Capítulo 19
Yagishita passou por Tóquio quando voltava de Hokkaido e ligou para Asai no ministério. Asai havia deixado uma mensagem para ele na filial de Tóquio de sua companhia.
— Estou de volta. — disse Yagishita, tossindo. — Estava congelando lá em cima; peguei um resfriado. De qualquer forma, me disseram que você ligou.
Sua voz estava mais grave do que nunca.
— Não é nada importante, mas eu gostaria de encontrá-lo para jantar hoje à noite, se estiver livre. Que tal?
— Não vejo por que não. Devo levar alguém do nosso escritório?
— Não, não. Só nós dois. Tenho um favor que quero lhe pedir.
— Certo. Entendi.
Normalmente era Yagishita quem fazia o papel de anfitrião, porém dessa vez Asai convidou o outro homem para acompanhá-lo, então teve de preparar todos os arranjos.
Os dois se encontraram em um café em Shinjuku às seis da tarde. Yagishita estava tossindo e constantemente limpando o nariz.
— Ainda havia neve no chão em Hokkaido. Fomos às fontes termais em Noboribetsu. A água estava quente, claro, só que peguei um resfriado quando saí.
— Por que escolheu Hokkaido nesta época do ano?
— Todo mundo foi para Shirahama ou Atami. Apesar do clima, pensei que seria melhor viajar um pouco mais longe. Meus hóspedes ficaram impressionados por poderem sentar nos banhos ao ar livre na neve, contudo o frio foi bem pior do que eu imaginei. Mesmo assim, as pousadas eram muito silenciosas e o serviço foi ótimo.
Então Yagishita escolheu Hokkaido porque Shirahama ou Atami não eram luxuosas o suficiente para seus hóspedes, contudo foi deliberadamente na baixa temporada para economizar dinheiro na acomodação. Asai lembrou de sua reclamação anterior de que não podia se dar ao luxo de oferecer brindes caros para seus vendedores de salsicha e presunto, ainda mais quando comparado com o tour da Kurosaki Maquinária pelo Sudeste Asiático.
Não podia pedir um favor em troca de uma única xícara de café, então Asai levou seu convidado a um restaurante próximo especializado na culinária do nordeste do Japão. Era um lugar simples; do tipo com bancos em vez de cadeiras. O balcão se encontrava vazio, embora Asai escolheu a mesa no canto mais distante. Eles pediram saquê e uma especialidade regional, um hotpot estilo Shottsuru feito com peixe salgado e fermentado. Essa refeição simples era tudo o que as regras permitiam que um funcionário público oferecesse a um empresário visitante, todavia o caldo quente acabou sendo a coisa certa para Yagishita com seu resfriado.
Enquanto bebiam e conversavam, Asai se perguntou qual seria o melhor momento para abordar o assunto. Não conseguiu tocar no assunto de imediato. Pensou no que dizer, mas o conteúdo era muito diferente das coisas habituais sobre as quais falava com Yagishita, então sentiu-se muito consciente de que teria que ter cuidado com suas palavras para evitar despertar as suspeitas do outro homem.
Cerca de uma hora se passou. Yagishita também parecia preocupado com o que quer que fosse esse ‘pequeno favor’ que Asai queria pedir. Seria melhor não esperar muito tempo; seria mais difícil conversar quando o restaurante estivesse cheio de clientes.
— Então, Sr. Yagishita, você mencionou outro dia que estava em bons termos com o diretor administrativo da Kurosaki.
Asai tomou cuidado para fazer a pergunta soar como a progressão natural da conversa deles. Yagishita assentiu e abaixou seu copo de saquê.
— Sim, é isso mesmo. Eu o conheço. Na verdade, é um amigo meu. É o irmão mais novo da esposa do presidente e um empresário astuto.
— Tenho algo que preciso perguntar a ele, porém é um pouco delicado, e queria saber se poderia fazê-lo por mim?
— Que tipo de coisa?
— Bem, veja bem, é um pedido que me foi passado por outra pessoa... Alguém com quem estou conectado no trabalho. Não é algo que possa recusar, infelizmente. Você consegue ver em que tipo de posição estou?
Asai deixou seu amigo imaginar por um momento.
— Sim, entendo. — disse Yagishita, com um aceno de cabeça. — Sendo veterano nisso, todo mundo está te pedindo para fazer favores para eles. Deve estar vindo de todos os lados.
Ficou evidente que Yagishita tinha em mente um dos chefes de Asai ou alguém muito proeminente no mundo dos negócios.
— Sim, é basicamente isso. Contudo é difícil ser um veterano quando ainda se é apenas um funcionário mesquinho.
— Não, não é o que estou dizendo. — disse Yagishita com pressa, consciente de que poderia ter cometido uma gafe. — Estou falando sobre como você tem sido um poder influente por um bom tempo. Não leve a mal.
— Não se preocupe. — respondeu Asai bem-humorado e serviu outra xícara de saquê para Yagishita. — De qualquer forma, todos nós temos nossas obrigações.
— Entendo. Obrigado. Bom, e o que posso perguntar a Yada por você? Yada, esse é o diretor administrativo da Kurosaki.
— Certo, bem... Essa é a situação. Por várias razões, não posso revelar o nome da pessoa que me passou essa solicitação. Lembra de quando me contou como a Kurosaki convidou alguns dos nomes influentes da cooperativa para uma excursão pelo Sudeste Asiático no final de março? Suponho que os participantes já tenham sido escolhidos.
— Sim, devem ter sido, se vão tão cedo. É uma viagem ao exterior, então há passaportes e coisas que precisam ser preparadas.
— Sim, suponho que sim.
— E então?
Asai respirou fundo.
— Bem, a pessoa em questão quer saber se os nomes Akiharu Kido e Jiro Haruta de Nagano estão na lista de participantes ou não.
— Não posso te dizer isso de cabeça, no entanto posso perguntar a Yada. Devo conseguir um retorno em pouco tempo. Se quiser, posso ligar agora mesmo. — Yagishita se endireitou e olhou para o relógio. — Ah, não, desculpe. É tarde demais. Ele já deve ter ido para casa.
— Não se preocupe. Não é tão urgente.
— Sério? Tudo bem então. Amanhã está bom?
— Amanhã está ótimo. Entretanto lamento dizer que tenho mais um pedido. Este não é tão fácil.
— O que é?
Asai precisou de um momento para reunir coragem e tomou um longo gole de seu copo de saquê.
— Certo, bem, é muito chato ter sido perguntado sobre isso, mas posso muito bem dizer. Se Kido e Haruta ainda não estão na lista, há alguma maneira de você fazer a Kurosaki adicioná-los a ela?
— Adicioná-los? — Yagishita tossiu surpreso. Seu tom denotava relutância, porém Asai estava preparado para sua reação.
— É claro que essa pessoa... Quero dizer, o homem que me pediu esse favor... Está preparado para pagar o custo total da viagem desses dois indivíduos. — ele se apressou em explicar. — Ele não quer incomodar a Kurosaki Maquinária, embora ficaria muito grato se pudessem ser incluídos no grupo turístico.
— Se pagar os custos sozinho, então pode ser possível. — Yagishita admitiu. — Contudo o que diabos é tudo isso? Quero dizer, o que essa pessoa está pensando?
— Sim, tentei perguntá-lo a mesma coisa, e parece ser tão simples quanto querer que os dois aproveitem uma viagem ao exterior. Pode haver algum tipo de obrigação envolvida, mas eu realmente não sei muito a respeito. Viagens individuais são bem caras, no entanto custam apenas metade do valor para se juntar a um grupo turístico. Imagino que deve ter percebido.
— Sim, entendo. Para economizar em custos, a melhor coisa é levá-los em um passeio. Entendi.
As raízes de Yagishita como um empresário de Kansai significavam que economia era algo que entendia muito bem.
— A turnê da Kurosaki vai durar seis noites e sete dias e passar por Hong Kong, Macau e Taiwan.
Asai obteve essa informação ligando para a sede da União Nacional de Cooperativas Agrícolas e usando um nome falso. A turnê sairia do Aeroporto de Haneda em 31 de março e retornaria na noite de 6 de abril. Os dois homens não voltariam para Nagano até o dia 7, depois que a turnê de palestras de Asai tivesse terminado.
— Sobre as despesas: acredito que chegará a cerca de 170.000 ou 180.000 ienes por pessoa, o que dá 350.000 ou 360.000 para os dois. Se o plano receber o sinal verde da Kurosaki Maquinária, fui autorizado a entregar o dinheiro integralmente em seguida.
— Ei, ei, só um minuto. Não posso lhe dizer nada até ter a chance de falar com o Sr. Yada.
— Claro que não.
— E se esse Sr. Kido e o Sr. Haruta já estiverem na lista, não precisamos nos preocupar com tudo, precisamos?
— Claro.
Asai pensou em como seria perfeito se os dois estivessem na excursão: 350.000 ou 360.000 ienes era uma boa quantia de dinheiro. Entretanto estava disposto a pagar para salvar sua própria vida. Sua situação era tal que estava disposto a usar suas economias e conseguir algo próximo de 400.000 ienes. Por outro lado, se os dois homens já estivessem participando do passeio, sairia sem pagar um iene. Quando colocava dessa forma, desembolsar tanto dinheiro era uma coisa louca de se fazer. Era um esquema ridiculamente complicado só para tirar esses dois homens do caminho durante a semana de sua série de palestras.
— Mas uma coisa, Sr. Asai. A Kurosaki Maquinária passou por um processo de seleção muito rigoroso entre as cooperativas da região de Koshinetsu para escolher os participantes. As pessoas que escolheram no final devem ser alguns nomes bem grandes.
Asai considerou esse ponto. Nenhum dos homens que o levaram parecia influente na política da agricultura. O mais jovem em particular, esse Jiro Haruta, não estaria na lista de convidados. Asai sabia que teria que pagar. Se tivesse sorte, Akiharu Kido poderia estar na lista, e então isso lhe custaria apenas metade.
Naquela época, o que o fez entrar no carro deles? Se tivesse apenas recusado, não estaria nessa situação agora. Mais precisamente, por que aquele maldito carro tinha que estar viajando naquele trecho específico da estrada naquele momento da noite?
Asai se surpreendeu ao apertar seu copo de saquê com tanta força que quase quebrou em suas mãos. Ele se sentiu muito agitado de repente.
Yagishita prometeu visitar a sede da Kurosaki Maquinária em Tóquio no dia seguinte para descobrir se os dois homens estavam inscritos para o passeio. Se não estivessem, prometeu encontrar algum pretexto para que fossem adicionados à lista pelo diretor administrativo.
— Obrigado pela compreensão. Espero poder contar com sua discrição. É vital que ninguém saiba que o pedido veio de mim, caso contrário, ficarei em uma posição muito embaraçosa no trabalho. Se alguém começar a investigar, pode causar todo tipo de problema para a pessoa em questão. Sei que pode parecer que estou exagerando, contudo preciso mesmo que mantenha tudo em segredo.
Yagishita tossiu de novo e deu um tapinha tranquilizador no ombro de Asai.
— Considere feito. Sei que está em uma posição difícil. Já estou em dívida com você e sei que também precisarei do seu apoio no futuro. Você tem minha palavra, não direi a ninguém de onde o pedido veio. Pode contar comigo, Yada é meu amigo e entenderá a situação.
Asai ficou um pouco perturbado ao ver que Yagishita já estava bastante bêbado.
Yagishita ligou na tarde seguinte.
— Sr. Asai, o que conversamos ontem à noite... Fui ver meu amigo e descobri que nenhuma das duas pessoas que discutimos estava na lista.
Sua voz soou nasalada. Pelo jeito, seu resfriado não havia melhorado.
— Achei que poderia ser esse o caso.
Asai estava muito consciente de seus colegas sentados por perto, contudo ainda não conseguia esconder por completo seu choque. Era como uma espada em seu coração. Sem que percebesse, esperava por notícias melhores. Agora tinha que se recompor e esperar pela resposta ao seu próximo pedido. Não importava se lhe custaria 400.000 ou mesmo 500.000 ienes. Não precisava pedir emprestado; ele tinha o dinheiro ali em sua conta. Era quase como se tivesse economizado na expectativa dessa mesma eventualidade. Sentiu o calor subir em seu corpo; suas costas estavam queimando. Precisava ouvir o resultado das negociações de Yagishita o mais rápido possível.
— Você está pronto? Vou manter as coisas simples. — continuou Yagishita, aparentemente consciente do ambiente ao redor do amigo. — O Sr. Yada concordou.
Asai não conseguia falar. O chefe da divisão estava distante de sua mesa e não tinha muito medo de que os outros gerentes e funcionários juniores por perto pudessem ouvir, então deve ter sido o alívio avassalador que tomou conta de sua voz.
— Yada disse que estava tudo resolvido, no entanto... Sem mencionar você, Sr. Asai, consegui inventar algum pretexto para incluí-los. Yada disse que, como era eu, garantiria que ambos participassem do passeio.
— Muito obrigado por isso.
— Yada verificou as listas de todas as cooperativas agrícolas da Prefeitura de Nagano. Parece que Akiharu Kido e Jiro Haruta são membros da filial de Fujimi. Está correto?
— Sim, está sim.
Asai sentiu sua testa suar. Havia uma pulsação na parte de trás de sua cabeça.
— Ok, Yada está trabalhando para colocá-los na viagem. Sobre o dinheiro, paguei a ele por enquanto. Deu cerca de 180.000 cada. Pode levar o tempo que quiser para me pagar de volta. Eu passo e pego um dia desses.
— Mas...
— É complicado. Vamos deixar assim por enquanto. Nós resolveremos isso na próxima vez que nos encontrarmos. Há mais alguma coisa que você precise saber por enquanto?
— Nada em particular.
— Só para deixar bem claro: posso garantir que nunca mencionei seu nome. Pode ficar tranquilo. Os dois homens e todos ao redor deles pensarão que foi a Kurosaki Maquinária que enviou o convite. Se isso é tudo, então vou desligar agora.
Talvez o resfriado de Yagishita tenha mudado seu tom de alguma forma, todavia a voz do outro homem deixou um eco agradável no ouvido de Asai.
Naquela noite, Asai se sentiu mais em paz do que há muito tempo. A crise havia sido evitada; agora poderia partir para a Prefeitura de Nagano em sua turnê de palestras sem medo algum. Se completasse essa tarefa, nunca mais seria obrigado a ir para lá. Ou se tivesse que retornar, seria pelo menos daqui a dez anos. O que significava nunca. Ninguém acharia estranho se recusasse um pedido daqui a tantos anos.
Os 360.000 ienes que Yagishita pagou à Kurosaki Maquinária em seu nome, Asai pretendia pagar integralmente na próxima vez que viesse a Tóquio. Havia uma chance de que o outro homem lhe dissesse que estava tudo bem e que não se incomodasse em devolver o dinheiro, porém Yagishita era do tipo que espera um retorno sobre seus investimentos. Asai começou mais uma vez a ver 360.000 ienes como uma despesa enorme, contudo estava determinado a pagar tudo de volta, não importa o que Yagishita dissesse. Se não fosse meticuloso com suas finanças, quem sabe o que poderia acontecer com você mais tarde?
Asai adormeceu e acordou abruptamente no meio da noite. Ele tinha se acostumado a dormir sozinho, então não era esse o motivo. Talvez fossem os nervos, no entanto mesmo quando dormia, um mal-estar se alastrava em sua mente que às vezes se manifestava em imagens aterrorizantes. Seus olhos se abriam de repente e não conseguia mais dormir.
Se Akiharu Kido e Jiro Haruta fossem incluídos de repente na viagem ao Sudeste Asiático, todos em Fujimi não se perguntariam por quê? A imaginação correria solta tentando adivinhar quais circunstâncias teriam persuadido Kurosaki a adicionar esses dois homens à rigorosa lista pré-selecionada de nomes. E alguém não suspeitaria em algum momento que tinha algo a ver com a noite do assassinato, quando esses mesmos homens pegaram um estranho misterioso na rodovia da prefeitura?
Droga! E se isso se tornasse o assunto do dia outra vez em Fujimi, levando a mais uma investigação policial?
Asai acreditava que tinha bolado um plano brilhante, mas agora percebeu o quão estúpido era. Estava tão obcecado em tirar aqueles dois do caminho para poder dar suas palestras em Nagano que falhou em considerar qual seria a reação do povo local. Com o estômago embrulhado, ele se sentou em seu futon.
Deveria ligar para Yagishita logo de manhã e cancelar tudo? Se entrasse em contato o quanto antes, Kido e Haruta ainda não teriam sido avisados. Havia tempo para abortar o plano.
Porém assim que decidiu sobre esse curso de ação, percebeu que seria ainda mais perigoso. Fazer um pedido, cancelá-lo... Tanto Yagishita quanto a Kurosaki iriam se perguntar o que estava acontecendo. Nunca havia explicado corretamente por que fazia o pedido, então um cancelamento repentino agora pareceria muito mais suspeito.
Asai não conseguia ficar parado. Sua mente estava tão confusa que pensou que enlouqueceria.
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