sábado, 12 de outubro de 2024

A Quiet Place — Capítulo 05

Capítulo 05


Não foi a descrição de Yagishita sobre os hotéis para casais perto de Kobe que colocou a ideia na cabeça de Asai. Desde a morte de Eiko, havia um pequeno germe de uma ideia grudado na parede interna de seu cérebro. Desde que viu o letreiro de neon do Tachibana no topo daquela colina em Yoyogi, o germe se destacou e começou a se reproduzir, as manchas pretas girando em torno de seu cérebro e por fim parando bem atrás de seus olhos. Essas sombras bloquearam toda a luz externa. No momento em que ouviu a história de Yagishita, elas começaram a rastejar sobre seus olhos como insetos pretos se contorcendo, e ele foi estimulado a agir.

O coração fraco de Eiko mal lhe causou problemas em sua vida cotidiana. Contanto que não se esforçasse demais, não havia sintomas perceptíveis, e conseguia esquecer que havia algo errado com ela. Ainda assim, tomou para si a responsabilidade de ter cuidado para não sair correndo, pegar objetos muito pesados ​​ou ficar chateada o suficiente para ficar furiosa. Estava com medo de que se tivesse uma experiência traumática inesperada ou ouvisse notícias chocantes, ou mesmo retomasse sua vida sexual, qualquer uma dessas coisas poderia ter causado um ataque cardíaco.

A estrada em Yoyogi era uma ladeira íngreme, e Eiko odiava subir ladeiras. Asai sabia disso, e sabia que era uma de suas maneiras de proteger seu coração. Então por que estava lá? A proprietária da Cosméticos Takahashi tinha certeza de que Eiko, seu rosto branco como um lençol, estava indo naquela direção quando cambaleou para dentro da loja.

Eiko sempre falava com ele sobre todos os seus passeios, mas nunca mencionou aquela parte da cidade. Então talvez aquele dia tenha sido a primeira vez que esteve lá. Ou já tinha estado lá antes, mas propositalmente não o contou.

Se Eiko estivesse tentando esconder algo, poderia explicar por que estava subindo aquela rua. No topo ficava o Hotel Tachibana, com o letreiro de neon no telhado. Se estivesse indo para lá, teria que pegar aquele caminho, o tipo de estrada íngreme que, sob outras circunstâncias, teria evitado. Não havia outro caminho para o hotel.

As viagens de Eiko duravam de três a quatro horas e aconteciam no meio do dia. Às vezes duas, às vezes três vezes por semana. Nem todas essas viagens eram para a casa de sua professora de haiku no bairro Suginami. Pelo que disse a Asai, às vezes visitava amigas e conhecidas de seu círculo de haiku e, outras vezes, saía para um passeio em algum lugar que pudesse inspirar um poema. Asai tinha ouvido isso tantas vezes que deixou a informação passar despercebida. Agora percebeu que deveria ter ouvido com mais atenção; três a quatro horas era o tempo perfeito para encontrar um amante.

Quando os insetos começaram a enxamear, ele agarrou o caderno de haicai de Eiko na tentativa de descobrir alguma pista escrita, porém não havia nada que sugerisse um caso de amor. Este era o mesmo caderno que Eiko carregava em sua bolsa na hora de sua morte; aquele que tentou desesperadamente mostrar a Chiyoko Takahashi.

O caderno continha uma lista de endereços; uma lista que a professora de haicai havia coletado e distribuído como uma forma de identificar todos os seus alunos. Não havia nada suspeito nesse detalhe. Não havia uma única frase escrita em todo o livro que pudesse ser interpretada como uma mensagem de amor. Os próprios poemas de Eiko eram no estilo da Escola Hototogisu de haicai, relacionados à beleza da natureza e à harmonia entre o homem e o mundo natural. Cada poema era sobre a natureza. E, contudo, nenhum dos locais descritos parecia evocar Yoyogi. Talvez em algum lugar, enterrado no cerne desses poemas, houvesse um segredo.

Mesmo que Asai estivesse no caminho certo, não tinha a mínima ideia de quem poderia ser o amante. Que tipo de homem poderia fazer Eiko queimar com tanto desejo a ponto de esquecer seu coração fraco? Em todos os sete anos em que Asai foi casado com ela, nunca viu Eiko demonstrar interesse em outros homens. Sua esposa sempre lhe pareceu ter uma personalidade um tanto insípida, desprezava romances românticos e nunca os lia, e Asai nunca a ouviu falar sobre amor ou sexo. Se houvesse qualquer indício de uma cena de amor em um programa de TV, Eiko trocava de canal ou o desligava em seguida.

Da mesma forma, Eiko não demonstrou interesse no trabalho do marido. Nunca se esforçou para entender que tipo de trabalho fazia e nunca fez perguntas a respeito. Queria saber quantos dias ele ficaria fora em suas viagens de negócios, no entanto nunca perguntou para onde estava indo, com quem estava indo ou o propósito da viagem. Apenas verificou em que dia estaria em casa para que pudesse deixar a casa pronta para seu retorno. Era tão indiferente que não importava o quão tarde chegasse em casa em qualquer dia útil, nunca se incomodava em perguntar onde estivera.

Eiko nunca gostou de passar tempo com as esposas de seus colegas no ministério. Asai entendia que podia ser tedioso, todavia todas as outras esposas toleravam, não é mesmo? Certamente essa era a contribuição delas para a carreira de seus maridos. De fato Eiko deveria ter se esforçado mais para se aproximar das esposas de seus superiores, mas nunca tinha tentado. Esse era o tipo de pessoa que Eiko tinha sido: tão despreocupada com o avanço da carreira de Asai quanto poderia ser.

No geral, quando uma esposa está desinteressada na posição social de seu marido, este é forçado a cavar fundo e encontrar sua própria fonte de motivação. Isso depende, é claro, da personalidade do marido em questão, mas Asai acreditava que tinha o que era preciso. Como nunca gostou da cooperação e apoio de sua esposa, Asai sabia que tinha a oportunidade de colocar toda sua energia em seu trabalho. Se as coisas tivessem sido diferentes, e Eiko estivesse muito envolvida em sua carreira... Se o dominasse ou superprotegesse... Teria enfraquecido sua própria motivação. Asai viu muitos homens assim no ministério.

Uma esposa que estava apaixonadamente envolvida na carreira do marido não necessariamente amava seu marido mais do que uma esposa que não tinha interesse algum nisso. Cada mulher era diferente. Ações não necessariamente falavam mais alto que palavras. Após sete anos de casamento, Asai e Eiko tinham um relacionamento tão natural quanto o ar ou a água. Mesmo as esposas que tinham o envolvimento mais profundo na carreira de seus maridos nunca teriam uma compreensão completa de seus empregos. Era assim que Asai sempre via.

Porém a esposa que sentia que toda a paixão havia desaparecido de sua vida diária, que procurava uma maneira de reacender essa paixão com outro homem além do marido... Bem, já tinha lido sobre esse tipo de coisa em romances e na coluna de conselhos no jornal, embora nunca imaginou que fosse acontecer com ele.

E ainda assim algo lhe ocorreu quando pensou mais a fundo. Talvez tivesse ajustado sua personalidade à de Eiko. Se tivesse prestado um pouco mais de atenção a ela, talvez sua esposa tivesse sido menos passiva. Sua sensualidade pode ter estado bem ali, sob a superfície, esperando para florescer. Contudo estava falhando como parceiro. Estava muito preocupado com os seus problemas de saúde, se continha demais. O médico enfatizou que todos os seus avisos eram apenas livros didáticos padrão, então deve ter havido alguma outra maneira de continuar fazendo amor. Talvez eles devessem ter ido a outros médicos, pedido mais conselhos.

Eiko nunca foi assertiva e com certeza não era do tipo que tomava a iniciativa no quarto. Parecia que não tinha conseguido quebrar os hábitos em que tinham caído no início do casamento. Talvez não tivesse coragem. A rigidez de seus sete anos de relações conjugais aos poucos formou uma concha protetora na qual Eiko havia se recolhido.

Este outro homem teria que trabalhar para quebrar essa concha e superar a modéstia que sempre demonstrou perto do marido. E parecia que tinha encontrado uma maneira de entrar. Ela, ao que parecia, tinha passado por uma transformação completa.

Asai se lembrou de algo que o médico havia dito, há muito tempo.

— Doença cardíaca é uma doença invisível, indetectável na vida cotidiana, então as pessoas tendem a se tornar descuidadas. Deixe-me dar um exemplo. Um dos meus amigos, um médico que sofria de doença cardíaca, estava um dia dirigindo seu carro para uma visita domiciliar quando seu pneu ficou preso na vala de drenagem ao lado da estrada. Ele saiu, tentou levantar o carro da vala e sofreu um ataque cardíaco instantâneo, morrendo no local. Mesmo sendo médico, se esqueceu de sua própria doença. É preciso se cuidar.

Quem era esse objeto da obsessão de Eiko? Quem a fez esquecer-se de sua doença? Esse homem que lhe deu um choque forte o suficiente para paralisar sua artéria coronária... Onde estaria?

Asai percebeu agora que a razão pela qual Eiko nunca lia ficção romântica ou assistia a novelas ou outros dramas de TV não era porque não gostava deles. Estava os evitando. Não queria despertar todos aqueles sentimentos e sensações que tanto tentava reprimir. E ele tomou isso como falta de interesse!

Eiko tinha estudado canto e pintura, então devia ter um lado sensível. Afinal, se interessava por romances e novelas de TV. Os evitava para que não despertassem seu desejo sexual. Começando a cantar e depois desistindo, mudando para a pintura e desistindo também, nunca se apegando a nada por muito tempo, estava buscando algo evasivo, algo de que precisava. Essas baladas despertavam algum sentimento tremendo em sua alma? A pintura tradicional japonesa talvez fosse muito mansa. Entretanto para expressar a verdadeira beleza da natureza em um poema haicai, precisava sair, dar umas caminhadas: foi quando a oportunidade se apresentou.

Sim, seu amante era alguém que conheceu desde que começou a praticar haicai. Em algum momento nos últimos dois anos, não antes.

Contudo aqui estava o mistério: por que Eiko estava subindo aquela colina? Em outras palavras, por que não estava em um táxi ou algum outro veículo? Todas as outras pessoas que ele e Miyako tinham visto naquele domingo... O casal saindo do hotel e outros que pareciam estar chegando... Todos estavam em carros. Era a maneira natural de viajar quando se dirigia para um lugar como aquele. Ninguém queria dar as caras, era melhor só ir de carro.

Além do mais, Eiko odiava colinas íngremes. Não era do seu feitio andar quando poderia ter sido levada de carro. Então por que estava a pé?

Asai passou os dias seguintes pensando nesse quebra-cabeça, não apenas em casa, nas horas vagas, como também no trabalho. Verificou documentos, rascunhou propostas, emitiu ordens para sua equipe júnior, consultou seus gerentes seniores, se encontrou com fabricantes visitantes, participou de reuniões e coordenou com a equipe de outros departamentos, o tempo todo absorvido por esse enigma.

Após algum tempo, todos os pequenos fios de ideias e conjecturas se juntaram em sua mente e formaram uma hipótese viável...

Eiko sofreu um ataque cardíaco enquanto estava em um hotel com seu amante. Como o homem deveria ter reagido? Em circunstâncias normais, teria chamado um médico, no entanto este hotel era com certeza duvidoso. Teria sido impossível permanecer anônimo. Um ataque cardíaco era sério. Não poderia escapar dando um nome falso.

O homem deve ter decidido que tinha que sair do hotel antes de pedir ajuda. Fez o hotel chamar um táxi e, de alguma forma e colocou Eiko dentro. Infelizmente, a dor piorou e a deixou sair do táxi em algum lugar descendo a colina, talvez perto do fundo, um pouco além da Cosméticos Takahashi. Isso explicaria por que Chiyoko Takahashi a viu subir a colina pela esquerda.

Como o amante de Eiko pôde fazê-la sair do táxi daquele jeito? Talvez tenha sido pego de surpresa pela gravidade de sua condição; talvez tenha percebido que ela precisava da atenção de um médico naquele momento. Todavia por que não a deixou na frente de um hospital, então? Porque o hospital teria questionado a identidade de um homem que apareceu com uma mulher meio morta em seus braços. Depois de chegar daquele jeito, teria sido difícil escapar. O tempo estava se esgotando, então o homem deixou Eiko. Ele a deixou correndo para a casa mais próxima para que pudesse pedir para eles chamarem uma ambulância. Alguém tinha que ajudar. Decidiu que essa era a melhor maneira de lidar com a situação. Nunca precisou dar um nome ou endereço. Apenas descarregou seu problema na beira da estrada e fugiu. Contorcendo-se em agonia devido ao ataque cardíaco, Eiko não conseguiu protestar.

A investigação de Asai começou com o Tachibana.

A caminho de casa do trabalho, parou em um restaurante oden para tomar uma bebida e então pegou um táxi até Yoyogi. Enquanto o carro passava pela Cosméticos Takahashi, olhou para frente da loja, porém a boutique bem iluminada estava vazia e não havia sinal de Chiyoko Takahashi. Miyako confessou que estava intrigada com a lojista e o fato de que parecia estar morando sozinha naquela casa. A loja talvez estivesse vazia agora porque ela não tinha familiares para ajudar. Contudo também não havia clientes. Não era bem um negócio próspero. Prevendo boas vendas neste bairro residencial de luxo, ela estocou apenas as marcas mais caras... Um erro amador. Era como uma viúva que tentou seguir sozinha após a morte do marido. Miyako presumiu imediatamente que a Sra. Takahashi era viúva, e isso despertou ainda mais seu interesse. Asai teve uma sensação desconfortável de que dentro da cabeça de sua cunhada já havia um casamento sendo feito entre a dona da loja de cosméticos e ele.

O táxi passou rapidamente pelas casas da família, que pareciam mais sinistras agora na escuridão.

Asai desceu bem na frente do hotel. Como de costume, a placa no telhado estava acesa; um neon vermelho HOTEL TACHIBANA flutuando na escuridão total do espaço.

Entrou pelo portão que tinha visto no domingo anterior. Guiado pela luz das lanternas de pedra, seguiu pelo caminho. Depois de passar pelo jardim da frente, esperava chegar à entrada do hotel, no entanto tudo o que descobriu foi a lateral do prédio e mais pedras que levavam em duas direções diferentes.

Enquanto se perguntava o que fazer, uma funcionária saiu do prédio sombrio ao lado dele. Ela se curvou educadamente, mas ao mesmo tempo o encarou com um pouco de desconfiança. Afinal, não tinha companhia junto.

— Você tem algum quarto disponível?

— Temos. Você prefere um no estilo ocidental ou devo lhe mostrar um quarto japonês?

— Qualquer um está bom.

— Por aqui, por favor.

A empregada o levou pelo caminho à esquerda. Na escuridão, conseguia distinguir apenas um pequeno matagal de arbustos.

Asai foi levado a um pequeno quarto japonês. A área de dormir ficava atrás de uma divisória de papel deslizante, decorada com um padrão clássico de pequenos pássaros e ondas azuis.

Uma pintura ukiyo-e estava pendurada na alcova acima de um pequeno vaso de flores. A parede era ocre. Havia uma televisão no canto; ao lado dela, um telefone. Quando Asai se sentou à mesa laqueada de vermelho, a empregada se retirou para a porta, ajoelhou-se e colocou as duas mãos no piso de tatame.

— Bem-vindo ao Tachibana. E... Er... Sua acompanhante chegará mais tarde?

— Não. — Asai deu uma risada curta. — Não tem mais ninguém. Estou sozinho.

— Entendo.

A mulher não pareceu particularmente surpresa. Ao que parece, homens solteiros vinham a este hotel. E já havia previsto a próxima pergunta.

— Sinto muito, contudo não podemos realizar esse tipo de serviço. Espero que entenda.

— Ah, não... Acho que tivemos um mal-entendido. Não é por isso que estou aqui. Na verdade, tenho um pequeno favor para lhe pedir.

— Desculpe? — ela o olhou incerta.

— Receio ter uma pergunta um tanto embaraçosa para lhe fazer. Se importaria em chegar um pouco mais perto?

A mulher parecia ter cerca de quarenta anos e era robusta sob seu avental roxo. Ainda ajoelhada, se aproximou um pouco mais de Asai.

— Obrigado. Eu... Hum... Bom, me é um pouco difícil dizer. Ainda assim, decidi falar abertamente sobre isso. Veja, há cerca de duas semanas minha esposa me deixou por outro homem, alguém que nunca conheci.

Os olhos da mulher não deixaram seu rosto.

— Bem, um pouco atrás encontrei evidências de que ela estava usando este hotel. Na verdade, era aquela caixa de fósforos, aqueles perto do cinzeiro ali. Outro dia, encontrei os mesmos fósforos na bolsa da minha esposa.

Não houve resposta da empregada.

— Tenho dois filhos pequenos em casa. A única razão pela qual engoli meu orgulho e vim aqui para fazer essas perguntas é porque meus filhos estão com saudades da mãe. Só quero encontrá-la e trazê-la para casa. No entanto agora não tenho a mínima ideia de onde ela possa estar. Para manter as aparências, não quero envolver a polícia. Pensei que se viesse aqui, poderia descobrir com que tipo de homem minha esposa estava aqui. Se eu soubesse como ele é, poderia adivinhar quem é... Ah, quase me esqueci, trouxe uma foto da minha esposa comigo.

O marido humilhado tirou a foto da esposa do bolso e a entregou à empregada.

— Espero que me perdoe se eu não lhe disser meu nome.

***

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