segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Slayers — Volume 04 — Capítulo 17

Capítulo 17: Típico! Onde quer que vamos, o drama nos encontra
















O palácio permanecia silencioso contra a noite, iluminado pela lua e pelas estrelas. Torres de vigia flanqueavam seu enorme portão fechado, iluminado aqui e ali com pálidas luzes mágicas, provavelmente feitiços de Iluminação.

“Vamos entrar furtivamente por aqui.” sussurrei, minhas costas pressionadas contra uma das árvores ao longo da lateral da rua.

“Quer dizer... Pelo portão da frente?” perguntou Gourry, inseguro, também pressionado contra uma árvore.

Só para esclarecer, não somos ladrões nem nada do tipo. Quero dizer, sim, estávamos vestidos de forma tão suspeita que os transeuntes teriam justificativa para atirar pedras em nós... Sabe como é, casacos e calças que escondem o corpo presos no lugar com cintos de couro, além de máscaras que escondiam nossos rostos, exceto pelos olhos. E sim, ok, eram todos pretos! Nós dois também tínhamos espadas penduradas em nossos cintos, o que meio que fechava todo o visual de ‘assassino maligno’.

Mas ouça... Não é para me gabar ou algo assim, porém eu, Lina Inverse, nunca me rebaixaria a fazer esse tipo de trabalho sujo. Se estiver sem dinheiro, explodir esconderijos de bandidos é muito mais lucrativo e muito menos ilegal (acho?).

“É a última coisa que eles esperam!” assegurei Gourry.

“Talvez haja um bom motivo para isso!” ele argumentou.

“Pare de reclamar e vá andando logo!” falei, caminhando em direção ao portão.

———

“Está mais tenso aqui do que imaginei.” Sylphiel disse baixinho enquanto tomava seu chá depois da refeição. Seu longo cabelo preto e sedoso farfalhou levemente com o gesto. Uma beldade delicada cujas vestes clericais lhe caíam muito bem. Imaginei que fosse um pouco mais velha do que eu.

Nós três (eu, Sylphiel e Gourry) estávamos em um pequeno restaurante. A comida era decente, assim como a clientela, contudo a atmosfera era sem dúvida sombria, e isso valia para mais do que apenas o restaurante. Estávamos agora na Cidade de Saillune, capital do Reino Sagrado de Saillune, que se encontrava mergulhada em um escândalo. No entanto não estávamos aqui para bisbilhotar. Gourry e eu conhecemos Sylphiel em uma outra confusão, e ela nos pediu para sermos seus guarda-costas em sua jornada para Saillune, para ficar com alguns parentes.

“Ainda assim...” sussurrou Gourry baixinho. Gourry era meu companheiro de viagem, um espadachim bonito e superlativamente habilidoso, que às vezes suspeito ter miolo de pão no cérebro. “Por que a cidade está tão tensa?”

Clunk... Deixei meu garfo cair sem querer. Sylphiel olhou incrédula.

“S-Sério, Gourry?” pressionei meus dedos contra minhas têmporas doloridas. “Você está me dizendo que não tem ideia alguma do que está acontecendo aqui agora?”

“Não faço a mínima ideia!”

“Guuugh! Sylphiel e eu ficamos falando sobre isso sem parar o caminho todo até aqui!”

“Aw, sua pestinha! Achou mesmo que prestei atenção em tudo aquilo?”

“Não se orgulho disso! Droga...” resmunguei, bagunçando meu cabelo em frustração. Por sua vez, Sylphiel permaneceu congelada em choque. “Bem, não importa. A maneira mais simples de dizer é que a cidade está mergulhada em algum drama familiar.”

“Oh?”

“Seis meses atrás, o rei adoeceu e ficou acamado. E embora siga estando resguardado, está em seu perfeito juízo, pelo menos de acordo com os rumores.”

“Hmm...”

“A situação levou a todos os tipos de especulação sobre quem deveria ser o próximo rei, obviamente. E então pequenos incidentes começaram a surgir aqui e ali.”

“Ahh...”

Você está realmente me ouvindo, cara? Se não, vou ficar furiosa. Não me teste.

Consegui manter a compostura e continuei explicando.

“Tudo começou com uma tentativa de assassinato do herdeiro do rei, seguida pelos assassinatos de alguns altos funcionários. Então o herdeiro do rei desapareceu do palácio... O mais provável é que esteja se escondendo em algum lugar da cidade. O resultado é que soldados e figuras obscuras deixam as ruas lotadas dia e noite. Entendeu?”

“Não posso dizer que entendo.”

“Graaagh! Seu...”

“Waaah! Calma, Lina! É brincadeira! Só estou brincando! Eu entendo! Por favor! Não fique violenta!”

“Hahh... Hahh...” ofeguei, mas consegui recuperar o fôlego.

“Posso perguntar, Senhora Lina, por que o chama de ‘herdeiro do rei’?” perguntou Sylphiel, que por fim havia recuperado o uso de suas faculdades, com uma ruga de perplexidade na testa.

Fiz uma careta e devolvi a pergunta.

“O que quer dizer? Ele é o próximo na linha de sucessão ao trono, então...”

“Quero dizer... Estava imaginando por que você se refere a ele nesses termos específicos. A maioria só o chamaria de príncipe, não?”

Twitch! Esse comentário me deu um espasmo facial completo.

“Sim... Acho que sim.” admiti relutantemente, enfim conseguindo arrancar as palavras da minha garganta.

“Ah...” ela suspirou com olhar sonhador. “O príncipe de Saillune, cidade da magia branca, expulso do palácio por assassinos, escondido em algum lugar da cidade... Deve ser uma pessoa maravilhosa.”


Crash! Eu caí da cadeira.

“E-Ei, Lina! O que há de errado com você?”

“Aconteceu algo?”

“Nada...”

Me levantei, tentando o meu melhor para parecer indiferente. A verdade é que já tinha conhecido o herdeiro do rei antes, e... Bom, poderíamos deixar essa história para outra hora. Não há necessidade de destruir os sonhos de Sylphiel.

“E-Então, só para ter certeza, Sylphiel... Você avisou aos seus parentes quando chegaria, certo?” perguntei, forçando uma mudança de assunto.

“S-Sim. Eu os contatei pelo correio na Cidade de Kanon mais cedo.”

“E vai trabalhar em um dos templos por aqui agora?” fui rápida nas perguntas para impedi-la de fazer qualquer pergunta sobre o tema anterior.

“Espero que sim. A verdade é que meu tio serve como um sacerdote local e um médico mágico. Entretanto não quero ser um fardo, então gostaria muito de encontrar trabalho para mim. Claro, dado o estado atual da cidade, não sei o quão difícil será...”

“Ei, quando as coisas se acalmarem um pouco, tenho certeza de que poderá fazer o que quiser.”

Whew! Conversa desastrosa evitada!

———

“Ali. Aquele prédio com o telhado marrom.” Sylphiel disse, apontando.

Estávamos agora no centro da cidade, perto do palácio, no tipo de grande avenida que costuma estar lotada de barracas e turistas, todavia, devido aos tempos, estava povoada apenas por alguns retardatários estranhos. O ar estava tão parado que podíamos até sentir o cheiro das pequenas flores desabrochando ao longo da rua.

No caminho, pude ver os muros altos que cercavam o palácio.

A casa que Sylphiel indicou ficava à nossa direita. Não era muito grande, mas parecia um lugar legal. Bem construída. Nem preciso dizer que era onde os parentes de Sylphiel moravam.

Seu olhar se voltou para mim e depois para Gourry.

“Hmm... Poderiam me acompanhar?” Sylphiel perguntou sem jeito.

“Ah, uh, claro.” Gourry respondeu, coçando a bochecha enquanto lançava um olhar em minha direção.

“É, deveríamos ir dizer oi para seus parentes.” falei.

Nosso trabalho era apenas garantir que chegasse à cidade, e ela nos pagou adiantado. Não haveria ressentimentos se nos separássemos aqui, porém sabia que Sylphiel devia estar nervosa, já que não conhecia esses parentes tão bem assim. Além do mais, seria melhor se Gourry e eu estivéssemos lá para explicar como ela acabou nessa confusão em primeiro lugar... Já que éramos meio que responsáveis ​​por aquilo.

E então passamos pelo portão da propriedade juntos. Sylphiel bateu na aldrava da cabeça de lobo algumas vezes e esperou. Nenhuma resposta.

“Eles poderiam ter saído?” Sylphiel considerou, sua cabeça inclinada para o lado enquanto alcançava a aldrava novamente.

Foi então que ouvimos o som de alguém se mexendo lá dentro. Alguns momentos depois, um homem de meia-idade abriu a porta e espiou para fora. Apesar das mechas brancas em seu cabelo, ele não parecia lá muito velho. Seu rosto estava atento e cauteloso... Contudo sua expressão mudou no momento em que pôs os olhos em Sylphiel.

“Oh! Sylphiel!” exclamou o homem, ficando todo alegre enquanto escancarava a porta.

“Já faz muito tempo, tio Grey.” ela respondeu com um sorriso.

“Faz mesmo. Meu Deus, você era uma criança da última vez que te vi... Que linda jovem você se tornou! De qualquer forma, entre. Não vamos ficar parados...” seu comportamento amigável de repente se tornou suspeito quando pôs os olhos em mim e em Gourry. “Quem são essas pessoas?”

Sylphiel olhou para nós e respondeu.

“Oh, deixe-me apresentar a Senhora Lina e o Mestre Gourry. Os dois me ajudaram em Sairaag e me protegeram no caminho para cá.”

“Nesse caso... Obrigado.” Mestre Grey continuou parado ali na entrada, com uma expressão preocupada no rosto. Não parecia particularmente feliz em nos ver. Claro, para ele, talvez parecêssemos mercenários comuns. “Realmente devo compensá-los pelo seu trabalho.”

“Não, na verdade ela já nos pagou o suficiente.” respondi sem jeito.

“Os dois estiveram envolvidos no incidente em Sairaag comigo.” Sylphiel interrompeu. “Pensei que talvez eles pudessem explicar o que aconteceu.”

“E-Entendo.”

Com isso, Mestre Grey esticou o pescoço para dentro da casa, parecendo estranhamente perturbado.

Hmm... Estou sentindo algumas vibrações bem desagradáveis ​​aqui...

“Bem, acho que poderíamos ir a um café local...” ele murmurou.

“Tio...” Sylphiel disse, quase implorando.

Sua testa franziu, era óbvio que ficou descontente com essa reviravolta. Aproveitei a oportunidade para intervir.

“Não, não se incomode. Só queríamos nos apresentar, porém você parece bastante ocupado. Vamos nos despedir, então...”

“Senhora Lina!” Sylphiel objetou.

“Não, nada disso!” Mestre Grey declarou, parecendo um pouco em pânico. “Não é nada mesmo, eu só... Ah, já sei! A casa está meio bagunçada. Se vocês puderem esperar aqui um minuto...”

Espere, o que foi esse ‘Ah, já sei’? Talvez seja melhor não dar muita importância... O homem bateu à porta na nossa cara, e pude ouvir seus passos se afastando.

“Me pergunto o que é que está acontecendo.” Sylphiel murmurou insegura, encostando-se em uma coluna na varanda.

Algum tempo depois, ouvi os passos apressados ​​se aproximando de novo e Mestre Grey colocou a cabeça para fora da porta mais uma vez.

“Peço desculpas pela demora. Entrem, por favor!” ele disse, acenando para nós com um sorriso um pouco forçado.

Gourry e eu trocamos um olhar, então demos de ombros.

———

“Bem-vindos à nossa humilde morada. Sintam-se em casa.” disse a esposa enquanto nos servia chá com um sorriso forçado para combinar com o do marido.

“Agradeço sua hospitalidade.” respondi enquanto tomava um gole.

Nós três fomos levados para a sala de estar.

“Posso perguntar, onde está Tran?” Sylphiel perguntou ao Mestre Grey.

“Oh, meu filho? Ele se casou há um tempo. Abriu uma farmácia mágica um pouco longe daqui, embora ainda venha nos visitar de vez em quando. E o que exatamente aconteceu em Sairaag?” ele perguntou, acelerando a conversa descaradamente.

“Oh, por onde devo começar? Acho que a Senhora Lina deve explicar.” disse Sylphiel, de repente virando os holofotes para mim.

Hmm... Isso remonta a como conheci Gourry. Preciso resumir as coisas um pouco, ou então vamos ficar a noite toda aqui.

“Vamos ver. Eu, Gourry e esse outro cara...”

Mas assim que comecei minha história...

“Você! Você é aquela garota feiticeira!” gritou uma voz alta e rouca.

Eu me virei e... Erk! Quase desmaiei na hora. Um velho sujo estava se inclinando para fora da porta entreaberta para o cômodo ao lado. Seu porte grande e imponente, com uma constituição robusta que o fazia parecer um anão enorme. Tinha cerca de quarenta anos, era barbudo e usava roupas que pareciam um pouco pequenas para seu corpo. Se o entregasse uma arma ruim e colocasse uma armadura enferrujada, pareceria um típico bandido.

E sim, eu o conhecia.

“Vocês se conhecem?” Mestre Grey perguntou hesitante.

Sylphiel e sua tia também alternavam olhares para mim e para o velho. Gourry era o único que parecia imperturbável com a situação. Porém sabia que isso não era devido a nenhum grande mérito de compostura em particular. A inconsciência era apenas uma espécie de seu estado natural de ser.

“Hrmm... Há algum tempo, sim.” o velho assentiu acenando. “Ela é confiável.”

“Entendo.” disse Mestre Grey com um grande suspiro de alívio enquanto se recostava na cadeira.

“Er... Tio?” Sylphiel perguntou, hesitante. “Quem é esse homem?”

“Oh, este é... Isto tem que ficar em segredo, certo?” Mestre Grey disse, se endireitando. Então continuou com uma voz suave, contudo clara. “Esse é Sir Philionel El Di Saillune, o primeiro na linha de sucessão ao trono do Reino Sagrado de Saillune.”

...

“O quê...?” Sylphiel arfou, virando-se para mim com dificuldade. “Esse é... O... Príncipe?”

Respondi com um aceno firme, dolorido e simpático.

“Sim.”

Sylphiel desmaiou.

———

Depois que as apresentações acabaram e terminei de relembrar o que aconteceu em Sairaag, a esposa do Mestre Grey por fim desceu novamente.

“Oh, Maria. Como está Sylphiel?” Mestre Grey perguntou.

“Está descansando agora.” ela respondeu com um pequeno sorriso. “Contudo passou um bom tempo se revirando...”

“Tenho certeza de que a exaustão a pegou agora que estamos aqui sãos e salvos.” eu disse.

“Hm, talvez.” Mestre Grey refletiu em um tom estranhamente envelhecido.

Era óbvio que se tratava de uma desculpa. Sylphiel desmaiou de choque tentando reconciliar o Príncipe Encantado de sua imaginação com o sujeito sujo de quarenta anos que tinha acabado de ver. Não é de se surpreender que fosse demais para assimilar. Afinal, estava em uma idade sensível.

Eu encontrei o cara uma vez enquanto este viajava disfarçado, e nós nos unimos para cuidar de um certo incidente... No entanto, caramba, ele era muito difícil de lidar. Claro que fui forçada a sofrer o mesmo rude despertar que Sylphiel tinha acabado de receber, todavia, além disso, o cara tinha um jeito de sugar o ar de qualquer sala em que estivesse.

“Tudo bem. Agora é a minha vez de contar.” disse Sir Phil, assentindo profundamente para o nada antes de começar sua própria história.

Ele foi atacado por assassinos, mas conseguiu ‘persuadi-los’ a recuarem... E eles retaliaram indo e atacando seus retentores. Assim, para chamar a atenção dos assassinos, o preocupado Sir Phil abandonou o palácio e se escondeu aqui. Como esperava, os assassinos se focaram em rastreá-lo desde então...

Isso explicava por que Mestre Grey foi tão relutante em nos deixar entrar. Afinal, éramos estranhos, e não queria que descobríssemos o que... Ou melhor, quem está se escondendo aqui.

“Peço desculpas pelo incômodo, Grey.”

“Vossa Alteza... Não precisa se desculpar comigo.”

Acho que chamá-lo de ‘Vossa Alteza’ parecia menos errado do que chamá-lo abertamente de príncipe. Não sei por que fiquei tão impressionada com esse detalhe, mas fiquei.

“E então, Lina, Gourry.” disse Sir Phil, virando-se para nos encarar de novo. “Espero que possam honrar um pedido meu.”

Nós dois trocamos um olhar. Era improvável que pudéssemos recusar esse suposto pedido... Porém não havia dúvidas de que seria uma grande dor no rabo.

“Nós ouviremos, contudo não podemos prometer nada.” esquivei-me.

“Tudo bem. Mencionei antes que escapei do palácio, no entanto meus aliados parecem temer que eu possa ter sido morto. Quero enviar-lhes alguma garantia. Grey aqui vai trabalhar no templo do palácio uma vez a cada cinco dias, todavia deixar o contato com ele seria arriscado.”

“Entendo...” sussurrei, cruzando os braços.

Se querem fazer contato em segredo com alguém no palácio, não podem só entrar pelo portão da frente. Teríamos que esperar esses aliados saírem do palácio primeiro? Não, nunca daria certo. Nas circunstâncias atuais, ninguém sairia do palácio sem uma escolta. O que significa que a infiltração era nossa única opção...

Poderia ser divertido.

“Há duas pessoas que quero contatar. Vocês podem fazer contato com qualquer uma delas e pedir que passem a mensagem para a outra. Entretanto nenhuma delas sai do palácio com muita frequência, então terão que entrar furtivamente para encontrá-las. Isto é, supondo que aceitem o trabalho. Eu sei que é bem perigoso...”

“Diga...” Gourry interrompeu com uma pergunta rara. “Quem está por trás de todos os assassinatos? Sabe quem é o responsável?”

Também estava curiosa, é claro, mas se Sir Phil nomeasse os conspiradores... Já estaríamos muito envolvidos. Estaríamos encurralados para aceitar o trabalho.

Felizmente, tudo o que ele disse foi.

“Eu tenho uma ideia. Sendo mais preciso, só pode ser uma pessoa... Porém não tenho provas.”

“Então quer que a gente o mate enquanto estamos no palácio?” perguntei, pensando que era uma boa ideia.

Contudo, Sir Phil ficou em silêncio por um tempo, então resmungou.

“Acredito que já lhe disse antes, sou um pacifista. Duvido que possamos resolver as coisas sem recorrer à força depois de tudo o que aconteceu, no entanto, independentemente de como sou forçado a lidar com ele no final, pelo menos quero uma prova de que foi o responsável primeiro.”

Hmm... Isso foi pedir muito. Me aponte um cara mau, e vou espancá-lo sem problemas. Mas pequenos detalhes como ‘provas’? Não era o meu estilo.

“Agora, quanto às pessoas que quero que contatem... Bom, posso lhe contar tudo isso se vocês concordarem. Só para deixar claro, sei que esse é um trabalho perigoso. Então sintam-se livres para recusar. Não vou forçá-los.”

Whew... Suspirei com um sorriso irônico no rosto, e falei. “Não seria certo desistir depois de tudo o que ouvimos, seria?”

“Você tem minha gratidão.” disse Sir Phil. Não importa com quem estivesse falando, nunca era bom demais para um simples obrigado. Era uma de suas melhores características. “Nesse caso, deixe-me continuar. Uma das pessoas que quero que entrem em contato é meu criado Clophel. A outra é Amelia.”

“Uma mulher?” perguntei.

Sir Phil mostrou uma pitada de timidez incomum e esclareceu.

“Sim, bem... Minha filha, na verdade.”

“Filha?” Gourry e eu exclamamos em uníssono.

Uma visão aterrorizante passou pela minha mente. O pensamento da filha de Sir Phil... Ela acabaria se parecendo com ele? Ooh, ou a reviravolta seria que era uma beleza de cair o queixo? Droga. Agora que tinha criado esperanças, ficaria ainda mais triste se fosse uma sósia do velho...

“Ela é muito bonita.” disse Mestre Grey, como se tivesse lido minha mente. Então acrescentou num sussurro. “Puxou à mãe.”

“Falando nisso, onde está sua esposa, se me permite perguntar?” perguntei.

Sir Phil mostrou um sorriso triste e respondeu.

“Oh, ela faleceu há algum tempo.”

Ah...

“La-Lamento saber.”

“Tudo bem.”

Um pesado silêncio caiu sobre a sala. Deixe Gourry quebrá-lo no fim.

“Então... Quem acha que está por trás de tudo?” perguntou meu companheiro.

“Christopher Wil Brogg Saillune, o segundo na linha de sucessão ao trono.” Sir Phil murmurou. “Em outras palavras... Meu irmão mais novo.”

O ar ficou decididamente mais pesado.

E essa é a história de como acabamos entrando furtivamente no palácio no meio da noite como ladrões comuns.

———

Vestidos com roupas tão pretas quanto a própria noite, começamos nossa missão. Usei Levitação para passar devagar por sobre os soldados que vigiavam o portão da frente e, depois, enquanto me encostava à parede como uma lagartixa, subi. Com certeza haveria vigias no topo do portão também. Talvez devesse ter escolhido um caminho diferente no fim das contas...

Embora fosse um pouco tarde para me arrepender, e me estressar com os detalhes era um caminho infalível para a autossabotagem. Por sorte, parecia que eu estava livre, não havia uma alma sequer parada no topo do portão. Negligência deles, sorte para mim.

Dei uma olhada nos jardins do palácio. Sir Phil havia explicado o layout geral com antecedência, todavia ainda precisava ter uma ideia e avaliar a segurança ao redor da junta.

No centro do enorme gramado ficava um templo elegante, aparentemente usado para funções oficiais como coroações. Havia pequenos edifícios de cada lado, dormitórios. O da direita era para sacerdotes, o da esquerda para sacerdotisas.

Amelia deveria estar no dormitório das sacerdotisas. Pelo que ouvi, ela era a sacerdotisa chefe por aqui. A noção evocou imagens de uma adorável jovem na minha cabeça... Entretanto, lembrei a mim mesma, ainda era filha de Sir Phil. Não posso baixar a guarda.

Além do templo ficava o palácio principal, onde Sir Phil costumava residir. Era lá que encontraríamos seu criado Clophel, assim como Christopher, o suposto mentor.

Luzes perfuravam a escuridão, provenientes de postes instalados por todo o jardim e todos os edifícios espalhados pelo enorme gramado, mas não conseguia dissipar por completo a noite. A segurança no jardim me parecia bastante leve também. A guarda real devia concentrada no palácio e no templo.

O senso comum ditava que Amelia seria mais fácil de contatar, e foi por esse motivo que tomei a decisão de ir atrás de Clophel. Nosso inimigo sabe que Sir Phil estava vivo, afinal, e que deve tentar contatar sua filha. Eles a estariam vigiando rigorosa e secretamente.

Por outro lado, o palácio era a base do inimigo. Seu líder estava lá, e o lugar era vigiado o tempo todo. Só um completo louco tentaria se infiltrar...

“A propósito, Gourry, tem uma coisa que preciso te contar.” sussurrei para meu companheiro loiro, escondido no topo do portão comigo.

“O que foi? E por que esperou até agora para falar?”

“Se as coisas derem errado em algum momento, meus feitiços de ataque não vão nos ajudar muito. Eles só vão funcionar com metade do poder enquanto estivermos aqui.”

Gourry respondeu quase num gemido.

“Sério? Aquela época do mês de novo?”

...

“N-Não!” falei, agitando os braços enquanto sentia meu rosto ficar vermelho como uma beterraba.

Por que... Por que diabos você mencionaria isso agora?

Eu queria gritar, contudo me esforcei para manter minha voz baixa.

“É o formato da cidade! Reduz a força dos meus feitiços ofensivos!”

“O quê? Como assim?”

“Bom... Por várias razões.”

“Não pare por aí! Explique.”

Ah, é? Quer que eu explique, hein?

“Ok então, primeiro, os distritos da cidade são dispostos como um círculo mágico. Uma grande estrela de seis pontas. Sabe o que é uma estrela de seis pontas, certo?”

“Claro que sim. São dois triângulos juntos.”

“Oh, wow! Você é tão inteligente, Gourry!”

“Acha que sou estúpido ou o quê?”

“Sempre achei, amigo. De qualquer forma, este palácio fica no centro dessa estrela de seis pontas. Ainda está me seguindo?”

“Sim.”

“Na magia, a estrela de seis pontas representa um fluxo estável de poder. Em outras palavras, equilíbrio. Em contraste, uma estrela de cinco pontas invertida representa desequilíbrio... Um fluxo de poder que desafia a ordem natural. E uma estrela de cinco pontas ereta representa a purgação desse poder. Entendeu tudo?”

“S-Sim...”

“Enquanto forem pequenos e não forem magicamente aprimorados, esses símbolos não têm efeito algum. Contudo em escalas muito maiores, podem criar barreiras mágicas proporcionais ao seu tamanho.”

“...”

“Em outras palavras, a cidade de Saillune em si é uma barreira gigante e estamos bem no meio dela. É óbvio que seu efeito será enorme. Embora amplifique o poder da magia branca, que é tudo sobre equilíbrio, tem o efeito oposto na magia negra, que extrai seu poder do caos. Dito isso, não interfere tanto quanto um pentagrama projetado especialmente para banir o mal. Acho que é isso, resumindo. Entendeu?”

“Eu não deveria ter perguntado...” ele admitiu prontamente.

A propósito, quem projetou a cidade dessa forma foi um especialista em magia branca que serviu como ajudante do primeiro rei de Saillune. Só para registrar.

“Agora... Vamos lá.” eu disse, renovando meu feitiço de Levitação.

Com a deixa, pousamos dentro do terreno do palácio e começamos a nos esgueirar pela noite arejada. Demos um amplo espaço para as poças de luz no gramado e evitamos os olhos dos guardas. Foi bem emocionante. Tive que me perguntar se os bandidos do mundo lá fora caíram em seu modo de vida buscando esse tipo de emoção...

Ainda assim, não importa suas razões, nunca aprovaria roubar de pessoas inocentes. Era apenas temporada de caça, no meu livro, quando se tratava de líderes corruptos e ladrões assassinos. No entanto como a maioria dos bandidos não se limitava da mesma forma, imaginei que eram em grande parte apenas covardes egoístas.

De qualquer forma, chegar perto do palácio principal foi fácil, entretanto nosso maior problema ainda estava por vir. O lugar estava lotado de sentinelas.

Não apenas nas entradas, estavam em todos os lugares. Pelo jeito, o quarto de Lorde Clophel fica no terceiro andar, então pensei que talvez teríamos que chegar lá usando o feitiço Levitação... Mas o prédio em si estava pontilhado com tochas de Iluminação e havia guardas em todas as varandas. Seríamos avistados voando lá em cima em pouco tempo.

Enquanto me escondia na grama na borda da luz e pensava nas coisas, Gourry, que se agachou ao meu lado, falou.

“Diga, Lina, você não pode usar magia para invocar um grande pássaro ou algo do tipo para distraí-los?”

“Não.” respondi secamente. “Se tiverem alguém que possa detectar magia, seria como soar o alarme.”

“Mas você já lançou Levitação um monte de vezes...”

“Levitação é uma magia bem fraca. Está vendo todas aquelas magias de Iluminação por aí? Com toda a magia que aquelas coisas emitem, um truque como Levitação nem seria registrado. Porém magias de invocação e ataque usam uma carga colossal de poder. Além do mais...”

“Além do mais?”

“Embora consiga usar algumas magias de invocação, elas não são lá a minha praia.”

“Como assim?”

“Por que você acha?” falei, num tom firme. “Elas tiram o foco de mim.”

———

No final, escolhemos o mais mundano dos planos: Levitar o mais alto que pudéssemos fora de vista, então pousar no telhado do palácio. O prédio principal tinha cinco andares, então teríamos que descer dois andares para chegar ao quarto de Lorde Clophel. A tarefa era mais fácil dizer do que fazer, contudo era a única opção que tínhamos.

Ao pousarmos no telhado, demos uma olhada por várias claraboias. Havia um quarto deserto, o que me pareceu uma armadilha. Então, em vez disso, escolhemos um quarto onde uma mulher mais velha e rechonchuda, talvez fosse uma empregada, dormia um sono profundo.

Puxei algumas placas finas de aço e um alfinete do bolso da calça e comecei a destrancar a janela.

“Ei... Você é uma gata ladra para levar essas coisas escondidas ou o quê? Gourry perguntou, mais desconfiado do que impressionado com minha habilidade de arrombar fechaduras.

“Ah, vamos. Essas habilidades são uma necessidade para as mulheres modernas.”

“Mentirosa.”

“Tanto faz. Vamos entrar.” respondi, abrindo a claraboia e deslizando para o quarto abaixo.

O carpete felpudo nos ajudou a pousar no chão sem fazer barulho. A velha senhora continuou dormindo profundamente. Aproximei-me da porta, escutei do lado de fora e então a abri devagar.

Um longo corredor se estendia de cada lado de nós, iluminado aqui e ali com Iluminação. E sentado em uma cadeira do lado de fora da porta do quarto vazio que tínhamos visto antes estava um soldado cochilando. Eu sabia que era uma armadilha! Maaas também sabia que aquele sujeito não deveria estar dormindo no trabalho. Lancei um feitiço de sono nele para garantir que ficasse fora do nosso caminho, e então seguimos em frente.

Chegamos à escada, que parecia tão desprotegida quanto a maior parte do corredor. Lancei um olhar para baixo, sentindo um grupo de presenças bem abaixo de nós. O mestre dos conspiradores, Christopher, deve estar no primeiro andar...

Ainda assim, o lugar parecia estranhamente indefeso. Talvez os bandidos não tivessem pensado muito a respeito, entretanto o bom senso não dita que deveria haver um pouco mais de cautela? De toda forma, Gourry e eu prosseguimos, colocando vários guardas para dormir enquanto avançávamos.


Por fim chegamos ao terceiro andar sem problemas.

Estava gostando cada vez menos disso. Será que...?

“O que acha, Gourry?” perguntei enquanto caminhava pelo corredor deserto e reto.

“Não gosto nadinha. Parece uma armadilha, porém não consigo entender direito.”

“Acho que teremos que ir até o fim. Vamos nos esgueirar para o quarto de Lorde Clophel e depois precisamos ter certeza de que é realmente ele. Então fique quieto e deixe-me cuidar dessa parte.”

“Entendi. Vou deixar a parte da estratégia com você.”

Se nosso inimigo fosse esperto, eles teriam movido Lorde Clophel para outro quarto e o substituído por um sósia para interceptar quaisquer mensageiros de Sir Phil... Em outras palavras, nós, em uma tentativa de descobrir seu paradeiro.

Destranquei a porta dos aposentos de Lorde Clophel da mesma forma que fiz com a claraboia, abri-a e entrei. Fechei-a por precaução, só para registrar.

Nós nos encontramos em um quarto de dois cômodos. No outro quarto havia um velho dormindo em uma cama tingida pelo luar que entrava pelas janelas. Correspondia à descrição de Sir Phil sobre seu criado, contudo nunca tínhamos conhecido o cara antes, então não podíamos ter certeza de que era ele mesmo. Para confirmar, desembainhei minha espada silenciosamente e coloquei minha mão esquerda sobre sua boca.

O homem acordou na hora. Segurei minha espada bem em sua garganta e sibilei para que mantivesse a voz baixa. Então tirei minha mão de sua boca devagar.

“Clophel?” perguntei.

Com isso, ele limpou a garganta e engasgou, ambos os olhos arregalados.

“Vocês são... Assassinos de Christopher?”

Tudo bem, é o verdadeiro. Um farsante teria tentado me dizer que peguei o cara errado. Acenei para Gourry e embainhei minha espada. Lorde Clophel olhou para nós, seus olhos se estreitaram em confusão.

“Desculpe pelo susto. Tínhamos que ter certeza de que era realmente você.” expliquei.

“Quem são vocês?” ele perguntou.

“Temos uma mensagem de Sir Philionel.” disse Gourry.

“Sua Alteza?” Lorde Clophel exclamou, apressando-se em se sentar.

“Quieto! Fale baixo! Ele só queria dizer que está seguro.”

“Ohh...” um suspiro de alegria. Então, quase à beira das lágrimas, ele respondeu. “Entendo... Então está bem? Fico tão, tão feliz... Onde está... Não, não. É melhor não perguntar sua localização.”

“Bem pensado. Poderia, por favor, passar a palavra para a senhorita Amelia também? Acho que seria muito arriscado para nós irmos visitá-la.”

“Seria mesmo... E vocês devem ir agora. Não devem ficar muito tempo aqui. Avisarei a senhorita Amelia. E, por favor, diga a Sua Alteza para ter cuidado. Vamos aguentar muito bem na sua ausência.”

“Entendi. Até logo.” eu disse, saindo rapidamente com Gourry.

Seguíamos tendo cuidado. Nós refizemos nossos passos com cautela, e assim que chegamos às escadas...

Bwoom!

Houve uma grande explosão lá fora. O pânico tomou conta do palácio. Eu podia ouvir soldados ao nosso redor soando o alarme...

“O que foi isso?”

“O que aconteceu?”

“Não entrem em pânico! Voltem aos seus postos! Deixem isso para os guardas lá fora!”

Mas eu não iria esperar para ouvir os detalhes. Nós dois subimos as escadas correndo e corremos para o quarto original em que havíamos entrado. Apesar de toda a comoção, a velha senhora seguia roncando.

Fiquei curiosa sobre o que estava acontecendo lá fora, porém chegar a um lugar seguro era prioridade. Agarrei Gourry e usei Levitação para subir pela claraboia, depois pousei no telhado e o fechei atrás de nós. Claro, não tinha como trancá-la de volta.

Agora, tudo o que temos que fazer é flutuar até...

Antes que pudesse terminar minha linha de pensamento, Gourry estalou a língua e sacou sua espada. Seus olhos fixaram em um homem... Flutuando no ar acima de nós.

Um feiticeiro?

“Terminou com seus assuntos?” o homem misterioso perguntou em um tom de zombaria.

Ele tinha por volta de trinta anos e estava parado no ar contra um fundo estrelado com sua longa capa esvoaçando no vento noturno. Suponho que poderia dizer que é bonito, contudo a longa cicatriz descendo por sua bochecha direita, e mais importante, a expressão gélida em seu rosto, desperdiçaram sua boa aparência. Dada sua figura e a maneira como apareceu, assumi que fosse um inimigo no mesmo instante. (Isso mesmo. Eu julgo os livros pelas capas.)

Ah, esse deve ser o cara responsável pela explosão...

Deve ter nos visto entrando no palácio e esperou para nos emboscar. A explosão foi apenas uma distração para causar pânico e evitar que o notássemos. O que quer que estivesse fazendo, no entanto, nossa melhor jogada era fugir. Peguei Gourry pela mão e conjurei meu feitiço de voo em alta velocidade.

“Lei Asa!”

Com isso, seríamos rápidos demais para o feiticeiro nos alcançar com Levitação. Sua barreira natural também nos protegeria de feitiços simples como Flecha Flamejante.

Todavia no momento em que nossos pés deixaram o telhado...

Fwoom!

Fomos atingidos por uma explosão vinda de cima! Quase desmaiei, mas consegui manter o controle do meu feitiço. Ainda assim, o impacto me forçou a uma desaceleração rápida e um pouso de emergência no meio do gramado... Bem no meio de todos os guardas.

Uma segunda onda de choque nos atingiu, tão poderosa que teria nos esmagado se não fosse pela barreira de vento do Lei Asa. Esse cara é incrível, para ser capaz de lançar um feitiço tão poderoso enquanto usava Levitação... Com certeza não é um qualquer.

Entretanto, a visão de pessoas caindo do céu abalou os guardas.

“O que é agora?”

“Intrusos!”

Eles se moveram para nos cercar, mantendo uma distância segura.

“Ow, ow, ow...”

“Whew...”

Gourry e eu conseguimos nos levantar.

“Quem são vocês?” um dos soldados, aparentemente o capitão, nos perguntou.

Gourry acenou freneticamente com a mão e assegurou ao homem.

“Oh, não precisa se preocupar. Não queremos causar problemas.”

Não foi nada convincente, dada a lâmina nua em sua outra mão.

Esse cara, eu juro...

“Poderia deixá-los comigo, Capitão Lazeth?” perguntou uma voz do alto.

Todos nós olhamos para cima. Era o feiticeiro de antes, descendo ao chão com um sorriso frio no rosto.

“Kanzel, hein?” o capitão disse com uma carranca. Eles pareciam se conhecer, e não de uma forma lá muito afetuosa. “Este é um trabalho para o capitão da guarda real.”

“Deixe-o, Lazeth.” uma voz veio de outra direção.

Duas figuras se aproximavam do prédio principal do palácio. O primeiro era um cara bonito, com cerca de quarenta anos. É meio magricelo, com um ar um pouco efeminado, mas bonito mesmo assim (só não era meu tipo). Atrás vinha o que parecia ser uma versão mais jovem do mesmo cara, talvez seja seu filho. E, pra surpresa de ninguém, foi o mais velho dos dois que chamou o capitão.

“Ah... P-Porém...”

“Lazeth, como nos lembrou há pouco, você é o capitão da guarda real. Isso significa que segue meus comandos reais, não é?”

O capitão ficou em silêncio. Isso me disse duas coisas sobre o belo cavalheiro mais velho. Um, ele era um belo babaca mais velho. E dois, deve ser Christopher.

“Agora, se me permitir...” Kanzel disse, estendendo sua mão direita em nossa direção em preparação para lançar um feitiço. “Vou matá-los.”

O quêêêêê? Eu estava esperando algo como ‘capture-os e faça com que nos digam onde Sir Phil está’, contudo não! Estamos pulando direto para a pena de morte? Foi surpreendente até a mim. O Príncipe Bonito também parecia bem chocado.

“E-Espere um minuto! Kanzel! O que está...”

A luz já se concentrava na mão direita do feiticeiro. Porcaria, ele terminou aquele feitiço rápido demais!

“Morram!” gritou.

No instante em que a luz saiu da sua mão... Gourry e eu voamos mais uma vez!

Só pra que saiba, não estava sentada ali enquanto eles decidiam nosso destino. Passei o tempo de conversa deles em outro feitiço Lei Asa, então esperei pela oportunidade de liberá-la...

Kanzel não seria capaz de lançar uma segunda explosão a tempo. Nós já estávamos a caminho do portão oeste! Mas então...

Vrrm! Uma luz vermelha rasgou o céu noturno.

“Gwuh!” Gourry emitiu um grito abafado.

“O que aconteceu?”

“Minha perna... É só um arranhão, não se preocupe.” ele disse para me tranquilizar.

Para aquela luz vermelha ter perfurado minha barreira... Quem disparou era um feiticeiro forte e desagradável. Pude notar que Gourry estava sofrendo muito mais do que deixava transparecer. Esse foi um ataque poderoso.

“Não se preocupe. Vou te levar para casa logo.” falei enquanto me apressava.

———

“E foi assim que aconteceu.” terminei minha história enquanto colocava minha xícara de chá na mesa na manhã seguinte. Depois de escapar do palácio, passamos a noite na casa do Mestre Grey, onde este curou a perna de Gourry. “Fugimos em uma direção aleatória para despistá-los, e me certifiquei de que Gourry não estivesse deixando um rastro de sangue para nos seguirem.”

“Eu os causei tantos problemas. Sinto muito. Você até se feriu por minha causa...” Sir Phil se desculpou sinceramente.

“Não foi nada, sério.” Gourry respondeu, despreocupado.

Contudo, na verdade, foi um pouco penoso. Aquele raio mágico só roçou a perna de Gourry... No entanto o cortou até o osso. Fiquei feliz que o Mestre Grey fosse um poderoso médico mágico, porque não havia como meu feitiço de Recuperação sozinho consertar aquilo.

A propósito, éramos apenas nós quatro na casa naquele momento. Sylphiel seguia dormindo, e a esposa do Mestre Grey tinha ido às compras na cidade.

“Então aquele bonitão de meia-idade era Christopher, certo?” perguntei.

“Sim.” Sir Phil respondeu com um aceno firme. “Tenho certeza de que você pode ver a semelhança.”

Na verdade, nem um pouco, mas...

“E o jovem que se parecia com ele?”

“O filho de Chris, Alfred. Porém o verdadeiro problema é aquele sujeito, Kanzel... Chris disse que era um velho amigo, contudo sei que mentiu. Foi quando Chris o convidou para ficar no palácio que tudo começou.”

“Acha que Kanzel é quem dá as ordens aos assassinos?” perguntou Gourry.

“Talvez. Embora possa acreditar que Chris traria um homem assim para o palácio para promover suas ambições, e até mesmo tentar me matar... Para assassinar meus amigos e colegas? Não me importo se é meu irmão... Não, é porque é meu irmão que não posso perdoá-lo!”

“Então, e agora?” perguntei a Sir Phil. “Não pode se esconder aqui para sempre, e se quer provas dos seus planos, terá de voltar para o palácio. Não podemos só continuar entrando furtivamente lá todas as noites...”

“De fato, esse é o problema.” Sir Phil cruzou os braços, pensativo. “Sei que, em algum momento, devo voltar para casa e confrontar a situação de frente. Entretanto se voltar agora, vai pensar que me tem justo onde queria... E pode retomar seus ataques contra os meus servos. Isso significaria que todos os meus esforços foram em vão. Então, em vez disso, preciso esperar o momento certo e a oportunidade de retornar.”

Bang! Foi nesse momento que ouvimos a porta se abrir.

“Emergência!” gritou alguém.

Era a dona da casa, voltando das compras agitada. Ela correu para dentro, branca como um lençol.

“O que foi, Maria?” Mestre Grey perguntou apressadamente, trocando um olhar com Sir Phil.

“Eu estava na cidade e lá... Houve um anúncio do palácio. Disseram que, ontem à noite, Lorde Clophel foi contatado por supostos assassinos... E foi preso!”

“O quê?” o grupo inteiro gritou.

“Eles estão atribuindo os assassinatos recentes a Lorde Clophel. O Príncipe Christopher pretende puni-lo severamente...”

“Droga, Chris! Está apenas esperando que faça meu movimento...” Sir Phil bufou de frustração.

“Sinto muito. Se ao menos não tivéssemos sido pegos...” Gourry se desculpou.

“Não, não é sua culpa. Só significa que...” com um sorriso indomável, Sir Phil se levantou de seu assento. “É hora de agir!”

“Nesse caso...” Gourry começou.

“Acho que vamos nos juntar a vocês.” concluí enquanto ambos nos levantávamos.

Parecia que nossas ações tinham caído direto nas mãos do inimigo. Não era hora de nos virarmos e dizer, ‘Bem, nosso trabalho aqui está feito! Até mais!’.

“Obrigado.” disse Sir Phil com um aceno resoluto.

———

“Abram o portão! Philionel El Di Saillune retornou!” Sir Phil berrou.

Um dos guardas saltou com pressa pela porta da sentinela e então, com um rangido, o grande portão do palácio se abriu para dentro. Sir Phil entrou audaciosamente, com Gourry e eu seguindo atrás.

Sir Phil trajava túnicas de seda em camadas que eram elegantemente decoradas com bordados dourados e o brasão real. Era um visual bem elegante que, para ser honesta, não combinava nem um pouco com quem o usava. Como presente de despedida, Mestre Grey presenteou Gourry com algumas roupas largas de cânhamo, que usava sob sua habitual couraça de serpente de ferro e espada longa. Quanto a mim, levava uma túnica nova que comprei aqui na cidade, calças pretas e uma capa preta com alguns fios de mithril entrelaçados. E, além de tudo isso, tinha novas ombreiras adornadas com ouro, feitas de camadas de mithril e ossos de dragão raspados. Havia também minha bandana preta básica, espada curta e amuletos de joias em todos os lugares importantes para completar o visual.

“Quem são esses dois?” perguntou um dos soldados, mantendo um olhar fixo em nós dois.

“Aliados.” disse Sir Phil sem explicação e continuou a entrar no palácio. Todos os soldados gritaram quando o viram, reunindo-se em alegria.

“Sua Alteza!”

“Sua Alteza voltou!”

Pelo jeito, Sir Phil era muito querido por aqui.

“Hmm...?”

De repente, ele parou no meio do caminho, vendo alguém saindo do templo à frente. Era uma sacerdotisa.

“Ei, pai!” ela chamou, de forma um tanto casual para uma reunião emocionante.

Mas Gourry e eu paramos no meio do caminho. Deixe-me ser bem clara... Essa garota era incrivelmente adorável.

Tinha cerca da minha idade, com cabelos negros e sedosos cortados logo acima dos ombros. Seu rosto era infantil, com olhos grandes e redondos. Suas vestes de sacerdotisa eram grandes demais, porém isso apenas aumentava seu charme infantil.


Nem preciso dizer que não se parecia em nada com Sir Phil.

“Oh, Amelia! Estou tão feliz que você esteja bem!” ele disse, saudando-a.

“Claro que estou! Sabia que você também estava bem, pai!” respondeu a menina enquanto jogava os braços em volta do pai.

“Ei, não estava nem um pouco preocupada?”

“Ah, talvez um pouco. Contudo sei que a justiça sempre prevalece!” ela proclamou como uma revolucionária, abrindo os braços. Em seguida, lançou um olhar na minha direção. “Quem são essas pessoas?”

“Oh! Esta é Lina, e este é Gourry. São meus aliados.”

Vago, mas tudo bem. Era justo o tipo de coisa que esperava desse cara...

Sir Phil então se virou para nós com um leve encolher de ombros e disse.

“Esta é minha segunda filha, Amelia.”

“Segunda filha?” me peguei perguntando duvidosamente.

“Sim. Tenho uma filha mais velha chamada Gracia, no entanto ela está viajando e ainda não retornou.”

“Conhecendo-a, deve estar perdida.” Amelia disse com um sorriso.

Meu Deus, como essas pessoas podem estar tão relaxadas agora?

Sir Phil bagunçou o cabelo da senhorita Amelia e disse com afeto.

“Sei que todos os pais acham que suas filhas são, mas você é realmente linda. Igual ao seu pai.”

“Nem um pouco igual ao pai...” Gourry e eu murmuramos em uníssono.

“Prazer em conhecê-la!” ela disse, acenando para nós alegremente.

Sério, de onde diabos vem essa energia?

“Mu-Muito prazer...”

“O prazer é todo nosso...”

Depois que terminamos as gentilezas, a garota olhou ao redor e disse em um tom significativo.

“O tio está aqui.”

Olhei ao redor também e vi três figuras familiares vindo em nossa direção da entrada do templo. Tenho certeza de que não preciso soletrar, porém eram Christopher, seu filho Alfred e o feiticeiro Kanzel.

“Você está bem, irmão?” Christopher perguntou.

“Sim.” Sir Phil respondeu com uma expressão dolorida.

“Onde esteve todo esse tempo? Fiquei muito preocupado com seu desaparecimento.” Christopher continuou, se fazendo de bobo.

Sir Phil sabia que seu irmão era o responsável por tudo, e Chris sabia que Phil sabia. Toda essa farsa era uma zombaria da parte de Chris.

“E quem seriam esses dois companheiros seus?”

Ele provavelmente já sabia também. Nós mantivemos nossos rostos cobertos na noite passada, entretanto agora que Phil estava aparecendo com dois companheiros misteriosos... Com um pouco de percepção e imaginação, não era difícil fazer a conexão. Todavia, para a surpresa de todos, foi a senhorita Amelia quem falou por nós.

“Esses dois? São velhos amigos do meu pai.”

Até Christopher pareceu intimidado. Era uma mentira descarada, porém uma que o próprio usou antes. Não estava em posição de se opor ou fazer mais perguntas.

“E-Entendo.” ele conseguiu dizer.

“Lina Inverse e Gourry Gabriev.” Sir Phil apresentou.

“Ah, aquela Lina Inverse?” o feiticeiro Kanzel falou com interesse. Deve ter ouvido os muitos rumores sobre mim...

“Lembre-se do seu lugar, Kanzel.” Christopher repreendeu.

“Peço desculpas.” ele respondeu na hora, fazendo uma profunda reverência. Havia quase algo condescendente em sua atitude.

“Permita-me fazer o restante das apresentações.” disse a senhorita Amelia, virando-se para mim. “Este é meu amado tio, Christopher.”

A expressão de Christopher azedou ao ouvi-la.

“Este é meu primo, Alfred.” continuou. “E este é o velho amigo do meu tio, Mestre Kanzel. Todo esse problema começou logo depois que ele chegou. Todos nós nos sentimos muito mal com o inconveniente.”

Wow, ela... Estava mesmo brincando com fogo aqui, soletrando tudo assim com os soldados parados ali, assustados. Parece que eles já sabiam o que estava acontecendo, já que vários pareciam abertamente desconfortáveis ​​e vários outros estavam dando a Christopher olhares desconfiados.

“Ora, é um prazer conhecê-lo.” eu disse, brincando com a farsa e sorrindo para os três homens. Seria preciso muita coragem para deixar um bombardeio como esse passar despercebido, e Christopher não estava à altura da tarefa. Estava visivelmente suando.

“Estou feliz em vê-lo bem, irmão, contudo tenho negócios a tratar.” ele anunciou enquanto se virava.

No entanto Sir Phil não o deixaria escapar tão fácil.

“Espere, Chris!”

Twitch! Um arrepio percorreu seu corpo, e ele olhou de má vontade por cima do ombro.

“Sim?”

“Solte Clophel.”

“Não podemos fazer isso, infelizmente.” disse Christopher, recuperando seu sorriso.

“Parece que Clophel esteve em contato com os intrusos que invadiram o palácio ontem à noite. Agora acreditamos que esteja envolvido nos assassinatos recentes.”

“Não seja absurdo. Aqueles eram meus investigadores.”

“Inve...” Sir Phil respondeu de forma tão clara que Christopher ficou mudo por um instante. É provável que não esperasse uma declaração tão direta. (Na verdade, eu também não.) “Investigadores? O que... O que quer dizer?”

“Não posso revelar.” Sir Phil declarou com um sorriso malicioso.

Chris não disse mais nada. Qualquer especulação adicional de sua parte apenas lançaria suspeitas sobre si mesmo.

“Pedi aos meus investigadores que entregassem uma mensagem a Cloph ontem à noite. Na saída, encontraram outro grupo suspeito no gramado que quase os atingiu com uma labareda de fogo. Talvez fossem os verdadeiros assassinos?”

Chris ainda permaneceu em silêncio.

“Bem, você me ouviu. Solte Cloph agora.” Sir Phil reiterou.

“M-Mas...”

“Há mais a ser dito?”

“Isso é... Verdade?”

“Não preciso mentir para proteger Cloph. A menos que ache que sou eu quem está por trás dos assassinatos... É isso?”

“Ce-Certamente que não!” Christopher negou.

“Então não há motivo para reclamar. Vamos.”

“Oh, posso ajudar! Posso cuidar da papelada!” Amelia se ofereceu.

Sir Phil então se virou para nós e disse.

“Tenho alguns assuntos meio chatos para tratar. Imagino que só os iriam entediar, então por que não fazem um passeio turístico pelo palácio?”

Sério, cara? Você quer ir embora sem a gente? Certo, ele estava cercado por soldados agora, e era improvável que Chris tentasse qualquer coisa em plena luz do dia. Parecia que tinha menos influência aqui do que imaginei a princípio.

“Agora, vou precisar de alguém para te mostrar o lugar. Vamos ver...” Sir Phil refletiu, procurando um candidato.

“Posso fazê-lo, se me permitir.” disse Kanzel, dando um passo à frente.

Por um momento ficamos todos sem palavras. Ao contrário de Christopher, esse homem tinha uma astúcia real.

“Ah, claro! Seria maravilhoso!” concordei com um sorriso brilhante.

A verdadeira diversão estava apenas começando.

———

Subimos uma escada baixa feita de augita branca, passamos por um conjunto de portas grandes e nos encontramos em uma sala grande e abobadada. Vitrais coloridos retratavam a história da fundação do reino. Ornamentação requintada, nem muito chamativa nem muito simples, fazia o espaço parecer majestoso sem ser opressivo. Uma única faixa de carpete vermelho nos levou da porta ao altar.

“Este é um templo dedicado ao Dragão Chamejante Ceifeed. Disseram-me que eles realizam coroações aqui também.” explicou Kanzel, parecendo desinteressado. “Há dormitórios em ambos os lados do edifício. As sacerdotisas ficam alojadas à esquerda e os pequenos sacerdotes à direita. Não temos razão para visitar nenhum dos lugares.”

‘Pequenos sacerdotes’, hein? Você realmente tem coragem, amigo...

Nós três... Eu, Gourry e Kanzel, prosseguimos para dentro do templo.

“À nossa frente estão as entradas para as residências que lhe contei. E além daqui encontrará a passagem coberta que leva ao palácio principal.” continuou Kanzel.

Ele caminhava rapidamente, nos dando uma visão geral rápida e superficial do local. Suas explicações eram tão apressadas e superficiais que não tivemos espaço para fazer perguntas, muito menos tempo para parar e olhar para qualquer coisa.

Quando se nomeou para este trabalho, pensei que estivesse preparado para um confronto... Contudo Kanzel manteve sua hostilidade sob controle por enquanto. Fiquei um pouco desapontada, na verdade. Aqui estava eu, ansiosa por alguns ‘Eu sou muito forte, vocês deveriam fugir enquanto ainda podem’, uma boa e velha troca de farpas...

Ou esse cara estava apenas esperando que tocássemos no assunto primeiro? Enquanto pensava a respeito, entramos no corredor que se conectava ao palácio propriamente dito.

O tempo hoje estava ótimo. O céu estava azul brilhante e o sol agradavelmente quente... Se não fosse por todo o drama acontecendo ao nosso redor, teria sido um ótimo dia para me esticar na grama. No entanto, enquanto apreciava a paisagem, percebi que Kanzel agora andava rápido o suficiente para me deixar para trás. Saí do meu devaneio e acelerei o passo, mas... Que estranho. Não importava o quão rápido andasse, não conseguia alcançar Gourry e Kanzel. Na verdade, os dois só pareciam se afastar cada vez mais. Suas figuras se afastaram de mim, ficando cada vez menores até que pareciam formigas... Então desapareceram por completo.

Caí sob o feitiço do inimigo.

***

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