Capítulo 19: A disputa da família Saillune explode!
“O quê? Por que eu?” comecei a reclamar, quando de repente...
Vmm! O ataque do inseto gigante veio do nada. Tudo o que vi foi um leve borrão de suas asas, e a próxima coisa que percebi foi que estava rolando de cabeça para baixo no gramado.
Guh... A queda me deixou sem ar. Pelo canto do olho, vislumbrei Kanzel. Ele olhava direto para mim com o mesmo sorriso frio no rosto.
“Lina!” gritou Gourry, acertando um golpe no inseto com sua espada. Sua lâmina afundou profundamente em sua perna antes de sair do outro lado.
Gyeee... O inseto contraiu suas antenas em aborrecimento, então atacou Gourry, com a perna que ele pensou ter acabado de cortar!
“O quê?” exclamou Gourry, pulando para trás em pânico.
Era óbvio que ataques normais não funcionariam nessa coisa. Estava claro que se tratava de algum tipo de besta mágica, como Zanaffar em Sairaag... Embora não estivesse nesse nível.
Não perdi a oportunidade que Gourry me deu! Levantei-me de volta, terminando um encantamento.
“Asher Dist!”
Gyeee! O inseto tremeu violentamente, soltando um grito de sacudir o ar de sua boca.
Mas... Foi tudo o que fez.
Aquele feitiço teria transformado até um vampiro em pó, porém não causou nenhum dano perceptível a esse ‘inseto’. É mais resistente do que pensei a princípio! Ainda assim, tenho que admitir que invocar uma besta mágica como essa é um feito impressionante...
O inseto virou o rosto para mim, abriu bem a boca e...
Kyeee!
Quando gritou dessa vez, me apressei em saltar para o lado. Então ouvi uma grande explosão atrás de mim. Olhei para trás e vi parte do gramado desenterrada com a terra abaixo exposta. Deve ter sido outra onda de choque.
“Gourry! A luz!” gritei enquanto começava a entoar outra vez. Com os soldados ainda cercando o inseto, eu não seria capaz de lançar um feitiço poderoso.
Contudo, quando comecei meu encantamento, o inseto fez um golpe horizontal em direção às minhas pernas. Não me incomodei em tentar desviar porque pensei que estava bem fora do seu alcance, no entanto...
Crack! Mesmo assim, senti um forte impacto contra minhas pernas, o que me fez dar uma cambalhota e cair de costas.
“Lina!” Gourry gritou em alarme.
“O que você está fazendo? Kanzel, esse não era o acordo!” Alfred gritou para o feiticeiro suspeito a alguma distância...
Não que fosse fazer o inseto na minha frente desaparecer. As pontas de suas antenas, apontadas para mim, começaram a brilhar com plasma elétrico.
Não!
Eu me esforcei para me endireitar, mas minhas pernas estavam dormentes e lentas.
Um raio me atingiu.
“Aaaaagh!” um grito veio arrancado da minha garganta.
...
Devo ter desmaiado por um segundo. Quando abri meus olhos de novo, tudo que pude ver foi a perna dianteira do inseto, puxada para trás para atacar. Ele iria me esmagar! Um arrepio de medo percorreu minha espinha.
Oh, a humilhação! Lina Inverse morta, esmagada por um inseto? Era um destino muito cruel para imaginar, porém não tinha forças para impedi-lo!
Crack!
Nesse momento, o apêndice que se aproximava desapareceu... Era a senhorita Amelia! Seja qual for o feitiço que ela lançou, pelo jeito explodiu a perna do inseto. A última coisa que vi antes do meu mundo ficar preto foi Gourry, com a Espada da Luz na mão, saltando do chão para cortar a cabeça do inseto.
———
“Vamos largar esse trabalho!” Gourry me disse. Foi a primeira coisa que ouvi ao acordar.
“Uh?”
Olhei ao meu redor, incerta de onde estava ou o que tinha acontecido.
Estávamos em uma sala bem grande com paredes e teto brancos imaculados. O ar estava denso com o cheiro de ervas. Vários médicos mágicos, com suor nas sobrancelhas, olhavam para mim com grande alívio. Ah, este era o centro de tratamento do templo para onde Gourry me levou quando Zuma esmagou minha traqueia.
“Hã...?”
Só sentar exigiu todo meu esforço. Parecia que havia pesos amarrados ao meu corpo. Estava deitada em uma cama no centro de uma grande estrela de seis pontas.
“Ei! Como você está se sentindo?” senhorita Amelia perguntou alegremente.
A pedido dela, tentei me movimentar de várias maneiras.
“Estou... Exausta, porém nada dói e tudo parece estar funcionando. Só que algo minhas pernas estão um pouco estranhas...”
“Aposto que sim! Você vai se acostumar logo.”
“Aposta? O que exatamente aconteceu comigo?”
“É melhor não perguntar.” interrompeu Gourry.
Claro, quando coloca dessa forma, só me deixa mais curiosa... Lancei um olhar para Amelia.
A garota apenas acenou de volta para mim com um sorriso e disse.
“Oh, não se preocupe. Sério, não é grande coisa. Só cortou suas pernas e te queimou até ficar crocante... Só isso.”
Ok, talvez não devesse ter perguntado. Contudo, caramba garota, trabalhe nessa forma de lidar com os pacientes!
“Então... Pode me contar o resto da história?” perguntei.
“Aquele inseto gigante te pegou, e o Mestre Gourry mal conseguiu acabar com ele com a Espada da Luz. Pra ser sincera, fiquei surpresa ao ver que ele a tinha...”
É, eu já sabia disso...
“Senhorita Amelia.” tentei perguntar de novo. “Quero dizer depois que perdi a consciência...”
“Lina!” Gourry interrompeu. “Já fizemos o suficiente. Vamos largar esse trabalho agora.”
“Por quê?”
“Por quê? Por quê? Alguém está tentando te matar! Se continuar a se arriscar mais, eles vão acertar em cheio em algum momento!”
“Sim, estou ciente.”
“Então...”
“Ouça, Gourry. Aquele inseto tinha um alvo claro em mente. Como acabou de dizer, alguém está tentando me matar. No entanto, por quê?”
“B-Bem... Eu...”
“Não sabe, não é?”
“Não...”
“Também não sei. Esses ataques contra nós parecem inexplicáveis sob as circunstâncias atuais. A única maneira de entendê-los é se não tiverem nenhuma relação com a disputa pela sucessão. Acho que alguém está atrás de mim como objetivo primário, e estão usando o caos da disputa pela sucessão como disfarce.”
