Capítulo 17
Asai checava os jornais todos os dias para ver se havia alguma notícia sobre o caso. Ele só tinha um jornal entregue em casa, então checava os outros três diários nacionais quando chegava ao trabalho.
Pelas próximas três semanas, não havia nada de novo sobre o assunto, embora houvesse muita cobertura de novos crimes. Os jornais pareciam estar cheios de nada mais. Era como se não houvesse espaço disponível para nenhum repórter que tivesse decidido se ater a uma história, e talvez nenhum tivesse paciência para ver uma história até sua conclusão de qualquer maneira. Parecia claro que os editores acreditavam que seus leitores precisavam de uma nova história todos os dias para manter seu interesse.
O caso Kubo agora era uma coisa do passado, pensou Asai, ou pelo menos estava a caminho de ser. Como tantos outros casos de assassinato, acabaria enterrado em algum arquivo antigo e esquecido.
Até agora, esteve vivendo com medo da investigação invisível acontecendo em Fujimi e mergulhou em seu trabalho como uma forma de esquecer, mas agora sentiu a pressão relaxar um pouco. Conseguiu voltar ao normal e respirar mais livremente e sentiu a energia retornar ao seu corpo.
Sem dúvida não havia motivo para visitar a Prefeitura de Nagano em um momento como esse. De volta à rodovia em Nagano, ele tomou a decisão inteligente de não voltar para recuperar o frasco de óleo para cabelo, e era a mesma coisa agora... Realmente não seria bom cortejar o perigo retornando à cena do crime. Asai estava feliz por ter recusado o convite da cooperativa. Havia outras pessoas no escritório tão capazes quanto de dar aquela palestra.
E então, um dia no refeitório do ministério pegou uma revista semanal de notícias que alguém havia deixado em uma cadeira e começou a folhear suas páginas. Seu olhar foi para uma coluna intitulada ‘Acompanhamento de notícias’, e seu coração deu um salto no peito.
Há rumores de que o Mistério do Assassinato de Yatsugatake foi um assassinato de culto cometido pela comunidade hippie local, porém informações recentes vieram à tona e fizeram com que a força-tarefa de investigação olhasse em uma direção diferente.
O corpo de Konosuke Kubo (38), gerente da seção de Assuntos Gerais da R-Textiles, localizada em Kyobashi, distrito Chuo, Tóquio, foi encontrado morto em uma estrada rural no planalto de Fujimi, na província de Nagano, na manhã de domingo, 26 de outubro deste ano. O crime parece ter sido cometido em algum momento da noite anterior. O assassino primeiro jogou ácido sulfúrico no rosto da vítima e depois quebrou seu crânio com três pedras separadas, no que foi um assassinato extremamente brutal. O Sr. Kubo encontrou seu destino trágico enquanto vinha da cidade de Tóquio para visitar sua esposa no Sanatório do Planalto de Fujimi. Como nada foi roubado da vítima e acreditava-se que não tinha inimigos, o crime foi apelidado de ‘assassinato gratuito’, e a suspeita recaiu sobre a comunidade hippie.
Houve muita conversa sobre esta ser a versão japonesa dos assassinatos de Charles Manson, contudo em investigações subsequentes a polícia estabeleceu que os hippies não tinham relação com o caso. Houve um tempo considerável de comunidades hippies na área de Yatsugatake, no entanto, possivelmente porque esse estilo de vida saiu de moda recentemente, a maioria delas se mudou por volta do outono e, de fato, quase nenhum hippie permaneceu.
As últimas informações obtidas pela força-tarefa foram que por volta das 21:30 da noite de 25 de outubro, um homem solitário foi visto caminhando na rodovia da prefeitura nas proximidades do sanatório por dois membros da cooperativa agrícola local, o Sr. Akiharu Kido (40) e o Sr. Jiro Haruta (23). Parece que o Sr. Kido e o Sr. Haruta deram uma carona ao homem, deixando-o em frente à estação Fujimi. O homem em questão parecia ter cerca de quarenta anos, entretanto como estava escuro e este levava óculos escuros, as duas testemunhas não conseguiram vê-lo bem. No decorrer de uma conversa que ocorreu no carro, o homem alegou ter visitado o sanatório. Todavia, de acordo com as investigações policiais, nenhum visitante saiu do sanatório por volta daquele horário. O trecho da rodovia onde o homem foi encontrado ficava muito próximo do cruzamento com a estrada rural onde a vítima foi encontrada, e a polícia está investigando se esse evento pode ter alguma conexão com o crime.
No carro, o homem disse que pegaria o trem de volta para Tóquio naquela noite. A vítima, o Sr. Kubo, também era de Tóquio, então é possível que o homem fosse um conhecido que viajou com ele para Fujimi, e que era o assassino do Sr. Kubo. Assim, o ‘assassinato gratuito’ pode muito bem acabar sendo um assassinato por rancor, afinal, e a força-tarefa está agora reinvestigando todos os relacionamentos profissionais e pessoais do Sr. Kubo.
