quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

A Quiet Place — Capítulo 20

Capítulo 20


Asai logo percebeu que se preocupava por nada, estava fazendo tempestade em copo d’água.

Akiharu Kido e Jiro Haruta tiveram a sorte de serem escolhidos para participar da turnê da Kurosaki Maquinária pelo Sudeste Asiático. Asai recebeu uma carta de Yagishita em Kobe para informá-lo de que os dois se juntariam ao grupo e partiriam do Aeroporto Haneda de Tóquio em 31 de março.



Graças ao cuidado especial tomado pelo diretor administrativo, Sr. Yada, sua inclusão não pareceu uma adição de última hora. Seus amigos e conhecidos em casa foram levados a acreditar que foram incluídos no grupo desde o início. Tudo ocorreu muito bem e naturalmente.



Por enquanto, Asai ficou aliviado. Não havia mais ninguém se perguntando por que os dois homens receberam tratamento especial. Não havia perigo de atraírem a atenção de fofoqueiros que poderiam juntar dois e dois e associar sua viagem gratuita ao suspeito a quem deram uma carona na noite do caso do assassinato de Fujimi. Eles não eram mais casos especiais, não eram mais do que dois membros sortudos do grupo original. Não chamariam atenção extra e, portanto, não despertariam as suspeitas de ninguém.

Foi uma coisa boa que tivesse parado de conspirar quando o fez. Se tivesse incluído os dois homens na viagem apenas para pedir que fossem removidos logo depois, só teria criado dúvidas nas mentes de Yagishita e Yada. Ambos poderiam ter examinado seus motivos muito de perto para melhor entendimento.

Muitas precauções, ironicamente, o teriam colocado em ainda mais perigo.

Estava tendo um colapso nervoso, decidiu. Tantos medos e preocupações desnecessários, um após o outro. Não pôde dormir nada por quatro ou cinco dias enquanto esperava ansioso a chegada da carta de Yagishita. Toda vez que estava prestes a adormecer, seu coração de repente começava a palpitar, fazendo-o acordava assustado. Tentava sentar-se para se acalmar, mas a batida selvagem em seu peito não parava e o medo o perseguia sob o manto da escuridão. Pensamentos destrutivos giravam em torno de sua cabeça, e era tomado pela vontade de gritar. Todos os sintomas de neurose.

Agora que o perigo havia passado mais uma vez, teria que cuidar de seus nervos frágeis. A fonte de sua ansiedade pode ter sido removida, porém os outros sintomas não desapareceram tão fácil assim. Talvez seguissem estando escondidos nas dobras de seu cérebro. Não tinha como saber quando poderiam aparecer e fazê-lo fazer ou dizer algo irracional. Isso poderia ser sério. Teria que ser extremamente cuidadoso. Prudente, cauteloso, porém ao mesmo tempo tentar relaxar, pegar leve.

Entre os dias 1 e 5 de abril, Asai fez um tour pela parte sul de Nagano. Todas as suas palestras correram muito bem.

As fontes de sua angústia agora tinham voado para longe, para visitar Hong Kong, Macau e Taiwan. Não havia nenhuma chance de encontrá-los. Em seu papel de palestrante, conseguia falar e se comportar naturalmente, até experimentou uma sensação de libertação: sua neurose aos poucos desaparecia.

Depois de passar um tempo na cooperativa agrícola em Chino, foi para Fujimi. A cordilheira Yatsugatake estava ali na frente dele. Desta vez era dia claro, e conseguia ver a linha da cordilheira e cada dobra sua de forma clara. Era o início da primavera, contudo o inverno permanecia lá em cima. Havia neve nos picos e as encostas estavam tingidas de marrom. Sob a cobertura da noite, elas pareciam uma barreira poderosa, escura e imponente; agora a luz do dia expunha a paisagem seca e um tanto desolada.

Onde deixara o cadáver de Konosuke Kubo? Asai viu uma floresta à distância, bem na abertura de um vale. Deve haver um rio ali. Segundo o que leu nos jornais, o corpo foi encontrado não muito longe da margem de um rio, e a floresta parecia um tanto familiar. Poderia estar errado, no entanto a forma correspondia à imagem de uma massa negra que havia permanecido em sua mente.

Seu olhar se voltou para a paisagem da janela do prédio da cooperativa agrícola. Afinal, não era nada assustador, o homem estava morto, com o rosto ensanguentado e cercado por três pequenas pedras. Ele se lembrou de como as pedras brilhavam fracamente no escuro, enquanto o rosto, esmagado e coberto de sangue, estava quase invisível.

— Saia, fantasma de Konosuke Kubo! Eu te desafio! — gritou para si mesmo, seus olhos fixos em um ponto à distância. Não tinha medo de fantasmas. Não blefava como um daqueles maridos abusivos que, após o suicídio de sua pobre esposa, iam encarar desafiadoramente o lugar onde ela morreu, desafiando-a a retornar como um fantasma. Não havia nada a temer dos mortos. E, no seu caso, nunca quis matar Kubo. Aconteceu apenas no calor do momento. Kubo agravou a situação com sua raiva e suas ameaças, então de certa forma era responsável por sua própria morte. Havia algum motivo para ter medo?

De repente, Asai percebeu que já fazia um tempo que encarava as montanhas. Pare com isso. Os outros vão pensar que você é estranho, pensou, irritado consigo mesmo. Precisa ignorar as montanhas, apenas aja com naturalidade. Não demonstre que se sente desconfortável. Tire os olhos das montanhas, agora.

Esse comportamento estranho, esse tipo de obsessão... Talvez estivesse tendo um colapso nervoso, depois de tudo. Cuidado, cuidado. Não devo abrir a boca e deixar escapar algo bizarro. Calma agora. Aja como de costume. Não há nada com que se preocupar. Apenas fique calmo.

Durante todo o tempo em que viajou por Nagano dando suas palestras, nenhuma vez ouviu falar do Sudeste Asiático. Parecia que viagens ao exterior não eram tão incomuns entre cooperativas agrícolas hoje em dia. Infelizmente, grupos turísticos japoneses compostos por seus membros tinham má reputação no exterior. Ainda assim, apesar do comportamento dos participantes, estava claro que se havia tantos passeios internacionais organizados para essas cooperativas, então não era mais tão especial ser presenteado com uma viagem para Hong Kong e Taiwan.

De fato não havia nada com que se preocupar. Ninguém nesta área se importava se Akiharu Kido ou Jiro Haruta deveriam estar no passeio ou não. Como o tópico da viagem nunca surgiu, também não houve discussão sobre seus participantes.



Após um passeio de palestras muito agradável, Asai retornou em 6 de abril para Tóquio.

Seu chefe de divisão agradeceu por seu trabalho.

— Muito bem, Asai. Parece que suas palestras foram bem recebidas em todos os lugares. Ótimo trabalho. Recebi uma ligação do presidente do sindicato da prefeitura de Nagano para dizer o quanto eles apreciaram seu trabalho. Obrigado.

Com isso, Asai havia cumprido suas obrigações. Se a prefeitura de Nagano ligasse outra vez para convidá-lo para uma visita, poderia recusá-los com a consciência tranquila.

O grupo turístico da Kurosaki deveria chegar ao Aeroporto de Haneda naquela noite e retornar a Nagano pela manhã. Os horários haviam funcionado da forma como os havia antecipado.

Tudo correu bem. Yagishita confirmou quando chegou a Tóquio três dias depois. Ele e Asai foram a um café próximo para conversar.

— Sr. Asai, posso informar que o grupo turístico Kurosaki retornou a Nagano em 7 de abril, conforme programado.

— Muito obrigado por providenciar isso.

Asai não queria dizer os nomes de Kido e Haruta em voz alta.

— O diretor administrativo, Yada, ficou feliz em atender meu pedido, então tudo deu certo. Como coloquei na carta, ele conseguiu encobrir o fato de que eles foram adicionados no último minuto, e acredito que ninguém suspeitou de nada.

— Obrigado. Obrigado. — repetiu Asai, abaixando a cabeça.

— No final, o que fez foi dizer que os dois eram substitutos de alguém que teve que desistir.

— Substituições?

— Sim, bem, a lista tinha sido finalizada. Não havia outra maneira, ao que parece. De qualquer forma, foi feito para que ninguém soubesse de nada.

Isso de fato era verdade em Nagano, onde não se falava dos dois homens. O importante era que não tinham atraído atenção. Asai decidiu enfatizar mais uma vez que não tinha sido seu próprio plano.

— Estou feliz por poder ser útil também. A pessoa que me passou o pedido está muito satisfeita com o resultado. Na verdade, até me pediu para pagar a você o dinheiro pela viagem de Kido e Haruta. Quanto é o total?

— Não, não. Tudo bem. — Yagishita acenou com a mão em descaso.

— Eu preciso pagar de volta.

— Olha, você pode fazer isso em outra hora.

— Não, isso não está certo. Vou pagá-lo. Quer dizer, não eu. O dinheiro pertence à pessoa que me pediu o favor.

Asai suspeitava que Yagishita pretendia pagar o valor total por conta própria. Pelo menos era o que parecia estar dizendo. Yagishita era, antes de tudo, um homem de negócios. Sabia que o dinheiro seria um investimento, trazendo retornos na próxima vez que precisasse de um favor do ministério.

A viagem custou um total de 356.000 ienes para os dois participantes. Asai ficaria grato de pagar a quantia inteira ele mesmo. Estava bastante disposto, diante do perigo, a se desfazer de até mesmo um milhão de ienes, mas agora que as coisas estavam calmas de novo, se sentia um idiota pagando uma quantia tão grande de dinheiro por dois completos estranhos. Já havia se repreendido uma vez por se sentir assim, porém não estava totalmente fora de perigo naquele momento. Agora que não tinha mais nada a temer, parecia um desperdício de dinheiro.

— Tem certeza? — perguntou Yagishita, inclinando-se um pouco para a frente. — Se insiste, que tal me pagar metade do dinheiro?

— Só metade?

— Despesas de viagem de uma pessoa, se preferir. 178.000 ienes.

Yagishita não estava mais se oferecendo para pagar tudo. Asai se perguntou se era o negociador astuto dentro dele se manifestando, ou se o próprio Asai havia insistido demais em pagar. Talvez devesse ter agido com mais calma, entretanto não podia voltar atrás agora. De todo jeito, tinha que fingir que o dinheiro não era seu, que tinha vindo de seu cliente misterioso.

— Tem certeza? — Asai tirou um envelope do bolso do paletó e discretamente contou as notas de 10.000 ienes dentro.

— Claro. Se fosse seu dinheiro, não aceitaria, contudo como veio de outra pessoa, vou ficar com a metade.

O largo sorriso no rosto de Yagishita parecia sugerir que ficaria bem com Asai usando a outra metade da quantia como dinheiro de bolso.

Asai o entregou dezessete das notas de 10.000 ienes e, então, não tendo notas menores para completar o valor exato, adicionou mais uma nota de 10.000. Mas Yagishita tentou devolvê-la.

— Desculpe, também não tenho troco. Não se preocupe, 170.000 é o suficiente.

— Não, não posso... Quero dizer...

— Vamos lá, Sr. Asai. O que é uma pequena nota de 10.000 ienes entre amigos?



Akiharu Kido e Jiro Haruta estavam muito gratos por terem sido escolhidos para participar de uma excursão pelo Sudeste Asiático patrocinada pela Kurosaki Maquinária, mesmo que eles só tenham sido escolhidos como substitutos. Kido não era exatamente um dos oficiais mais poderosos da cooperativa agrícola Fujimi. Era apenas um membro comum do conselho. Haruta não era mais do que um funcionário júnior no departamento de vendas da cooperativa. Ambos estavam encantados por terem a oportunidade de viajar para o exterior na companhia de tantas pessoas influentes de vários distritos do Japão. Ao mesmo tempo, estavam intrigados com o desequilíbrio de status entre os outros e os dois.

Dito isso, os homens não fizeram nenhuma conexão entre o convite e qualquer intenção criminosa. Pelo contrário: queriam descobrir quem tinha sido atencioso o suficiente para oferecer-lhes esse tratamento preferencial para que pudessem agradecê-lo adequadamente. Os dois eram homens honestos e corretos.

Assim que retornaram a Nagano, escreveram uma carta ao diretor administrativo da Kurosaki, o mais antigo entre as pessoas que foram se despedir do grupo no Aeroporto de Haneda. A carta foi entregue a ele pessoalmente por um de seus funcionários.

Em sua resposta, o Sr. Yada deixou claro que foi o Sr. Yagishita, o presidente da Yagishita Ham em Kobe, o responsável por colocar os dois homens no passeio, e que Yagishita pagou seus custos por conta própria. Ele se sentiu obrigado a admitir que não foi sua própria empresa que pagou pelos dois homens, e a informá-los da generosidade do outro homem.

É claro, Kido e Haruta fizeram a coisa certa. Partiram em seguida para Kobe, para agradecer pessoalmente a Yagishita por sua gentileza e entregá-lo uma lembrança que haviam comprado em Hong Kong. Durante todo o tempo, não conseguiam entender por que alguém com quem não tinham nenhuma conexão havia assumido a responsabilidade de pagar por sua viagem ao exterior.

Yagishita, por sua vez, ficou envergonhado quando os dois homens entraram em seu escritório e se curvaram e o agradeceram com toda sinceridade. De sua parte, havia pago apenas metade das despesas de viagem; em outras palavras, apenas um dos dois homens estava em dívida com sua gentileza. Asai havia pago pelo outro, e doeu em Yagishita ter os dois homens agradecendo-o de todo o coração.

E com isso, Yagishita quebrou sua promessa e explicou que seu verdadeiro benfeitor era o Chefe Assistente da Divisão Tsuneo Asai no Ministério da Agricultura e Florestas. Você não poderia realmente culpar Yagishita. Era muito desconfortável aceitar os agradecimentos efusivos dos dois homens sozinho.

— Mas vocês realmente não precisam agradecer ao Sr. Asai. Ele foi convidado a fazer o favor por outra pessoa, que insiste em permanecer anônima. Eu mesmo entrarei em contato com o Sr. Asai para que saiba o quão gratos vocês são.

Todavia Kido e Haruta eram pessoas conscienciosas. Ainda mais quando souberam que seu benfeitor secreto era um chefe de divisão assistente do Ministério da Agricultura. No caminho de volta de Kobe, não trocaram de trem em Nagoya para ir até Nagano, permaneceram a bordo e viajaram direto para Tóquio.

Chegando em Kasumigaseki por volta das três da tarde, foram até a recepção do Ministério da Agricultura e Florestas. Apresentando seus cartões de visita, os dois solicitaram uma reunião com o chefe de divisão assistente Tsuneo Asai. Depois de serem solicitados a esperar um pouco, a resposta veio que o Sr. Asai estava muito ocupado e não poderia encontrá-los.

No entanto, seu senso de obrigação era muito forte. Eles acharam que seria indelicado deixar apenas uma carta de agradecimento e decidiram esperar na área de recepção até que Asai deixasse o ministério no final do dia. Pessoas do campo são incrivelmente pacientes. Asai não tinha a mínima ideia de que o esperariam ali, e presumiu que os dois homens já teriam ido embora há muito tempo. Tanto que nem se deu ao trabalho de sair pela porta dos fundos, mas saiu pelo saguão principal com todos os outros funcionários no horário normal de término, às 17:40.

A recepcionista, sentindo pena dos dois homens que esperaram tanto tempo, apontou Asai para eles. Os dois tentaram se aproximar, porém havia uma multidão de pessoas saindo do ministério que os impediu de conseguirem alcançá-lo. Na confusão, Asai acabou do lado de fora. Os dois homens correram para alcançá-lo, e Akiharu Kido gritou.

— Sr. Asai! Sr. Asai!

Asai parou abruptamente e se virou.

Kido se aproximou de Asai, que parecia congelado no local, suas feições petrificadas. Haruta se aproximou e o acompanhou. Os dois homens se curvaram em uníssono.

— Você é o chefe assistente da divisão Tsuneo Asai? Sou Akiharu Kido da cooperativa agrícola Fujimi. Este é meu colega, Jiro Haruta. Perguntamos por você na recepção, contudo ouvimos que estava muito ocupado. No entanto, queríamos muito conhecê-lo, então decidimos esperar...

No meio da saudação de Kido, uma coisa muito estranha aconteceu. Asai de repente soltou um grito bizarro, como se tivesse sido agredido fisicamente, e saiu correndo. Ele correu rápido, seu corpo se inclinando para frente em um ângulo tão agudo que quase deixou cair sua pasta.

Aturdidos, os dois homens o observaram fugir. O que estava acontecendo? O que tinham feito? Não tinham a mínima ideia, mas com a vaga ideia de que devia ter havido algum tipo de mal-entendido, saíram atrás dele, Kido gritando enquanto corria.

— Sr. Asai! Sr. Asai! Espere! Só um minuto!

Porém em vez de parar, Asai correu ainda mais rápido. A essa hora da noite, havia multidões de pessoas saindo de outros ministérios em Kasumigaseki, e as cabeças estavam se virando para olhar. Era meados de abril, por volta das seis da tarde; a luz havia diminuído e a noite estava chegando. Enquanto continuava a fugir, os faróis dos carros que passavam iluminaram Asai por trás.

Desistindo da perseguição, os dois homens pararam e o observaram fazer sua fuga enlouquecida. Contudo aquela figura nos faróis, eles tinham uma lembrança parecida de não muito tempo atrás... A figura apressada, iluminada pelos faróis, na rodovia da prefeitura perto de Yatsugatake. Naquela noite, voltando para casa de uma reunião... O Sr. Asai não tinha a exata mesma curva nas costas?

— Não! Não poderia ter sido o chefe assistente da divisão, poderia?

Kido e Haruta conversaram sobre o incidente durante todo o caminho para casa no trem, e ainda mais quando voltaram para Nagano. Não tinham certeza no que acreditar.

O boato chegou em pouco tempo chegou à polícia de Fujimi, que agiu. Os investigadores foram a Tóquio para interrogar Tsuneo Asai sobre onde esteve na noite do assassinato de Konosuke Kubo.

Pode não ter havido impressões digitais deixadas no frasco de óleo para cabelo... Na verdade, havia uma completa ausência de evidências materiais ou físicas, contudo a polícia sabia que investigar o álibi de um suspeito era a maneira de resolver um caso. Sabiam por experiência que isso nunca falhava.

FIM


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