“Ooh...”
“O que significa que largar esse trabalho não vai me tirar do fogo.”
“Acho que não...”
“Nesse caso, se ir embora não vai me deixar mais segura, é melhor manter minha palavra com Sir Phil, certo?”
Aí, meu companheiro loiro ficou em silêncio.
“Escute, Gourry...”
“Hmm?”
“Obrigado por se preocupar comigo. Mas vai ficar tudo bem. Eu prometo.”
“Mesmo assim, não ouse ser descuidada. É provável que aquele tal de Kanzel seja quem está te perseguindo, e há mais nele do que aparenta.”
“Hmm... Falando em Kanzel.” falei enquanto coçava a cabeça. “Não tenho tanta certeza. Imaginei que fosse o nosso candidato mais provável... Até o Sr. Inseto aparecer. Fiquei observando-o o tempo todo, e tenho certeza de que não o vi recitar um único feitiço.”
“O que você está dizendo?”
“Estou dizendo...” comecei enquanto olhava entre Gourry e Amelia. “Que outra pessoa invocou aquele inseto.”
———
“Agora, senhorita Amelia, posso perguntar...” comecei depois de deixar minha revelação dramática se estabelecer. “Alguém mais na comitiva da reunião era capaz de usar magia?”
“Vejamos. Além dos guardas, você e Mestre Gourry... Bem, Mestre Kanzel nem preciso dizer, mas também tem o tio Christopher, Alfred e eu. Basicamente todo mundo, exceto meu pai.”
“Quão habilidosos eles são?”
“Realmente não sei. Não há nenhuma restrição sobre o que podemos ou não aprender, então nós estudamos o que achamos interessante. De minha parte, conheço a maioria dos feitiços clericais comuns, mais um pouco de magia negra e xamânica. Minha irmã Gracia gostava muito desse tipo de coisa, então aprendi com ela.”
“Hmm... Mais uma pergunta. Acredito que um homem chamado Randy costumava residir aqui no palácio. Ele e seu tio eram próximos?”
“Próximos o suficiente, acho. Você conhecia o tio Randionne?”
“Mais ou menos.” devolvi uma vaga resposta.
Minha teoria atual era que Christopher invocou o inseto. Estive operando sob a suposição de que ele não tinha razão para me atacar pessoalmente, porém não é bem verdade.
Lembra como mencionei que me envolvi em um incidente com Sir Phil uma vez? Bom, alguém estava tentando assassiná-lo na época e acabou sendo seu companheiro de viagem, um cara chamado Randy que era o terceiro na linha de sucessão ao trono. Randy foi morto durante o incidente e, embora não tenha sido eu quem fez o ato... E se Christopher pensasse que fui?
“E o que aconteceu com a conversa?” perguntei.
“Foi cancelada, é claro. A atmosfera após o ataque... Não era lá propícia, digamos.”
“Nesse caso, além de confirmarmos que alguém está atrás de mim, nada mudou?”
“Oh, isso não é verdade.” disse Amelia, ainda com um sorriso radiante. “Kanzel desapareceu agora.”
———
Dois dias depois, senhorita Amelia nos trouxe algo significativo. Gourry e eu estávamos em nossa enésima hora sem incidentes do lado de fora do escritório de Sir Phil.
“Olá!” ela chamou com um aceno.
“Olá!” respondemos, retribuindo o gesto de forma descompromissada.
Desde que chegamos à conclusão de que estou sendo alvo de ataques, decidimos que era muito perigoso para mim e Gourry nos separarmos. O que significava que passávamos todo o nosso tempo com Sir Phil agora... De modo geral, com muito pouco a fazer. Não houve mais ataques (o que, quero dizer, é uma coisa boa!), contudo a chegada da senhorita Amelia foi uma pausa bem-vinda à monotonia ininterrupta.
Com um olhar significativo, ela perguntou.
“Vocês podem vir comigo um minuto?”
Gourry e eu nos entreolhamos. Tinha que ser algo sério... Sério o suficiente para que não quisesse dizer na frente dos outros guardas. Assim, nós a seguimos até um quarto próximo... Presumo que um quarto de hóspedes, pois parecia igual aos quartos onde estávamos hospedados.
“Aconteceu alguma coisa, certo?” perguntei.
“Ei, não fique tão preocupada. Não é nada muito sério.” ela disse com um sorriso enquanto pegava um pedaço de papel do bolso. “Ontem, Clo... Quero dizer, Lorde Clophel foi à cidade para uma tarefa e meio que foi sequestrado. Hahaha.”
“O quê?” Gourry e eu exclamamos em uníssono.
“Parece bem sério para mim.” resmunguei.
“Com certeza.” ele concordou.
“De certa perspectiva, suponho que sim... De toda forma, eles me enviaram isso hoje.” continuou a senhorita Amelia, revelando o pedaço de papel para nós.
Era uma carta endereçada a Sir Phil. Sua típica nota de resgate.
“Se você quer Clophel de volta vivo, venha sozinho, blábláblá.” completa com sua gama padrão de ameaças. Quer dizer, claro, sei que originalidade não é o que se procura em uma nota de resgate, ainda assim...
“Aposto que enviaram para mim devido a segurança ser muito rigorosa em torno do meu pai. Conhecendo-o, tenho certeza de que vai sair correndo para resolver as coisas sozinho no momento em que mostrá-lo a nota. Também não é como se pudesse só jogá-la fora. O que significa que tenho um favor para pedir a vocês.”
“Quer que salvemos Lorde Clophel?”
“Bingo! No entanto não devo conseguir manter isso em segredo do meu pai por mais tempo do que, digamos, amanhã de manhã. Então terminem até lá, certo? Ok, até mais tarde!”
“E-Espere, senhorita Amelia!” chamei enquanto ela se preparava para sair. “Não tenho certeza se é...”
“Você não vai ir?”
“Nós vamos, mas...”
“Então qual é o problema?”
“É só que... Sinto que tem que ser uma armadilha.”
“Hahaha! Oh, senhora Lina, é claro que é uma armadilha!” ela disse com um aceno despreocupado.
“Bem, quero dizer... Eles provavelmente enviaram essa carta sabendo que você nos pediria para lidar com o resgate. O que significa que é provável que tentarão atacar Sir Phil enquanto estivermos fora do palácio.”
“Ah, sim, pode ser.” concordou, ainda se mantendo imperturbável.