Recentemente, a imprensa parou de se preocupar em publicar relatórios de acompanhamento nos diários, deixando as revistas de notícias semanais para publicar artigos mais longos que cobriam esses casos com mais detalhes. Asai olhou para a data na primeira página. Já tinha uma semana. Nunca tivera costume de se preocupar em ler esse tipo de revista, então esta foi a primeira vez que ouviu falar de novos acontecimentos.
Todos os seus medos voltaram correndo. Claro; os dois homens que o pegaram na rodovia tinham relatado à polícia, depois de tudo. Aquele sentimento seguro de distância havia desaparecido. Outra vez voltara para diante de seus olhos, em cores berrantes.
Deixando seu almoço intocado na mesa, tomou um copo cheio de água. Asai teve que se recompor e considerar o conteúdo deste artigo com calma. Precisava descobrir se a informação contida significava que estava em perigo iminente.
Os dois homens disseram que não conseguiram ver bem o rosto do homem de quarenta anos porque levava óculos escuros. Era como tinha suposto, então usar os óculos funcionou. O artigo não mencionou, mas uma das razões pelas quais não conseguiram ver seu rosto direito foi que por estar olhando para o chão o tempo todo. Asai havia planejado isso para que eles não pudessem ver seu rosto. Não ficou surpreso por nenhum dos dois homens não terem nenhuma impressão particular de suas feições, e tinha certeza de que não haveria o suficiente para a polícia realizar uma identificação.
Também dizia no artigo que o suspeito estava pegando o trem de Tóquio da estação Fujimi. Para ser preciso, foi o motorista do veículo que mencionou, presumindo que Asai viajava de volta para Tóquio. Asai não fez nada além de murmurar em concordância, e então o homem mais velho, Akiharu Kido, membro da cooperativa agrícola, de acordo com a revista, começou a discutir os horários dos trens de Tóquio com o mais jovem Jiro Haruta.
Na época, Asai se arrependeu de não ter dito que pretendia pegar um trem na direção oposta. Até considerou mudar sua história, porém decidiu que ser de Tóquio não era o suficiente para ser identificado. O artigo mencionou que a polícia acreditava que o suspeito era um conhecido de Konosuke Kubo de Tóquio, e que estavam entrevistando outra vez todos que o conheciam. Graças ao negócio com o trem, Asai se preocupou que estivesse em perigo. Contudo, tinha certeza de que não importava quem a polícia questionasse sobre as conexões de Kubo, seu nome nunca apareceria. Ninguém sabia a seu respeito. Acabariam no mesmo lugar de antes, incapazes de descobrir qualquer motivo para o assassinato.
Concluindo: não, não se encontrava em perigo imediato, afinal. À primeira vista, o artigo o deixou gelado até os ossos, no entanto agora percebia que não era nada e se sentiu calmo novamente.
Três ou quatro dias depois, o representante da Divisão de Assuntos de Vida do Sindicato Central das Cooperativas Agrícolas veio visitar Asai mais uma vez.
— Sr. Asai, avisei a filial da Prefeitura de Nagano que você não poderia vir. Ontem eles me responderam e disseram que estavam decididos a que fosse você quem desse as palestras. Existe alguma maneira de fazer isso funcionar?
Asai lançou um olhar severo ao representante.
— Não conseguiu encontrar alguém para ir no meu lugar?
— Não. Tentei negociar com o pessoal de Nagano, mas não queriam mais ninguém. — o representante sorriu um pouco. — Disseram que tinha que tinha que ser a sua pessoa.
— Diga que tenho coisas para fazer; não posso apenas reorganizar minha agenda para atender a todos. Por favor, diga ‘não’.
— Tem certeza de que não tem como…?
— Certeza absoluta. Há muitas outras pessoas no meu nível que são tão capazes quanto de dar as palestras.
— Bem, na verdade, não há. Nós investigamos, e você é realmente o único, Sr. Asai. A cooperativa de Nagano acredita que seja o candidato ideal.
— Agora, vamos lá, não preciso que me pressione também! Já lhe disse que não posso.
— Estou em uma situação difícil aqui. Seu conselho foi tão bem recebido em Yamanashi. Se pudesse dar uma passada nos vizinhos deles e ajudá-los também...
— Estou muito ocupado aqui no ministério. Não posso fazer nenhuma viagem de negócios agora, e é isso. — disse Asai. Seu tom era áspero.
— Então, quando acredita que poderá conseguir?
Asai lutou para pensar em uma resposta.
— Quero dizer, quando acha que as coisas vão ficar um pouco menos movimentadas no trabalho?
