Volume 01 — Capítulo 06: A Batalha Sangrenta — Quinze Segundos para Cada
Era cedo na manhã seguinte quando o desaparecimento de Dan veio à tona.
Cansada como estava de sua batalha mortal na noite anterior e de ficar acordada quase a noite toda se preparando para o ataque do Conde, Doris não percebeu seu irmão mais novo correndo para a pradaria ao amanhecer.
Tendo contado a D os detalhes de seu encontro com Rei-Ginsei e sua gangue, Doris decidiu ir ver o xerife hoje para informá-lo. Embora Dan tivesse sido avisado para não sair da fazenda até que estivessem prontos para ir para a cidade, o garoto estava explodindo de energia. Aparentemente, ele desligou a barreira e saiu sozinho com um rifle laser para caçar alguns demônios da névoa.
Monstros semelhantes à névoa que se esgueiravam com a névoa da manhã, as criaturas eram um incômodo na Fronteira, ainda mais porque tinham uma propensão a se dissolver em meio às plantações e às peles dos animais da fazenda. No entanto eles não se saíam bem contra o calor, e uma explosão de um raio laser era o suficiente para destruí-los. Sendo um tanto lentos, representavam pouca ameaça para um garoto armado já acostumado a lidar com as criaturas.
Caçar demônios da névoa era de fato a especialidade de Dan.
Logo depois que acordou, Doris percebeu que seu irmão não estava na fazenda. Frenética, correu para o depósito de armas e viu que seu irmão havia pegado seu rifle, o que a deixou relaxar por um momento. Mas quando correu para fora para chamá-lo de volta, congelou em seus rastros na entrada da fazenda.
Seu rifle laser havia sido deixado para segurar uma única folha de papel que estava no chão, bem na frente do portão. As seguintes palavras estavam escritas na página em letras elegantes:
Seu irmão está vindo conosco. O Caçador D deve vir sozinho às seis horas da tarde para a região de ruínas onde nos encontramos outro dia. Nosso objetivo é apenas averiguar qual Caçador tem as melhores habilidades, e nada mais. Não precisamos de observadores, nem mesmo de você, Doris. Até que este teste de habilidade seja decidido, você não deve mencionar isso a ninguém.
Se não seguir as condições acima, no mínimo, um doce garotinho de oito anos queimará no fogo do inferno.
— Rei-Ginsei.
Doris sentiu cada grama de força ser drenada de seu corpo enquanto voltava para casa. Seguia tentando decidir se deveria ou não mostrar a carta para D quando este percebeu que havia algo de errado ocorrendo. Presa no olhar de seus olhos brilhantes, Doris por fim lhe mostrou a carta.
— Bem, pelo menos metade disso é verdade. — disse D, como se o assunto não o preocupasse nem um pouco, embora estivesse claro que estava sendo desafiado para um duelo.
— Metade?
— Se só queria me enfrentar, tudo o que tinha de fazer era vir aqui e dizê-lo. Já que levou Dan, deve ter outro objetivo... Separar nós dois. O Conde está por trás disso.
— Mas por que teria se dado a todo esse trabalho? Seria muito mais rápido e fácil se tivesse dito que eu era a única que tinha que vir sozinha...
— Um motivo é porque o autor desta carta quer acertar as contas comigo. O outro...
— O que seria?
— Usar uma criança para te pegar refletiria mal na honra da Nobreza.
Os olhos de Doris brilharam de fúria.
— Mas ele realmente está usando Dan para...
— Talvez o sequestro seja a única parte do plano que Rei-Ginsei e sua gangue criaram.
— A honra da Nobreza... Não me faça rir! Mesmo que não tenha sido ideia sua, se aprovar, é a mesma coisa. Nobreza o meu rabo... Eles não passam de monstros sugadores de sangue! — depois que cuspiu as palavras como labaredas de fogo, Doris ficou chocada consigo mesma. — Sinto muito, você não é nada assim. Foi uma coisa podre de dizer da minha parte.
Lágrimas logo brotaram em seus olhos, e Doris começou a chorar na hora. O recuo de colocar todas as suas emoções violentas em palavras tinha acabado de atingi-la. Sua situação era sombria, com um infortúnio após o outro se acumulando sobre seus ombros, como se estivesse possuída por algum espírito maligno que atraía todas essas calamidades para ela. Na realidade, era incrível que não tivesse se rendido às lágrimas muito antes.
Enquanto o choro sacudia seus ombros pálidos, uma mão fria pousou sobre eles.
— Não posso deixá-la esquecer de que contratou um guarda-costas.
Mesmo com o estado atual das coisas, a voz de D permaneceu suave. Porém dentro do tom friamente composto de suas palavras, os ouvidos do coração de Doris ouviram outra voz sustentada por uma segurança inabalável. E era isso que parecia dizer: Eu prometi proteger você e Dan, e pode ter certeza de que o farei.
Doris levantou o rosto.
Bem diante de seus olhos estava o rosto de um jovem elegante e valente olhando-a com plena calma.
Parecia que algo quente preenchia seu peito cheio.
— Me abrace. — ela soluçou, jogando-se contra o peito de D. — Eu não me importo com o que aconteça. Apenas me abrace forte. Não me deixe ir!
Apoiando com delicadeza as mãos nos ombros soluçantes da garota de dezessete anos, D olhou pela janela para a extensão azul do céu e a pradaria se enchendo com a vida da manhã.
No que estava pensando? Na segurança do garoto, seus quatro inimigos, o Conde ou outra coisa? O tom emocional que enchia seus olhos permaneceu um único tom de preto frio e claro. Em pouco tempo, Doris se afastou. Com uma expressão exausta e sublime, falou.
— Sinto muito. Não é do meu feitio. É que... De repente tive a sensação de que você poderia ficar aqui comigo para sempre. Contudo não está certo. Quando seu trabalho terminar, seguirá em frente, não é?
D não disse nada.
— Está quase acabando. Algo me faz sentir isso. No entanto o que faremos sobre Dan?
— Vou ir, é claro. Tenho que ir.
— Vai trazê-lo de volta?
— Eu trarei Dan de volta, são e salvo.
— Por favor, faça isso. Me sinto péssima tendo que te pedir para cuidar dele, mas acho que vou para a cidade para me esconder. Vou pedir para o Dr. Ferringo me hospedar em sua casa. Você sabe, ele me salvou na noite passada. Tenho certeza de que ficarei bem dessa vez também.
Doris ainda não sabia que o verdadeiro motivo pelo qual o Conde havia fugido era o feitiço de proteção que D havia colocado em seu pescoço. E talvez o motivo pelo qual D não disse nada quando a garota lhe contou que estava indo para a casa do médico foi porque sabia que não podia garantir que o feitiço afastaria alguém com o poder do Conde para sempre.
Quando o ângulo da luz do sol atravessando a janela ficou agudo, os dois montaram em seus cavalos e deixaram a fazenda. Independente do que D houvesse dito, a expressão de Doris permaneceu sombria.
Se alguém pode trazer Dan de volta, é ele... Ela não teve problemas em se convencer com tal ideia. Entretanto se lembrava de quão poderosos eram tais inimigos. Ainda podia ouvir o som da lâmina de picanço vindo em sua direção nas ruínas; a visão horrível do cavalo caindo com todas as quatro pernas cortadas estava profundamente gravada em suas pálpebras. Agora havia quatro desses demônios lá fora. Uma mancha escura de desespero permaneceu no coração de Doris.
Além do mais, mesmo que D voltasse vivo, se o Conde atacasse enquanto D estivesse fora, não haveria como escapar dessa vez. Doris não fez nenhum comentário a respeito com D, todavia seguia não tendo certeza se ir ao Dr. Ferringo era a coisa certa a se fazer.
Ao entrar na cidade, inúmeros olhares se concentraram na dupla enquanto os dois desciam a rua principal. Os olhares eram mais coloridos pelo medo do que pelo ódio. Para as pessoas na Fronteira, que viviam cercadas por florestas escuras e monstros, uma garota que foi atacada por um vampiro e um jovem com sangue de vampiro nas veias estavam além do nível normal de repulsa. Graças a Greco, todos ouviram o que aconteceu.
Uma garotinha que pareceu reconhecer Doris disse.
— Oh, oi! — e começou a se aproximar, porém sua mãe não perdeu tempo em puxá-la de volta.
Entre os homens, havia alguns cujos rostos mostravam o desejo de matar, e pegaram espadas ou armas no segundo em que viram D. Não porque lhes disseram o que era, e sim por causa da aura assustadora que pairava ao seu redor. Contudo todas as mulheres pareciam que iriam desmaiar ao vê-lo passar, e dado o quão belo era, não foi nenhuma surpresa.
E, mesmo assim, a dupla seguiu pela rua sem que um único cabeça quente saísse correndo para detê-los, e chegaram a uma casa com a placa “Dr. Ferringo” pendurada no beirado.
Doris desceu do cavalo e tocou a campainha, e logo a mulher da porta ao lado, que agia como enfermeira e vigiava o lugar enquanto o doutor estava fora, atendeu. Aparentemente ignorante da situação de Doris, a mulher sorriu e declarou.
— O doutor está fora desde esta manhã. Pelo jeito havia alguém na casa de Harker Lane que precisava de cuidados urgentes e ele foi vê-los. O Dr. Ferringo deixou um bilhete dizendo que voltaria por volta do meio-dia, no entanto se ainda não voltou, pode estar lidando com algo sério. Você sabe, a dona da casa lá costuma colocar qualquer coisa da estação na boca, mesmo que seja uma amora ou um cogumelo venenoso.
Lane era um caçador, e sua casa ficava no meio da floresta, a duas horas de uma cavalgada difícil da cidade.
— Odeio quando isso acontece. Sozinha, não consigo fazer muita coisa além de tratar arranhões e dar sedativos, mas como todo mundo sempre diz que é o suficiente, estou exausta de trabalhar a manhã toda. Por que não entra e espera? Tenho certeza de que o doutor voltará em breve e, se estiver disposta, eu gostaria de poder contar com a sua ajuda.
Incerta sobre o que fazer, Doris olhou para D. Sentado em seu cavalo, este a devolveu um aceno de cabeça.
Doris decidiu. Fazendo uma reverência para a dona de casa, que estava observando D com olhos brilhantes, Doris disse.
— Parece que vou ficar no seu pé até o doutor voltar. — seu tom parecia um pouco tenso, porém era inevitável. Enquanto pensava que D a acompanharia, assim que ela tomou sua decisão ele começou a cavalgar lentamente.
— Meu Deus, aquele rapaz não está com você? — a mulher perguntou animadamente a Doris, que nem tentou esconder sua decepção. Naquele momento, antes que Doris pudesse ficar brava com a ideia de uma mulher da idade da enfermeira ficando toda agitada com D, estava compartilhando a confusão da mulher.
— Espere aí. Para onde está indo?
— Só dando uma olhada no perímetro.
— Ainda é meio-dia. Não vai ter nada lá fora. Fique comigo.
— Volto logo.
D deixou seu cavalo seguir sem olhar para trás.
Depois que eles se afastaram um pouco, ele virou à esquerda. Em um tom de provocação, uma voz perguntou.
— Por que não a acompanha? Quer me dizer que está tão preocupado com aquela garotinha que não consegue ficar parado? Ou é só que não aguenta ver o sofrimento no rosto da irmã dele? Dampiro ou não, parece que você ainda é meio inexperiente. Hehehe. Ou será que acabou se apaixonando pela garota?
— É isso que acha?
Com quem D estava falando?
A estrada à frente era um caminho empoeirado que continuava entre paredes de terra e pedra. Além dos raios letárgicos e irritantes do sol enquanto passava do meio-dia, não havia sinal de ninguém por perto. E ainda assim, ainda havia aquela voz.
— Sem chance. Você não é esse tipo de molenga. Afinal, tem o sangue dele em suas veias. É perfeito, o jeito que disse para eles te chamarem de D.
— Silêncio!
A julgar pela maneira como o homem em questão rugiu em reação ao seu nome, parecia que a voz havia tocado em um ponto bastante sensível.
Um instante depois, seu tom tornou-se suave mais uma vez.
— Suas reclamações tem se tornado frequentes. Gostaria de se separar de mim?
— Oh, não! — a voz exclamou, soando um pouco ameaçada. Contudo então, como se para evitar mostrar qualquer fraqueza, respondeu. — Não é como se estivesse junto porque gosto. Bem, sabe como é, dar e receber faz o mundo girar. Sem querer mudar de assunto, no entanto por que não contou à garota sobre a marca que colocou no pescoço dela? Por lealdade ao seu pai? Só uma palavra sua a teria deixado à vontade, aposto. Deve ser difícil ter o sangue da Nobreza em suas veias.
A voz parecia sincera o suficiente, todavia o fato de que seu coração continha um sentimento totalmente diferente foi tornado aparente por uma explosão de risadas irônicas.
Mesmo assim, não se podia deixar de imaginar que o jovem havia perdido a cabeça para continuar um diálogo com um companheiro imaginário enquanto estava sentado ali em seu cavalo. Entretanto como o tom, a qualidade e tudo mais sobre as duas vozes eram completamente diferentes, a cena estranha só parecia possível por meio de algum ventriloquismo verdadeiramente engenhoso.
Os olhos de D reluziam com intenso brilho, mas logo recuperaram sua escuridão silenciosa e habitual, e a conversa chegou ao fim. Pouco depois, virou à esquerda na próxima esquina, chegou a uma esquina semelhante e mais uma vez virou no mesmo caminho. Por fim, voltou para frente da casa do médico.
— Alguém estranho por aí? — a voz ecoou mais uma vez do nada em particular.
— Ninguém.
Dada à maneira como respondeu, parecia que tinha de fato ido verificar a área ao redor em busca de qualquer indício de algo fora do comum.
Porém, não mostrou nenhum sinal de desmontar enquanto erguia seu lindo rosto e fazia uma careta para o sol se inclinando para o oeste do centro do céu.
— É tudo o que posso fazer? — murmurou. Talvez alguma visão da batalha macabra que viria tenha passado por sua mente; por um instante, uma certa expressão surgiu em seu semblante tão apropriado, e então ela se foi.
Alguns cavalos atrelados do outro lado da rua de repente ficaram agitados, e as pessoas que passavam por ali protegeram os olhos da poeira levantada por um vento quente e desagradável que soprava sem aviso.
A expressão momentânea no rosto de D foi a mesma que as Medusas de Midwich tinham visto no canal subterrâneo... O rosto de um vampiro enlouquecido por sangue.
Olhando por um breve momento para a porta fechada da casa do médico, D deu a volta no cavalo e saiu da cidade. As ruínas estavam a duas horas de distância.
— Aí vem ele. Você deve vê-lo no topo da colina a qualquer momento. — disse Gimlet, retornando com o vento em seu rastro. Quando Rei-Ginsei ouviu essa notícia, levantou-se da escultura de pedra em que estava encostado.
Gimlet era o vigia do grupo.
— Sozinho, certo?
— Sim, senhor. Da forma como disse para fazê-lo.
Rei-Ginsei assentiu, então se dirigiu aos outros dois capangas que estavam ali há algum tempo como demônios guardiões no portão de um templo, com os olhos correndo pela pradaria.
— Todos estão prontos. Enfrentem-no como planejamos.
— Sim, senhor.
Assentindo enquanto Golem e Chullah se curvavam em uníssono, Rei-Ginsei caminhou até o cavalo atrelado atrás dele. O lugar que os quatro escolheram para esse confronto era a mesma depressão em forma de tigela onde a Bruxa foi morta. Desafiar D para uma partida de rancor no mesmo local onde a aura de D os havia oprimido e os mantido paralisados era exatamente o tipo de coisa que esse rufião vingativo faria, contudo também foi considerada a utilidade desse local para restringir os movimentos do oponente quando o enfrentassem em um quatro contra um.
Rei-Ginsei agachou-se ao lado de Dan, que estava deitado atrás de uma pedra, amordaçado e com pés e mãos amarrados, e puxou o pano que cobria a boca do garoto. Chamado de pano de mordaça, o pano era o favorito dos criminosos. O tecido era feito de fibras especiais que podiam absorver todo o som, e sua utilidade para sequestradores o fazia valer seu peso em ouro.
Ainda assim, não havia razão para a crueldade demonstrada ao manter um garoto de apenas oito anos amordaçado desde a manhã.
— Veja, seu salvador está chegando. Criei este plano ontem depois de ouvir sobre você e sua irmã, e devo confessar que parece estar indo muito bem.
Assim que Rei-Ginsei terminou de falar, o olhar furioso que estava concentrado nele foi tingido por alívio e confiança. Dan olhou para as colinas.
Torcendo os lábios um pouco, Rei-Ginsei zombou.
— Que triste. Nenhum de vocês está fadado a sair daqui vivo.
— Hah, vocês são os únicos que não vão sair daqui vivos. — preocupado, faminto e parecendo magro, Dan ainda conseguiu lançar a resposta com todas as suas forças. Não tinha recebido nem uma gota de água desde que foi capturado. — Não faz ideia de quão durão o velho D é!
Suas palavras eram fortes, no entanto também era um blefe infantil. O garoto nunca tinha visto D lutar.
Dan pensou que Rei-Ginsei poderia ficar furioso, entretanto, contrário as suas expectativas, o homem apenas sorriu e voltou seu olhar para seus três capangas parados no centro da depressão.
— Pode ser que esteja certo. Isso certamente significaria menos trabalho para mim.
Os olhos de Dan se arregalaram, como se tivesse ouvido errado.
Todavia era verdade. Este lindo demônio pretendia enterrar seus três subordinados aqui junto com D. No início, pretendia apenas cuidar de D e Doris, que tinham visto seu rosto, mas depois de receber o juramento do Conde de transformá-lo em um dos Nobres, os planos de Rei-Ginsei deram uma guinada completa. O poder e a imortalidade de um Nobre seriam seus... Não seria mais um bandido imundo vagando pelo deserto.
Então, de acordo com o plano do Conde, Doris foi deixada aos cuidados do Nobre, enquanto ele decidiu adicionar mais três pessoas ao par que o Conde queria que matasse. Em sua opinião, se deixasse seus capangas viverem, terminaria se arrependendo mais tarde.
Se D acabasse com todos seria ainda melhor. Porém se a sorte não estiver comigo e alguns sobreviverem, eu mesmo os matarei.
Um cavaleiro solitário surgiu no topo da colina. Sua velocidade não foi reduzida, galopou em direção ao grupo a toda velocidade.
— Bem, é hora de se tornar útil.
Agarrando as tiras de couro penduradas nas costas do garoto, Rei-Ginsei carregou Dan até seu cavalo com uma mão, como se fosse uma bagagem. As lâminas de picanço em seu quadril esfregaram uma na outra, fazendo um barulho estridente e áspero. Tateando em sua bolsa de sela com a mão livre, puxou o Incenso Enfeitiçador do Tempo.
— Isso é estranho. — ele disse, inclinando a cabeça para o lado.
— Chefe!
Ao grito tenso de Chullah, Rei-Ginsei se virou, segurando a vela.
— D... — Dan gritou, seu grito voando no vento.
O inimigo jurado de Rei-Ginsei já havia desmontado e agora estava no fundo da depressão de terra com uma espada longa elegantemente curvada nas costas.
— Meu Deus...
A beleza de seu inimigo deixou Rei-Ginsei chocado... E com inveja.
— Eu queria poder lhe dizer que honra é ter uma de minhas lâminas derrubada por um homem de sua espécie, contudo não irei. O fato de ser um miserável cruzamento entre um humano e um Nobre tira o charme de tal façanha.
Para o sorriso frio de Rei-Ginsei e sua saudação desdenhosa, D respondeu suavemente.
— E você deve ser o filho bastardo do Diabo e um cão do inferno.
O rosto inteiro de Rei-Ginsei escureceu. Como se seu sangue tivesse se transformado em veneno.
— Deixe o garoto ir.
Em vez de responder, Rei-Ginsei torceu as amarras de couro de Dan com uma mão. Um grito agonizante cortou os lábios jovens do garoto.
— Ai! D, isso dói!
Embora parecessem tiras de couro comuns, elas devem ter sido amarradas com alguma habilidade diabólica, porque começaram a pressionar profundamente os ombros e braços de Dan.
— Esses laços são bem especiais. — disse Rei-Ginsei, torcendo os lábios em um sorriso e fazendo um pequeno círculo com o polegar e o indicador. — Aplique força na direção certa e eles se esticam assim. Imagino que para uma criança de oito anos deve levar uns vinte minutos para que afundem o suficiente em sua carne para sufocá-lo até a morte. Se não tiver acabado com todos nós até lá, esse garoto vai te amaldiçoar do além. Isso é o suficiente para deixá-lo animado?
— D...
Que tática totalmente cruel. Os laços já tinham começado a abrir caminho através de suas roupas. Enquanto o garoto se contorcia em agonia, D lhe deu algumas palavras poderosas de encorajamento.
— Só levará um minuto.
Quer dizer que cuidaria de cada um em quinze segundos?
— O... Ok.
Ao contrário do bravamente sorridente Dan, os quatro homens estavam lívidos.
O anel formado pelos três capangas de Rei-Ginsei começou a apertar como um laço. Todos estavam pintados pelos raios vermelhos do sol poente, no entanto a luxúria palpável por sangue subindo de cada um parecia roubar a luz de sua cor.
— Agora, vamos mostrá-lo o que podemos fazer um por um. Golem, você vai primeiro.
Quando seu chefe lhe deu o comando, não apenas Golem, mas todos os três capangas começaram a parecer desconfiados. Afinal, o plano inicial era que todos os quatro atacassem de uma vez e o matassem. Porém um momento depois, o enorme corpo marrom de Golem correu em direção a D com os passos silenciosos de um gato. A lâmina larga de seu facão brilhou na luz vermelha. Houve um barulho alto! Seu facão era grande o suficiente para cortar a cabeça de um cavalo, contudo quando estava prestes a cortar o torso do Caçador, D sacou sua lâmina com a velocidade da luz, trazendo a ponta dela para baixo através do ombro esquerdo de Golem. Ou melhor, parecia que ia atravessar seu ombro, no entanto ricocheteou nele.
Golem, o Intorturável, um homem com músculos de bronze. Seu corpo até provou ser imune a sabres de ondas de alta frequência.
Mais uma vez, o facão de Golem uivou no ar, e D se esquivou com um salto esbanjando habilidade que o levou a metros de distância em um instante. E mais uma vez, o gigante o perseguiu, se aproximando do Caçador.
— O que houve? Eram quinze segundos para cada!
Como um grito de batalha trazido pelo vento, o rugido furioso de D sacudiu a grama e encheu a depressão em forma de argamassa na terra.
Doris acordou de seu cochilo quando alguém sacudiu seu ombro de leve. Um rosto caloroso e familiar sorria para ela.
— Doutor! Devo ter cochilado enquanto te esperava.
— Não se preocupe com isso. Tenho certeza de que está exausta. Demorou um pouco para cuidar do meu paciente na casa dos Harkers, e acabei de chegar. Passei na sua casa e não havia ninguém lá, então voltei correndo com a suspeita furtiva de que poderia encontrá-la aqui. Aconteceu alguma coisa? Onde estão Dan e aquele rapaz?
Todas as suas memórias e preocupações voltando para ela, Doris olhou ao redor. Depois que D saiu, ajudou a enfermeira a lidar com os pacientes, então se espreguiçou em um sofá na sala de exames e adormeceu.
Não havia sinal da enfermeira, que parecia ter ido para casa, e as fileiras de casas e árvores além das vidraças estavam todas mergulhadas em vermelho. A cortina estava pronta para subir em seu tempo de terror.
— Bem... Os dois estão se escondendo em Pedros. Pensei em me juntar a eles lá depois de prestar meus respeitos a você...
Enquanto tentava se levantar, uma mão fria pousou em seu ombro. Pedros era o nome de uma vila quase deserta a uma boa parte de um dia e uma noite de viagem de Ransylva. Mesmo assim, era o vizinho mais próximo.
— Mesmo que tenha que passar pelo menos uma noite antes de chegar?
— Uh, sim.
Enquanto ele a encarava com um olhar atipicamente duro, Doris se viu desviando os olhos para o chão por reflexo.
Dando um pequeno aceno, o médico idoso disse.
— Muito bem, então não insistirei mais no assunto. Entretanto se vai mesmo a algum lugar, há um lugar muito melhor para ir. — com essas palavras surpreendentes, Doris olhou para o rosto do velho. — Eu o encontrei no meu caminho de volta da casa de Harker, quando decidi passar pela floresta ao norte.
O Dr. Ferringo tirou um mapa do bolso do paletó e o desdobrou. Os anos que se passaram haviam entorpecido sua memória, então costumava usar esse mapa de Ransylva e seus arredores sempre que precisava viajar para longe para tratar um paciente. Havia uma marca vermelha em parte da floresta ao norte. Era uma floresta enorme, a mais densa da área, e nenhuma alma na aldeia sabia o caminho por toda ela.
— Parte de um muro de pedra chamou minha atenção, e quando cortei os arbustos e vinhas que o cobriam, encontrei este lugar... Ruínas antigas. Pareciam ser os restos de algum tipo de local de culto. É bem grande, e só examinei uma pequena parte sua, mas acho que pode se dizer que a sorte estava conosco, porque aquele muro de pedra estava inscrito com uma explicação do local. Ao que tudo indica foi construído para manter os vampiros afastados.
Tal revelação deixou Doris completamente sem palavras.
Agora que mencionou, ela conseguia se lembrar de seu pai e seus amigos caçadores reunidos ao redor da lareira compartilhando histórias sobre este lugar quando era criança. Eles disseram que no passado distante, muito antes da Nobreza chegar ao poder no mundo, pessoas que eram vítimas de vampiros eram trancadas em um lugar sagrado e tratadas com encantamentos e eletrônicos. Talvez o que o Dr. Ferringo tenha descoberto fosse uma dessas instalações.
— Então você quer me dizer que se eu estiver lá dentro, ele não pode me pegar?
— Com toda a probabilidade... — respondeu o Dr. Ferringo, devolvendo um amplo sorriso. — De qualquer forma, imagino que seja melhor do que tentar alcançar Pedros agora, ou se esconder aqui na minha casa. Vamos sair e tentar?
— Sim, senhor!
Menos de cinco minutos depois, os dois estavam sacudindo na charrete do Dr. Ferringo enquanto se apressavam pela estrada escura em direção à floresta ao norte. Os dois devem ter cavalgado por quase uma hora. À frente, pequenas paredes de árvores mais escuras que a escuridão surgiram. Esta era à entrada da floresta.
— Woah!
Assim que entraram na charrete, o médico idoso não respondeu a Doris, não importa o quanto tentasse fazê-lo falar, todavia de repente o velho médico deu um grito e puxou as rédeas.
Uma pequena figura estava parada na entrada da floresta. O rosto não era familiar para Doris, todavia tinha pele pálida como parafina e presas de marfim saindo dos cantos da boca...
Tinha que ser Larmica.
Doris agarrou o médico pelo braço enquanto este se preparava para chicotear os cavalos novamente.
— Doutor! Essa é a filha do Conde. O que diabos ela está fazendo aqui? Temos que sair daqui, e rápido!
— Isso é estranho... — Dr. Ferringo murmurou em um tom incerto. — Não deveria estar aqui.
— Doutor, apresse-se e vire essa coisa!
Parecendo ter congelado, o médico não se moveu diante de seus gritos desesperados, enquanto a mulher de vestido branco parada na frente veio em direção aos dois, em um deslizar suave pela grama sem parecer mover as pernas nem um pouco. Doris já havia puxado seu chicote e estava de pé.
Sentiu um puxão forte em suas mãos e, antes que percebesse, seu chicote havia sido tirado de sua mão. Levado pelo Dr. Ferringo!
— Doutor?
— Era como eu era conhecido até ontem. — disse o Dr. Ferringo, com as presas brotando em sua boca.
Pensando bem, a mão que colocou no ombro de Doris no hospital estava fria. E observando agora, estava usando uma camisa de gola alta, o que não era nada típico dele! A desesperança e o medo instantâneos estavam prestes a destruir seu corpo, um punho afundou na boca do estômago e Doris desabou no assento do passageiro.
— Muito bem. — disse a adorável vampira, agora pairando ao lado da charrete.
— Larmica, eu presumo. Você me honra com seus elogios. — com os olhos injetados de sangue e a boca retorcida pela fome, o semblante sorridente do Dr. Ferringo agora era o de um nobre. Na noite anterior, o velho médico foi atacado pelo Conde e transformado em vampiro. A visita à casa dos Harkers e as antigas ruínas à prova de vampiros eram invenções, é claro. Seguindo ordens do Conde, se escondeu no porão durante o dia, aparecendo à noite em um momento em que D já tivesse saído e atraiu Doris para fora da cidade. Se separada de D, Doris com certeza recorreria ao médico... A avaliação do Conde estava certa.
— Você deve levar a garota para meu pai, não é? Acredito que devo acompanhá-la.
Embora fosse uma companheira vampira, o Dr. Ferringo assumiu uma expressão cautelosa diante do discurso formal de Larmica e do olhar frio que lançou sobre ele.
As ordens do Conde eram para que levasse Doris para o coração da floresta, onde o Conde estaria aguardando, porém não tinha ouvido que Larmica viria. E ainda assim a vampira apareceu de repente na entrada da floresta e disse que o acompanharia. Por que não estava com o pai? Contudo o médico tinha acabado de se tornar o servo do Conde, e seria imperdoável questionar a filha de seu mestre. Abrindo a porta do banco de trás da charrete, ele se curvou e disse.
— Fique à vontade.
Larmica entrou no veículo como um vento místico.
A charrete retomou seu caminho.
— Bem atraente para um humano, não é? — Larmica murmurou, olhando para o rosto da inconsciente Doris.
— É verdade. Quando eu era humano, ela era como uma filha para mim, e nunca tive a oportunidade de vê-la sob qualquer outra luz. No entanto quando a olho agora, é tão linda que é uma maravilha que nunca tenha tentado nada com ela. Para ser bem franco, pretendo pedir um favor ao meu senhor, o Conde, e ver se não me permite tomar uma ou duas gotas de seu sangue doce e vermelho em troca de todo o meu trabalho duro... Embora não sou tão ousado a ponto de buscá-lo em sua garganta.
Estas foram as palavras do velho médico gentil e fiel? Agora estava perdido em fantasias de sugar lentamente o sangue da mesma garota que dois dias atrás havia arriscado sua vida para proteger. Seus dentes rangeram, ávidos.
A voz alegre de Larmica soou vinda de trás.
— Por enquanto, permita-me dar-lhe minha recompensa.
Sem nem mesmo dar tempo para que se virasse, ela pegou a flecha de aço que mantinha escondida e a enfiou no coração do médico idoso, matando-o instantaneamente. Jogando seu corpo no chão, Larmica voou com graciosidade pelo ar, pousando no assento do condutor e fazendo os cavalos pararem. Dando uma olhada furtiva para a floresta, falou.
— Ouso dizer que o pai ficará furioso, entretanto não posso apenas permitir que um humilde verme humano seja feito membro da gloriosa família Lee... E com certeza não darei as boas-vindas a uma como sua noiva.
Uma luz lúgubre reluzia quando seus olhos se viraram para Doris, que seguia adormecida. Um lobo podia ser ouvido uivando nas planícies distantes.
— Humana, vou lhe mostrar seu lugar agora... Enquanto rasgo-a membro por membro antes de entregá-la ao Pai.
Larmica alcançou a garganta de Doris com as duas mãos. Suas unhas brilhavam como navalhas.
No meio do deserto, sem ninguém para protegê-la, cercada pela escuridão, a garota permaneceu em seu estupor, alheia ao perigo real em que estava.
Esse foi o momento.
Uma sensação estranha percorreu cada centímetro do corpo de Larmica. Todos os seus nervos estavam sendo arrancados e queimados, cada célula estava se decompondo com uma velocidade incrível. Icor¹ preto esguichava por buracos em sua carne derretida, e sentiu seus intestinos se contorcerem com a vontade de vomitar, como se todo o conteúdo de seu estômago tivesse começado a fluir ao contrário. Era assim que a sensação parecia.
Era quase como se a noite que tinha acabado de começar tivesse de repente se tornado meio-dia. Um cheiro familiar atingiu o nariz de Larmica.
Não tinha ideia de quanto tempo estava ali, mas um pequeno ponto de luz queimava na escuridão às suas costas. Aparentemente, alguém tinha ouvido os gritos angustiados de Larmica, e havia o som de passos cautelosos se aproximando pela grama. Em sua mão, a figura segurava o Incenso Enfeitiçador do Tempo.
Tendo se esquivado de um terceiro golpe horizontal do facão, D mais uma vez levantou voo.
Para qualquer um que estivesse assistindo, pareceria o ato de um homem derrotado. Toda vez que D partia para a ofensiva, o gigante de bronze mantinha seus olhos, claramente sua única fraqueza, bem cobertos com seu enorme antebraço de clava.
— Mande-os para o inferno, D!
Golem dispensou o apoio febril de Dan com uma risada.
— Olha só, está fazendo o bebezinho chorar... — a frase não foi além.
Os quatro pares de olhos nos dois combatentes esbugalharam-se em suas órbitas. Nenhum dos espectadores tinha ideia do que tinha acontecido.
D tinha a perna direita estendida atrás dele para se equilibrar, e sua espada pronta e apontada para o chão. A maneira como sua lâmina se movia era como um corte rápido em um filme. A parte onde ela cortava o ar estava faltando, e pulou direto para a cena onde entrou na boca de Golem, aberta de tanto rir.
Embora essa aberração pudesse controlar a densidade de sua musculatura na superfície, uma polegada abaixo, seu corpo permanecia tão macio quanto o de qualquer outra criatura viva. A espada de D deslizou pela única abertura real em sua defesa além de seus olhos, e dirigiu-se até o topo de seu crânio em um golpe suave.
D deve ter mirado nisso desde que descobriu que a carne do gigante não podia ser cortada, todavia a maneira como encontrou uma abertura no final da tagarelice do gigante, e fez o golpe literalmente mais rápido do que o olho poderia seguir, foi nada menos que milagroso.
— Gaaah...
Na verdade, foi bem engraçado o jeito como o grito não escapou do gigante empalado até vários segundos depois. Enquanto sua forma massiva caía para trás, sua resistência desaparecendo rapidamente, D se aproximou e partiu o crânio do gigante com um golpe sem emoção de sua espada. Desta vez, o gigante não fez nenhum som. A visão de seu fiel amigo caindo, enviando uma névoa sangrenta um tom mais vermelho do que o sol poente, trouxe seus companheiros estupefatos de volta aos seus sentidos.
— Parece que conseguiu, seu desgraçado. Eu sou o próximo. — disse Chullah em uma voz que parecia estrangulada, mas quando deu um passo à frente, foi contido por um furador humano... Gimlet.
— Que velocidade. Garoto, estou disposto a arriscar minha vida para ver o que é mais rápido, minhas pernas ou essa sua espada maldita. — ele se colocou na frente de D em um piscar de olhos, como se tivesse cavalgado o vento até lá, e tinha um sorriso convencido nos lábios. Era devido à autoconfiança ou era a emoção em seu sangue de bandido ao encontrar seu oponente mais digno de todos os tempos?
D segurou sua espada na altura do peito, apontada direto para o coração de Gimlet.
Em um instante, seu oponente desapareceu.
Dan engasgou.
Olhando para o mato à esquerda de D, aos pés de uma estátua diagonalmente atrás, bem atrás de suas costas... Agora havia um círculo de incontáveis Gimlets a 5 metros de distância em todas as direções.
Gimlet, o homem era tão aerodinâmico quanto à ferramenta que lhe deu o nome. Como resultado de uma mutação, era capaz de explosões sobre-humanas de velocidade na marca de 480km/h. Seu corpo não ostentava um único fio de cabelo, e seu rosto era relativamente livre de feições afiadas; era a maneira de a natureza reduzir a resistência do vento durante suas corridas sobre-humanas.
Porém, mover-se em super velocidade não era seu único talento. Podia correr alguns metros, parar por um instante e então correr um pouco mais. Ao fazê-lo várias vezes, podia deixar imagens residuais de si mesmo pairando no ar.
O inimigo bem na sua frente se multiplicaria e estaria à sua esquerda em um segundo, à sua direita no outro... Que guerreiro não se distrairia em tal situação? Mostre-o uma abertura por um instante, e todos os Gimlets na frente e atrás, na esquerda e na direita, brandiriam suas facas rogue e se moveriam para matar. Enfrentar Gimlet era o mesmo que enfrentar dezenas de oponentes ao mesmo tempo.
Não foi surpresa que o mestre do saque rápido O’Reilly nem tivesse sacado sua preciosa pistola antes de ser derrubado por trás.
D vai morrer! Lágrimas brilharam nos olhos de Dan. Não tanto de medo, contudo de despedida.
Enquanto corria fazendo sua técnica especial, na verdade era Gimlet quem estava horrorizado. Não é que esse bastardo não consiga se mover, é só que ele não se deixa mover!
Isso mesmo. Com os olhos semicerrados, D ficou parado sem fazer o menor movimento. Gimlet sabia melhor do que ninguém que a tática de D era a única maneira de anular seu movimento desorientador.
Seus poderes poderiam ser usados para sua melhor vantagem quando seus inúmeros outros eus fizessem seu inimigo mudar de posição, forçando-os a se deixarem expostos. No entanto, o lindo jovem à sua frente não o encarou ou mudou sua posição. Gimlet era pouco mais do que um palhaço saltitando em círculos.
— O quê, você não virá atrás de mim? Só faltam três segundos.
Quando aquela voz gelada o empurrou para o abismo, foi desespero ou impaciência que lançou Gimlet nas costas de D? Sua investida assassina a 480km/h foi recebida pela lâmina do Caçador de Vampiros D, que havia derrubado um lobisomem correndo a metade da velocidade do som. Um lampejo de aço disparou, cortando Gimlet da clavícula do lado esquerdo até as vértebras torácicas do lado direito. Lançando flores sangrentas de carmesim no ar, o corpo aerodinâmico do corredor atingiu o chão com uma força incrível.
A próxima batalha foi realmente decidida em um piscar de olhos.
— Cuidado atrás de você!
D se virou ainda mais rápido do que Dan conseguia gritar as palavras e encontrou uma nuvem negra eclipsando seu campo de visão. Um enorme enxame de minúsculas aranhas venenosas estava saindo das costas de Chullah, cavalgando o vento para atacá-lo.
Não importa o quão ímpia fosse sua habilidade, a espada de D não poderia impedir isso.
Entretanto, Dan viu algo enquanto o vento rugia.
A mão esquerda de D se ergueu bem acima de sua cabeça, e a nuvem negra que cobria metade da depressão se tornou uma única linha que foi sugada para dentro da palma de sua mão. O rugido não era o som de um vento soprando, mas sim de ar sendo sugado de volta.
A nuvem se foi assim.
D correu como um vendaval.
Sua cabeça dividida por um clarão prateado de luz, Chullah caiu para trás... Porém desde o momento em que suas amadas aranhas foram perdidas, ele não passou de uma casca vazia com a forma de um homem.
— Quarenta e três segundos no total... Muito bom. — Rei-Ginsei observou D com fascinação enquanto o Caçador caminhava em sua direção, segurando sua espada ensanguentada e nem mesmo com a respiração pesada. Tirando uma lâmina de picanço de seu cinto, por algum motivo Rei-Ginsei cortou as amarras que prendiam Dan.
— D!
Dan correu até D sem nem se dar ao trabalho de esfregar seus braços e pernas machucados, e o Caçador gentilmente colocou o garoto atrás de uma estátua por segurança antes de enfrentar o último de seus inimigos.
— Estou com pressa. Vamos terminar isso!
Movendo-se mais rápido do que suas palavras, a espada longa de D fez um corte horizontal que refletiu o pôr do sol vermelho.
Mal saindo do caminho, Rei-Ginsei ficou no fundo da depressão que até agora servia como uma arena.
— Por favor, espere. — ele disse, incapaz de esconder o tremor em sua voz. Sua camisa tinha um corte reto que ia do lado direito do peito para o esquerdo, resultado do ataque de D. D estava pronto para atacá-lo.
— Espere, a vida da Srta. Lang está em jogo!
Essas palavras deixaram Dan mais pálido do que D. Satisfeito com a sugestão de inquietação nos olhos de D, Rei-Ginsei sentiu suas bochechas se erguerem por fim com seu sorriso angelical característico.
— Do que está falando? — surpreendentemente, o tom de D estava tão calmo como sempre.
— A Srta. Lang está com o Dr. Ferringo, não está?
— E daí se estiver? — D questionou.
— Agora mesmo, a garota está sendo entregue ao Conde. A pobrezinha não tinha como saber que o bom médico em quem ela confia mais do que ninguém se tornou um servo do Conde ontem à noite.
— O quê?
Rei-Ginsei ficou chocado ao ver o olhar de surpresa e remorso que tomou conta de D. Não sabia que D havia escoltado por conta própria Doris até a casa do médico.
— Vamos. Relaxe, relaxe. Vou te dizer onde eles devem encontrar o Conde. Isto é, se concordar com minha proposta.
— E que proposta seria essa?
— Que nós dois substituamos os Nobres. — Rei-Ginsei respondeu, sua voz cheia de confiança. — Tenho um acordo com o Conde Lee. Se puder tomar posse da garota como resultado de eu ter matado você, serei feito um da Nobreza. Para ser perfeitamente honesto, se decidir matá-lo, ainda há uma grande chance de que consiga ter sucesso. Porém, tendo te visto em ação por mim mesmo, mudei de ideia. Ainda se fosse feito um Nobre, como o bom doutor foi, tenho certeza de que, como um ex-humano, seria tratado como um servo. Prefiro me tornar o Conde em outra perspectiva.
Tendo falado tudo de uma só vez, Rei-Ginsei fez uma pausa. Tingido com um toque de azul, o brilho do pôr do sol deixou sombras delicadas em seu lindo perfil. As sombras tornaram seu rosto de uma estranheza tão indescritível que Dan tremeu na segurança da estátua.
— No mundo de hoje, o que mantém o Conde nessa posição, além de sua imortalidade como vampiro? É seu castelo, e o medo que foi fomentado nos corações e mentes da população desde os tempos antigos. É isso e somente isso. Eles já tiveram seu tempo. Contudo agora jazem envoltos no brilho da destruição, desaparecendo nas profundezas da lenda. Se nós unirmos forças, poderíamos fazer muito... Matar o Conde e todos os seus seguidores, reivindicar sua fortuna e seu trono como a nova Nobreza. Poderíamos até trazer a majestade dos verdadeiros Nobres ao mundo sem destruição.
D observou o rosto de Rei-Ginsei. Rei-Ginsei observou o de D.
— Já que é um dampiro, metade Nobreza, deixe-me fingir que o matei e fazer o Conde beber meu sangue. E então... — Rei-Ginsei riu. — Certamente nunca houve um casal tão requintado em toda a história da Nobreza.
A risada de Rei-Ginsei foi interrompida pelo que D disse em seguida.
— Você gosta de matar, não é?
— Hã?
— É justo que a Nobreza seja destruída.
Num piscar de olhos, Rei-Ginsei estava saltando para longe pela segunda vez. No ar, sua voz soou com um grito.
— Seu tolo!
A filha do Conde Lee havia chamado D da mesma coisa uma vez.
Três flashes pretos dispararam de seu quadril direito. Um voou sobre a cabeça de D, fez um arco e veio em sua direção por trás. Um passou direto pelo chão, cortando cada folha de grama que tocava até que apareceu em seus pés e disparou em direção à sua axila. E um veio direto para o Caçador como uma distração. Cada um era uma lâmina de picanço liberada em um curso diferente com velocidade de tirar o fôlego.
No entanto...
Todos os implementos assassinos de Rei-Ginsei foram derrubados do ar com um belo som.
Um grito de dor de “Ah” pôde ser ouvido dos arbustos, enquanto a mão esquerda de Rei-Ginsei era decepada no cotovelo. Ela voou pelo ar, uma vela ainda segurada firme em seu punho. D, que correu para onde Rei-Ginsei havia pousado no momento em que se defendeu dos três ataques, a cortou.
Enquanto o sangue jorrava de Rei-Ginsei, assim como de seus três companheiros, sua expressão dizia menos sobre sua dor do que sobre sua descrença. Ao mesmo tempo em que arremessava suas lâminas de picanço, havia sacudido o Incenso Enfeitiçador do Tempo, mas este não havia exalado seu aroma sedutor. Na verdade, a vela nem havia acendido. É falso! Mas quando foi trocado, e quem poderia ter feito isso?
Enquanto agonia e suspeita se agitavam em seu rosto lindo, uma lâmina nua foi enfiada sob seu nariz.
— Onde está a Srta. Lang?
— Que tolice. — Rei-Ginsei gemeu enquanto pressionava sua ferida sangrenta e gotejante. — Por algum dever que sente por nada mais do que uma garota humana, irá me cortar... Eu, um humano que lhe disse do meu desprezo pelo Nobre, e que tomaria sua vida. Maldito, seu dampiro... Você compartilha o mundo do Nobre à noite e o dos mortais durante o dia, porém não é aceito por nenhum dos dois. Passará todos os dias de sua vida como um residente da terra do crepúsculo.
— Sou um Caçador de Vampiros. — D disse suavemente. — Onde está a Srta. Lang? Esse rosto do qual tanto se orgulha será a próxima coisa que esculpirei.
Havia algo em suas palavras que não era uma mera ameaça. A aura medonha que havia parado Rei-Ginsei em seu caminho naquela época na névoa agora o atingia com várias vezes mais pressão. Rei-Ginsei ouviu suas palavras saírem de sua boca por vontade própria, devido a um terror além do alcance humano.
— A floresta... Vá direto para a entrada da floresta norte...
— Ótimo.
A aura medonha de D desapareceu após obter a resposta.
O corpo de Rei-Ginsei disparou como uma mola e foi perfurado por um lampejo prateado.
E ainda assim foi D que caiu de joelhos com um gemido baixo.
— O quê? Impossível... — era justo que Dan exclamasse isso enquanto espiava ao redor da estátua.
Enquanto Rei-Ginsei saltava no ar, a espada de D deslizou para dentro de sua barriga num piscar de olhos. Metade do comprimento da lâmina claramente tinha entrado em seu oponente. E mesmo assim a ponta da lâmina emergiu do próprio abdômen de D!
— Droga! — Rei-Ginsei cuspiu, saltando para longe. E quando o fez, algo ainda mais estranho aconteceu... A espada na mão de D saiu da barriga de Rei-Ginsei, mas justo na mesma velocidade a lâmina perfurando o estômago de D recuou para dentro do corpo do Caçador!
Dan observou com espanto.
— Agora entendo. Ouvi dizer que havia mutantes como você. — D murmurou. Como esperado, seguia estando ajoelhado e com um leve estremecimento. Uma mancha vermelha profunda estava se espalhando pela parte inferior de sua camisa. — Um destorcedor de dimensões, não é, seu filho da puta? Essa foi por pouco.
Tendo saltado a três metros de distância, os olhos de Rei-Ginsei brilharam, e um gemido repugnante escapou de sua garganta.
— Não acredito que mudou seu alvo no último segundo...
Aqui está o que eles queriam dizer com “foi por pouco”.
Rei-Ginsei não conteve a dor de seu braço decepado e saltou para lançar um ataque próprio. Esperava ter seu próprio coração perfurado pela espada de D. Naquele instante, a espada estava de fato indo direto para seu peito, contudo no último segundo ela recuou e perfurou seu estômago.
Foi por essa razão que gritou “Droga”, Rei-Ginsei percebeu que D tinha notado a maneira como havia ajustado a velocidade de seu salto para que seu peito estivesse justo onde o Caçador poderia empalá-lo. Afinal, um único golpe no mesmo ponto vital que os vampiros também poderia matar dampiros. Sendo assim, por que recorreu a uma tática tão ultrajante, permitindo-se ser esfaqueado para matar seu oponente?
Rei-Ginsei era um destorcedor de dimensões; por meio de sua própria força de vontade, podia fazer uma passagem quadridimensional em qualquer parte de seu corpo, exceto seus braços e pernas, e conectá-la ao corpo de seu inimigo. Em outras palavras, quando seu inimigo o atacasse, as balas e lâminas que rompessem sua pele viajariam pelo espaço extradimensional para o corpo de seu agressor, onde se tornariam reais outra vez. Uma bala que deveria atravessar seu coração explodiria do peito da pessoa que a disparou; derrubar uma lâmina cruel em seu ombro só dividiria o do próprio atacante. Que ataque poderia ser mais eficiente do que tamanha habilidade?
Afinal, apenas tinha que ficar ali, deixar seus atacantes fazerem o que quisessem, e seus inimigos morreriam por suas próprias mãos.
No entanto Rei-Ginsei saltou para longe. Um ferimento na barriga não era fatal para um dampiro, e ele próprio estava gravemente ferido.
— Vou garantir que pague pela minha mão esquerda outra hora! — sua voz podia ser ouvida de algum lugar nos arbustos, e então desapareceu sem deixar vestígios.
— D, está tudo bem agora... Oh, você está sangrando!
Ignorando os gritos de Dan enquanto o garoto corria para alcançá-lo, D usou sua espada como uma bengala e se levantou no mesmo instante.
— Não tenho tempo para persegui-lo. Dan, onde fica a floresta ao norte?
— Vou lhe mostrar o caminho, só que levará três horas para ir daqui até lá. — a voz do garoto estava cheia de respeito e preocupação sem limites. O sol já estava prestes a mergulhar abaixo da borda da pradaria. O mundo seria abraçado pela escuridão em menos de trinta minutos.
— Algum atalho?
— Sim. Há um, entretanto corta por um lugar muito difícil. Há fissuras e um pântano enorme...
D olhou fixo para o rosto do garoto.
— O que você acha de tentarmos?
— Claro!
Notas:
1. Na mitologia grega, icor é o fluido etéreo, presente no sangue dos deuses gregos. Afirma-se que o icor está presente na ambrósia ou néctar. Quando um deus era ferido e sangrava, o icor tornava o sangue divino venenoso para mortais. Essa substância também faria com que o sangue dos deuses ganhasse uma coloração dourada.
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