“Isca?” exclamou Gourry, recuando com a Espada da Luz em punho.
“Não precisa ficar tão assustado. Ninguém vai te devorar. Só venha de boa vontade e...”
Do nada, Amelia interrompeu o Mestre do Inferno com um encantamento.
“Ra Tilt!”
Não faço ideia de quando ela tinha começado a entoar o feitiço, porém este envolvia Fibrizo em uma coluna de chamas azuis agora! E ainda assim... Quando as chamas se extinguiram, ele ficou lá do mesmo jeito, imperturbável.
“Hã?” um suspiro chocado saiu dos lábios de Amelia.
Fibrizo voltou sua atenção para ela em um lento movimento.
“Você me assustou, lançando um Ra Tilt daquele jeito... Poderia ter destruído um mazoku de nível muito baixo, mas não a mim.” brincou com um sorriso travesso de criança.
“Não... Sem chance!” Amelia sussurrou, atordoada e imóvel.
Seu espanto era totalmente compreensível. Ra Tilt era o feitiço de ataque xamânico mais forte do leque de opções humanas. Era uma morte garantida contra a maioria dos oponentes, incluindo mazokus de nível baixo. Então, para o Mestre do Inferno sorrir tão despreocupado depois de enfrentar um de frente... Estávamos contemplando o poder da mais alta ordem demoníaca.
“Agora então...” Mestre do Inferno voltou seu olhar inabalado para Gourry. “Vou pedir que venha comigo... Para o palco que preparei.”
“E se me recusar?” perguntou Gourry, a Espada da Luz brilhando com mais intensidade.
“Você é livre para tentar, embora não possa me impedir.”
Aí, Fibrizo estalou os dedos... E a lâmina brilhante nas mãos de Gourry se apagou.
“O quê?” ele gritou em choque.
Isso significava... Que foi Fibrizo quem extinguiu a espada?
“Humanos não deveriam usar isso em primeiro lugar.” Disse o Mestre do Inferno.
Logo depois tornou a estalar os dedos pela segunda vez. No instante em que o fez, várias dezenas de tentáculos negros irromperam da Espada da Luz e enredaram Gourry!
“O quê?” gritamos em uníssono.
Nunca tinha visto ou ouvido qualquer sugestão de que a empunhadura da Espada da Luz pudesse produzir algo assim... Nunca tinha sequer imaginado. E tenho certeza de que Gourry, o herdeiro da espada, também não sabia.
“O-O quê?” Gourry se contorceu desesperadamente, todavia os tentáculos não deram sinal de que iriam se soltar.
“A Espada da Luz... Que nome arbitrário vocês, humanos, deram a ela. Seu nome verdadeiro é Gorun Nova.” disse Fibrizo baixinho. “É uma das cinco armas da Estrela Negra.”
“?”
Essa revelação repentina me deixou sem palavras. Xellos havia mencionado esse nome quando me vendeu os talismãs... Estrela Negra, o Lorde das Trevas de outro mundo.
Enquanto estávamos ali, estupefatos, Fibrizo continuou.
“Não sei quem fez isso nem como, mas Gorun Nova foi atraído para este mundo e transformada em algo utilizável por humanos. Porém mesmo em forma de arma, ainda é parte de Estrela Negra... Uma extensão sua. Em outras palavras, é como um mazoku em pessoa. O que significa que está muito mais próximo de mim do que de vocês, humanos, então posso manipulá-lo à minha vontade.”
“Ele foi feito para ser empunhado por um Lorde das Trevas. É por essa razão, Lina Inverse, que você não excedeu sua capacidade ainda quando canalizou um Dragon Slave ou aquele outro feitiço através de sua lâmina. Apesar de que admito que, se tivesse usado a verdadeira forma daquele feitiço, suspeito que nem mesmo Gorun Nova teria resistido.”
Seu filho da... Lancei um olhar furioso para o Mestre do Inferno com toda a veemência que consegui reunir.
“Já percebeu minhas intenções? Claro, duvido que me atenderia de bom grado se eu pedisse, e não poderia fazê-lo agora mesmo, não nessa condição... Assim sendo, vou levá-lo comigo. Para minha cidade, Sairaag.”
“Espere...” comecei a gritar, contudo antes que pudesse terminar...
Crack! Com um som ensurdecedor, Fibrizo e Gourry desapareceram!
“Gourry!” me levantei aos poucos, no entanto uma onda de vertigem me derrubou de joelhos outra vez.
O Mestre do Inferno deve ter trazido Gorun Nova para seu campo de ressonância e teleportado pelo espaço, arrastando Gourry consigo. Presumi que estivesse indo para Sairaag, no Império Lyzeille, como disse antes. Entretanto o que quis dizer com ‘minha cidade’?
Nós quatro restantes ficamos olhando para o vazio.
“O que... Aconteceu?” Amelia sussurrou, sua pergunta levada pelo vento sem resposta.
———
Acordei de um sonho do qual não conseguia me lembrar. Era assustador, talvez, ou triste...
Movida por impulsos que não entendia, sentei-me na cama. Minhas bochechas estavam molhadas. Devia estar chorando. Não conseguia me lembrar de nada sobre o que estivera sonhando, mas meu rosto manchado de lágrimas me dizia que era um pesadelo. Pelo menos, não via como poderia ter sido outra coisa.
Pequenos raios de luz entravam no meu quarto escuro através das frestas abundantes nas persianas. Manhã, hein?
Depois de tudo o que aconteceu ontem, eu, Amelia e Zel deixamos o Pico dos Dragões para trás e nos instalamos nesta pousada em uma vila próxima. Eu estava tão completamente exausta que nem jantei antes de desabar na cama. E então, a próxima coisa que soube foi que o sol já tinha nascido.
Levantei da cama, apática, e me arrastei até a sala de jantar no primeiro andar. Lá, encontrei Amelia e Zel já sentados à mesa, como se estivessem me esperando.
Onde está o Gourry? Inconscientemente, me peguei procurando por ele, e então, após um momento de consideração me dei conta... Certo, ele não está aqui...
“Bom dia...” cumprimentei, sem muita vontade, enquanto me sentava. Não estava com muita fome, assim só pedi duas porções escassas do especial de café da manhã.
“Você está se sentindo bem?” perguntou Amelia com uma leve expressão de preocupação.
Forcei um sorriso e disse.
“Ah, sim. Totalmente bem. Sonhos estranhos me mantiveram acordada, não foi nada demais.”
“Bom, espero que seja só isso...” disse ela com rara incerteza, e então se calou. Por fim, meu café da manhã chegou, e o devorei em silêncio.
“Certo, qual é o plano?” perguntou Zelgadis assim que comecei a tomar meu chá preto pós-refeição.
“Mestre Zelgadis!” repreendeu Amelia.
Zel a ignorou e continuou.
“Não podemos ficar sentados emburrados. Seja lá o que decidirmos fazer, é melhor agirmos rápido.”
“É... Verdade.” sussurrei depois de terminar meu chá. Não me sentia deprimida, porém, considerando o comportamento deles, devia parecer que sim. Soltei um pequeno suspiro e comecei a divagar. “Pensando de forma racional... Vamos enfrentar o Mestre do Inferno Fibrizo. Aquele que derrotou o Dragão do Caos Gaav sem esforço e recebeu um Ra Tilt sem pestanejar... É um monstro de verdade. Uma série inteira de Dragon Slaves provavelmente não seria pior do que uma picada de abelha para ele.”
“Em outras palavras, mesmo se for para Sairaag, não só não conseguirei salvar Gourry, como também darei ao Mestre do Inferno justo o que quer... Além do mais, não é como se tivesse prometido que devolveria Gourry são e salvo se obedecesse ao seu pedido. Isso significa que minha presença pode, na verdade, colocar o grandalhão em perigo ainda maior. Ele talvez fique mais seguro como refém se eu não aparecer.”
“A jogada mais inteligente, nesse caso, talvez seja eu correr para o outro lado.” conclui, e então parei. Depois de um longo silêncio, suspirei com um sorriso modesto. “Contudo ainda assim... Apesar dos seus muitos, muitos defeitos, Gourry é meu guardião. Não posso só deixá-lo na mão.”
“Quer dizer...” Amelia começou, sem fôlego.
“Vou para Sairaag!” respondi com um aceno de cabeça.
“Essa é a minha Lina!” declarou ela com um sorriso radiante. “Mesmo que você seja uma glutona intrigante, mal-humorada, falastrona e impenitente, às vezes consegue fazer a coisa certa!”
“Oi, está querendo uma briga? Vou te dar uma!”
“Não é por maldade! Nem por benevolência!”
Bem... Amelia era honesta, tinha de admitir.
“Agora que está decidido, vamos sair daqui! Sairaag, aí vamos nós!” proclamou Amelia com entusiasmo repentino.
“E-Espere um minuto!” interrompi-a rapidamente. “Vou para Sairaag... No entanto vou sozinha.”
“O quê?” respondeu Amelia, chocada com minhas palavras. “Como assim... Sozinha?”
“É como ouviu, sozinha. Sou aquela que o Mestre do Inferno está procurando. Não há motivo para todos nós irmos.”
“É verdade!” sussurrou Zelgadis.
“Mestre Zelgadis!” exclamou Amelia com a voz áspera.
Entretanto Zel respondeu em um tom calmo.
“Somos quase impotentes aqui, Amelia. Nossos feitiços nem vão arranhar o Mestre do Inferno. Seríamos um peso para Lina, na melhor das hipóteses.”
“É verdade, mas...” Amelia franziu a testa ao se deparar com a verdade indiscutível.
“Ainda assim, não podemos deixá-la ir sozinha. Então, precisamos manter a bagagem no mínimo.” disse Zel, com naturalidade, olhando para qualquer direção.
Eu me perguntei se ele estava envergonhado com a própria fala brega.
“I-Isso mesmo! Claro!” gritou Amelia, com os olhos brilhando de novo com as palavras de incentivo de Zelgadis. “Embora não possamos vencê-lo, também não podemos fugir! Se lutarmos com coragem em nome da justiça, sempre encontraremos um caminho para a vitória!”
Sério? A vida seria muito mais fácil se isso fosse verdade, sussurrei pra mim mesma. Sendo bastante honesta, duvidava muito que coisas como inteligência, coragem e amizade tivessem alguma chance contra uma aberração como o Mestre do Inferno. Quando ele sequestrou Gourry, nem mesmo o ancião dragão dourada Milgazia fez um único movimento para interferir. E apesar desse fato, não havia como Zel e Amelia me deixarem ir sozinha.
“Agora, tem uma coisa que quero deixar claro primeiro.” disse Zel com uma calma fria que rivalizava com o fogo furioso de Amelia. “O objetivo do Mestre do Inferno.”
É... Imaginei que seria esse o ponto.
Ele me olhou atentamente enquanto continuava.
“Está claro que o Mestre do Inferno pretende te usar para alguma coisa. E, a julgar pelo jeito que estiveram falando antes, você tem alguma ideia do que seja. Nesse caso...”
“Certo, pare aí mesmo!” disse Amelia, interrompendo Zelgadis casualmente.
“O quê?”
“Não quero saber o que aquele idiota está planejando.”
“Você não quer?” Zel arqueou uma sobrancelha diante dessa reação inesperada. Eu imitei a expressão.
“Não. Nem um pouco!” insistiu Amelia.
“Isso é... Inesperado. Você não quer saber? Verdade e justiça universais não são, tipo, o seu lema?” perguntei.
Ela sorriu envergonhada ao responder.
“É justo por essa razão que não quero saber! Não tem como o Mestre do Inferno estar tramando algo bom, então se me contar o que ele está tramando, posso ser forçada a impedi-la de ir... Ainda que signifique abandonar o Mestre Gourry. E não quero ter de fazê-lo, assim... Não quero ouvir.”
“Isto... Faz sentido.” admitiu Zelgadis com um sorriso irônico para Amelia. “Sendo esse o caso, também não vou perguntar. Duvido que saber o plano do Mestre do Inferno nos ajude a detê-lo, de qualquer forma.”
“Vocês têm certeza?” perguntei hesitante.
“Quem se importa?” respondeu Amelia com um sorriso radiante. “Vamos salvar o Mestre Gourry juntos. É tudo que importa, certo?”
Para ser sincera... Nunca estive tão feliz por ter companheiros na minha vida.
———
Sairaag era o coração do Império Lyzeille. Ou, pelo menos, costumava ser. Ela floresceu há muito tempo como a Cidade da Magia até ser destruída pela besta mágica Zanaffar, depois ficou conhecida por um apelido muito mais assustador: a Cidade dos Mortos. Porém, depois de um tempo, a cidade reviveu e se tornou uma metrópole próspera mais uma vez... Até muito recentemente, quando um certo incidente devastou a terra mais uma vez.
Bem, ‘um certo incidente’ soa bem e neutro, mas acontece que... Eu meio que tive uma participação nisso.
A questão é que a área era um deserto árido agora. Como a vi ser devastada com meus próprios olhos, podia falar com alguma autoridade a respeito. A única coisa viva ainda de pé deveria ser a grande árvore no centro da cidade... O que me fez pensar qual seria o motivo do Mestre do Inferno me chamar para lá. Seja lá o que fosse, presumi que ficaria claro quando chegássemos.
Em condições ideais, Sairaag ficava a vinte dias de viagem do nosso ponto de partida, o Reino de Dils. Por sorte, com o Dragão do Caos morto, não havia mais ninguém para tentar nos impedir ao longo do caminho. Esperava que tudo corresse bem pelo restante do caminho.
O que me deixou sem outro recurso...
“Mega Marca!”
Bwooom! Meu feitiço brilhou na escuridão e fez os bandidos voarem!
“Graaagh!”
Já estávamos na terceira noite de nossa jornada e estava me sentindo bastante estressada. Não sabia se Gourry estava seguro. Não sabia se conseguiria impedir o plano de Fibrizo. Caramba, não conseguia nem parar de girar na cama quando tentei me deitar, o que me deixou com uma insônia horrível.
Então, qual jeito melhor de tranquilizar uma donzela do que um pouco de bullying com bandidos? Preciso aliviar a tensão do dia! Desabafar todo esse ressentimento com o mundo! Sem direitos para os malvados, como sempre digo! Além do mais, espancar bandidos rende uma bela combinação de gratidão local e montes de tesouros (liberados do estoque ilícito, é claro)! Não há nada igual!
Tenho certeza de que alguns de vocês devem estar pensando que esse comportamento é uma situação de ‘velhos hábitos não mudam’... E vocês estão certos! Ouso dizer que esse é o meu propósito de vida! É, não vou me segurar. Que se danem as desculpas! Não preciso me desculpar pelo fato de que o bullying com bandidos está no meu sangue!
Assim, eu saí da nossa pousada no meio da noite, encontrei o esconderijo dos bandidos locais nos arredores da cidade e em pouco tempo comecei a fazer uma cena com eles.
“Por que você está fazendo isso? O que fizemos pra você?” gritou um dos bandidos enquanto desabava na minha frente.
“Aw, não fizeram nada! Só estou meio de mau humor!” respondi com meu sorriso mais fofo.
“S-Só está de mau humor?” o bandido claramente não gostou da minha honestidade. “Isso é absurdo!”
“Argggh! Você não pode dedicar sua vida ao crime e depois reclamar de tratamento injusto! Agora me divirta oferecendo o seu saque ou vou me divertir com a sua dor!”
“Não! Ai já é maldade!”
“É justo o que vocês fazem com os outros o tempo todo!”
É verdade que aqueles que seguiam a regra de ouro costumam evitar roubar de bandidos...
“D-Droga...” murmurou o bandido, contudo percebi naquele instante um brilho em seus olhos.
Oho...
“T-Tá!” disse ele, submisso de repente. “Vou entregar o saque, ok? Só poupe a minha vida! Por favor!”
Ignorando sua estratégia óbvia, comecei a entoar um feitiço em silêncio e logo em seguida me virei para olhar para trás. Como esperava, havia um homem com um arco e flecha apontado para mim a alguma distância.
Muito devagar, otário! O Bandido nº 1 deve estar apenas me enrolando enquanto o Bandido nº 2 se preparava para atirar em mim pelas costas. Uma pena que o seu olhar e a onda de hostilidade atrás de mim tenham me alertado. Estava prestes a lançar meu feitiço no aspirante a atirador, quando de repente...
Whom! Algo irrompeu pelo peito do arqueiro, e este desabou no local. O cheiro de sangue preencheu o ar noturno.
Não fui eu, juro! Nem tive a chance de lançar meu feitiço, e o golpe mortal veio de trás do sujeito.
Os outros bandidos ao redor começaram a cair também. Alguns perderam a cabeça e outros tiveram o peito aberto enquanto bolas de luz começavam a voar aos montes das árvores.
“O-O quê?” ofeguei.
Desviei minha atenção dos bandidos em pânico para procurar por presenças próximas. As árvores da floresta ao redor pareciam feras negras à espreita sob o céu de lua crescente. Havia uma forte sensação de hostilidade pairando no ar como uma corrente de ar frio ao meu redor. Claro, não era dos bandidos. Poderia ser...?
“Enfim te encontrei, Lina Inverse!” disse uma voz no vento vinda de todos os lugares e de lugar nenhum ao mesmo tempo. Era ninguém menos que...
“Rashart?” chamei, gritando o nome do homem que sabia que devia estar escondido em algum lugar por perto.
“De fato!” sua voz ecoou na escuridão, sua figura ainda fora de vista.
O General Rashart era um dos subordinados mais importantes do Dragão do Caos... Não se comparava a Xellos, Gaav ou Fibrizo, todavia ainda era um mazoku de alto escalão. A última vez que o vimos, ele estava perseguindo o ferido Xellos no Pico dos Dragões. Não tive notícias suas desde então, e com tudo o mais acontecendo, ele francamente me escapou da memória...
“Ei, esqueci completamente de você. Você não é muito memorável, sabe? Conseguiu acabar com o Xellos?” perguntei na escuridão, continuando a procurar por sua presença.
“Receio que não!” respondeu em um tom casual, sem nenhum sentimento real de irritação.
“E bem... O que o traz aqui?”
“Acredito que já saiba o motivo.” respondeu, sua voz viscosa, como um predador para sua presa. “Você e Xellos me fizeram passar por muita coisa. Sir Raltark se foi por sua causa... E até meu mestre, Lorde Dragão do Caos Gaav, foi vítima da armadilha do Mestre do Inferno...”