— Eu não poderia te dizer. Só não posso ir. Recuse, por favor. — Asai acenou com a mão freneticamente na frente do rosto em um gesto inconfundível de recusa.
Estava fora de questão ir para o sul da Prefeitura de Nagano. Na verdade, não apenas o sul; toda a prefeitura poderia ser arriscada. Se as palestras fossem organizadas pela filial da prefeitura da cooperativa, então os membros de qualquer lugar da região estavam livres para comparecer.
Akiharu Kido e Jiro Haruta… Tinha que memorizar esses nomes. Especialmente Kido, ele era o homem mais velho e talvez fosse uma figura influente na filial de Fujimi. Poderia aparecer em qualquer lugar, a qualquer hora. Asai teria que ficar vigilante.
Pelos próximos dez dias, não havia nada em particular para preocupar Asai. O representante não apareceu mais. Como não havia mais conversas sobre encontrar um substituto para seu lugar, presumiu que o sindicato havia enviado algum tipo de especialista técnico da estação experimental agrícola. Fazia mais sentido do que enviar um burocrata como ele. A tecnologia deveria ser o domínio dos especialistas.
E então chegou uma carta de Kobe, do presidente Yagishita. A primeira parte da carta expôs os problemas enfrentados pelos agricultores na Prefeitura de Tottori. Ela continuou:
Lá, como em outras partes do país, o interesse está se afastando do cultivo de arroz e se aproximando da moderna indústria de fabricação de alimentos. Há planos em andamento para uma conferência de uma semana sobre essas técnicas, patrocinada pela união de cooperativas agrícolas. Eles esperam convidar alguns professores de universidades agrícolas de Tóquio como palestrantes, junto com engenheiros de algumas das maiores empresas do ramo. Também me perguntaram se posso levá-lo para vir por apenas alguns dias. Acredito que se deva ao fato de terem ouvido que estamos em bons termos.
O vice-presidente da filial da prefeitura e eu somos amigos há algum tempo. Ele é um tipo muito bom. Diz que sua presença, Sr. Asai, como chefe de divisão assistente no Ministério da Agricultura, daria prestígio à sua conferência e encorajaria mais pessoas a comparecer. Ele espera ter a chance de lhe mostrar o local enquanto você estiver lá e gostaria de levá-lo ao Parque Nacional Daisen-Oki e às dunas de areia de Tottori, bem como às famosas fontes termais em Misaki. Sei que está ocupado, então espero que este pedido não seja muito problemático...
Yagishita acrescentou que esperava que Asai pudesse atender ao pedido do vice-presidente.
A abordagem veio de seu velho amigo Yagishita, e Asai não queria colocá-lo em uma posição embaraçosa. Nunca tinha ido à Prefeitura de Tottori, e a ideia de ser apresentado aos pontos turísticos famosos era muito atraente. Para ser honesto, não estava tão ocupado no trabalho agora.
Entretanto havia um problema. Se aceitasse a viagem para Tottori, o povo de Nagano estaria voltando sua atenção para ele de novo. Não poderia justificar ir para Tottori depois de recusar Nagano. Já havia sido questionado sobre o motivo de estar disposto a visitar Yamanashi, e não a vizinha Nagano. Se fosse até Tottori agora, que era muito mais longe, haveria enormes protestos da cooperativa agrícola de Nagano.
Yagishita havia escrito que a presença do chefe de divisão assistente do ministério acrescentaria prestígio à conferência. Então era isso; era por essa razão que a Prefeitura de Nagano também estava insistindo tanto que comparecesse aos eventos.
Era lisonjeiro perceber que as pessoas o consideravam dessa forma, porém agora era um elogio que Asai poderia ter dispensado. Percebeu que, embora as pessoas nas áreas rurais pudessem reclamar muito sobre interferência política, elas seguiam tendo muito respeito pela autoridade do governo central.
Yagishita ligou para Asai.
— Recebi sua resposta à minha carta. — ele começou com sua voz grave e característica. — Entendo que esteja muito ocupado no momento, contudo o povo de Tottori está desesperado para que venha. Não há nada que possa fazer?
— Sinto muito! — Asai respondeu secamente. Sabia que Yagishita podia ser muito persistente, então fez sua resposta o mais inequívoca possível.
— Ainda falta um bom tempo.
— Ainda não será possível. O fim do ano está chegando, e apenas não posso fazer nenhuma viagem para fora da cidade agora.
— Esse é um problema e tanto.
— Sinto muito por lhe causar problemas, no entanto não tem jeito. Se alguns dos professores de Tóquio comparecerem, não será o suficiente?
— Parece que não vai satisfazê-los. O povo de Tottori ouviu tantas coisas boas sobre o Sr. Asai do Ministério da Agricultura.
