Capítulo 07
Depois de deixar o Midori, Asai retornou ao cruzamento perto do Tachibana e desceu a colina. Checou seu relógio de pulso sob um poste de luz: 21:20.
Para falar a verdade, realmente queria fazer uma visita ao Mori, mas supôs que esse tipo de lugar ficava movimentado depois das nove horas, então decidiu encerrar a noite. Visitar dois hotéis em uma noite já tinha sido exaustivo o suficiente.
A rua não era bem iluminada, e desceu a encosta seguindo os muros de concreto e as cercas de bambu empoleiradas no topo dos velhos muros de pedra. Quase nenhuma luz passava pelas casas além. Com exceção dos hotéis no topo da colina, parecia que esse bairro residencial ia dormir cedo.
Asai se viu outra vez em frente a Cosméticos Takahashi. Imaginou que as luzes da loja estariam se espalhando para a rua, porém estava tão escuro quanto seus vizinhos. A porta de entrada de vidro estava fechada e as cortinas fechadas. Asai supôs que era natural que uma pequena boutique neste bairro também fechasse cedo. Olhou para o andar de cima, onde a placa da loja ficava pendurada. Não havia um brilho de luz visível através das venezianas.
A empregada do Midori tinha certeza de que tinha visto Eiko aqui dois meses atrás. Pela descrição de suas roupas e bolsa, não havia dúvida de que era Eiko. E fazia sentido que estivesse caminhando por volta das duas da tarde.
Então, se seguia subindo a ladeira, cerca de vinte metros abaixo da Cosméticos Takahashi, onde era exatamente? Asai estimou que era um ponto entre a casa ao lado da Sra. Takahashi e a próxima. Ambas as casas eram construções tradicionais de estilo japonês com suas paredes baixas de pedra intactas. A que ficava do outro lado da rua tinha uma parede de blocos de concreto e uma construção clara de estilo ocidental apenas visível através das árvores.
Asai parou de andar e se virou para olhar de volta para a estrada que tinha acabado de descer. Não olhou para cima deliberadamente, contudo a inclinação íngreme fez com que levantasse os olhos.
Ele tentou se colocar no lugar de Eiko. Ela subiu a colina até esse ponto. Supondo que não tivesse diminuído o ritmo, seu destino deveria estar mais acima. Bem à frente, no topo, ficava o Hotel Tachibana; à direita dali, o Midori; um pouco mais adiante, o Mori.
Então, supondo outra vez que subiu a colina em linha reta, é provável que seu destino fosse um dos hotéis, no entanto as empregadas de ambos os estabelecimentos juraram que nunca a tinham visto. Asai acreditava que elas estavam dizendo a verdade. Não tinha dúvidas de que tinham sido simpáticas ao pobre marido abandonado com seus dois filhos órfãos.
Então, onde? Cosméticos Takahashi, talvez? A história era que Eiko começou a se sentir mal e cambaleou para dentro da boutique, mas a empregada do Midori a viu vinte metros antes que chegasse à loja; em outras palavras, onde Asai estava agora.
Foi uma coincidência? Eiko já tinha visitado a Cosméticos Takahashi no passado, não apenas no dia em que morreu?
Certamente essa foi uma ideia maluca. E se a empregada tivesse visto Eiko um pouco mais acima na colina, isso nunca teria ocorrido a Asai. Só passou pela sua cabeça porque sua esposa tinha sido vista perto do sopé da colina. Outra visão veio em seguida, desta vez o rosto bastante maquiado de Chiyoko Takahashi com seus lábios carnudos.
Então, dois meses antes de sua morte, Eiko tinha sido vista aqui nesta rua. Asai imaginou que seu destino poderia ter sido a boutique, porém era pura especulação. Enquanto não tivesse nenhuma prova definitiva de que Chiyoko Takahashi e sua esposa se conheciam, permaneceria apenas isso. Não era lógico acreditar que Eiko tinha vindo até esta área em particular apenas para comprar maquiagem.
Asai decidiu parar com suas investigações por enquanto depois de investigar os dois hotéis no topo da colina, e voltou para casa, para sua casa solitária e vazia. Ele caiu rapidamente em um sono agitado, ainda incomodado pelas palavras da empregada no Midori.
Ele acordou cedo. O relógio de pulso que colocou perto de sua cabeça mostrava pouco depois das 6 da manhã. Apenas um homem solteiro colocaria seu relógio ao lado de seu travesseiro, ou alguém em uma viagem. A cada dia, a sensação de que havia sido abandonado ficava mais forte; os parentes de Eiko até pararam de aparecer.
Asai deitou-se de bruços e fumou um cigarro. Quando Eiko estava viva, nunca tinha sido autorizado a fazer esse tipo de coisa. Questionou-se se deveria vender a casa e se mudar para um apartamento. Era a casa de seus pais, então tinha quase quarenta anos. A casa em si não teria nenhum valor, contudo tinha cerca de 330m². Nesta parte de Tóquio, a terra era vendida por cerca de 6.000 ienes por metro quadrado. Teria dinheiro suficiente para comprar um apartamento de luxo. Entretanto não tinha status para viver em um lugar como aquele. Mesmo no nível de chefe de divisão, famílias inteiras de quatro pessoas estavam se virando em moradias baratas de serviço público. Um apartamento modesto atenderia melhor às suas necessidades, concluiu. Levaria um tempo até que se casasse de novo.
Asai terminou seu cigarro e saiu para pegar o jornal na caixa de correio. Então voltou para a cama e abriu o jornal. Não havia muitos artigos interessantes, todavia, como todo funcionário público, seus olhos eram atraídos para qualquer coisa relacionada à política governamental.
Havia um artigo sobre a oposição da Associação Médica do Japão a um novo plano do Ministério da Saúde e Bem-Estar. Incluía comentários do presidente da associação.
Médicos... Um momento... Por que não tinha pensado nisso antes?
Chiyoko Takahashi lhe disse que depois que Eiko desmaiou em sua boutique, ela enviou uma estudante universitária, uma jovem que tinha acabado de entrar para comprar maquiagem, a um consultório médico próximo para obter ajuda. Asai se lembrou das palavras dos lábios memoráveis da Sra. Takahashi.
— O Dr. Ohama tem uma clínica a cerca de cinco casas, à direita. Pedi para que se apressasse e buscasse a ajuda dele.
Na hora do almoço, Asai pegou um táxi para Yoyogi. No caminho para cima da colina, olhou para a Cosméticos Takahashi, no entanto a entrada da frente estava fechada e as cortinas também. Parecia igual à noite anterior. Devia estar fechado hoje. Talvez fosse o dia de folga normal para todos os negócios locais. Mas não... Todas as lojas na rua principal de compras estavam abertas. Apenas a boutique de cosméticos estava fechada.
Asai pediu ao motorista para deixá-lo a cerca de três ruas de distância, em frente a uma rua lateral estreita. A clínica do Dr. Ohama ficava no final da rua. Não havia como confundir o prédio com nada além de uma clínica particular.
Não havia ninguém na sala de espera quando Asai entrou. Uma enfermeira abriu a janela de vidro da recepção e olhou para ele.
— Os compromissos são apenas pela manhã.
— Não preciso de uma consulta médica. Estou aqui para perguntar sobre um paciente.
— Poderia me dizer seu nome, por favor?
— Asai.
— Você é parente desse outro paciente?
— Sim. Ela era minha esposa.
— Como podemos ajudar?
— Gostaria de me encontrar com o médico pessoalmente, se possível.
— Você tem o cartão do paciente?
— O paciente faleceu.
A enfermeira olhou para Asai por alguns momentos e então desapareceu da janela.
Cerca de dez minutos depois, o médico gordo e de óculos saiu para a sala de espera. O homem parecia estar na casa dos quarenta, e sua pele parecia muito boa para sua idade. Um leve odor a uísque o rodeava. Era óbvio que havia pegado seu jaleco branco às pressas; a gola seguia levantada. O jaleco fez Asai pensar em Chiyoko Takahashi.
O médico parecia cauteloso. Talvez tenha pensado que um marido em luto tinha vindo acusá-lo de matar sua esposa.
Asai pegou seu cartão de visita. O médico leu seu cargo, contudo não relaxou sua guarda nem um pouco. Tomando uma cadeira de madeira, colocou-a em frente ao sofá onde Asai estava sentado.
— Sr. Asai, poderia me dizer quando foi que vi essa paciente? — ele foi cuidadosamente educado.
— Cerca de duas semanas atrás. Mas primeiro devo explicar que ela não era uma de suas pacientes. Minha esposa sofreu um ataque cardíaco quando estava caminhando e correu para uma loja, a Cosméticos Takahashi, na mesma rua daqui. A dona foi gentil o suficiente para chamá-lo para ajudar.
O médico assentiu em reconhecimento.
— Achei que poderia ser sobre aquela senhora. Não conseguia pensar em mais ninguém que pudesse ter sido.
Asai supôs que o médico quis dizer que não conseguia pensar em nenhum outro paciente seu que tivesse morrido recentemente. Por sua vez, a expressão do Doutor Ohama relaxou um pouco. Parecia que a Sra. Takahashi estava dizendo a verdade. Ohama estava lá quando Eiko faleceu.
— Quando o senhor chegou, Doutor, minha esposa já tinha partido? Eu estava viajando a negócios em Kansai na época, então não sei todos os detalhes. Só ouvi a respeito de terceira mão, por assim dizer.
— O senhor tem minhas condolências. — o médico abaixou a cabeça, porém era apenas uma formalidade. — Quando fui chamado para a casa da Sra. Takahashi, um caso de emergência tinha acabado de chegar aqui na clínica, e não pude sair de imediato. Deve ter se passado uns vinte minutos antes que conseguisse ir embora. Receio dizer que a essa altura sua esposa já havia falecido. Suas pupilas estavam dilatadas e seu coração havia parado de bater. Não havia nada que pudesse fazer.
— Não seria possível dar a ela uma injeção de cânfora ou qualquer outro tipo de tratamento de emergência?
— Cânfora?
A expressão do médico endureceu. Talvez fosse a que usava ao lidar com reclamações de familiares irritados de um paciente falecido.
— Você acha que esse tipo de tratamento seria bom para um paciente que não está mais vivo? Quando cheguei, sua esposa estava deitada na sala de tatame nos fundos da loja e já estava morta.
— Que horas você chegou?
— Eu conferi meu relógio. É muito importante fazê-lo. Eram 16:35 do dia 7 de março. Na verdade, verifiquei meus registros antes de sair para vê-la. Mesmo não sendo minha paciente, ainda assim emiti sua certidão de óbito.
— Recebi a certidão, obrigado. Gostaria de perguntar sobre o horário da morte mostrado. Diz ‘por volta das 16:05’. Pelo que disse, sua chegada a Cosméticos Takahashi foi às 16:35 e então confirmou sua morte. Nesse caso, foi apenas sua suposição de que minha esposa havia falecido trinta minutos antes?
— Na verdade, não fui testemunha do momento de sua morte. De acordo com a Sra. Takahashi, sua esposa deu seu último suspiro cerca de trinta minutos antes da minha chegada. Então foi isso que segui. É por esse motivo que não escrevi ‘16:05 precisamente’. Coloquei ‘por volta das 16:05’.
O médico falou veementemente, e a expressão em seu rosto pretendia enfatizar que não houve erro de sua parte.
— Entendo; Peço desculpas se o deixei desconfortável. Por favor, não me entenda mal. Estou apenas perguntando se a hora da morte da minha esposa foi precisamente 16:05 ou não. Por exemplo... Como devo dizer... Quando examinou o corpo da minha esposa, pareceu que havia morrido trinta minutos antes?
O Dr. Ohama desabotoou o jaleco branco e tirou uma cigarreira do bolso da camisa.
— Como disse, não fui o médico responsável no momento da morte da sua esposa. E, portanto, embora possa dizer que tinha acabado de falecer, me é impossível dizer a hora, minuto e segundo exatos da morte.
Ele deu uma tragada no cigarro. Asai esboçou um leve sorriso, esperando fazer o médico se sentir menos ameaçado.
— Não é isso que estou perguntando. Estou perguntando se havia algo estranho ou anormal sobre ela ter morrido trinta minutos antes da sua chegada.
Outra vez o médico pareceu ofendido.
— Não, não havia nada de estranho.
— Quero dizer, e se não tivesse sido trinta minutos antes? Se tivessem sido, digamos, quarenta minutos, você conseguiria fazer essa distinção?
— Quarenta minutos antes? Hmm. Não tenho certeza. Tudo o que pude fazer foi confiar na palavra da Sra. Takahashi, que estava com sua esposa no momento.
— Claro; isso é natural. Contudo neste caso estou perguntando se poderia ter havido alguma discrepância no que a Sra. Takahashi lhe disse. Na sua opinião profissional, isto é.
— Houve algo suspeito sobre a morte de sua esposa? — o médico estreitou os olhos e pareceu um pouco cauteloso.
— Não, nada suspeito. Minha esposa tinha um coração fraco. No entanto, fazia anos que não sofria um ataque cardíaco. Disseram-me que foi um ataque cardíaco repentino subindo aquela colina, entretanto senti que sua morte pareceu muito rápida.
— Não, isso teria sido quase certo. Trinta minutos antes de examiná-la; quarenta no máximo. Talvez não tanto quanto uma hora. Se eu tivesse conseguido chegar lá um pouco mais rápido, talvez tivesse tentado massagear o seu coração. Houve casos de ataque cardíaco em que o coração do paciente foi reiniciado pela massagem, mas lamento dizer que no caso da sua esposa não havia esperança.
— Então, doutor, o que está dizendo é que há uma chance remota de que ela tenha morrido uma hora antes de sua chegada ao local? Isso seria apenas trinta minutos antes do horário da morte que escreveu no seu atestado de óbito.
— Trinta minutos antes? Sim, bem, suponho que seja possível. Definitivamente dentro de uma hora da morte dela, de qualquer forma. Porém esse é o máximo absoluto. Depois de uma hora, fica muito mais fácil determinar o horário exato da morte. O corpo começa a esfriar rapidamente e, em alguns casos o rigor mortis se instala cedo, você pode encontrá-lo nos músculos ao redor da mandíbula, contudo sua esposa não estava nesse estado. E então baseei o horário da morte no que a Sra. Takahashi me disse. Você entende que não havia mais nada que eu pudesse ter sido feito?
Asai respondeu com um solene aceno.
— Claro. Você não poderia ter feito nada diferente.
— Se houvesse algo suspeito, eu teria chamado à polícia e feito uma autópsia. Todavia sua esposa não era uma paciente que eu tratava, e sua morte parecia ter sido de causas naturais. Embora tenha sido repentino, é claro. — o médico franziu a testa, como se estivesse insultado por Asai estar questionando sua destreza médica. — E como a Sra. Takahashi apontou, ao se tratar de uma mulher, sentiu pena por ter de submetê-la a um reconhecimento mais exaustivo. Então, dado que não foi uma morte acidental, concordei e escrevi o atestado de óbito.
Seu tom era paternalista e sugeria que Asai estava de alguma forma em dívida com ele.
Asai fez uma reverência.
— Obrigado por tudo o que fez por minha mulher.
De volta à estrada, ele demorou um pouco, decidindo se iria mais para cima ou para baixo. Em sua cabeça, estava repassando a conversa que acabara de ter com o médico. A ideia de que a hora da morte poderia ter sido trinta minutos errada estava incomodando seu cérebro. Neste caso, o médico confiou na palavra de Chiyoko Takahashi ao fazer seu julgamento. Asai não poderia chamar isso de erro; seria mais preciso pensar como uma margem de erro.
Se subisse a colina, poderia visitar o hotel que não tinha ido ontem. Entretanto, seu interesse foi despertado pelo fato de que a Cosméticos Takahashi seguia fechada quando passou de táxi, então começou a descer.
Em menos de cinco minutos chegara à frente da boutique. A porta da frente e a vitrine estavam bloqueadas com uma cortina marrom pesada. Asai entendeu por que a loja poderia ter sido fechada na noite anterior, mas se perguntou por que seguia fechada hoje. Não havia nenhum aviso na janela. E não havia sinal da proprietária. Talvez por estar sozinha, estava livre para abrir ou fechar a boutique à vontade.
Não havia ninguém na rua. Era uma tarde tranquila típica em um bairro residencial. Ele se lembrou do que a jovem empregada do Hotel Midori havia dito. Foi um momento tranquilo como esse quando passou por Eiko na rua. Em sua história, eram cerca de duas horas. Era um pouco depois da uma agora.
Asai se aproximou da porta da frente da boutique e espiou pela fresta entre as cortinas. A abertura era muito pequena, e tudo o que conseguia ver era o interior escuro e o brilho fraco de metal de algo na vitrine mais próxima. Não parecia que Chiyoko Takahashi estivesse lá. Ele continuou a espiar, esperando ver um sinal de movimento lá dentro.
Então, sentindo uma presença em suas costas, se afastou da janela. Cerca de dez metros mais acima na colina, havia alguém o observando. Era um homem alto, talvez na casa dos trinta, vestindo um suéter cinza e calças de cor clara, com um pastor alemão na coleira. O homem, obviamente um morador local passeando com seu cachorro, estava observando-o com desconfiança. A luz estava atrás do homem, então Asai não conseguia distinguir suas feições; tudo o que conseguia dizer era que tinha um rosto comprido e usava óculos.
Com medo de ser confundido com um assaltante ou um ladrão verificando um alvo, Asai se afastou casualmente da porta.
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