Capítulo 04
Enquanto subia a colina com Miyako, Asai começou a se perguntar. No dia em que morreu, o que trouxe Eiko a esta rua? Não se lembrava de já ter ouvido sua mulher mencionar o bairro.
É claro, havia perguntado a Miyako no momento em que chegou em casa de Kobe na manhã após a morte de Eiko, mas ela não teve resposta.
— Eu? Não tenho ideia do que Eiko estava fazendo lá. Achei que você saberia.
— Não, Eiko não me disse nada. Você estava lá quando ela saiu de casa, não estava? Não disse para onde estava indo?
— Nada em específico, só disse que estava indo para a área de Ginza para fazer algumas compras e depois ligar para alguém no caminho de volta. Porém não me contou mais do que isso, e não me incomodei em perguntar.
— Eiko deve ter conhecido alguém em Yoyogi. Ouvi falar bastante sobre seus amigos da escola, contudo nenhum deles mora por lá.
— Deve ter sido uma das suas amigas de haiku, então. Deve ter ido para a casa delas, ou talvez voltasse quando sofreu o ataque.
— Talvez... — disse Asai, ainda não convencido. — Ela não faz haiku há tanto tempo, então não conheço ninguém daquele grupo de amigas.
— Quer que eu pergunte à sua professora de haiku? Acredito que virá para o velório.
A professora de haiku de Eiko realmente apareceu no velório, junto com cinco ou seis colegas de Eiko. Ela era uma mulher elegante e de figura roliça, com uma impressionante cabeleira prateada. Foi a primeira vez que Asai a conheceu, e ficou impressionado com sua voz levemente rouca.
— A professora Aoki disse que não tem nenhuma aluna que more em Yoyogi. — Miyako informou Asai, depois que a professora saiu. — Talvez Eiko não estivesse indo para Yoyogi, mas apenas passou por lá a caminho de outro lugar.
Miyako não parecia particularmente interessada no motivo pelo qual sua irmã estava naquela parte da cidade. Talvez estivesse certa, Eiko devia estar apenas de passagem.
Eiko costumava sair cerca de duas vezes por semana. Ocasionalmente descansava uns dias em casa entre cada saída. Outras vezes, em contrapartida, saía em dias consecutivos. Na maioria das vezes era por causa das aulas de haiku, então era raro que saísse à noite... Era quase sempre durante o dia, quando Asai estava no trabalho.
Quando Asai chegava em casa à noite, Eiko costumava contar a ele sobre seu dia. Não era nada muito interessante, haiku não era de grande interesse para Asai, então nunca tinha escutado com muita atenção. Era a mesma coisa quando estava estudando baladas tradicionais ou pintura japonesa. Não era seu passatempo, então era indiferente. Além do mais, Eiko só saía de casa por três ou quatro horas por vez e sempre voltava antes de Asai.
No entanto agora, quando deixou a boutique Cosméticos Takahashi e se virou para subir a ladeira íngreme, a necessidade de saber por que Eiko estava subindo aquela mesma colina foi repentinamente avassaladora. Agora que estava ali, sua mente estava cheia de dúvidas que pensava ter deixado para trás.
A estrada era ladeada por casas grandes; algumas antigas e outras novas. Não havia outras lojinhas como a Cosméticos Takahashi... Exceto uma, que vendia laticínios.
Eiko estava subindo a colina, na mesma direção que ele e Miyako estavam indo agora. Asai olhou para a estrada à sua frente, o asfalto brilhando sob o sol. Sua cunhada estava a uma curta distância atrás.
Bem onde a estrada fazia uma curva para a esquerda, os dois chegaram ao ponto mais alto; além disso, havia uma queda íngreme. As casas abaixo eram muito menores e, daqui de cima, pareciam cair juntas colina abaixo, telhado após telhado se aquecendo ao sol quente. Atrás de uma das cercas, Asai podia ver um pessegueiro solitário e magro, florescendo sem entusiasmo. Enquanto caminhavam, a estrada continuava a subir e descer.
No topo da próxima inclinação, havia uma rua lateral. O prédio no canto direito era o Hotel Tachibana, que Asai tinha visto mais abaixo na colina. Visto em plena luz do dia, o pesado letreiro de neon, com sua estrutura enferrujada, estava abandonado no telhado.
Um longo muro de concreto corria ao longo da frente do hotel, com uma espessa fileira de sempre-vivas além. Havia também algumas flores de ameixa espalhadas entre elas. Asai podia ver um prédio de dois andares em estilo japonês e um separado de quatro andares em estilo ocidental ao lado. O portão estava recuado da estrada, seus postes eram feitos de troncos grossos e escuros de cedro, com a casca ainda intacta. À direita e à esquerda do portão, o muro de concreto dava lugar brevemente a uma cerca de bambu. Um caminho de pedras de passagem se afastava do portão, situado em uma paisagem de pequenos seixos pretos e ladeado por azaléias. As pedras de passagem eram iluminadas por uma linha de lanternas de pedra. A espessa folhagem de bambu escondia a entrada do prédio. Tanto os prédios quanto o jardim foram projetados para dar a ilusão de elegância de alto padrão. Um pouco mais abaixo, havia uma abertura no muro servindo como entrada para o estacionamento.
Bastou um único olhar para Asai imaginar o tipo de clientela que tal lugar atrairia. Olhando para a rua à direita, era difícil não notar um segundo prédio ostentando um grande letreiro de neon, dessa vez o símbolo de uma casa de banhos termais.
Asai se perguntou em que tipo de rua tinha tropeçado e se virou para olhar para trás. Miyako estava caminhando uma boa distância atrás, seus olhos fixos no chão, talvez porque também tivesse avistado o hotel duvidoso. Asai estava prestes a chamá-la, porém hesitou e, em vez disso, virou à direita na pequena rua lateral, descendo a colina.
Ele ouviu o som de um carro vindo atrás. A rua era estreita e íngreme, forçando Asai e Miyako a parar e se mover o mais para o lado da estrada possível. Um sedã branco de tamanho médio passou por eles. No banco do motorista estava um homem de meia-idade vestindo uma jaqueta de couro; no banco do passageiro, uma jovem mulher com um casaco vermelho. A mulher tinha um braço em volta do ombro do homem. Asai imaginou a entrada do estacionamento do Hotel Tachibana.
Na manhã de segunda-feira, Asai estava andando por um dos corredores do ministério, prestes a entregar alguns documentos, quando encontrou o Diretor Geral Shiraishi vindo da direção oposta. Ambos estavam bem na frente da secretaria do ministro, contudo hoje quase não havia peticionários do setor empresarial. O andar inteiro parecia deserto.
Asai parou e esperou que Shiraishi o notasse. A figura corpulenta se aproximou e parou na sua frente.
— Olá! — o Sr. Shiraishi olhou com simpatia para Asai. — Sinto muito. Você deve estar se sentindo muito solitário ultimamente.
O Sr. Shiraishi visitou Asai para oferecer suas condolências. Assim que os quarenta e nove dias habituais se passaram, Asai pretendia retornar a ligação e oferecer o presente de agradecimento apropriado. Em seu primeiro dia de volta ao trabalho após o funeral, já havia feito questão de ligar para o escritório do diretor geral e agradecer sua gentileza.
— Bom, foi bem repentino, então acho que ainda estou tendo dificuldade em assimilar.
— Sim, suponho que sim... Posso ver que seria.
Estava claro que o diretor geral tinha algum tipo de assunto urgente. Na verdade, a expressão em seu rosto sugeria que havia encontrado Asai em um momento inoportuno. No entanto, dada a natureza da conversa, algumas palavras casuais de passagem não teriam sido o suficiente, o que o forçou a parar e falar, e agora não conseguia escapar.
— Devo agradecê-lo senhor, por toda a sua consideração. Sinto muito por todos os problemas que lhe causei... Bem, por favor, não me deixe ocupá-lo. — Asai fez uma profunda reverência.
— Sim, bem, er... Tente se animar um pouco.
— Obrigado, senhor.
O diretor geral se afastou.
Quando notou que Shiraishi estava a uma distância razoável, Asai se virou para olhar. Seu gerente estava parado na frente dos elevadores, olhando para o indicador de andar. Quando estava sozinho, parecia um completo ninguém. Entre uma multidão de seus subordinados ou parasitas, tinha o ar do diretor geral consumado. Claramente era bom em fingir. Ao lado do subsecretário, na presença do próprio Ministro do Gabinete, ou quando estava sozinho, ele parecia desamparado, sem dúvida não era alguém em quem poderia confiar... Na verdade, não era diferente de um dos guardas que estavam na entrada principal do ministério. Em outras palavras, qualquer um poderia ter feito seu trabalho. Parecia que tudo o que era necessário era se formar em uma universidade de elite e ser colocado na trilha de elite junto com todos os seus colegas escolhidos; todos destinados a serem futuros executivos de alto escalão. Depois disso, tudo o que tinha que fazer era surfar com sucesso naquela onda entre o partido político do governo e o da oposição, e você estava feito.
Asai havia retornado ao seu escritório fazia cerca de uma hora quando alguém veio até sua mesa e fez uma rápida reverência. Olhando para cima, viu o Sr. Yagishita da Associação de Fabricantes de Alimentos de Kobe.
— Bom dia, Sr. Asai.
A expressão de Yagishita era incomumente humilde. Talvez porque esta era a primeira vez que via Asai desde sua viagem de negócios a Kobe, e queria expressar suas condolências. Asai girou em sua cadeira.
— Olá. Quando você chegou aqui?
Por algum motivo, Asai imaginou o rosto do Diretor Geral Shiraishi enquanto falava.
— Ainda esta manhã, por volta das onze. — Yagishita então passou a oferecer a Asai as frases tradicionais de condolências em seu dialeto regional de Kansai. Quando terminou de falar, Asai respondeu da maneira apropriada.
— Obrigado. Você foi uma grande ajuda para mim... Er, Sr. Yagishita, tem algum tempo agora? Gostaria de tomar uma xícara de café lá embaixo.
— Se não estiver muito ocupado, ficaria feliz em acompanhá-lo.
Eles foram para o refeitório da equipe no subsolo. Não era bem hora do almoço, então havia muitos poucos funcionários do ministério por perto. Entretanto, em algumas mesas havia grupos de fabricantes ou comerciantes sentados com o membro da equipe cuidando de seu caso.
Antes de se sentar, Yagishita colocou as duas mãos na mesa e abaixou a cabeça de novo.
— Mais uma vez, sinto muito por sua tragédia inesperada.
— Sou muito grato por você ter se esforçado tanto para prestar suas homenagens.
Yagishita enviou o gerente comercial de sua empresa em Tóquio para comparecer ao velório e funeral de Eiko em seu nome. E contribuiu com 50.000 ienes muito generosos em doação de condolências.
— Não foi nada. Eu realmente deveria ter vindo, mas sabe como é ficar atolado no trabalho. De qualquer forma, estou aqui hoje para todos os preparativos que nos restam para colocar a nova fábrica da área de Kanto em funcionamento. Sinto muito por incomodá-lo com todos os meus assuntos.
— Está tudo bem. Como estão as coisas em Higashi Murayama? A fábrica já está em operação?
— Fico feliz em poder dizer que sim. Graças a toda a sua ajuda, de alguma forma conseguimos fazê-la funcionar.
Yagishita adquiriu recentemente uma pequena fábrica de processamento de presunto a oeste de Tóquio e remodelou toda a instalação, estabelecendo uma filial em Tóquio da Yagishita Ham Manufacturing Corporation. Asai estava envolvido no processo de aprovação.
— Terminamos de instalar o novo maquinário e expandir as instalações. Tudo passou pela inspeção, então vamos começar as operações em três dias a partir de agora.
— Meus parabéns! Quantos funcionários você tem?
— Cerca de dez pessoas vieram de Osaka, e nós contratamos cerca de vinte da equipe do antigo lugar. Agora estamos ocupados preenchendo todas as outras vagas.
— Vejo que segue muito bem com seus negócios, não é?
— Obrigado pelo elogio. Como sabe, a competição na indústria é bem acirrada. Não há como saber como a expansão de Tóquio vai acabar.
— Então está ocupado esta noite?
— Ah, eu, hum, já fiz planos. — Yagishita respondeu, um pouco desconfortável. Mais uma vez a imagem do Diretor Geral Shiraishi parado perto dos elevadores surgiu na cabeça de Asai.
— Entendo. — ele disse, mexendo cuidadosamente seu café. — A propósito, obrigado por me ajudar em Kobe. Como foi depois que fui embora?
— Depois que foi embora? Bem, houve uma grande comoção. — enquanto contava a história, Yagishita ficou muito animado. — Quando todos souberam que sua esposa havia falecido, ficaram chocados. Todos disseram que era típico de você não fazer escândalo e ir embora de maneira tão discreta. “É bem típico do Sr. Asai”, disseram. Estavam cheios de admiração.
— Obrigado; não foi nada. Apenas a coisa certa a se fazer nessas circunstâncias. — Asai tomou um gole de café antes de continuar. — Contudo não foi isso que quis dizer. — ele ajustou o tom e o nível de sua voz. — Pedi para que cuidasse de Shiraishi para mim. Só queria ter certeza de que tudo correu bem.
— Ah, se refere a aquilo?
Yagishita lançou um olhar significativo para Asai e esticou o dedo mindinho no gesto de “namorada”.
— Sim, correu muito bem. — respondeu, sorrindo.
Asai se lembrou da gueixa de bochechas redondas da festa de bebidas. A maneira como Yagishita lhe assegurou com confiança que poderia cuidar do diretor geral sugeria que ela devia ser uma mulher de moral um tanto frouxa, no entanto na opinião de Asai ela ainda era boa demais para Shiraishi.
— Sr. Asai? — Yagishita interrompeu as reflexões de Asai. — O Diretor Geral Shiraishi tem algum plano para outra viagem a Kansai? — perguntou, sorrindo.
— Não. Ele acabou de voltar da última.
Asai respondeu sem pensar, mas então percebeu algo na expressão de Yagishita.
— Você ouviu algo dele diretamente, hein?
— Não, não. O Sr. Shiraishi não disse nada em específico, foi só meu palpite.
— Vejo que gostou mesmo de Kobe, não é?
Yagishita sorriu um pouco mais.
— Bem, sim. Parece que sim. E para nós, fabricantes, seria uma honra ter o diretor geral visitando com frequência.
— Suponho que seria possível. Então precisará começar a trabalhar em um convite para o Sr. Shiraishi, convidá-lo para conduzir outra excursão de inspeção na região de Kansai ou algo do tipo.
O sorriso de Yagishita era ofuscante.
— Obviamente faremos todos os arranjos necessários da nossa parte, porém isso não será suficiente para fazer o diretor geral concordar. Essa parte vai ficar por sua conta, Sr. Asai. Se puder estabelecer todas as bases adequadas...
— Suponho que se ele já estiver receptivo à ideia, então poderei resolver alguma coisa.
— Acha que conseguiria acompanhá-lo outra vez?
— Eu? Acho que não. Foi a minha vez da última vez. Deve ser outra pessoa da próxima vez. Existem outros chefes de seção, como já sabe. E então há assistentes de chefes de divisão, chefes de divisão e assim por diante... Não faltam pessoas qualificadas.
— Vou garantir que a associação de fabricantes faça uma solicitação para que você venha também. E acho que é bom para o Sr. Shiraishi ter alguém que já conhece acompanhando-o. Quero dizer, você estava lá ao seu lado o tempo todo até aquele jantar. E, além do mais, avisei a ele que fomos nós que arranjamos aquela gueixa para entretê-lo.
Asai fez uma careta.
— Você contou a ele sobre isso?
— Se não tivesse contado, o diretor geral teria hesitado em acompanhá-la.
— Acha mesmo?
— Claro. Ao contá-lo, saberá que você estava o cuidando muito bem. Tenho certeza de que o ve de uma forma mais favorável agora.
— Obrigado por cuidar de mim.
— Então, da próxima vez que o Sr. Shiraishi precisar nomear um assistente, pensará em você na hora. Vou marcar com a associação de fabricantes para organizar tudo.
Antes que Asai pudesse responder, a testa calva de Yagishita se inclinou para mais perto.
— Sr. Asai, por que não visita Kobe para se divertir um pouco? Sinto muito se é inapropriado fazer esse tipo de sugestão logo depois que sua esposa faleceu.
Asai não sabia o que dizer.
— Esse tipo de viagem não acontece todo dia. E em sua última visita acabou tendo que ir embora antes que as coisas realmente ficassem interessantes. Foi uma pena.
— Vou pensar.
— Aqui todo mundo está te observando, todavia em Kobe estará longe de olhares curiosos. E não é como se fosse dormir com uma mulher no restaurante ou no seu próprio hotel; vai de carro para um lugar afastado, uma pousada ou um hotel para casais. Então ninguém estará por perto para te ver.
— Há muitos hotéis assim em Kobe?
— Claro. Há muitos lugares tranquilos ao redor de Suma ou Akashi. É prático e poderá até alugar um quarto durante o dia.
— Já frequentou lugares assim?
— Não. Eu só vou à noite.
Asai não conseguia olhar para o rosto risonho de Yagishita sem ver o portão do Hotel Tachibana.
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