Que diabos? Essa garota realmente entende o que está acontecendo aqui?
Seu comportamento arrogante me deu um verdadeiro caso de nervosismo, porém era claro que a senhorita Amelia não tinha tempo para tais reservas.
“Não se preocupe! Tenho certeza de que vai dar certo.” proclamou.
Você tem certeza, hein?
“Veja, se vocês se separarem, é provável que irão atacá-la de novo, senhora Lina. E não podemos apenas abandonar Lorde Clophel! O local do encontro não é um lugar que possamos cercar com soldados sem ser notados, o que significa que tem que ser vocês. Quero dizer, se dependesse de mim, ficaria feliz em ir e fazer justiça a esses vilões indizíveis, contudo também deveríamos ter um usuário de magia aqui, só por precaução. Então, sei que é um incômodo, entretanto preciso muito da sua ajuda aqui. Obrigado!”
E com essa deixa, ela saiu pela porta e foi embora... Deixando nós dois para trás, olhando um para o outro com cara de bobos.
———
A cidade estava banhada por uma fina névoa noturna, com os feitiços de Iluminação em seus postes de luz lançando uma nebulosa luz na avenida.
Nesse momento estávamos caminhando pelo décimo quinto quarteirão nos confins da Cidade de Saillune. Era o estereótipo de ‘centro decadente’. Apartamentos baratos e sujos. Bordéis e bares iluminados com vozes estridentes flutuando no vento. No entanto, talvez devido ao caos e à névoa assustadora, não havia ninguém à vista ao nosso redor.
Sair sorrateiramente do palácio foi moleza. E assim que salvássemos Lorde Clophel, poderíamos apenas marchar de volta pelo portão da frente. A única questão agora era quão poderoso seria o inimigo que enfrentaríamos. Se tivessem Zuma ou um daqueles insetos do seu lado, as coisas poderiam ficar perigosas.
De acordo com o mapa que Amelia nos deu, o ponto de encontro era no meio de uma teia de aranha de becos entrelaçados em uma parte sombria da cidade. Ela estava certa sobre o local, pelo menos; seria impossível organizar soldados de forma confiável em um labirinto como este.
Havia postes de luz aqui e ali, todavia sua luz fraca na névoa tornava as coisas mais assustadoras. Nós os evitávamos e nos mantivemos nas sombras. Imaginei que as pessoas que sequestraram Lorde Clophel tinham homens de vigia, e queríamos evitar uma luta, se possível.
Pra começar, não posso usar meus feitiços de maneira descuidada em um bairro tão apertado da cidade. Porém, o mais importante, o inimigo quase certamente usaria Lorde Clophel contra nós. Meu modus operandi usual seria só mandar o captor e o refém voando com um feitiço não tão letal, contudo um tratamento como esse provavelmente daria ao pobre velho um ataque cardíaco. Melhor abrir mão dessa possibilidade com uma entrada furtiva no território do inimigo.
“Pare!” pedi a Gourry em voz baixa.
Havia uma pequena praça logo à nossa frente. Bem... Menos uma praça e mais uma pequena abertura entre os prédios. Talvez houvesse uma estrutura ali que foi destruída há muito tempo. O chão era de terra batida com um poste de luz solitário no centro, sobre uma grande pilha de lixo de grandes dimensões. Teríamos que atravessar o espaço para chegar ao nosso destino, no entanto a praça-não-praça estava bastante aberta... Era provável que houvesse um ou dois vigias por perto. Não havia como passarmos despercebidos, mesmo através da neblina.
Nós nos escondemos nas sombras, além da luz da lâmpada, e projetamos nossos sentidos para procurar por sinais de vida próximos.
“Dois, além do beco.” Gourry sussurrou.
“Um para nos segurar enquanto o outro soa o alarme, aposto.”
“É o mais provável. Um deles parece bem habilidoso.”
“Quão habilidoso?”
“Lembra daqueles caras que nos atacaram no palácio? Não tão bons, mas quase.”
“Entendi...”
Mesmo se pudéssemos vencê-los em uma luta, seria melhor evitar uma.
“Existe outra maneira de contornar?” Gourry perguntou.
“Talvez, porém devem ter caras fazendo turnos em todos os lugares. Ficar se esgueirando tentando evitá-los seria apenas perda de tempo. Precisamos passar, e rápido.”
“Certo, só que como?”
“Bem... Que tal isso?” sussurrei meu plano no ouvido de Gourry.
———
Nós dois caminhamos com toda ousadia para a praça. Ficamos ao longo das bordas da luz, enquanto mantivemos a calma e nos movíamos em linha reta para os dois vigias agachados no beco. Meus sentidos me disseram que estavam permanecendo no lugar enquanto nos aproximávamos... No entanto também tinham levantado a guarda enquanto permanecíamos obscurecidos um do outro pela escuridão e pela névoa.
“Algo a relatar?” Gourry perguntou, em voz baixa.
Nenhuma resposta. Parecia que não esperavam que nós os abordássemos, deixando-os incertos sobre como reagir.
“Acabamos de receber a notícia de que os alvos deixaram o palácio. Eles virão para cá em breve.” Gourry continuou enquanto nos aproximávamos aos poucos.
Agora podíamos ver bem os dois vigias no beco.
“Há algo de errado?”
“Não me assuste assim.” disse um deles, enfim quebrando o silêncio. “Achei que vocês fossem eles.”
“Nós somos.” respondi... Justo quando Gourry deu um soco no plexo solar do homem.
“O quê...?”
Antes que seu companheiro pudesse gritar, Gourry desferiu um golpe forte na sua nuca. E com isso, ambos os sentinelas foram deixados inconscientes.
“Não acredito que caíram nessa.” disse Gourry em vaga descrença.
“Bem, devem ser apenas capangas contratados. Não tem como todos se conhecerem de vista. Então, agir do jeito que fizemos, com uma ajudinha da névoa, só os fez presumir que fazíamos parte da gangue. De toda forma, é melhor nos apressarmos...” comecei a dizer, mas congelei.
Uma presença apareceu abruptamente atrás de mim... Um lugar que tenho certeza de que estava desocupado momentos atrás.
Gourry e eu nos viramos no mesmo instante. Sob as luzes da rua, envolto na névoa pálida, estava um homem cujos olhos frios fixavam em nós. Era inconfundivelmente...
Kanzel, o feiticeiro.
———
“Já faz um tempo... Ou assim eu diria, mas não faz tanto tempo assim, não é verdade?” perguntou o feiticeiro.
“O que você está fazendo aqui? Pensei tivesse brigado com seu empregador e fugido do palácio.” perguntei, enfrentando seu olhar.
Porém... Whew, esse cara! A pressão que exercia é incrível. Só de olhar nos seus olhos o suor começou a escorrer pelo meu rosto. Já sabia que Kanzel era uma força a ser reconhecida, porém vê-lo aqui e agora... Pode ser que seja ainda mais monstruoso do que imaginei!
“É verdade que nos separamos.” ele disse sem hesitar. “Parece que meu empregador não gostou dos meus métodos. Suponho que seja razoável... Achei suas condições um tanto sufocantes para mim. Sua exigência de agir sob o radar e suprimir meu poder mágico resultou em uma série de falhas.”
“Então... O que você quer?” consegui forçar as palavras pela minha garganta, que parecia palha seca.
Gourry sacou a Espada da Luz logo depois. Ele deve ter sentido também, instintivamente... Se fôssemos descuidados por um segundo, seríamos mortos. Esse era o tipo de ameaça com a qual estávamos lidando aqui.
“O que quero?”
Um sorriso fino apareceu no rosto de Kanzel.
“Acho que já sabe, Lina Inverse... Quero te matar.”
“Por quê?”
“Não preciso me explicar.”
E com isso... Vwish! Kanzel desapareceu. A próxima coisa que percebi foi que uma presença surgiu atrás de mim.
“O quê?”
Imediatamente me virei... E bem na frente dos meus olhos estava a palma estendida de Kanzel, brilhando com uma pálida luz mágica azul.
De jeito nenhum! Não consigo desviar disso!
“Morra.”
Kfffwish! A bola de energia que desencadeou se desfez antes de me atingir. Gourry usou a Espada da Luz para bloqueá-la no último segundo, antes de atacar Kanzel com um golpe reverso. Kanzel se esquivou com um salto para trás e desapareceu tão rápido quanto quando apareceu.
Acima de nós?
Desta vez, em vez de olhar, apenas pulei para longe. Uma fração de segundo depois, bolas de luz azul-clara choveram onde estava um instante atrás. Elas eram pequenas, contudo sabia que qualquer uma seria letal com um golpe direto.
“Muito impressionante!” disse Kanzel com admiração, pairando no ar contra o fundo da noite. “Se tivesse se dado ao trabalho de olhar para cima, essa teria sido toda a oportunidade de que eu precisava.”
“Você não pode ser...” balbuciei roucamente.
Piscando pelo espaço sem nem recitar um feitiço, muito menos reunindo e disparando magia em um instante... Isso não deveria ser possível. Não, não era possível... Para um humano.
“Ah, vamos.” ele sorriu enquanto descia para o chão. Gourry deu um bom golpe em Kanzel por trás, no entanto o feiticeiro se dissolveu mais uma vez na escuridão e reapareceu sob o poste de luz. “Aquele tolo do Seigram conseguia também. É tão surpreendente que eu também consiga?”
“Seigram?” Gourry e eu gritamos em uníssono.
Ele estava falando sobre um mazoku com quem nos envolvemos em uma luta angustiante. Enquanto o derrotávamos, quase fomos mortos. Pior ainda, não conseguimos matá-lo. Tinha a sensação de que o veríamos outra vez, e ainda assim... Ouvir alguém falar seu nome de forma tão trivial...
“Você é um mazoku?” Gourry exclamou.
“Sou. Pensar que uma aparência humana o deixaria tão cego para minha verdadeira natureza... Vocês, humanos, são de fato patéticos.” zombou Kanzel.
Não tive tempo para discutir. Já estava recitando um feitiço em voz baixa.
Entretanto, sabia que era improvável que minha magia pudesse derrotá-lo. Aquele inseto no palácio, que agora tinha quase certeza de que tinha sido invocado por Kanzel, recebeu um Asher Dist sem pestanejar. Quão poderoso ele seria quando pode controlar algo daquele nível?
Um Dragon Slave poderia ser capaz de derrotá-lo, mas se o usasse no meio de uma cidade, o dano colateral seria inimaginável. Na verdade, em um diagrama de Venn de feitiços que poderia lançar com segurança dentro de uma cidade e feitiços que poderiam de fato ferir um mazoku... A intersecção era lamentavelmente pequena e decepcionante. Meu arsenal disponível sob as circunstâncias atuais exigiria que o acertasse pelo menos algumas dezenas de ataques para derrubá-lo.
Isso nos deixava apenas com a Espada da Luz de Gourry para confiar, e acertar um golpe sólido seria complicado, considerando a habilidade de teleportar de Kanzel... Porém, independente das probabilidades, nós apenas tínhamos que fazer o trabalho.
“Vamos lá!” Gourry gritou, saindo correndo enquanto eu me alinhava atrás.
“Você é rápido!” Kanzel elogiou enquanto desaparecia diante de nossa investida.
A espada de Gourry cortou o ar sem atingir nada. No momento seguinte, me apressei em pular para longe. Ficar em um lugar por muito tempo seria convidar outro ataque surpresa de uma direção desconhecida. Desta vez, Kanzel reapareceu um pouco à direita do poste de luz.
“Lança Elemekia!” gritei, disparando meu feitiço no momento em que detectei sua presença.
Era uma lança mágica feita para causar dano astral em mazokus, porém não achei que faria muito contra Kanzel. Contudo, mesmo que acertasse, era minha única opção no momento...
“Patético!” ele sussurrou enquanto simplesmente a afastava. “Não pode me derrotar com algo desse nível.”
Com essas palavras veio um clarão de luz escaldante, que foi bastante eficaz contra minhas pupilas ajustadas à escuridão.
“Gwuh!”
Meus olhos arderam e fiquei impossibilitada de ver, embora não tivesse tempo para sentar e ficar de mau humor. Pulei para a direita e senti algo quente passar logo à esquerda da minha cabeça... Então uma explosão ocorreu atrás de mim. Consegui desviar de um golpe, todavia poderia continuar assim até minha visão se recuperar?
Enquanto quebrava a cabeça pensando numa contramedida, senti várias novas presenças chegando à cena. O mais provável era que os sequestradores de Lorde Clophel ouviram nossa luta com Kanzel e vieram correndo. Essa poderia ser minha chance!
Trabalhei em um feitiço de Iluminação no máximo e com duração zero, e lancei o nas figuras recém-chegadas...
“Iluminação!”
“Quê?”
Os homens gritaram e se debateram, momentaneamente cegos. Na confusão, mergulhei em suas fileiras. Desculpe, rapazes! Só precisava de alguns corpos quentes para me proteger de Kanzel. Sabia que ele não hesitaria em atacar por meio de espectadores, no entanto precisava ganhar tempo de alguma forma para recuperar minha visão.
“Tch!” Kanzel estalou a língua antes de desaparecer outra vez.
De onde virá agora? Acima, ou...
Escaneei a área com meus sentidos fervorosamente, mas não consegui detectar Kanzel em lugar nenhum. Em vez disso, senti uma série de presenças adicionais se aproximando de um beco. Talvez mais sequestradores de Lorde Clophel. Porém, maldição, minha visão ainda não havia voltado!
“Lina!” ouvi Gourry gritar. Ele então agarrou minha mão, aparentemente já tendo se recuperado. “Você está bem?”
“Acho que sim...” respondi. “Onde está Kanzel?”
“Não sei. Sua presença só desapareceu. Como você está?”
“Minha visão segue um pouco turva... Não posso lutar com a espada, contudo acho que consigo fazer qualquer outra coisa.”
“Tem inimigos por todas as partes. Os becos são estreitos demais para que possamos passar. Teremos que usar um feitiço de voo para passar por cima. Consegue fazer?”
“Vou tentar!” disse e comecei o cântico.
Antes de Kanzel aparecer, estive me abstendo da minha magia de voo para o caso de o inimigo ter alguém que pudesse senti-la. No entanto já era tarde pra se preocupar sobre ser descoberto agora, assim apenas agarrei Gourry e segurei firme.
“Lei Asa!”
E com essas palavras, nós ascendemos.
———
“Vocês chegaram bem longe. Crédito a quem merece.” cuspiu o homem parado entre nós e nosso destino. Minha esperança era só abrir caminho antes que o inimigo pudesse reagir, mas o esconderijo deles acabou sendo um prédio de apartamentos bem grande e abandonado, sem luzes acesas lá dentro. Levaria tempo para vasculhar cada canto e fresta, o que significava que os captores poderiam fugir com Lorde Clophel por outra saída enquanto o procurávamos.
Então, em vez de toda essa confusão, pousei na esperança de pegar um local para nos dar um pequeno tour, por assim dizer... E agora nos encontramos aqui, barrados por esse cara. Provavelmente o comandante.
“Ei, obrigado por nos cumprimentar com esse velho clichê. Agora, que tal tornar as coisas mais fáceis e entregar o velho que sequestraram? Farei valer a pena... Você sabe, não matando vocês, talvez?”
“Parece que não se importa com o que fazemos com o refém.” o homem rebateu, aparentando estar imperturbável com minha ameaça.
“Claro, vá em frente e mate-o se quiser. Porém isso significa que não haverá nada nos impedindo de só matar todos aqui. E, para caso haja alguma dúvida, sim, nós fazemos o que prometemos fazer.”
“Eu sei.” ele respondeu num tom condescendente. “Contudo deveria saber que o velho é valioso demais para ser morto. Há alguém aqui neste prédio observando silenciosamente o que acontece... E se tentarem algo engraçado, ele cortará uma das mãos do velho.”
“O quê?” nós gritamos juntos.
“E se ignorar esse aviso, perderá a outra também. Claro, pode tentar fazer um de nós refém, no entanto somos todos mercenários que não devemos nada um ao outro. O cara observando das sombras não hesitará em cortar o velho em pedaços.”
Droga... Eu não sabia quem tinha pensado nesse plano, mas sem dúvida sabia lidar com uma situação de refém. Gourry e eu estávamos impotentes para forçar nossa passagem.
“Então, como será?” o comandante perguntou, com um grande sorriso ameaçador no rosto.
“Ok... Tudo bem. Gourry, largue sua espada.”
“Certo.”
Sem outra escolha, entregamos nossas armas. Alguns outros homens saíram para amarrar nossas mãos atrás das costas.
———
“Acho que fomos capturados, hein?” Gourry resmungou.
“É meio problemático, porém vamos fazer funcionar, certo?” respondi.
“Escute a si mesma... Ao menos percebe o quão ruim é a situação?”
“Apenas calem a boca e andem, ok?” exigiu o comandante, irritado com nossa discussão.
Estávamos sendo levados para dentro do prédio por várias figuras de aparência duvidosa. Era um grande complexo de apartamentos, desgastado e abandonado. Os castiçais que nossos acompanhantes seguravam nos davam vislumbres bruxuleantes das paredes sujas. O ar era úmido e pesado, impregnado por um leve cheiro rançoso.
Não podia negar que era um ótimo esconderijo, entretanto também era bastante deprimente. Passar muito tempo em um lugar assim poderia realmente deformar uma pessoa. Apesar que suponho que já seja tarde demais para esses caras de qualquer maneira...
“Você não precisa me dizer, contudo tenho uma pergunta. Lorde Clophel está mesmo vivo e bem?” perguntei.
“Não se preocupe, logo o verá.” respondeu o comandante.
“Por favor, não diga ‘no inferno’.” gemi revirando os olhos.
“Não se preocupe. Não vou te matá-los até que tenham desempenhando seus papéis.”
“Em outras palavras, nos matariam se não tivéssemos um papel a desempenhar?”
“Vou deixar para sua imaginação.”
Nosso vai e vem continuou enquanto nos aprofundávamos no prédio. Poderia ter escapado a qualquer momento, no entanto parecia mais sensato esperar até que nos levassem até Lorde Clophel.
“Ah, claro. O porão, certo?”
“Cale a boca.”
Em seguida, descemos uma escada de pedra, o ar ficando mais pegajoso conforme avançávamos. Uma porta nos esperava no fundo.
“É aqui.” disse o homem, abrindo-a antes de congelar no local.
Alguém já esperava lá dentro... Alguém que não fiquei nada feliz em ver.
“Eu estava esperando.” disse Zuma, o assassino, com calma, seus olhos fixos em mim.
———
“O-O que você quer?” perguntou o comandante em pânico.
Zuma estava parado do outro lado da porta, então não conseguia ver o que havia acontecido lá dentro.
“Vim para matar aquela garota. Deixe-me ficar com ela.” ele respondeu com perfeita calma.
“Não seja estúpido!” gritou o comandante, de repente irritado. “Você é aquele assassino que Kanzel contratou, não é? Bem, ele está fora de cena agora e precisamos desses reféns para o nosso plano! Não recebo ordens suas!”
Duvido muito que esse cara estivesse interessado em salvar minha vida; parecia mais ofendido pela atitude de Zuma. Vou te dar um conselho, esse tipo de orgulho vai te matar ainda...
“Entendo...” Zuma saiu rapidamente da sala, aproximando-se do comandante. “Se não somos mais afiliados, então não preciso me conter.”
Então, com um movimento estranhamente vagaroso, Zuma saltou no ar e...
Crack!
Eu não conseguia ver bem o que aconteceu de onde estava, entretanto podia dizer que o pescoço do comandante tinha quebrado. Antes que seu corpo pudesse atingir o chão, Zuma passou pelo homem e pulou em minha direção. Seus movimentos pareciam sem esforço, só que eram rápidos... Rápidos e repentinos demais para os outros homens reagirem. Recuei o mais rápido que pude e comecei a entoar um feitiço, mas...
“Arrgh!” um homem gritou enquanto voava em direção a Zuma.
Ou melhor, enquanto era chutado para cima de Zuma por Gourry. O assassino tentou desviar do inesperado projétil humano, porém estar em uma escada estreita não tornou a tarefa fácil. Ele acabou enredado no homem, os dois rolando escada abaixo e através da porta.
Isso pareceu tirar os outros homens do seu torpor.
“Seu vira-lata!”
“Peguem-no!”
Todos eles sacaram suas espadas e atacaram o assassino, me dando tempo suficiente para terminar meu encantamento.
“Presas de Bram!”
A flecha de vento que desencadeei cortou as cordas que prendiam as mãos de Gourry, que correu até o comandante com o pescoço quebrado e recuperou nossas espadas. E quando voltou para mim e liberou minhas mãos, a batalha abaixo já tinha sido decidida.
Nós corremos para o porão, que era um espaço vasto e vazio. Deve ter sido usado como depósito em algum momento. Lorde Clophel estava mais para dentro, amarrado a uma cadeira.
“Oh! São vocês dois!” ele gritou alegremente.
Clophel parecia seguro e bem afinal, contudo não era hora para uma conversa rápida. O feitiço de Iluminação brilhando do teto iluminou os corpos espalhados pelo chão. O único homem que ficou de pé foi Zuma.
“Você pode vencê-lo?” perguntei.
“Não sei.” Gourry respondeu incerto.
O assassino se virou devagar para nós.
“Saia do meu caminho.” disse Zuma baixinho para Gourry.
“Acha mesmo que vou só dizer sim e deixá-lo passar?” Gourry respondeu, desafiador, segurando sua espada em punho enquanto ficava entre nós dois.
O assassino se moveu com passos lentos e cuidadoso. Pelo jeito percebeu a habilidade de Gourry, pois não avançou para um ataque direto. Eu sabia, no entanto, que Gourry poderia estar em apuros se Zuma conseguisse lançar o feitiço que envolvia a sala na escuridão...
Isso significava que não podia dar tempo para que entoasse! No instante seguinte corri até Lorde Clophel.
Zuma pareceu abalado por um momento, e sua hesitação sobre me perseguir ou ir atrás de Gourry primeiro gerou uma abertura. Gourry atacou! Zuma desviou do golpe de sua espada longa no último segundo, abaixando-se.
Ugh, tão perto! Mas a esgrima de Gourry parecia ter o assassino em desvantagem. Ele o estava encurralando contra uma parede, pouco a pouco. As sagas heroicas eram recheadas de tolos confiantes demais que deixavam sua arrogância levar a melhor em situações como essa, culminando em sua queda. Felizmente, Gourry não era tão descuidado e continuou investindo contra Zuma, encurralando-o de forma lenta e segura... Até que o assassino de repente caiu no chão e rolou em direção a Gourry. Em outra situação, seria aqui que acabaria dando um pisão e um golpe de golpe de mão, porém contra alguém como Zuma, poderia lhe render um pé quebrado.
Deixá-lo chegar muito perto também colocaria Gourry em desvantagem, levando-o a se prevenir, saltando para longe. Quando o fez, Zuma estendeu seu corpo, usando o impulso para se endireitar e sair correndo... Direto para mim!
“Não!” gritou Gourry.
Preparei minha espada, ainda entoando.
Bam! Zuma saltou do chão com grande força. Em seguida, plantou uma mão no teto e empurrou contra ele para me chutar. Tentar contra-atacar só me mataria. Pulei para trás sem hesitar. E justo quando Zuma pousou... Foi recebido com uma bola de luz no rosto.
“Iluminação!”
“Gah!” gritou o assassino enquanto seus olhos ardiam.
Contudo não fui eu quem lançou o feitiço. (Se tivesse, Zuma teria se esquivado sem problemas.)
Foi Lorde Clophel.
O ataque inesperado forçou o assassino a cambalear alguns passos para trás. Então prontamente subiu as escadas, correndo para escapar. Seria perigoso persegui-lo, é claro, então Gourry não o fez.
“Acho que nos livramos dele por enquanto.” Lorde Clophel disse em um tom sombrio atípico... Claro, teria que ser estúpido ou louco para estar de bom humor depois de se envolver com aquele cara.
“Obrigado pela ajuda, Lorde Clophel.” agradeci enquanto o desamarrava.
“Oh, sou eu quem deveria agradecer. Esse é o único feitiço que posso usar... Nunca pensei que seria útil para algo mais além de ler à noite.” ele então continuou enquanto esfregava seus pulsos desamarrados. “Acredito que alguns dos homens que o assassino derrubou antes de vocês chegarem seguem respirando. Quando entrou pela primeira vez, pude vê-lo derrubar os guardas... Entretanto não acho que os matou. Eles podem ser testemunhas úteis.”
Lorde Clophel tinha razão; quatro dos homens no chão estavam inconscientes. O restante estava morto, morto com um único golpe de Zuma. Amarramos os sobreviventes, e então Gourry acordou um dos guardas para nós.
“Ugh...” o homem gemeu enquanto olhava ao redor, congelando ao perceber a sua situação.
“Como está se sentindo?” perguntei com o tom mais frio que consegui.
“Vo-Você... Maldito Kanzel! O desgraçado nos traiu por demiti-lo!” ele arfou, seus olhos cheios de medo.
Parecia estar tendo um mal-entendido, mas não tinha nenhuma obrigação de corrigi-lo.
“É melhor falar baixo.” falei. “Já sabia no que estava se metendo quando aceitou esse trabalho, certo? Com certeza já estava preparado para... Isso.”
“O-Os outros estão todos mortos?” o homem perguntou, olhando para os corpos no chão.
“Não parecem muito vivos para mim. Quer acompanhá-los?”
“Não! Por favor, não!”
“Então responda à minha pergunta: Quem foi que o contratou?”
“Eu... Eu não sei! Sério, não sei mesmo!”
Uma mentira descarada. Porém em vez de perguntar de novo, decidi tomar um caminho mais eficiente para conseguir uma resposta.
“Tudo bem. Se você não sabe, não sabe.” eu disse casualmente, então sorri com frieza. “Temos outros três companheiros vivos, vou perguntar a eles. Enquanto isso, pode se juntar aos seus camaradas.”
Apontei um polegar para os cadáveres, e o homem empalideceu. Para adicionar um pouco de seriedade ao meu blefe, Gourry agarrou sua cabeça por trás.
“Espere! Por favor, espere! Vou te contar qualquer coisa!” ele gritou em pânico.
“Pensei que não soubesse de nada.”
“Vou te contar o que eu sei! Então, por favor, não me mate!”
Cruzei meus braços e fiz uma cena, como se estivesse contemplando a ideia.
“Hmm... Tudo bem. Me conte tudo o que sabe. Se gostar do que ouvir, vou poupá-lo.”
“Você quer saber quem está por trás disso, certo? Certo?” implorou o homem, muito cooperativo de repente. Deve ter ficado realmente assustado. “Você já deve ter conhecido o cara. Ele é um membro da família real... Sempre cobria o rosto quando nos encontrávamos e não dava seu nome, contudo quando falava com aquele bastardo do Kanzel, ouvi Kanzel dizer seu nome! E vou te contar!”
“Chega de drama. É Christopher, certo?”
“Não.” o homem disse com um sorriso repentino e desarmante. “Alfred.”
“O quê?” Gourry, Lorde Clophel e eu gritamos em uníssono.
———
“Está falando a verdade?” perguntei depois de recuperar meu decoro.
“Sim. Foi dito que estava atiçando o pai ou algo assim.”
“Mas eles atacaram Alfred também!”
“Ah, aquilo?” o homem disse casualmente. “Um dos meus amigos estava envolvido nesse trabalho... Pelo jeito foi muito repentino. Alguém de dentro os deixou entrar no palácio. ‘Vá para o prédio isolado tal-e-tal. Quando ouvir batidas na parede de dentro, ataque. No entanto não coloque a mão em uma determinada pessoa.’ Esse foi o acordo.”
Repassei os eventos na minha cabeça. Lembrei-me de um ansioso Alfred andando pela sala e batendo na parede, fazendo-se parecer uma das vítimas para desviar as suspeitas... Era um cenário bem plausível, agora que pensei a respeito.
“Mais alguma coisa?” o incentivei.
“Também ouvi que tudo corria muito bem no começo, porém então aquele desgraçado do Kanzel de repente começou a agir de forma estranha. Disse que rompeu com o plano de atacar alguém que não era quem deveria matar... Então eles se desentenderam e se separaram.”
“E como Kanzel conhece Alfred?”
“Eu... Não sei. Não sou babá do cara nem nada...”
Todavia era fácil imaginar. Kanzel devia saber que sou conhecida de Sir Phil. E suspeitando que viria bisbilhotar quando descobrisse a conspiração da sucessão, ele se juntou a Alfred, o suposto usurpador. Sem dúvida um jogo de longa duração... Contudo, mesmo para um mazoku, rastrear um feiticeiro viajante apenas com base em rumores seria quase impossível. Ainda mais quando o dito feiticeiro era tão comentado quanto eu sou.
No final, aqui estávamos nós. O plano de Kanzel tinha funcionado. Sigo não fazendo ideia do por que me quer morta, mas parecia que tinha inventado um cenário em que eu acabaria sendo um dano colateral em uma briga de família. Embora mesmo depois de se dar ao trabalho de contratar um assassino, aqui estou, respirando e de pé. E agora, depois de brigar com Alfred, Kanzel pôs um fim abrupto ao seu esquema elaborado e veio atrás de nós por conta própria.
“Mais alguma coisa?” perguntei ao homem.
Este balançou a cabeça, contudo já tinha ouvido mais do que o suficiente. Tínhamos nossa testemunha, então era hora de confrontar o culpado!
———
As coisas tinham mais ou menos se resolvido sozinhas. O plano atual era levar nossos cativos de volta ao palácio e fazê-los confessar toda a trama. Sir Phil poderia cuidar das coisas a partir dali e nosso trabalho estaria feito.
Porém... Dois problemas permaneciam. O primeiro era óbvio: mesmo depois que nosso trabalho estivesse encerrado, Kanzel e Zuma seguiam lá fora. Os dois não iriam só desistir e partir para a próxima.
“Por que a cara triste, Lina?” perguntou Gourry.
“Bem, você sabe...” respondi vagamente.
“O problema com Kanzel?”
Assenti. Claro, ficar remoendo isso não resolveria nada.
Estávamos voltando para o palácio depois de salvar Lorde Clophel. Gourry puxava os quatro sobreviventes, que estavam amarrados juntos.
Quando saímos do prédio, a névoa da noite tinha ficado um pouco mais espessa e os homens contratados por Alfred tinham desaparecido. Duvido que fugiram; o mais provável é que apenas estivessem se reagrupando em outro lugar.
O que nos leva ao nosso segundo problema: talvez teríamos outra emboscada nos esperando antes de chegarmos ao palácio. E, dessa vez, o inimigo viria com tudo o que tinha. Seria difícil lutar com quatro reféns e Lorde Clophel a reboque. Teríamos que fazer tudo sozinhos.
Por fim, nosso pequeno desfile saiu na avenida principal. Os postes de luz brilhavam como orbes azuis-claros na névoa. Pude ver figuras humanas descendo a rua através da neblina, trinta ou quarenta delas, paradas entre nós e o palácio.
“Imaginei que estariam esperando por nós.”
Com minhas palavras, uma das figuras jogou o cabelo para trás com um gesto teatral e deu um passo à frente.
“Estávamos mesmo, minha querida.” respondeu.
Com essa saudação, levantei uma sobrancelha.
“Oho... Não esperava uma recepção pessoal, Sir Alfred.”
“Alguém me relatou a situação. Achei que seria justo me dirigir a você em pessoa.”
“Aprecio o incômodo.”
“Sinceramente, você é uma fonte inesgotável de problemas... Não fez nada além de atrapalhar meus planos desde que chegou.”
“Na verdade, pode ser carma. Tente ser menos idiota.”
“Que insulto...”
“Tem muito mais de onde esse veio!”
“Não, chega de conversa. Já passou da hora de resolvermos isso.”
“Eu concordo.” assenti, sacando minha espada.
E então...
“A garota é minha.” ecoou uma voz sonora através da névoa noturna.
Geh! Esse cara de novo!
“Você, hein?” um sorriso irônico apareceu no rosto de Alfred. “Ouvi sobre sua interferência antes, mas... Muito bem. Não importa quem os mata, contanto que estejam mortos. Faça o que quiser.”
“Fico feliz em ajudar.” disse a voz, agora atrás de mim.
Eu me virei para ver uma sombra envolta pela noite... Zuma, o assassino. Estávamos cercados.
“Ei, qual é, não tenho direito a uma palavra aqui?” reclamou Gourry, apontando sua espada recém sacada para Zuma. “Sou o guardião dela, lembra? Se a quiser, terá de passar por mim.”
“Hmm...” Zuma cantarolou pensativamente por um momento, e então disse em voz baixa. “Se insiste.”
Não importa o quão habilidoso fosse, Zuma não poderia lutar comigo enquanto também se defendia de Gourry. Estava apenas tomando a escolha lógica.
“Sério, pessoal, lutem com quem vocês quiserem.” Alfred disse languidamente.
“E agora que temos tudo isso resolvido... Vamos começar, certo?”
“Sono!”
Meu feitiço deu início às coisas... Porém meus alvos eram os quatro reféns. Eles já estavam amarrados, contudo qualquer coisa que tentassem fazer durante a luta seria apenas uma desvantagem. Enquanto os quatro caíam no chão, Gourry investiu contra Zuma atrás de mim. Aproveitei a oportunidade para começar meu próximo feitiço, avançando direto para o grupo de homens na rua.
“Vão!” Alfred ordenou, liberando seu bando contra mim.
Apenas avancei direto para o bando.
“Mega Marca!”
Crash! Uma ondulação percorreu as lajes da rua e, no momento em que atingiu o bando de homens, o chão abaixo deles explodiu para cima no céu noturno. Saltei o mais rápido que pude para trás e preparei outro feitiço. Pensei em correr pela multidão e tomar Alfred como refém, no entanto eles poderiam tomar Lorde Clophel em troca, o que nos colocaria em um impasse.
“Vun Ga Ruim!” Alfred gritou, erguendo as mãos.
Ah, certo... Alfred também pode usar magia.
Vshhhhh! Um som como o enxame de insetos se ergueu ao seu redor, e algum tipo de névoa negra correu pelo chão. Parecia um pouco com o feitiço de escuridão que Zuma havia usado antes, entretanto...
Essa névoa se ergueu do chão e tomou a forma de várias figuras. Elas eram humanoides e negras como a noite, com silhuetas nebulosas... Bestas das sombras! Essas eram bestas mágicas de baixo nível que viviam no plano astral, capazes de se agarrar aos oponentes e drenar sua força vital. Sem dúvida estavam alto na escala de assustador... No entanto sua existência era extremamente instável. Não conseguiam sobreviver nem um dia inteiro sozinhas, não que eu tivesse tanto tempo pra esperar!
Ainda assim, por mais baixo nível que fossem, eram resistentes a ataques físicos e à maioria dos feitiços elementais. E, por infelicidade, não tive tempo de mudar os encantamentos.
“Bola de Fogo!”
Como não faria bem algum contra as criaturas, joguei essa gracinha nos homens de Alfred que estavam próximos. A bola de luz azul clara disparou em direção a eles...
“Dividir!”
E explodiu em dez com um estalar de dedos, salpicando a área com pequenas explosões.
Os homens gritaram. As explosões eram pequenas, mas podiam ser fatais se você estivesse perto o suficiente. Eliminei vários dos caras dessa forma, porém mais da metade do bando seguia de pé. Nesse ponto, também já haviam me cercado... Se pudesse ganhar algum tempo, poderia retomar a iniciativa. E se a guarda da cidade ouvisse o caos e viesse correndo, Alfred estaria acabado...
Claro, eles sabiam disso tão bem quanto eu e iriam fazer de tudo para terminar essa luta o quanto antes. Um de seus homens atacou, contudo consegui bloquear o golpe com minha espada.
“Flocos de Poeira!” gritei.
O ar brilhou na luz nebulosa da lâmpada e rapidamente pulei para trás. O homem que me atacou recuou com um grito. Flocos de Poeira é um feitiço que liberava inúmeras pequenas flechas de gelo das pontas dos meus dedos. Era fraco e de curto alcance, todavia quando atingia, não tinha dúvida de que doía!
“Vento de Diem!” Alfred gritou, fazendo o próximo passo.
Seu feitiço conjurava uma rajada de vento para manter um oponente afastado. Cobria uma área ampla, o que dificultava a esquiva, então, em vez de usar força bruta, pulei para trás e deixei que me atingisse. Vwoosh! O golpe uivou em meus ouvidos. Minha respiração ficou presa na garganta por um segundo, interrompendo meu canto.
Todo esse tempo, as bestas das sombras estavam se aproximando de mim. Minha única esperança de lutar contra elas era com magia, o que significava que teria que lançar um encantamento... Seria esse o motivo pelo qual Alfred continuava me atrapalhando com feitiços menores?
Enquanto me distraía, ouvi um grito atrás de mim...
Oh, não! Lorde Clophel! Eu me virei a tempo de ver a espada caindo no chão de suas mãos. Rapidamente entoei um feitiço para tentar salvá-lo, todavia um dos homens de Alfred já estava se aproximando dele aos poucos, com a espada desembainhada.
“Morra, velho!” ele gritou, levantando sua lâmina para o alto.
Não! Eu não vou conseguir!
“Bram Blazer!”
Um raio de luz azul disparou pelo céu noturno e atingiu o suposto assassino bem a tempo!
Aquilo foi...
“O quê?” Alfred se virou, examinando a área.
Uma figura estava parada no terraço do segundo andar de uma velha loja ao longo da avenida.
“Impossível!” Alfred gritou, com os olhos arregalados. “O que você está fazendo aqui, Amelia?”
***
Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.
Chave PIX: mylittleworldofsecrets@outlook.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário