Capítulo 06
Asai decidiu que se passar por um marido abandonado cuja esposa deixou era uma maneira segura de ganhar simpatia de uma mulher, ainda mais das empregadas que trabalhavam no hotel. Todos os dias, em seus empregos, elas testemunhavam infidelidades sexuais de outras mulheres. Ele tinha certeza de que, fora do trabalho, sentiriam pena de um homem com uma esposa infiel. Asai imaginou isso de um ponto de vista psicológico: mulheres como essas, que foram treinadas para agir indiferentes em relação a comportamentos abertamente imorais, tinham que reprimir todos os tipos de sentimentos. Indignação, com certeza, um toque de ciúme; talvez até ódio absoluto.
Esta empregada agora examinava com atenção a foto de Eiko. Mas não havia sinal de que reconhecesse sua falecida esposa.
— Sinto muito. Não me lembro de tê-la visto. Devo pedir para algumas das outras empregadas darem uma olhada? Não conheço todos os hóspedes que vêm aqui.
— Claro. Sim, por favor, você poderia perguntar a elas?
A empregada hesitou. Ela estava fingindo estar desconfortável em revelar seus assuntos particulares para outras pessoas, porém ao mesmo tempo era óbvio que morria de vontade de compartilhar a história com seus colegas.
— Por favor, vá em frente. Quero dizer, foi por esse motivo que vim aqui em primeiro lugar, para perguntar às pessoas sobre minha esposa. Poderia apenas garantir que isso fique dentro dessas paredes? — a voz de Asai estava cheia de angústia, contudo a empregada o tranquilizou.
— Eu entendo. Quando se trabalha neste negócio, guardar segredos faz parte da descrição do trabalho. Não tem nada com que se preocupar.
— Então, se não se importar...
O olhar da empregada voltou para a fotografia. Ela suspirou.
— Nossa, que esposa linda você tem.
— Sério?
Asai nunca pensou em Eiko como uma grande beldade, no entanto a foto a capturou no seu melhor. Parecia mais jovem do que sua idade real, com o rosto encantador e moderno.
— Ela parece do tipo quieta.
— Eu costumava pensar que era a esposa perfeita.
— Claramente deve ter caído sob o feitiço maligno de alguém. Caso contrário, nunca teria deixado os filhos desse jeito.
— Acha que os tipos mais quietos tendem a ser mais suscetíveis a esse tipo de tentação?
— Você pode estar certo nisso. Não diria que é a regra, mas vemos muitas mulheres assim aqui.
— Sei que parece estranho vindo de um marido abandonado, porém minha esposa nunca teve amigos homens. Não pensei que tivesse o menor interesse em homens.
— Embora odeie lhe dizer isso, isso é ainda mais perigoso.
— Por quê?
— Mulheres que passam muito tempo na companhia de homens aprendem a expressar melhor seus sentimentos. Elas também são melhores em ver através de todas as coisas encantadoras que os homens dizem, e não tendem a cair em todo esse lixo. E o tipo de esposa que sai em busca de casos, bem, essa é uma história completamente diferente.
Asai ficou chocado em silêncio.
— E então aquelas que não têm amigos homens... Quero dizer, aquelas que não têm um bom relacionamento com um conhecido que também é homem, tendem a manter todos os seus sentimentos engarrafados, e então todos esses sentimentos vêm à tona no momento em que a oportunidade se apresenta.
Em outras palavras, a empregada estava dizendo que uma personalidade introvertida, alguém que mantinha suas emoções seladas, seria uma presa fácil para a sedução. Asai, lembrando-se de seu casamento tranquilo “tão natural quanto o ar ou a água”, percebeu que talvez a mulher estivesse certa.
— Suponho que sua esposa estava em guarda contra esse tipo de homem. — acrescentou a empregada, continuando suas observações profissionais. — Entretanto acho que baixou a guarda quando conheceu esse. Por ser tão cautelosa com os homens há tanto tempo não soube mais o suficiente sobre eles. Tendo criado uma imagem mental de como era um homem, contudo o que conheceu acabou se revelando diferente da imagem que tinha, e em um momento de descuido o deixou entrar. Os homens de hoje em dia sabem todos os tipos de truques para pegar mulheres.
Então, de acordo com a empregada, um homem com alguns truques e um pouco de conhecimento poderia se infiltrar nas afeições de uma mulher ingênua e então destruir suas defesas. Isso foi certamente o que aconteceu com Eiko. Esse conhecimento não era algo que a empregada havia aprendido nas páginas de uma revista feminina. Estava relatando o que seus próprios olhos viam dia após dia. Asai se viu persuadido por seu argumento.
— Então, na sua experiência, o que acontece depois que uma mulher casada se apaixona por um homem assim? — ele perguntou.
A empregada olhou modestamente para o chão, no entanto uma sugestão de um sorriso frio brincou em seus lábios.
— Para começar, a mulher se sente desconfortável em vir a um lugar como este com ele. Ela é casada com outra pessoa, e imagino que se sinta bastante culpada. No começo, é tímida e medrosa, todavia com o tempo começa a se acostumar e começa a relaxar mais em suas visitas. No final, é a mulher que assume a liderança. Acaba se tornando tão descarada que às vezes mal conseguimos acreditar que é a mesma pessoa. Sua paixão pelo homem se torna obsessiva. Não é incomum que comecem a vir aqui no meio do dia. Se for dona de casa, é mais fácil fazer dessa forma.
As últimas palavras da empregada realmente atingiram o alvo. Não havia nenhum indício de ironia; eram simples e honestas. E Asai reconheceu o padrão. Eiko costumava sair durante o dia duas ou três vezes por semana. Tudo o que precisava fazer era voltar antes que o marido chegasse do trabalho.
— Por que esses casais não vão para vários hotéis diferentes? Os homens também, mas ainda mais as mulheres... Com certeza é estranho para eles encontrarem a mesma equipe de funcionários o tempo todo.
— Os mais jovens gostam de variar as coisas, porém os casais de meia-idade não; ficar em vários hotéis diferentes significa que serão vistos por muito mais pessoas. E acabará sendo mais vergonhoso.
— Entendo.
— E os casais mais velhos são muito mais propensos do que os mais jovens a formar um tipo de apego a um hotel em particular.
A empregada levou a foto de Eiko embora, deixando Asai sozinho no quarto. Enquanto esperava que a mulher voltasse, uma empregada mais jovem apareceu com uma bandeja de chá e bolos. Ele não havia pedido nada, contudo a empregada lhe garantiu que era por conta da casa. Nesse ponto, percebeu que sua história de ter sido abandonado pela esposa havia despertado simpatia entre os funcionários do hotel. Quase podia ouvir as empregadas chorando, “Oh, coitadinho!”. Se pudesse suportar a humilhação um pouco mais, isso ajudaria muito em sua investigação.
Depois de cerca de quarenta minutos, a primeira empregada retornou, acompanhada por uma mulher um pouco mais velha vestida com o mesmo avental roxo. Esta se apresentou como a chefa da limpeza e ofereceu suas condolências a Asai.
— Sinto muito em saber da situação em que você está. Mostramos a foto de sua esposa para todas as empregadas que trabalham aqui, contudo temo que ninguém a reconheça. E há vários de nossos funcionários que nunca esquecem um rosto.
A primeira empregada devolveu cuidadosamente a foto de Eiko para Asai. Ele não achava que estavam mentindo, não tinham sido nada além de compassivos desde o começo.
— Entendo. Então este não pode ser o hotel certo.
Em certo sentido, Asai estava desapontado, pois tinha tanta certeza de que seu palpite estava correto. Por outro lado, estava um pouco aliviado.
— Você disse que sua esposa tinha uma caixa de fósforos do nosso hotel, não é mesmo? — a chefa da camareira perguntou a Asai.
Os fósforos tinham sido uma invenção que dera a Asai a informação de que precisava. Seria difícil voltar atrás e admitir que tinha mentido.
— Agora que olhei mais de perto os fósforos que tem aqui, acho que a caixa que minha esposa tinha na bolsa era muito parecida. Nunca os peguei e examinei de perto. Minha memória está um pouco nebulosa, agora que penso a respeito. Contudo o que sei com certeza é que uma testemunha ocular a viu subindo a colina que leva a este lugar. Foi essa a razão que me fez pensar que devia estar vindo para cá.
A empregada e a chefa trocaram um olhar. Então a chefa falou.
— Não somos o único hotel nesta colina; há mais dois além de nós. Um, o Midori, fica bem perto, e o outro fica um pouco mais acima... O Mori. Entretanto há outra rota mais direta que leva ao Mori, então eu diria que se sua esposa foi vista subindo a colina, então é provável que estivesse indo para o Midori.
Asai decidiu que agora que havia se transformado em um marido desesperado cuja esposa o havia abandonado, poderia muito bem continuar carregando a sua foto por outros hotéis e mostrá-la a mais funcionários. Teria que suportar mais humilhação se quisesse obter as informações de que precisava.
— Sinto muito por todos os problemas que lhe causei. — ele se desculpou de coração.
— Oh, não foi nada. Ouvi dizer que você tem filhos. Espero que todos vocês encontrem uma maneira de serem felizes novamente. Tenho certeza de que sua esposa retornará por causa deles.
Com essas palavras de conforto, as duas mulheres o acompanharam para fora.
Asai saiu do portão principal do Tachibana e ficou por um momento no topo da colina, olhando para baixo. A rua logo abaixo era ladeada em ambos os lados por mansões de telhados largos e estava toda escura. Bem abaixo, as luzes da cidade movimentada se estendiam à sua frente. Tudo parecia tranquilo daqui de cima.
Eiko não voltaria. Ela havia sido transformada em cinzas e estava esperando no templo local que o gravador terminasse sua lápide memorial. Então seria sepultada sob ela.
Quem era o responsável? Onde estava o homem cujo charme a havia tentado até a morte? E como esse homem conseguiu se aproximar de Eiko em primeiro lugar? Asai não tinha a menor ideia e não tinha a mínima ideia da identidade do homem misterioso.
Seguindo caminhando para o sul, subiu a encosta. O letreiro de neon chamativo do Hotel Midori brilhava contra o céu noturno. Imaginou que as luzes vermelhas flamejantes foram projetadas para estimular o apetite sexual, atraindo homens e mulheres para um antro de prazer entorpecente.
Em apenas cinco minutos, Asai estava no portão do hotel. O exterior era bem parecido com o do Tachibana, e o conceito era mais ou menos o mesmo... Os pequenos seixos e as plantas brilhavam na escuridão com a luz de lanternas baixas de pedra.
Enquanto hesitava do lado de fora, um homem e uma mulher passaram correndo por ele pelo portão. Eles eram jovens e não falaram enquanto seguiam pelo caminho de seixos. Asai esperou alguns minutos e os seguiu para dentro. À sua esquerda, o que parecia muito com uma casa de chá na beira da estrada era o único lugar bem iluminado. Daquela direção, ouviu uma voz de mulher.
— Bem-vindo. — uma empregada saiu para cumprimentá-lo, e percebeu em seguida que aquela devia ser a recepção do hotel.
— Alguém vai se juntar a você mais tarde?
A mesma pergunta do Tachibana.
Asai imaginou que devia haver cerca de dez empregadas trabalhando neste hotel. Supondo que houvesse aproximadamente o mesmo número no hotel anterior, acabaria mostrando a foto de sua esposa para mais de vinte pessoas. Poderia pedir que guardassem segredo entre si, pois era um assunto muito pessoal, mas sabia que seria inútil. A história iria se espalhar. Cada empregada que prometesse com toda fidelidade mantê-la em segredo estava fadada a vazá-la para uma ou duas outras pessoas. Contanto que não desse seu nome verdadeiro, não seria tão terrível se elas discutissem sua história. Porém se esgueirar e mostrar a foto de Eiko assim era uma coisa muito baixa de se fazer. Estava se sentindo miserável. E poderia não ter sorte neste hotel também. Se não a tivessem visto aqui, teria que ir para o próximo? E depois outro, e outro, até que tivesse visitado todos os hotéis, pousadas e albergues da vizinhança?
A governanta chefe do Midori ouviu com simpatia sua história de partir o coração. Ela pegou a foto, contudo quando não havia retornado depois de quarenta minutos, Asai imaginou como a conversa poderia estar indo.
— A esposa dele fugiu com outro homem. Deixou duas crianças em casa! O marido está ficando louco a procurando. Quer que volte para casa pelo bem das crianças. O pobre homem nem sequer se preocupa com a vergonha. Veja, trouxe uma foto de sua esposa e quer saber se ela veio aqui com o amante. Você a viu? Tudo bem se viu; apenas conte-o. Sinto muito pelo coitado.
A expressão de cada empregada quando lhe entregassem a foto de Eiko seria um pouco diferente, todavia no final todas estariam quase com pena.
Quando a governanta enfim retornou, estava acompanhada por uma empregada mais jovem e baixa que se ajoelhou nervosamente no tatame atrás dela.
— Perguntei a todos, no entanto todos disseram que sua esposa nunca esteve em nosso hotel. Ninguém nunca a viu aqui antes. — explicou a governanta. A mulher continuou enfatizando que todos que trabalhavam no hotel tinham uma boa memória para rostos e indicou a jovem empregada sentada logo atrás.
— Esta jovem disse que nunca viu sua esposa no hotel, mas viu alguém lá fora na rua que se parecia com a mulher na foto. Vá em frente, Senko.
A pedido de sua chefa, a empregada de vinte e poucos anos e bochechas vermelhas se arrastou um pouco mais para frente.
— Não tenho certeza absoluta de que era, porém se parecia muito com uma senhora que conheci há cerca de dois meses que estava subindo a colina. Eu estava descendo a ladeira na hora, então nos cruzamos.
— Você se lembra que dia era? — Asai perguntou.
A empregada seguia examinando a foto como se tentasse compará-la com a mulher em sua memória.
— Não me lembro da data certa, porém foi no meio do mês.
— Por volta de que horas?
— Em torno das duas da tarde.
— Por que você se lembra dela tão claramente?
— Porque não havia quase ninguém na rua. Aquela senhora e eu éramos as únicas por perto. Costumo passar por muitas pessoas quando estou andando, contudo estava tão quieto naquele dia. Lembro-me de pensar que era um pouco estranho, e então ela passou e tive a chance de dar uma boa olhada em seu rosto.
— E parecia minha esposa na foto.
— Sim.
— Consegue se lembra do que estava vestindo?
— Acho que era um terno bege de duas peças. O paletó estava aberto no pescoço e pude ver um cachecol marrom por baixo. A bolsa era feita de couro, parecia de crocodilo, e era vermelho escuro.
Não havia dúvidas sobre a identidade da mulher misteriosa agora. Essa era uma das roupas favoritas de Eiko. A bolsa de pele de crocodilo bordô tinha sido um presente de um dos empresários que ele ajudou no trabalho. Asai a trouxe de uma viagem de negócios ao Sudeste Asiático.
— Você disse que minha esposa... Ou pelo menos essa pessoa que provavelmente era minha esposa, estava caminhando sozinha quando a viu. Tem certeza de que não havia ninguém a acompanhando?
— Tenho certeza. Não havia mais ninguém por perto, estava sozinha.
— Em que lugar da colina se encontraram?
— Bem onde a estrada começa a subir.
— Então era bem embaixo?
— Sim.
— Tem uma pequena boutique por ali, não é? Acho que se chama Cosméticos Takahashi.
A jovem pareceu surpresa que Asai tivesse ouvido falar de um lugar assim.
— Bem, sim, há. Eu a vi a uns vinte metros daquela boutique. Ela estava subindo a colina.
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