— Você pode me dizer isso o quanto quiser, entretanto nada vai me fazer mudar de ideia.
— Não há nada que eu possa fazer?
— Nada.
— Seu humor não parece estar dos melhores hoje. Te ligo de volta outra hora.
— Pode me ligar quantas vezes quiser, mas a resposta ainda será não. Não tem nada a ver com meu humor. Por favor, diga às pessoas em Tottori que não adianta perguntar.
— Tudo bem, tudo bem. De qualquer forma... Eu tenho algumas coisas para fazer em Tóquio, então...
— Você é bem-vindo para vir a Tóquio se quiser, mas tenho que pedir para não falar mais comigo sobre esse assunto.
— Certo então. Falo com você em breve. — Yagishita riu e desligou.
Um homem determinado como Yagishita não cede tão fácil, pensou Asai.
Era de se esperar que desse continuidade à carta com um telefonema. Yagishita provavelmente já havia prometido ao vice-presidente da cooperativa da prefeitura que Asai estaria lá. Seria típico seu ter dito ao homem que ele e o Chefe Assistente da Divisão Asai eram tão próximos quanto ladrões. Sem dúvida lhe assegurou que não seria problema convencê-lo a vir. Na verdade, sua presença já estaria garantida. Bem, veremos quem vai, pensou Asai. Não era que estivesse assumindo uma postura ruim com um conhecido; era apenas para sua própria segurança.
Quatro dias depois, Yagishita tornou a ligar.
— Então, posso contar com sua presença?
— Não.
— Ainda há tempo. Pense um pouco mais.
— Não há nada para pensar. Estou até o pescoço com trabalho de fim de ano. Não tenho como ir.
— Não consegue encontrar um jeito?
Asai desligou o telefone. Embora estivesse acostumado com a teimosia de Yagishita, sentiu que dessa vez estava sendo desagradável. Contudo, na verdade, nem Yagishita nem Tottori estavam sendo desagradáveis. Foi que a Prefeitura de Nagano o abordou primeiro. Se não o tivessem feito, poderia estar curtindo um banho em uma fonte termal em dezembro.
No entanto a Prefeitura de Nagano finalmente desistiu? Não tinha ouvido nada há seu respeito nos últimos dias.
Três dias depois, Asai estava esperando na frente dos elevadores para descer ao térreo quando um chegou de baixo e sua porta se abriu. O secretário-chefe do gabinete saiu, acompanhado pelo diretor-geral Shiraishi. O secretário-chefe do gabinete era magro e gracioso como um guindaste, o diretor-geral Shiraishi era grosso e desajeitado como um urso. Asai fez uma reverência para os dois.
Os dois homens partiram pelo corredor, mas depois de apenas alguns passos Shiraishi se virou de repente e começou a voltar para Asai. Pelo leve sorriso magnânimo colado em seu rosto, Asai soube que tinha algum favor a lhe pedir. A figura pesada veio caminhando em sua direção, e Asai reagiu dando alguns passos em direção ao seu chefe.
— Como você está? Melhorando?
O diretor-geral falou num tom gentil. Era evidente que perguntava como as coisas tinham ido desde que Eiko faleceu. Era o tipo certo de preocupação de um supervisor para com um membro de sua equipe, porém com um toque de condescendência.
— Estou bem, obrigado. — Asai respondeu com uma reverência.
— Fico feliz em saber. A propósito, recebi um pedido da Cooperativa da Prefeitura de Nagano para ir observar suas operações, então estou planejando passar cerca de três dias lá a partir do meio da semana que vem. Eles estão alegando que é sobre todas as mudanças recentes na política do governo, todavia na verdade estão apenas procurando uma desculpa para fazer lobby em seu próprio caso. Bem, agora é impossível ignorá-los. Produtos agrícolas, carne bovina, suína, todos esses tipos de processamento de alimentos... Esses serão os pilares daqui em diante. Quero levá-lo comigo, então poderia começar a trabalhar nisso, por favor? Não viajamos a negócios juntos desde aquela vez em Kobe, não é?
Asai ficou sem palavras.
— Sim; naquela época foi mesmo uma pena o que aconteceu com sua esposa. Vamos torcer para que essa viagem seja uma experiência mais agradável.
Ainda assim, ele não conseguiu dar uma resposta.
— Você está bem com isso?
— Sim. — Asai conseguiu resmungar por fim.
O diretor-geral se juntou ao secretário-chefe do gabinete. Asai observou os dois homens, caminhando lado a lado, desaparecerem na esquina seguinte. Minutos depois, seguia estando lá, olhando para o longe, sua mente em branco.
O próximo elevador chegou e abriu suas portas. Mas como ninguém entrou, ele apenas as fechou de volta e continuou sua descida solitária.
***
Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.
Chave PIX: mylittleworldofsecrets@outlook.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário