terça-feira, 14 de janeiro de 2025

A Quiet Place — Capítulo 13

Capítulo 13


O relatório da agência de detetives mencionou que no último sábado do mês, Konosuke Kubo costumava viajar de trem até um sanatório no planalto de Fujimi para visitar sua esposa. Ele sempre pegava o trem apelidado de Alpes #4, que saía da Estação de Shinjuku às 13:10. Asai descobriu essa última parte sozinho ligando para a R-Textiles em uma tarde de sábado e dizendo à recepcionista do Departamento de Assuntos Gerais que era conhecido de Kubo.

— Sinto muito, o Sr. Kubo saiu há cerca de uma hora. Sim, está a caminho de Fujimi na Prefeitura de Nagano... Qual trem? O expresso 1.10 de Shinjuku... Sim, isso mesmo. Sempre pega esse.

Levava cerca de três horas e meia para ir de Shinjuku a Fujimi. Kubo chegaria por volta das 17hrs. Encaixava perfeitamente no horário de visita no sanatório. Asai imaginou que passaria a noite em Fujimi ou em Kamisuwa, e depois voltaria ao sanatório na manhã de domingo para passar mais tempo com sua esposa antes de retornar a Tóquio.

Visitar Nagano uma vez por mês sem falha para confortar sua esposa doente fazia Kubo parecer um marido atencioso, mas Asai tinha certeza de que se sentia obrigado a fazê-lo para se exibir. Este era o mesmo homem que pensou apenas em salvar sua própria pele quando arrastou o corpo morto de Eiko para a loja de Chiyoko Takahashi. Tudo eram aparências com ele... Um ser astuto e hipócrita.

O quarto sábado de outubro caiu no dia 25.

Um pouco antes da uma da tarde, Asai caminhava pela plataforma da Linha Chuo em Shinjuku, seus óculos escuros no lugar. O Alpes #4 já estava parado na estação, permitindo que andasse por todo o comprimento do trem, olhando pelas janelas com um ar de indiferença. Kubo não reconheceria seu rosto, o que lhe dava uma vantagem distinta ao segui-lo.

Kubo havia tomado assento no vagão de primeira classe, mais ou menos no meio do vagão, próximo à janela esquerda, e lia um jornal. Não havia ninguém ao seu lado e um senhor mais velho estava sentado do outro lado. Os dois homens pareciam não se conhecer. Asai sentou-se várias fileiras de distância, em frente a uma mãe e uma criança, porém manteve Kubo à vista.

Como sabia o destino de Kubo, não precisaria observá-lo o tempo todo. Contudo, tinha uma pequena preocupação. Este expresso não parava na estação Fujimi. De acordo com o horário, pararia na um pouco maior Kobuchizawa, pouco antes de Fujimi, às 16:24. Eles precisariam fazer baldeação para um trem local, partindo às 16:52 e chegando a Fujimi às 17:05. Haveria uma espera de cerca de trinta minutos na plataforma em Kobuchizawa.

Kubo esperaria lá por meia hora ou pegaria um táxi direto para o sanatório? Era difícil prever, embora achasse que o táxi seria a opção mais sensata das duas.

Asai planejou confrontá-lo em algum lugar a caminho do sanatório. O horário de visita provavelmente era limitado, então poderia encontrá-lo na saída, todavia já estaria ficando tarde. Se, digamos, o horário de visita terminasse às oito, já estaria escuro, e não tinha certeza se Kubo estaria disposto a falar com um estranho na rua em tal horário. O ideal seria tentar interceptá-lo em um local tranquilo, sem ninguém por perto.

Então seria importante ficar de olho, só para o caso de ele não descer do trem em Kobuchizawa, afinal. Asai presumiu a princípio que o homem iria direto para Fujimi, mas e se não fosse? E se tivesse dito a todos que visita sua esposa de sábado a domingo, quando na verdade passa a noite de sábado se divertindo em um local diferente antes de aparecer no sanatório no domingo? Poderia passar a noite no resort de águas termais de Kofu, ou mesmo em algum lugar mais distante, como Shimosuwa.

O trem partiu. Kubo seguia lendo seu jornal e não tinha conhecido ou falado com ninguém. Asai tentou ler uma revista, porém foi inútil; as letras não paravam na página.

Um grande número de passageiros desceu em Kofu. Outros grupos de turistas embarcaram, pelo jeito a caminho para admirar as folhas de outono.

Havia placas na plataforma anunciando a beleza do desfiladeiro de Shosenkyo nesta época do ano. Levantando a cabeça para verificar, viu que Kubo não havia se movido do assento e olhava pela janela, fumando um cigarro. Parecia estar entediado.

Então desceria em Kobuchizawa ou Shimosuwa. Se fosse em Kobuchizawa, esperaria trinta minutos na plataforma pelo trem local ou pegaria um táxi?

Depois de Kofu, o trem diminuiu a velocidade à medida que começava a subir mais íngreme. O contorno do Monte Fuji desapareceu da janela do lado esquerdo assim que a cordilheira de Yatsugatake se tornou visível à direita. As florestas em ambos os lados se tornaram gradualmente mais carmesins.

Com todos os novos passageiros de Kofu, metade do vagão estava cheio de rostos novos. O senhor idoso em frente a Kubo tinha sido substituído por uma mulher elegante de cerca de trinta anos, vestida com um quimono. Asai se perguntou se os dois tinham planejado se encontrar no trem e observou o movimento de suas cabeças sobre os assentos, contudo os dois não pareciam estar trocando olhares. Deviam ser estranhos, afinal. Kubo parecia estar absorto em algum tipo de revista agora.

Esta foi a primeira vez que Asai teve a chance de observar o objeto de sua hostilidade por um período tão longo de tempo. Observou cada gesto seu: o virar de sua cabeça, os movimentos de suas mãos, a curvatura de seus ombros... Tudo típico do cidadão comum, entediado por uma longa viagem de trem. Quando pensou em como sua própria esposa poderia ter sido seduzida por uma mistura de gestos tão banais e triviais, sentiu algo crescer na boca do estômago e a bile começou a subir em sua garganta. Contudo junto com o desagrado, havia um doce sentimento de satisfação de que todos os seus esforços para descobrir a identidade de seu rival o levaram a esse momento. Para saborear completamente a sensação, teria que tomar cuidado com a próxima etapa de seu plano.

Asai não amava Eiko a ponto de seu coração nunca se recuperar do choque de sua morte. O que sentia agora era raiva por ela tê-lo traído, e que a frieza que havia lhe demonstrado fosse culpa desse homem, Kubo. Não podia deixar as coisas acontecerem. Odiava esse homem cujas técnicas de sedução reacenderam uma faísca em sua esposa depois de ter sido tão frígida por tantos anos. Sabia que Kubo era capaz de todos os tipos de astúcia e engenhosidade, como evidenciado por seu plano de despejar o corpo de sua esposa em sua vizinha. Os pensamentos não eram vingar sua pobre esposa por ter sido inocentemente enganada por esse playboy; não, essa vingança era inteira para ele. Pelo menos, se tivesse parado e pensado sobre isso, essa era a conclusão a que teria chegado, no entanto no calor do momento foi cegado por suas emoções e se convenceu de que estava lá para justificar Eiko.

O trem cruzou a fronteira para a Prefeitura de Nagano e logo depois começou a desacelerar ainda mais. Os passageiros começaram a se levantar e recolher seus pertences. A figura alta de Kubo se levantou de seu assento e pegou sua bolsa no bagageiro superior. Asai ficou em posição de sentido. Era justo como havia previsto, sua intenção era descer em Kobuchizawa.

Quando o trem chegou à estação, Kubo partiu para a porta de saída mais distante, sem olhar para trás uma única vez. Asai saiu em seguida do outro lado do vagão.

Cerca de metade dos passageiros foi direto para os degraus até a ponte de saída, e o resto ficou na plataforma para esperar o trem local. Kubo estava entre os vinte ou mais que ficaram. O trem o levaria a Fujimi em menos de quinze minutos, então Asai supôs que valia a pena esperar a meia hora extra para economizar na tarifa do táxi. Tinha certeza de que Kubo não sentia nenhuma necessidade urgente de correr para a cabeceira da esposa doente.

Asai se manteve a uma distância segura. Kubo estava virado para o leste, então Asai se certificou de que estava virado para o lado oposto. Em sua frente havia uma montanha alta, cujo nome não sabia. O sol do fim da tarde brilhava vermelho em seu cume. Era o fim de outubro, e o ar estava bem frio lá em cima. Ficar completamente sozinho, sua sombra projetada sobre uma plataforma de estação desconhecida pelo sol poente, teria sido o suficiente para deixar qualquer um melancólico, entretanto Asai não sentiu nenhuma tristeza naquele momento.

Foi uma longa meia hora, todavia o trem por fim chegou. Não havia muitas pessoas embarcando, então Asai se certificou de escolher um vagão diferente. Conforme o trem passava pela serra, as montanhas lançavam uma sombra azulada sobre as cores do outono, e além as encostas distantes de Yatsugatake estavam escuras como breu.

Kubo estava entre os passageiros que desembarcavam em Fujimi. Asai imaginou que sua bolsa abarrotada estivesse cheia de presentes para sua esposa doente. Continuou seguindo-o, se certificando de que não houvesse mais do que três ou quatro pessoas entre ambos. Temia perder o homem de vista, e ainda mais que Kubo pudesse pegar um táxi no ponto em frente à estação. Se isso parecesse provável, Asai pretendia abordá-lo antes que pudesse subir no carro.

Mas, para a surpresa de Asai, Kubo entrou em um ônibus que estava esperando em frente à estação. Não havia se preparado para essa eventualidade, porém decidiu que seria seguro embarcar também. Asai só teria de se certificar de que ficaria de costas para Kubo durante todo o caminho até a parada do sanatório.

Eles passaram pelas luzes brilhantes ao redor da estação e saíram da cidade. Na extensão do planalto, pequenos lampejos de luz do dia permaneceram. Kubo desceu no sanatório, seguido por outros três passageiros. Asai seguiu junto.

Há cerca de cinquenta metros de distância, construído no terreno mais alto, o sanatório, com suas janelas bem iluminadas, parecia um hotel. Os três passageiros que desceram do ônibus na frente dele viraram em direções diferentes, então Asai enfim ficou sozinho com Kubo no meio dessa vasta paisagem.

O outro homem saiu pela estrada. Asai levantou os óculos escuros para olhar o relógio. Era pouco antes das seis. A figura ligeiramente curvada de Kubo estava alguns metros à sua frente. A estrada subia. Quando um carro se dirigiu a eles da direção do sanatório, Asai desviou o rosto do brilho dos faróis.

Depois que o carro passou, Asai chamou Kubo.

— Com licença! — sua voz saiu ofegante. Não parecia nem um pouco consigo mesmo.

A figura à frente parou e se virou. Na escuridão, conseguia distinguir o rosto longo e de óculos. Era sem dúvida o mesmo homem que o observava do lado de fora da loja de cosméticos, contudo dessa vez parecia menos ameaçador. Ele pôde ver imediatamente que Kubo não o reconheceu, e isso lhe deu uma leve sensação de alívio, no entanto ao mesmo tempo seu coração saltou no peito.

Durou apenas dois ou três segundos, então Asai se aproximou de Kubo, com um sorriso no rosto.

— Com licença, mas você é o Sr. Kubo? — dessa vez sua voz saiu normal.

— Sim, isso mesmo.

Kubo ficou ali parecendo um pouco confuso, esperando para descobrir a quem se dirigia.

— Você está indo para o sanatório?

— Sim, porém... Se não se importa que eu pergunte, quem é você?

Asai se manteve firme. O outro homem era muito mais alto, então foi forçado a levantar os olhos para olhá-lo no rosto.

— Eu sou Asai.

Kubo parecia ainda mais confuso. Não tinha percebido quem era Asai. Era óbvio que tentava se lembrar de todos os Asais que conhecia.

— Desculpe, Sr. Asai de…?

— Tsuneo Asai. Certamente esta não é a primeira vez que ouve meu nome, certo?

Era uma maneira dramática de anunciar, embora não tinha se preparado para esta conversa em particular, então só saiu dessa forma.

Kubo de repente parecia ter engolido um pedaço de chumbo. Seus óculos tinham escorregado um pouco para baixo do nariz, contudo seus olhos estavam fixos firmemente no rosto de Asai, que prosseguiu.

— Não, na verdade, esta é a primeira vez que nos encontramos. Sou o marido de Eiko, Tsuneo Asai.

Asai falou de maneira franca, e até abaixou um pouco a cabeça.

— Sr. Kubo, gostaria de lhe fazer algumas perguntas sobre minha esposa. Poderia me conceder algum tempo? — perguntou, erguendo os olhos mais uma vez para os de Kubo.

Um olhar de pânico cruzou o rosto de Kubo. Se não estivesse tão escuro, tinha certeza de que teria visto suas feições se contorcendo e seus olhos piscando rapidamente. Ele ainda não havia respondido.

— Presumo que está prestes a visitar sua esposa. — Asai deu outro passo à frente. — Tenho certeza de que está com pressa, então vamos bater um papo no saguão ou na sala de espera?

— Não. — interrompeu Kubo. — Lá não. É impossível.

— Entendo. Seria um problema para você, não seria?

— Sim. Por favor, me poupe disso. — Kubo estava quase implorando.

— Entendo. Não quer que sua esposa faça perguntas estranhas?

— Certo. — Kubo abaixou a cabeça.

— Entendo. Bem, então, onde teremos nossa conversa? Já está ficando tarde e escuro...

Kubo não respondeu.

— Parece que não há nenhum café por aqui. Há uma cafeteria ou algo assim no sanatório?

— Eu preferiria evitar qualquer um desses lugares. — disse Kubo fracamente.

— Então onde podemos conversar? Devemos voltar para a cidade? Esperar o próximo ônibus?

— Não... Não. Se não se importa, podemos dar uma volta em algum lugar? Prefiro que ninguém ouça nossa conversa.

— Dar uma volta? Quer dizer em uma dessas estradas rurais?

Kubo abaixou a cabeça em súplica.

— Sim. Se estiver tudo bem.

Para falar a verdade, era justo o que Asai esperava o tempo todo. Ou seria mais preciso dizer que havia direcionado os eventos para tal resultado.

O que Asai nunca havia previsto era que Kubo admitiria tão facilmente seu relacionamento com Eiko. Esperava que seu adversário se fizesse de bobo, negasse tudo. Afinal, o homem havia se mostrado um personagem astuto. Asai esperou ter de trabalhar para obter qualquer tipo de confissão e tinha vindo preparado para todas as diferentes linhas de ataque. Entretanto acabou não precisando de nenhuma. Kubo não se esquivou de suas perguntas, presumivelmente porque conseguiu pegá-lo de surpresa, materializando-se bem na sua frente, saindo da escuridão. Ele não conseguiu se defender. Sobrecarregado pela maneira determinada de seu acusador, Kubo percebeu que Asai sabia de toda a verdade.

Os dois homens saíram da estrada para o sanatório e pegaram o que era pouco mais que uma trilha em direção ao sopé da cordilheira Yatsugatake. Havia poucos edifícios à vista, e apenas uma luz estranha vagamente visível entre a massa escura da floresta e os bosques menores de árvores. Não havia mais ninguém por perto.

Kubo, mala na mão, parecia estar sendo levado por Asai ao longo da trilha estreita e levemente luminescente. Lançando olhares furtivos para seu guarda enquanto caminhava, este estava com nítido medo do que Asai poderia dizer ou fazer em seguida. Ele lembrou Asai de um animal enfraquecido e preso, procurando uma chance de escapar.

Ótimo. Nesse caso, vou deixá-lo suar um pouco mais antes de fazer mais perguntas, pensou Asai. Isso o lembrou de estar de volta ao ministério, aproveitando o status mais fraco de algum empresário apenas para fazê-lo esperar.

Os dois caminharam cerca de cinquenta metros pela trilha, cada um imerso em pensamentos. Foi Kubo quem parou primeiro.

— Sr. Asai.

Era a voz de alguém que precisava desesperadamente quebrar o silêncio.

***

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