Espere, não me diga...
“Um momento. Não me diga que está aqui para vingá-lo ou algo do tipo.”
“E se eu estiver?” respondeu Rashart, com a voz perfeitamente plácida.
Ei, espere um minuto!
“E-Espera aí! Pense um pouco! O verdadeiro culpado é Fibrizo por planejar tudo isto! É dele que deveria se vingar!” argumentei, tentando transferir a culpa em meio ao pânico.
Para ser sincera, realmente não queria lutar com esse cara... Ele era tão esquecível que era fácil imaginá-lo como um vagabundo, todavia isso só era verdade em relação aos outros mazokus famosos com quem estávamos lidando.
Rashart seguia sendo o General do Dragão, o que significava que seriam necessários mais do que alguns Dragon Slaves para derrotá-lo. Enquanto isso, Xellos havia fugido e o Mestre do Inferno estava se preparando em Sairaag... O que me deixou sem muita confiança de que conseguiria vencer sozinha nas circunstâncias atuais.
“Me vingar do Mestre do Inferno, está falando sério?” respondeu Rashart baixinho. “É óbvio quem sairia vitorioso de tal conflito. Não, a única maneira de me vingar do Mestre do Inferno é te eliminando, aquela que compõe o núcleo de seu plano.”
“Espere um minuto! Não quer dizer...” comecei, mas antes que pudesse terminar...
Zing! Ouviu-se um som agudo, e bolas de luz apareceram ao meu redor!
“?”
Vwoosh! A luz brilhou e o som rugiu enquanto os orbes cortavam a noite. Consegui recuar a tempo de evitá-los.
“É claro que conseguiria se esquivar disso.” disse uma voz próxima.
Agora eu conseguia ver a figura de um homem pairando na escuridão. Ele segurava uma espada na mão direita e estava vestido com uma armadura dracônica... Nem preciso dizer que era Rashart. Sem nem olhar para os bandidos que se debatiam, o General do Dragão fixou os olhos em mim.
“Porém não poderá continuar assim para sempre. Mordirag!”
Ao grito de Rashart, senti uma pontada de malícia atrás de mim! Outro?
Saltei para o lado, sabendo que não tinha tempo de ver do que se tratava. Um raio de luz vermelha atravessou a escuridão e atingiu o chão não muito longe de mim... Consegui me esquivar e, quando por fim me virei, vi algo pairando atrás de mim. Parecia muito com uma mulher humana... Contudo apenas com a parte superior do corpo. Ela tinha um rosto perfeitamente belo e inexpressivo, como uma máscara; pele branca e translúcida; e cabelos longos da cor da lua nova.
Então, abaixo da cintura, havia apenas... Um monte de pedaços pendurados em desordem. Seriam intestinos? Raízes? Não conseguia dizer. A mulher me observava com o rosto inexpressivo, pairando no ar, de um jeito assustador, daquele jeito especial que dá pesadelos a crianças pequenas.
“Wow... Então ainda tem alguns esquisitos te apoiando, hein?” gritei para Rashart, mantendo um olhar atento tanto nele quanto na abominação que havia invocado.
Rashart sorriu confiante em resposta.
“Também posso invocar quantos demônios de bronze e inferiores quiser. Poderia invocá-los agora e te subjugar com números absolutos, com certeza... No entanto um aliado capaz deve ser suficiente para te impedir de escapar.”
É, claro. Priorizando qualidade em vez de quantidade, hein? Para ser honesta... As coisas não estavam indo bem para mim. Do que pude deduzir, Mordirag parecia estar no mesmo nível de gente como Duguld e Guduza, dois mazokus com quem já havia lutado. Talvez conseguisse vencê-la, entretanto apenas em uma luta mano a mano. Se estava ali para apoiar Rashart, então apenas escapar dos dois seria complicado. O que fazer agora?
“Vamos começar, Lina Inverse!” Rashart declarou antes que eu pudesse bolar um plano. Com a deixa, incontáveis esferas de luz apareceram ao seu redor.
“Ngh!”
Pulei para o lado e mergulhei atrás de uma árvore próxima.
Wham! Uma esfera de energia atravessou a árvore enquanto eu corria para fora de sua cobertura, entoando um feitiço ao mesmo tempo. Mas antes que pudesse terminá-lo... Avistei uma ondulação de névoa na escuridão à minha frente. A forma branca de Mordirag surgiu ali. Teletransporte, hein? Por sorte, já havia antecipado esse movimento!
“Lança Elemekia!”
Quando o mazoku branco se manifestou, lancei meu feitiço completo! Esta gracinha foi projetada para causar dano direto ao espírito do oponente. Não seria o suficiente para derrotar Mordirag, todavia pelo menos doeria enquanto atingisse. Ela deveria se esquivar, e então poderia usar essa abertura para passar correndo e escapar. Pelo menos, esse era o plano, porém...
Zing! Mordirag silenciosamente formou e lançou uma lança de luz, que derrubou sem esforço o feitiço que lancei em sua direção.
O quê?
Mordirag então produziu uma segunda lança de luz logo após a primeira.
Não tive tempo de lançar outro feitiço, então rolei com pressa para a frente.
Certo! Nesse caso...
Quando comecei meu próximo cântico, ouvi a voz de Rashart ecoar atrás de mim.
“Desista, Lina Inverse!”
Mudei de curso outra vez, pouco antes de uma explosão relampejar ao meu lado. Balancei e me esquivei da série de ataques que se seguiu, enquanto corria em uma direção não muito distante de onde Rashart se aproximava. E, justo como havia previsto, Mordirag apareceu de novo para bloquear meu caminho. No segundo em que fez isso...
Peguei ela! Liberei meu feitiço!
“Dragon Slave!”
Este se baseava no poder de Shabranigdu, o Lorde das Trevas do nosso mundo com Olhos de Rubi. Mesmo que não fosse o suficiente para derrotar Mordirag, causaria bastante dano! Isso me daria uma oportunidade.
Ao meu chamado, uma luz escarlate nascida da escuridão começou a se unir na direção do mazoku branco. E então... Roarrr! Um uivo animalesco soou atrás de mim. Com esse rugido, a luz vermelha do meu Dragon Slave se difundiu impotente na noite.
O quê?
“Não tão rápido!” Rashart proclamou triunfantemente.
Oh, dã! Ele baniu meu Dragon Slave mirado em Mordirag na hora certa. Como esperado, esse é o poder de um mazoku de alto escalão...
As coisas estavam começando a ficar sombrias. Não podia derrotar Mordirag, não podia fugir... Será que deitar e morrer era a única opção que me restava? Sabia que talvez conseguiria derrotar um desses caras com uma Lâmina Ragna, no entanto se eles se esquivassem, seria o fim pra mim. E mesmo se os pegasse, o feitiço me drenaria a ponto de me deixar vulnerável ao mazoku sobrevivente. O que significava...
Pesei minhas opções enquanto me preparava para saltar para longe de outra lança de luz de Mordirag... Quando meu pé escorregou.
Droga! Eu estava prestes a cair, todavia consegui manter o equilíbrio e pular para a direita. Só que...
“Ngh!”
Senti uma sensação de queimação subir pela minha perna esquerda. Não consegui me manter em pé quando aterrissei e, por isso, desabei no mesmo lugar. Nunca havia sentido uma dor como aquela antes... O escorregão aparentemente me impediu de me esquivar por completo da lança. Olhei para baixo e vi minha bota carbonizada até o tornozelo. Não consegui dizer a gravidade da situação só de olhar, entretanto não conseguia sentir meu pé, muito menos movê-lo.
“Parece que este é o fim, Lina Inverse!” disse Rashart enquanto se aproximava com lentos passos. “Não poderá correr para lugar nenhum com a perna nesse estado.”
Ele não se aproximou muito, mas ficou para trás para me observar. Mordirag permaneceu em silêncio, ainda flutuando no ar a alguma distância.
“Reconheço que é bem capaz para uma humana, embora, no fim das contas, é tudo o que é, humana. O Mestre do Inferno merece a culpa por te arrastar para isso, contudo não pense nem por um momento que te darei uma morte tranquila...” Rashart parou de repente no meio da frase e se virou para o mazoku branco. “Mordirag!”
Sua voz foi recebida por outro grito na escuridão.
“Ra Tilt!”
Era a voz de Amelia! No entanto um segundo antes de seu feitiço atingir, o mazoku branco desapareceu na escuridão.
“Tch... Que interrupção irritante.” Rashart estalou a língua e se virou para mim. “Você viverá... Por enquanto. Todavia tenho tempo. Não espere chegar em segurança a Sairaag.”
E com essa deixa, o General do Dragão Rashart também desapareceu.
“Lina!” Naquele mesmo instante, Amelia e Zelgadis irromperam pelos arbustos. “Você está bem?”
“Só machuquei um pouco a perna... O que vocês dois estão fazendo aqui?”
“Fazendo todo esse barulho que estavam fazendo tão perto da vila é meio óbvio que atrairiam alguma atenção. Agora, quão ruim está?” perguntou Amelia, olhando para minha perna e franzindo a testa antes de começar um cântico de Ressurreição. Recuperação teria sido suficiente para qualquer ferimento normal, então acho que a situação estava pior do que imaginei.
“O inimigo que desapareceu antes de chegarmos... Era Rashart, não era?” perguntou Zelgadis.
Assenti e expliquei.
“Acho que ele quer vingar Gaav.”
“Vingá-lo?” respondeu Zel, franzindo a testa. “Isso é... Impressionantemente leal, para um mazoku.”
“Concordo. Rashart trouxe aquele mazoku branco... Acho que vocês a viram, Mordirag junto.”
“Então isso significa...”
“É!” sussurrei, olhando para o céu com os olhos semicerrados. “Esta jornada pode vai ser mais complicada do que eu pensava...”
———
Carruagens iam e vinham pela rua larga, cortando as ondas de pessoas que inundavam a avenida. Barracas estavam alinhadas em ambos os lados da rua, com vendedores ambulantes anunciando suas mercadorias em voz alta ao nosso redor.
Estávamos em Ruald, uma cidade comercial perto da fronteira sul que o Reino de Dils compartilhava com o Reino de Ralteague. Fazia seis dias desde que partimos e enfim estávamos quase chegando ao próximo país.
O plano era passar por ali para Ralteague, de onde entraríamos no Império Lyzeille e pegaríamos a estrada principal para Sairaag. Passar por várias nações pode dar a impressão de que estávamos pegando a rota turística, mas este era, na verdade, o caminho mais curto para o nosso destino.
“Tudo bem, vamos passar a noite aqui.” declarei.
“Hã?” Amelia reagiu surpresa. “Por quê? O Mestre Gourry está nas mãos do inimigo, e Rashart está atrás de nós! Precisamos continuar andando! Além do mais, quando chegarmos a Sairaag, Rashart não poderá nos tocar! Precisamos chegar à próxima cidade o mais rápido possível!” insistiu ela, apontando com determinação para uma direção aleatória.
Não estava de toda errada, porém... Fazer uma pose de justiça impetuosa como aquela no meio de uma multidão? Sério? Não tenho dúvida de que se sentia à vontade, só que eu me sentia um pouco envergonhada de ser vista junto.
Wow... Até Zelgadis se afastou, fingindo não a conhecer.
“Escute, Amelia...” consegui puxá-la pelo punho cerrado e sussurrei em seu ouvido. “É verdade que Rashart não será um problema quando chegarmos a Sairaag... Contudo é apenas porque teremos que lidar com Fibrizo.”
“Urk...”
A simples menção do nome do Mestre do Inferno fez gotas de suor escorrerem pela testa de Amelia. Rashart era um oponente difícil de fato, no entanto Fibrizo, que nos esperava em Sairaag, era um inimigo muito mais temível.
“Concordo que devemos nos apressar e que ainda temos bastante luz do dia.” admiti. “Só que se sairmos agora, vai escurecer antes de chegarmos à próxima cidade. Passar a noite acampando seria como pedir para Rashart atacar. E mesmo que não ataque, estaremos apenas nos exaurindo... O que só vai nos prejudicar mais a longo prazo, certo?”
“Suponho que sim...” Amelia me encarou, pensativa. “Mas Lina, você não está preocupada com o Mestre Gourry?”
“Bem, claro que sim, porém...”
Me peguei desviando o olhar e coçando a bochecha.
“Tenho quase certeza de que o Gourry é o tipo de cara que não ficaria morto mesmo se o matasse, sabe? Tenho a impressão de que deve estar bem... Embora não sei explicar o motivo.”
“Entendo...” ela sussurrou, aceitando minha resposta pelo visto. “Então acho que vamos passar a noite aqui.”
“Sim. Vamos encontrar uma pousada por perto e deixar nossas coisas lá.” conclui.
Com isso, comecei a olhar ao redor... E meus olhos congelaram em um único ponto na estrada. Tinha vislumbrado alguém no meio da multidão.
“O que houve, Lina?” perguntou Amelia.
Ainda encarando, respondi.
“Pode ser só a minha imaginação, contudo... Pensei ter visto... Ali, agora mesmo...”
“Viu o quê?”
“Um rosto familiar.”
“Quem?”
Hesitei por um segundo, então pronunciei seu nome baixinho...
“Mestre do Inferno Fibrizo.”
“Sem chance!” ela gritou, igualmente incrédula. “Ele disse que ia para Sairaag! Por que estaria aqui?”
“Não sei. Pode ser só um caso de identidade trocada...” falei, e então senti minha garganta apertar.
Pois bem na minha linha de visão, serpenteando pela multidão compacta... Vislumbrei outra vez uma pequena figura com uma capa escura. Aquele cabelo preto levemente ondulado. Aquele rosto bonito que poderia ser confundido com o de uma menina. E aqueles olhos infantis e desumanos que com certeza me encararam...
É ele. Tem que ser!
Assim que pensei nisso, sua figura desapareceu na multidão.
“Eu o vi! Por ali!” gritei, correndo para persegui-lo.
Abrindo caminho pela multidão, cheguei onde o tinha visto, mas o Mestre do Inferno... Ou o garoto que presumi ser o Mestre do Inferno já tinha sumido.
“Tem certeza de que era ele?” perguntou Zelgadis ao me alcançar.
“Tenho certeza... Eu acho.” respondi sem muita confiança. Tive certeza naquele momento, porém na verdade só o vi por um segundo. E agora estava...
“Ali!” Amelia gritou de repente, apontando para uma esquina onde uma figura baixa e de capa saía da rua e entrava em um beco.
“Sigam-no!” declarei, abrindo caminho pela multidão mais uma vez para persegui-lo.
Chegamos ao beco, que na verdade não era um beco propriamente dito e sim apenas um vão entre prédios. Mal era largo o suficiente para passarmos em fila indiana. Os muros de tijolos vermelhos que se erguiam de ambos os lados cobriam a passagem estreita com escuridão. Conseguia ver um tênue raio de luz à frente, sugerindo que o beco desembocava em outra rua. O garoto era apenas uma silhueta negra contra a iluminação distante enquanto se aprofundava cada vez mais no beco à nossa frente.
Só consegui ver sua silhueta por trás, contudo parecia... Igual ao Mestre do Inferno Fibrizo.
“Espere!” chamei, no entanto fui ignorada. Ele apenas seguiu andando em silêncio.
Sem outra escolha, corri atrás. Amelia e Zel me seguiram logo atrás. O beco era tão estreito que minhas ombreiras raspavam nas paredes, entretanto não tive tempo de tirá-las.
Não tinha certeza se o garoto havia percebido que vinha sendo perseguido ou não, todavia ele rapidamente virou à direita em um beco diferente. Claro, se aquele fosse de fato o Mestre do Inferno Fibrizo, saberia que estávamos o seguindo.
O garoto permaneceu em silêncio, deslizando por um beco escuro e estreito após o outro. Apesar de seu passo lento, estávamos correndo para acompanhá-lo e não conseguíamos diminuir a distância. Isso sugeria, no mínimo, que não estávamos lidando com um humano comum.
Depois de um pouco mais de perseguição, de repente chegamos a um espaço aberto do tamanho de uma casa pequena. Não me pareceu uma praça criada intencionalmente nem nada. Era cercado por altos muros de tijolos sem janelas que o lançavam na sombra.
Olhei ao redor e não vi ninguém na praça, nem em nenhum dos becos que desembocavam nela.
“Ele... Se foi?” Zel sussurrou.
O ato de desaparecer não foi uma grande surpresa. Se aquele era Fibrizo, teleportar no espaço era brincadeira de criança para ele. Eu não conseguia imaginar por que nos atraiu até aqui só para nos abandonar, porém...
Ou... Poderia ser...
“Obrigado por vir, Lina Inverse!” uma voz familiar chamou atrás de nós, de volta ao beco de onde tínhamos acabado de sair.
Virei-me logo depois e vi o garoto pequeno, de capa preta, parado ali. Sem dúvida tinha a mesma aparência do Mestre do Inferno Fibrizo, mas...
“Sabia que você me seguiria se assumisse esta forma.” disse a criança.
A voz que saiu de sua boca era a de um homem adulto... General Rashart. Sua aparência tremulou e desapareceu e, no instante seguinte, transformou-se no homem reconhecível vestido com armadura de dragão.
“É... Acho que caí nessa.” admiti com tristeza.
Mazokus de alto escalão escolhiam suas formas humanas à vontade, então era lógico que pudessem alterá-las com a mesma facilidade. Era lógico, portanto, que Rashart pudesse assumir a aparência de Fibrizo se assim desejasse.
“Vocês me interromperam bem antes que eu pudesse terminar as coisas da última vez... Contudo não poderão escapar agora.”
Rashart estava certo. Não havia como escaparmos em segurança. Mesmo se me escondesse em um beco, poderia ser atingida com uma de suas esferas de energia ou algum outro projétil mágico. E embora ela ainda não tivesse se mostrado, tenho certeza de que Mordirag também estava à espreita por perto.
Este era o General do Dragão que enfrentávamos. E como estávamos no meio de uma cidade, eu não podia usar nenhum dos meus feitiços mais chamativos. Sabia que estava em grande desvantagem ali, contudo agora que estávamos no centro da confusão, não tinha escolha a não ser dar o meu melhor!
Cada um começou a entoar seus próprios feitiços e então...
“Vamos começar!” Rashart rugiu, sua voz ecoando pela praça.
***
Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.
Chave PIX: mylittleworldofsecrets@outlook.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário