Capítulo 18: Por que eles estão atrás de mim? O que eu fiz?
Virei-me, mas tudo o que pude ver, tanto na minha frente quanto atrás de mim, foi um corredor vazio. Nenhum sinal do templo de onde viemos ou do palácio para onde estávamos indo. O espaço havia se distorcido... Pelo menos, era o que parecia.
Porém... Seria possível? A magia de invocação funcionava alterando as relações espaciais para transportar uma criatura distante para a localização do conjurador, então, em teoria, deveria ser factível... De qualquer forma, teria que fazer alguns testes.
Não havia parede ou corrimão em nenhum dos lados da passagem coberta. O teto era sustentado por pilares de mármore espaçados de maneira uniforme, além dos quais se estendia a grama verde do jardim. Decidi tentar entrar no pátio para ver o que aconteceria. Esperava que o corredor não desaparecesse completamente e me jogasse no meio de um campo vazio, contudo...
“Vamos lá!” falei para ninguém em particular.
Com essa deixa, saí para o jardim... Uma sensação de vertigem tomou conta de mim, então me vi de volta no meio do corredor.
“Ah. Imaginei.”
Qual é o próximo passo, agora? É provável que não haja nada de extraordinário na arquitetura original, nesse caso...
Enquanto organizava meus pensamentos, comecei a ouvir passos pesados se aproximando de uma boa distância pelo corredor. Sim, claro... Quem quer que tenha me trazido tão gentilmente aqui com certeza queria que eu enfrentasse o que quer que estivesse trovejando para cá.
Não conseguia ver o que era ainda, no entanto dado que parecia uma manada de cavalos galopando, deixa bem claro que não estavam vindo para uma conversa agradável tomando chá. Peço desculpas ao meu ‘anfitrião’, entretanto eu iria me retirar se pudesse.
A questão era... Eu posso? Comecei a entoar um feitiço básico de invocação. Era para gárgulas, mas alterando um pouco o encantamento, poderia invocar todos os tipos de coisas. Uma pessoa poderia alterar feitiços de todas as maneiras se entendesse de verdade a estrutura e o significado do encantamento.
Os passos pesados se aproximavam enquanto entoava... Lancei meu feitiço assim que terminei. Um pequeno pássaro branco apareceu diante dos meus olhos e bateu as asas, voando para o céu azul do lado de fora do corredor.
“Ei, uma pomba.” Gourry comentou.
De repente, me encontrei de volta no corredor original com Gourry e Kanzel um pouco à minha frente.
“Parece que funcionou.” falei, correndo para me juntar a eles.
“O que aconteceu?” Gourry perguntou.
“Nada.” respondi.
Posso te contar o que realmente aconteceu, porém tenha paciência comigo, porque é um pouco difícil de explicar. Ao invocar uma pomba normal, coloquei a realidade temporal em contato com o mundo ilusório onde estava presa. E, vejam só, a estabilidade da realidade... Em outras palavras, sua capacidade de se afirmar sobre versões distorcidas de si mesma, venceu na luta pelo domínio.
Pelo menos, é o que acho. Em termos mais simples, o feitiço era instável e estourou como uma bolha quando o conectei ao mundo real.
“Isso foi muito impressionante, Mestre Kanzel.” eu disse em um tom alegre e descompassado.
“Do que você está falando?” ele perguntou, impassível.
E assim começou nossa estadia no palácio real.
———
Fiquei deitada inquieta na cama, ouvindo os sons de insetos no vento noturno. Recebi acomodações não muito longe dos aposentos pessoais de Sir Phil, e Gourry foi hospedado no quarto bem ao lado do meu. Se algo acontecesse com Sir Phil, seríamos os primeiros a saber e poderíamos responder na hora.
Oficialmente, esse era o trabalho da guarda real. Nós éramos guarda-costas contratados por Sir Phil e tudo mais, contudo ainda que apenas para manter as aparências, seguíamos sendo hóspedes no palácio. À noite, os guardas cuidavam da segurança e eu, em teoria, deveria ser capaz de relaxar e ter uma boa noite de sono, no entanto...
Por algum motivo, apesar da exaustão do dia, o sono apenas não vinha. Minha cama era bastante confortável, o que significava que era meu instinto habitual para problemas surgindo. Haveria um ataque noturno? Provável...
Enquanto sonhava casualmente com o perigo, olhei para o luar que entrava por entre as persianas. Nesse momento, me apressei em me levantar. Algo bloqueava o luar, e não era uma nuvem. Não, alguém estava parado do lado de fora da minha janela... Minha janela sem varanda, no terceiro andar.
No momento seguinte, duas coisas aconteceram ao mesmo tempo: peguei minha espada e saltei para fora da cama, e uma lâmina rasgou a fresta da janela, partindo a barra que a mantinha fechada. Whoosh! A janela se abriu e o ar da noite entrou. Uma figura pairava do lado de fora no ar, como uma mancha preta contra o céu estrelado.
“Quarto errado, talvez?” murmurei para mim mesma enquanto formulava um plano em minha cabeça.
O assassino deslizou pela janela e, sem fazer barulho, pisou no chão. Tudo, exceto seus olhos, estava envolto em preto, me impedindo de ler sua expressão. Mal conseguia sentir sua presença. Ele tinha que ser bem habilidoso...
“Entrar escondido no quarto de uma mulher no meio da noite... Você deveria pelo menos se apresentar primeiro, sabia?” provoquei.
“Zuma.” ele respondeu prontamente.
Fiquei um pouco surpresa. Isso me deixou um tanto perdida sobre como responder a princípio.
“Olha só... Não é que deu mesmo o nome. Que assassino educado!”
“Sempre dou meu nome. Para meus empregadores... E para minhas futuras vítimas.”
Sua ameaça foi seguida com uma investida. Tinha uma parede atrás de mim e uma mesa de cabeceira logo à minha esquerda. Esse cara já devia saber que meu único caminho de fuga era para a direita, e não tive tempo para terminar de elaborar um plano adequado. Minha única opção foi pular na cama como um mergulhador na água. No instante seguinte, me apressei em me endireitar e comecei a recitar um rápido feitiço. No momento em que Zuma me viu me mover, girou seu corpo no ar, chutou a parede e voou em minha direção.
Consegui desviar do golpe, mas percebi no processo que Zuma também estava entoando. Com base no ritmo, não parecia um feitiço de ataque... Eu teria a vantagem em um duelo de conjuração, porém esse cara era claramente melhor em combate corpo a corpo.
Ele deslizou por uma cutilada da minha espada curta e se aproximou de mim desarmado. Por mais que odeie admitir, se tivesse uma lâmina na mão, ou se eu não tivesse, teria sido o meu fim.
Só havia o pálido luar da janela para iluminar o quarto, e era difícil me distanciar do meu suposto assassino. Pensei em acertá-lo com o feitiço de ataque que estive entoando e, se não o derrubasse, o atingiria com um feitiço de Iluminação. Assim conseguiria algo para ver e talvez fritasse as retinas do cara em um especial de dois por um.
Contudo veio então uma batida na porta...
“Lina! O que foi?”
“Gourry!”
Ele deve ter percebido que havia algo errado e veio correndo. Por desgraça, tranquei a porta por dentro. Era um hábito pessoal, um que podia custar minha vida dessa vez. Não tinha um momento livre para ir até lá e destrancá-la. Só teria que aguentar até Gourry arrombar a porta e vir me resgatar.
“Bram Blazer!”
Disparei uma rajada de luz, que Zuma desviou sem dificuldade antes que voasse pela janela e desaparecesse na noite.
“Nevoeiro Negro...” ele então murmurou.
Instantaneamente... Fssst! A escuridão nos consumiu.
“O quê?” gritei em pânico.
Toda a luz havia desaparecido do quarto. Eu não conseguia ver nada. Ainda assim, sabia que era melhor não ficar parada no lugar. Comecei a me mover e a entoar.
“Iluminação!”
Senti o feitiço brotar da minha mão estendida... No entanto foi tudo. Nenhum clarão, nada. Parecia que o feitiço de Zuma não tinha apenas escondido a luz no quarto, como na verdade produzido uma névoa espessa e negra... Talvez até a própria escuridão.
Não conseguia ver ou sentir Zuma em lugar nenhum. Ele não havia se retirado, estava apenas se escondendo. Aposto que também não conseguia me ver nessas circunstâncias... Entretanto ele sem dúvida teria mais facilidade em me sentir do que o contrário.
De repente, senti uma sensação fria percorrer minhas costas. Por instinto, recuei e balancei minha espada. Uma mão agarrou minha garganta...
Crack! Houve um som úmido, uma pontada de agonia e um chiado na minha garganta. Então ouvi a porta ceder.
“Lina!” Gourry chamou. “O-O que...”
O quarto escuro o fez parar por um momento, mas ele deve ter sentido minha presença, porque chegou ao meu lado em um piscar de olhos, segurando meu braço.
“Tudo bem, Lina?”
Não disse nada. Apenas enterrei meu rosto em seu peito.
“Ei, está tudo bem agora. Acho que ele fugiu, então... Ei, Lina, você está mesmo bem?”
Não conseguia responder. A dor da minha traqueia esmaga por Zuma enfim me alcançava.
“Testando. Um, dois, três. Testando... Olá, olá. Eu sou Lina Inverse.”
O quê? Não olhe para mim assim. Não perdi a cabeça nem nada. Só me certificava de que minha voz seguia funcional.
Depois que Zuma fugiu, Gourry relatou o incidente a um dos vigias noturnos e me acompanhou até um médico mágico no templo. O cara foi um verdadeiro guerreiro por ter sido acordado em uma hora tão ímpia para o trabalho, e também fez um ótimo trabalho consertando minha garganta. Nós agradecemos e nos despedimos depois.
“Mas... Por que um assassino veio atrás de você?” Gourry murmurou enquanto caminhávamos pelo corredor do templo de volta ao palácio.
“Quem sabe? Você pensaria que eles estariam atrás de Sir Phil. Duvido que tenha sido um simples caso de ‘errei de quarto’...”
“Acha que talvez seja... Sabe?”
“O quê?”
“Uma situação do tipo ‘amor à primeira vista’?”
“Sim, claro. Talvez.”
“Sabe... Quando ignora minha provocação assim, é meio decepcionante.”
Ignorei isso também e continuei
“Talvez fosse uma distração de algum tipo. Poderia me atacar, fazer um alvoroço, alertar todos os guardas... E depois a força real poderia atacar Sir Phil. Parece que os guardas perceberam, já que nenhum deixou seus postos.”
“Hmm... Não sei.” Gourry disse, cético.
“O quê?”
“Quando você estava sendo atacada, não senti mais ninguém por perto.”
Cantarolei para mim mesma pensativamente. A habilidade quase animalesca de Gourry de sentir a presença de outras pessoas nunca nos enganou. Se diz que não foi uma distração, não tinha escolha a não ser acreditar.
Olhando para o palácio do corredor, podíamos ver que a segurança estava tão rígida quanto na noite em que entramos pela primeira vez. Para se infiltrar no meu quarto, Zuma teria que matar alguns dos vigias noturnos sem que os outros percebessem. Entretanto a questão ainda permanecia... Por quê?
———
“Bom dia...” chamei, fazendo um leve aceno para Lorde Clophel e a senhorita Amelia enquanto tomavam chá no jardim.
Estava muita sonolenta. Depois do ataque da noite passada, comecei a me perguntar... Se o inimigo não estava de fato atrás de mim, havia algo no meu quarto que queriam? Gourry e eu tínhamos ficado acordados até o amanhecer vasculhando o lugar, contudo a piada ficou por nossa conta. Não encontramos nada.
Em retrospecto, o quarto em que estou hospedada estava vago até minha chegada ontem. Se alguém o estivesse usando para alguma coisa, tenho certeza que teriam limpado antes de eu me acomodar.
“Bom dia, senhora Lina! Parece que você teve uma noite difícil!” senhorita Amelia acenou enquanto tomava um gole de seu chá.
Pelo visto já tinha ouvido as notícias. Ela era amigável e alegre quase ao extremo, no entanto estava sempre atenta.
“Venha, junte-se a nós! Sente-se.” acenou. Obedeci e sentei na cadeira em frente a senhorita Amelia enquanto Lorde Clophel me servia. “O Mestre Gourry está com meu pai?”
“Sim.” respondi, tomando um gole de chá excepcionalmente doce.
Gourry fazia o trabalho de guarda-costas, mas não fiquei apenas relaxando. Evitei o assassinato uma vez, porém sabia que as coisas não acabariam até que cortasse o problema pela raiz. Sempre podia esperar até o próximo ataque, então pegar meu suposto assassino e fazê-lo falar... Apesar de não ser o meu estilo espera.
Em vez disso, decidi sair por aí fazendo perguntas. Isso deveria pressionar o inimigo e talvez até me rendesse alguma informação útil. Também havia a possibilidade de que pudesse pintar um alvo gigante nas minhas costas, contudo se chegasse a tal ponto, só teria de recorrer ao plano de capturar e questionar quem ousasse vir atrás de mim. Claro, seria um pouco complicado se fosse aquele Zuma outra vez...
Mesmo assim, proteger Sir Phil seguia sendo a nossa prioridade. Gourry e eu não podíamos deixá-lo e sair por aí procurando informações, foi por essa razão que deixei o serviço de guarda para meu companheiro loiro enquanto segui trabalhando.
“Estou curiosa para saber o que de fato está acontecendo aqui.” senhorita Amelia refletiu enquanto despejava mais açúcar em sua xícara de chá depois que Lorde Clophel a encheu de novo. “O ataque ao seu quarto ontem à noite foi comentado no café da manhã, e o tio Christopher parecia bem abalado.”
“Chris… Sir Christopher reagiu assim? Sério?”
Fiquei franzindo a testa. Se era quem estava puxando as cordas, por que ficaria surpreso ao saber que fui atacada?
“Não acha que pode estar apenas fingindo?”
“Não. Reconheço uma cena quando vejo uma, e aquilo não foi uma encenação. Ele parou de comer e saiu furioso.”
“Entendo...” respondi, tomando outro gole de chá.
A noite passada foi obra de um dos subordinados de Christopher (talvez Kanzel) agindo por conta própria? Se a cadeia de comando do inimigo estava ruindo, esta seria uma boa oportunidade para nós. O filho de Christopher também valia a pena investigar. Ainda não tinha certeza de onde se encaixava em toda essa situação, entretanto tinha que me perguntar se poderia obter alguma informação a seu respeito.
“Então, senhorita Amelia, pode me falar sobre seu primo Alfred?”
“Você quer saber sobre o Alfred?” ela perguntou com um sorriso travesso. “Por que não pergunta a ele você mesma?”
“De fato. Ficarei feliz em responder a qualquer uma de suas perguntas.” disse uma voz atrás de mim.
Me virei surpresa e encontrei Alfred parado ali. Quando havia chegado?
“Posso me juntar a vocês?” ele perguntou, mesmo enquanto se sentava à minha esquerda. Então afastou o cabelo para trás de forma teatral enquanto se virava para mim. “Agora, o que foi, minha querida? O que queria saber sobre mim?”
Tenho que dizer, parecia uma cantada. E tudo bem, talvez cinco em cada dez mulheres na rua cairiam na tentação de um cara como esse, contudo minha avaliação do seu tipo era simples: cronicamente obcecado por si mesmo. Homem ou mulher, nunca fui fã. Seria uma coisa em um relacionamento superficial ou se as coisas ao redor do castelo não fossem tão sombrias... No entanto, sempre que há problemas, esse tipo tende a se ver como o protagonista de alguma tragédia e culpar o ‘destino cruel’ em vez de se envolver em uma autorreflexão significativa sobre como chegou lá.
Essas pessoas não demoravam a se tornar déspotas quando recebiam autoridade. Claro, com um pouco de indulgência, elas também eram fáceis de manipular...
“Esperava poder perguntar sua opinião sobre a situação.” perguntei num tom educado.
“Você é uma coisinha direta, não é?” seu olhar vagou em volta, despreocupado, um sorriso irônico nos lábios. “Para ser honesto, não gosto do que está acontecendo, ainda que seja obra do meu próprio pai...”
Whoa, cara! Tem certeza de que deveria só deixar isso escapar? Foi uma declaração tão chocante que Lorde Clophel e eu olhamos em volta em pânico. Parecia que éramos os únicos que a ouvimos, mas ainda assim...
“Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso está ciente. E daí?” senhorita Amelia perguntou, movendo as coisas num ritmo mais suave.
“Não sou o tipo de pessoa que dá desculpas, porém tentei convencer meu pai a não o fazer inúmeras vezes. Contudo não importa o que diga, ele insiste que é ‘pela nação’! À sua maneira, pode estar de verdade pensando no reino, no entanto... Não posso aprovar seus métodos. Claro, também não posso apenas denunciar meu próprio pai... Amelia!” Alfred exclamou, de repente agarrando suas mãos. “Preciso te pedir o favor de uma vida! Por favor... Poderia providenciar para que o tio Phil e meu pai conversem sobre as coisas? Tenho certeza de que se os dois pudessem ter uma conversa franca sem nenhuma interferência, meu pai veria a luz!”
Alfred olhou seriamente em seus olhos. Não parecia uma encenação, embora não pudesse ter certeza...
Bem? O que acha, senhorita Amelia?
“Deixe-me pensar...” ela disse após uma longa pausa. “Ok. Vou falar com meu pai.”
“Oh, obrigado, Amelia!” Alfred se levantou e a abraçou gentilmente. “Vou propor a ideia ao meu pai agora mesmo!”
Com essa deixa, ele correu direto de volta para o palácio. O silêncio pairou sobre a mesa de chá por um tempo.
“Então, o que você acha que foi tudo isso, senhorita Amelia?” perguntei enfim.
“Não sei bem...” ela respondeu com um sorriso vago. “No mínimo, significa que algo está prestes a acontecer.”
Essa foi uma declaração um tanto distante...
“Mas ainda assim...” continuou, sua expressão inalterada. “Odeio de verdade não poder confiar na minha própria família.”
Essas palavras foram ditas de forma leviana, mas... Tinha certeza de que vi uma tristeza terrível em seus olhos.
———
“Ahh, estou exausta.” suspirei enquanto me jogava na cama.
“Ei, Lina, ainda não dormi.”
“Eu sei.”
Me sentei de volta e balancei minhas pernas sobre a beirada, encarando Gourry enquanto se sentava na mesa de cabeceira. Estávamos no meu quarto para uma reunião estratégica. Um banho refrescante, um jantar satisfatório e uma longa noite de sono seriam incríveis agora... Porém tudo teria que esperar até que falasse com Gourry.
“Você parece bem cansada, Lina.”
“É, estou. É difícil relaxar perto de todos esses aristocratas.”
“Interessante.” Gourry murmurou com um aceno de cabeça. “Na maior parte do tempo você faz as coisas do seu jeito, não importa com quem esteja lidando.”
“Tem algum problema com isso?”
“Vários.”
“Azar o seu.”
Isso o calou.
“Olha, estamos no palácio real aqui. Precisa tomar cuidado com tudo o que faz perto desses figurões. Enquanto estiver lidando com pessoas normais, posso continuar como bem entender, sem danos. Mas se me comportasse assim aqui, eles me jogariam na rua.”
“Mesmo quando se trata de lidar com ‘pessoas normais’, essa afirmação de ‘sem danos’ não faz sentido...”
“Claro que sim. Enfim, tem algo a relatar?”
“Nada.” disse Gourry, balançando a cabeça.
“Ok, alguma coisa chamou sua atenção? Novos rumores, etc?”
“Nada.” repetiu, ainda balançando a cabeça.
Bem... Não é como se eu tivesse muitas esperanças. Dei um longo suspiro.
“Bom, algo interessante aconteceu do meu lado...”
Contei a Gourry o resumo da pequena conversa de Amelia e Alfred esta manhã.
“O que acha, Gourry?”
“Em que sentido?”
“Bem, sabe como é... É uma armadilha?”
“Poderia não ser uma armadilha?”
Que vergonha perguntar.
“D-De qualquer forma, Gourry... Estou pensando que mesmo que seja uma armadilha, deveríamos ajudar a facilitar essa suposta ‘conversa’. Deve pelo menos fazer as coisas avançarem.”
“Está dizendo que deveríamos recuar e deixar as coisas acontecerem?”
Bem, sim, mas... Havia maneiras melhores de dizer. Por que tem que ser tão indelicado?
———
No dia seguinte, era a mesma velha segurança, a mesma velha rotina... Na superfície, ao menos. Por baixo, as coisas estavam agitadas.
“Parece que eles chegaram a um acordo.”
Estávamos no meio do almoço no refeitório de hóspedes, o que significa que éramos apenas eu, Gourry e nosso garçom. A família real jantava junta em particular (sem o rei acamado, provavelmente), como era sua tradição fora de grandes bailes e coisas do tipo. Só de imaginar a atmosfera tensa naquela mesa me dá arrepios. Ouvi dizer que um garçom até desmaiou de ansiedade uma vez.
Voltando para mim e Gourry...
Gourry terminou de mastigar e engolir sua comida, então falou.
“Acordo? Sobre o quê?”
Plop! Deixei minha colher cair na minha tigela de ensopado sem querer.
“Você... É inacreditável.” falei em voz baixa para evitar que o garçom ouvisse enquanto tentava conter meu tremor. “Já se esqueceu de ontem? Estou dizendo que chegaram a um acordo para conversar!”
“Ah, aquilo!” Gourry disse casualmente. “Por que não disse logo? Então eu teria me lembrado na hora...”
Então ele tinha mesmo esquecido...
“Ainda não marcaram uma data e hora, contudo parece que será em breve.” acrescentei antes de voltar minha atenção para minha refeição.
A colher que deixei cair tinha desaparecido na minha sopa sem deixar vestígios.
“Que droga...” resmunguei, tentando pescá-la com meu garfo.
Aha! Assim que pensei que tinha encontrado...
Bloosh! O ensopado saiu do prato. Não, espere...
“Graaaaah!”
Gourry e eu recuamos. Não foi o ensopado que saiu da tigela, e sim dezenas de tentáculos longos, pegajosos e cor de ensopado!
“L-L-Lina! Isso não tem graça!” Gourry gritou.
“Não sou eu quem está fazendo isso!” gritei de volta.
No mesmo instante, um dos tentáculos finos havia agarrado a mesa e agora estava se esforçando, aparentemente tentando puxar o que quer que estivesse preso para fora da tigela. E, ao lado, um frango assado havia se partido ao meio quando um par de mãos se estendeu para fora.
“O que vocês andam servindo aqui? Quero falar com o chef!” declarei, entretanto quando me virei para o garçom... Vi que este havia caído no chão e se transformado em sal. Que falta de disciplina!
Eu tinha coisas mais importantes com que me preocupar do que a equipe de funcionário! O corpo principal dos tentáculos agora havia aparecido e se firmara na mesa. Era uma esfera redonda e elástica do tamanho da minha envergadura com algumas dezenas de tentáculos longos e fibrosos brotando dela. Pra ser sincera, parecia um pouco bobo, entretanto não estava em condições de apreciar a cena no momento.
A criatura saindo do frango assado também estava agora na metade do caminho. Parecia um grande aglomerado de algas marinhas no formato de um humano, com proporções infantis.
“O que fazemos?” perguntou Gourry.
“O que você acha? Corremos!” respondi.
Corri para abrir a mais próxima das duas portas... Porém, quando olhei através dela, fiquei em choque.
“O que foi, Li...” Gourry chamou, correndo para o meu lado antes de ficar em chocado também.
Pois além da porta havia uma sala idêntica à nossa. Havia uma mesa forrada de comida, completa com dois monstros bizarros... E, no fundo da sala, havia uma porta aberta ladeada por duas figuras familiares olhando estupidamente para dentro. Isso mesmo. Éramos nós.
“Gourry, atrás de você!”
“O quê?” ele exclamou, virando-se para que o ‘outro’ Gourry agora.
“Oi!” eu disse, acenando.
“Pare de brincar!” meu Gourry gritou, batendo a porta. “O que está acontecendo aqui?”
“Um espelho infinito.”
“Do que você está falando?”
“É um fenômeno... Parece que não temos escolha a não ser lutar contra o Sr. Redondo ali... De uma forma ou de outra!”
Comecei a entoar um feitiço. Gourry sacou sua espada do cinto e cortou a esfera-tentáculo ondulada. Bwom! Com um som ridículo, a lâmina deslizou pelo seu corpo.
“O quê?”
O impulso do ataque fez o surpreso Gourry tropeçar na bolha. Então, ela disparou algum tipo de aglomerado preto na sua direção de... Algum lugar, não sei onde.
“Desvie!” gritei, contudo Gourry já havia se esquivado.
O aglomerado preto atingiu o chão com um barulho nada impressionante e, embora estivesse curiosa sobre o que poderia ter feito se tivesse feito contato com a pele, não estava com vontade de descobrir. Tive que parar meu canto para avisar Gourry, no entanto o feitiço em que estava trabalhando era uma Flecha Flamejante, cuja eficácia agora duvidava contra nossos estranhos oponentes.
Para piorar as coisas, uma terceira criatura tinha acabado de sair da tigela de ensopado.
“Gourry! A luz!” gritei.
“Certo!” ele respondeu, embainhando sua espada.
Não foi nenhum mal-entendido. Gourry propositalmente tirou um alfinete do bolso, soltou a lâmina da espada da empunhadura e gritou...
“Luz, venha!”
Com isso, ele tornou a sacar o cabo da espada, dessa vez com uma lâmina brilhante emanando dela. Esta era a lendária Espada da Luz, capaz de produzir uma lâmina matadora de mazokus feita de pura vontade humana!
Pude sentir uma onda de tensão tomar conta das criaturas estranhas (não sei mais como chamá-las) quando elas viram a espada, e começaram a atirar uma série de massas negras em pânico contra Gourry. Ele se esquivou da barragem de ataques para cortar o Garoto-Alga, que caiu com um baque surdo e começou a evaporar diante de nossos olhos.
Obviamente, eu não iria apenas sentar e deixar Gourry roubar a cena. Enquanto a Bola de Tentáculos, o Garoto-Alga (agora fora de cena) e a criatura recém-chegada parecida com um tomate com muitos braços e caudas estavam todos focados em Gourry, me foquei na fonte dos nossos problemas: a mesa. Uma quarta monstruosidade, agora meio emergida do frango assado, disparou uma massa escura em mim, no entanto só pegou a minha capa. Agora era a minha vez.
“Lança Elemekia!”
Meu feitiço atingiu a coisa em cheio, abrindo um grande buraco em seu corpo. Eu sabia... Estávamos lutando contra criaturas do plano astral. A magia que acabei de usar era para causar dano espiritual em vez de físico, então o buraco aberto em seu corpo sugeria que era um ser feito de puro espírito. O que significa que só tinha que cortá-los na fonte!
A monstruosidade que atingi com minha Lança Elemekia já havia se desintegrado e desaparecido. Minha tigela de ensopado começou a espumar, mas a quebrei com a coronha da minha espada curta, então cortei o frango assado ao meio no movimento de volta! Ok, não é lá um feito digno de ostentação quando parei para pensar...
Tive que me perguntar por um minuto o que poderia ter acontecido se uma arma comum não tivesse funcionado na tigela e no frango que estavam gerando as criaturas, porém pelo visto funcionou. Se nada mais, impedi de mais criaturas aparecerem.
Lancei um olhar na direção de Gourry. Ele parecia ter destruído a Bola de Tentáculos, só que estava tendo problemas lidando com o Tomate-com-Caudas.
“O que você está fazendo?”
“Tenha cuidado! Esse é bem durão!”
Ugh! Comecei um encantamento rápido. Apenas magias que causavam dano espiritual direto, como magia negra e magia astral, eram eficazes contra esses monstros. Não ser capaz de usar feitiços simples para mantê-los sob controle era uma dor de cabeça.
O tomate sinistro usou movimentos sinuosos e perturbadores para se esquivar dos ataques da espada de Gourry antes de disparar de repente uma de suas caudas em minha direção. Vzz! Ela explodiu no meio do voo, enviando inúmeros aglomerados pretos voando em minha direção. Eu imediatamente me joguei no chão e rolei para trás da mesa, usando-a como um escudo. Pequeno bastardo... Então saí da cobertura e lancei um feitiço no tomate assustador enquanto este se ocupava com Gourry!
“Garra Negra!”
Uma explosão de magia semelhante a um enxame de insetos alados pretos voou em direção às suas costas. (Se a coisa tivesse uma, é claro!) Mas sem nenhum aviso, ele se curvou sem cerimônia para o lado... Enviando meu feitiço direto ao pobre Gourry atrás dele!
“Waaah!”
Com um gemido, Gourry rebateu meu feitiço com a Espada da Luz bem na hora. Não tenho certeza se fez de propósito ou se só teve sorte, porém seu movimento enviou minha bola de magia em alta velocidade direto para a criatura tomate.
E com isso, a luta enfim terminou.
“Whew! Ninguém supera um trabalho em equipe como o nosso!” declarei, erguendo meus dedos em um ‘V’ de vitória!
“Trabalho em equipe minha bunda! Você me assustou ali!”
“Vamos lá. Tudo está bem quando acaba bem...”
“Ainda assim...” Gourry afundou cansado em sua cadeira. “Aqueles caras eram exaustivos...”
“Apesar das aparências idiotas, sim.” concordei, unindo-me a ele na mesa.
E então...
“Com licença... Há algum problema?”
Gourry e eu nos levantamos quando ouvimos alguém se dirigir a nós do nada. Era o nosso garçom, que nos encarava com preocupação. Há quanto tempo ele estava lá? Aparentemente, estávamos de volta à nossa dimensão agora...
“Algum problema?” Gourry bufou.
“Gourry!” eu o interrompi. “Não foi sua culpa. Além do mais, não acho que tenha passado o tempo aqui.”
O lugar parecia o mesmo de antes de todo o problema começar, com nossas tigelas de ensopado e frango assado intactos sobre a mesa. A única evidência do incidente recente era minha capa, onde um dos pedaços pretos havia deixado um buraco. Não era como corrosão ácida. Os fios da capa em si estavam se despedaçando, ficando quebradiços como se tivessem sido desgastados pelo tempo.
Claro... É isso que eles fazem. Que droga, acabei de comprar esta capa também...
Gourry se manteve sentado lá em silêncio enquanto fiquei carrancuda ao examinar minha capa... Nosso pobre garçom apenas nos observava, perplexo e sem noção do que havia acontecido. Pensando que deveria fazer algo para dissipar o desconforto, me virei para Gourry e fiz uma pergunta muito pertinente.
“Quer mais ensopado?”
“Absolutamente não!”
Sua resposta foi bastante vigorosa.
———
Naquela noite...
“Não era para ser assim.” Alfred disse nervosamente, permanecendo de pé.
Nesse momento, estávamos em um prédio independente a alguma distância do palácio principal. Era do tamanho de uma casa normal, e todos nós cinco estávamos reunidos lá: eu, Gourry, senhorita Amelia, Sir Phil e Alfred. A guarda de Sir Phil estava do lado de fora da sala, que estava iluminada por algum tipo de esfera pendurada no teto. Provável que fosse algum item mágico que liberava uma luz semelhante a um feitiço de iluminação.
“Tenho certeza de que você já ouviu falar, contudo o Mestre Gourry e a senhora Lina foram atacados por algum feitiço estranho esta tarde.” Alfred disse, escovando o cabelo para trás ansiosamente.
“Ouvi! O que Chris está pensando?” Sir Phil disse, cruzando os braços.
“Na verdade, tio... Não acho que meu pai esteja por trás desse ataque.”
“O que quer dizer?”
“Bem, não é como se pudesse perguntá-lo de forma direta, no entanto meu pai ficou chocado quando o informei sobre o que aconteceu.”
“Acho que ficaria...” sussurrei.
“O que quer dizer?” tornou a perguntar Sir Phil.
“Bem, não consigo ver o que ele ganharia ordenando um ataque a mim e a Gourry. Apenas enfraqueceria sua posição. A menos que tenha sido algum tipo de mal-entendido sobre as ordens...”
“Está dizendo que Kanzel agiu por conta própria.” completou Alfred. Andando de um lado para o outro, continuou. “Quando contei a notícia ao meu pai, ele entrou em pânico e pediu para alguém convocar Kanzel. Deve ter sido por isso... Droga! E com tanto em jogo! Será que está tentando estragar tudo?”
Para um final dramático para seu monólogo, Alfred bateu o punho na parede. senhorita Amelia continuou a partir daí.
“Quem é esse Kanzel, afinal? Seu jeito é tão esnobe. Nunca gostei dele.” ela perguntou casualmente.
“Não sei. Meu pai o trouxe aqui um dia, do nada. Tudo o que me disse foi que era um velho amigo... É tudo o que sei.” Alfred explicou.
“Não importa quem é, desde que possamos pôr fim ao conflito.” disse Sir Phil.
“Verdade. Entretanto...” Gourry começou.
“Mesmo assim...” senhorita Amelia continuou.
“Isso não parece provável...” concluí.
“O-O que vocês querem dizer?” Alfred perguntou, em pânico.
De repente, a presença dos guardas posicionados ao redor do prédio, nos quais estive mantendo um canto da minha atenção, desapareceu. A sensação de formigamento de presenças hostis invadindo tomou seu lugar.
“Temos assassinos aqui.” me limitei a dizer.
“Assassinos?” exclamou Alfred, quase pasmo. “Você... Você não pode estar falando sério! Estou aqui com vocês! Por que enviariam assassinos agora?”
“Não sei. Só preciso lidar com eles por enquanto.” respondi sem rodeios enquanto tentava sentir o inimigo.
Havia várias presenças, todas bem fortes. Sir Phil tinha cinco guardas do lado de fora, afinal... E todos foram eliminados sem nem dar um pio. Se Zuma estiver nesse grupo, poderíamos estar em apuros.
Se alguns guardas do palácio notassem que algo estava errado e viessem investigar, poderia ser o suficiente para fazê-lo fugir, mas... A sala em que estávamos no momento foi projetada para conversas secretas. Não tinha janelas e apenas uma porta. Havia venezianas perto do teto, porém não eram largas o suficiente para uma pessoa passar.
Ainda assim, não podíamos só ficar enfurnados aqui. Uma Bola de Fogo atirada pelas venezianas nos torraria vivos na hora. A única maneira adequada de sair da sala era pela porta, contudo nossos atacantes estavam, sem dúvida, esperando por nós lá.
“Nós apenas teremos que lutar para passar.” declarou Gourry.
“Espere, cara. Primeiro, barrique a porta por dentro com a mesa.” eu disse, imaginando a planta do prédio na minha cabeça. “Quer uma barricada? Nós ficaremos presos aqui como ratos!”
“Só faça logo! Senhorita Amelia, o pátio é desse lado, certo?” perguntei, batendo na parede oposta à porta.
“É.” ela respondeu com uma calma impressionante. Parece que tinha a presença de espírito do pai em tempos de crise.
“Vou abrir uma passagem.” anunciei e comecei a entoar um feitiço.
Enquanto o fazia, Gourry e Sir Phil conseguiram mover a mesa para oito pessoas que estávamos usando para perto da porta. A porta se abria para dentro, então isso deve mantê-la fechada. E eles mal terminaram seu trabalho quando... A porta começou a chacoalhar logo depois. Pressionei minhas mãos contra a parede mais distante e liberei o feitiço que estava trabalhando.
“Onda de Explosão!”
Ker-pow! Com uma explosão ensurdecedora, parte da parede desabou, deixando um buraco grande o suficiente para uma pessoa passar. A Onda de Explosão tinha um poder bastante destrutivo; o problema era que só podia usá-la contra algo que tocasse com as duas mãos.
O pátio coberto pela noite se abriu além da nuvem de poeira flutuante. O palácio ficava na outra direção, no entanto os guardas deveriam ter ouvido uma explosão alta e clara como aquela.
“Por aqui!” gritei, tossindo através da poeira enquanto saltava para o jardim na frente de todos. No instante em que o fiz, um lampejo de hostilidade veio de cima.
“Tch!”
Eu me movi para desviar e, com um som suave de zumbido, algo se cravou no chão aos meus pés. Era uma faca do tamanho da minha palma que brilhava azul na luz que vazava do cômodo, provavelmente coberta de veneno.
Gourry saiu correndo da casa atrás de mim, pegou a faca, rolou e jogou de volta à sua fonte. A figura vestida de preto no telhado desviou sem dificuldade e depois saltou em Gourry.
“Te peguei!” Gourry gritou enquanto girava sua espada em seu atacante que se aproximava...
Mas o que deveria ser um golpe mortal não atingiu nada, pois o assassino havia parado sua descida no ar!
Levitação?
Ainda flutuando, o assassino chutou Gourry. A ponta da bota brilhava com a prata de uma lâmina oculta, porém Gourry conseguiu desviar.
“Flecha Flamejante!” gritei, disparando o feitiço assim que ficou pronto.
A Levitação não permitia muita manobrabilidade, então o assassino vestido de preto deveria ser um alvo fácil. E, como previsto, algumas das dezenas de flechas que lancei atingiram o pobre coitado de frente, fazendo-o cair no chão. Um a menos.
E enquanto isso acontecia, os outros três membros do nosso grupo saíram da casa. Imaginei que meu feitiço de fogo seria o suficiente para sinalizar aos guardas e fazê-los correr, entretanto teríamos que aguentar até lá. Nesse momento... Whom! Houve uma explosão massiva na porta da sala e duas figuras entraram pulando. Enquanto rolavam sobre a mesa, cada um deles lançou dois flashes de prata, quatro no total, todos apontados direto para Sir Phil!
“Cuidado!” gritei.
No segundo seguinte, algo branco voou pelo ar. Três facas caíram inofensivamente no chão; senhorita Amelia as havia derrubado com sua capa. A última faca estava na mão de Phil, ele a agarrou em pleno ar!
“O quêêêêê?” os assassinos gritaram incrédulos.
Não podia culpá-los. Qualquer pessoa normal teria se limitado apenas a tentar desviar do ataque.
“Tolos!” Amelia gritou com uma crescente fúria, apontando um dos dedos para os assassinos. “Vocês, malditos, deram as costas à lei sagrada para fazer as vontades do mal! Entretanto suas lâminas manchadas podem realmente matar a vontade da justiça? Venham e descubram, se ousarem!”
Parece que alguém é fã de sagas heroicas...
Porém, quando ela fez uma pose dramática, seu corpo foi erguido no ar. Sir Phil, que estava de pé ao seu lado, a agarrou pelo colarinho e a levantou como um gatinho pelo cangote.
“Saia do caminho, Amelia!”
Ele então a jogou para mim e Gourry. Ela pousou com habilidade, ainda posando.
“Não me subestime!” gritou com raiva a garota quando um dos assassinos tentou correr para Sir Phil.
Gourry e eu nos apressamos para intervir, contudo...
“Que tremendos tolos!”
Antes que pudéssemos fazer qualquer coisa para ajudá-lo, Sir Phil deu um forte soco no assassino que avançava! Crack! O pobre coitado saiu voando e bateu direto em uma parede interna do prédio, da qual escorregou e caiu no chão.
“Não sei o que os motiva para se envolverem nesses esquemas mesquinhos.” Sir Phil pronunciou, apontando para o assassino (agora imóvel, seu pescoço dobrado em um ângulo estranho) enquanto começava seu sermão. “No entanto imploro que reconsiderem! Vocês não têm uma família que se importe com vocês? Independentemente do seu propósito, por mais justo que acreditem que seja... Não devem fazer nada para se rebaixar ou trazer tristeza aos seus entes queridos! Não acredito em lutas inúteis. Se vierem a se arrepender de suas ações e sair daqui nesse instante, os deixarei ir em paz!”
Lá, o outro assassino se moveu. Mas não foi em direção a Sir Phil. Em vez disso, caminhou até o assassino no chão e tomou seu pulso. Então lançou um olhar em nossa direção, correu e desapareceu pela porta que arrombou para entrar.
“Escolheu fugir, hein?” Sir Phil disse com um suspiro pesado.
Então, por fim, pudemos ouvir soldados se aproximando.
“Acho que superamos mais uma.” disse Gourry, olhando para o assassino caído no chão.
Foi nesse momento que algo me ocorreu...
“Pro chão!” gritei, e todos se abaixaram instintivamente.
Bwooom! O corpo do assassino caído explodiu em pedaços.
“O que aconteceu?”
“Você está bem?”
Com isso, os soldados enfim chegaram. Já estava na hora... Todos nós conseguimos nos levantar. Ninguém ficou seriamente ferido.
“Ah...” Sir Phil gemeu com grande emoção enquanto se endireitava. “Parece que minha reprimenda lhe causou tanta vergonha que ele explodiu... Gostaria que não levassem essas coisas tão a sério.”
Sim, tá... Não acho que foi isso que aconteceu, sabe...
Veja, pensei que havia algo estranho no fato do assassino checar o pulso de seu companheiro caído. O cara estava clara, dolorosa e obviamente morto (para a aparente ignorância de Sir Phil), então por que se se dar ao trabalho? Suspeitei que poderia ser um estratagema, significando que sua real intenção era fazer alguma coisa com o corpo. Também havia a maneira como explodiram a porta. Tudo meio que gritava ‘bomba’. Devem ter esperado que um de nós tentasse checar o corpo e fosse pego pela explosão.
“Sua Alteza! O que aconteceu aqui?” um dos soldados perguntou a Sir Phil.
“Fomos atacados por bandidos, porém está tudo bem.” explicou, deixando os guardas em alvoroço.
“Bandidos?” um gritou.
“Equipes um e dois, permaneçam aqui! Equipe três, vasculhe o prédio! Equipe quatro, a área circundante! Encontrem e capturem os intrusos a todo custo! E você aí, relate isto ao palácio.” ordenou o capitão que conheci na outra noite quando nos infiltramos no palácio pela primeira vez.
Tinha a sensação de que não encontrariam nada. Os assassinos já tinham ido embora há muito tempo.
“Contudo...” murmurei enquanto observava os soldados em pânico. “Aquele cara, Zuma, não apareceu dessa vez.”
“É...” Gourry murmurou em resposta.
“Por quê?” Alfred gritou em um volume excessivo. “Por que me atacariam também? Não me diga... Não me diga!”
O cara estava ficando mais pálido a cada minuto.
“Esse era o verdadeiro propósito do ataque esta tarde?” sussurrou, seu rosto agora branco como um lençol.
Ah!
“‘Esse’?” Sir Phil perguntou.
Mas em vez de responder, Alfred apenas disse.
“Pai... Vou perguntar ao pai!” e saiu correndo em direção ao palácio.
“Do que ele está falando?” Sir Phil perguntou, virando-se para mim.
“Como vou saber?” respondi, olhando ao redor de forma conspícua.
Tinha uma boa ideia do que Alfred estava pensando, porém não conseguia dizer exatamente na frente dos soldados. Entendendo o significado das minhas ações, Sir Phil assentiu em concordância.
“Entendo. Vamos para outro lugar.”
———
“Acho que foi ele quem ordenou o ataque a mim e Gourry esta tarde.” expliquei.
É claro, me referia a Christopher. Ainda não tínhamos provas de que era o responsável por tudo, contudo nesse ponto já era um segredo aberto no palácio neste momento.
Nosso grupo havia se mudado para os aposentos pessoais de Sir Phil no palácio principal. Havia guardas postados do lado de fora da porta, é claro, então tivemos que manter nossas vozes baixas. Esse tipo de inconveniência foi o motivo pelo qual escolhemos o prédio independente para ter nossa pequena conversa secreta em primeiro lugar, mas...
“Do que você está falando?” Gourry perguntou desta vez.
“Não havia sentido em nos atacar durante o almoço. Então, é claro, todos nós ficamos imaginando o que estava acontecendo. Lorde Alfred abordou seu pai sobre isso, percebeu que Kanzel tinha se rebelado e então veio até nós...”
“Entendi. Sua real intenção era que todos nós ficássemos juntos.” senhorita Amelia disse com um aceno de cabeça.
“Sim. Para acabar com todos nós de uma vez. E a maneira mais fácil de garantir que estaríamos todos em um só lugar era sob os auspícios de uma reunião de estratégia após um ataque fracassado contra mim e Gourry.”
“Hmm...” Sir Phil murmurou com os braços cruzados. “Absurdo! É simplesmente muito malicioso! Mesmo que Chris quisesse nos colocar todos em um só lugar, envolver seu próprio filho e arriscar sua vida no processo? Não posso tolerar isso por nem mais um minuto!”
“Espere!” eu disse, pedindo calma. “Ainda não sabemos de nada com certeza.”
“Mas o que mais poderia ser, Lina?”
“Eu realmente não sei... Porém há uma coisa que não faz sentido.”
“O que é?”
“Se for realmente o que nosso inimigo buscava, teria feito de tudo para aquele ataque ser bem sucedido. Contudo, desta vez, ele se conteve. Por exemplo, aquele assassino chamado Zuma que me atacou na primeira noite...”
“O quê?” senhorita Amelia gritou. “Vo-Você acabou de dizer Zuma?”
“Sim... O que tem?”
“Foi o verdadeiro Zuma?”
“Bem, foi assim que se apresentou.”
“Então ele está aqui?” ela sussurrou, seu rosto pálido como de um fantasma.
“Você o conhece?” Sir Phil perguntou.
“Só por boatos, mas ouvi dizer que é um assassino que usa magia e é o melhor no ramo.” senhorita Amelia explicou. “Se o que dizem é verdade e de fato foi ele quem te atacou, significa que você é o primeiro alvo dele... A sobreviver.”
Erk... Eu me vi atordoada em silêncio. Se Gourry não tivesse aparecido naquela hora, poderia ter sido a última vítima de Zuma.
Recuperei a compostura e disse.
“Bem, seja qual for o negócio desse Zuma, o fato é que não estava no ataque desta noite. Os caras que nos atacaram hoje não eram ruins, porém ainda eram bem comuns.”
“Então o que está acontecendo aqui?” Sir Phil perguntou.
Balancei a cabeça de leve e respondi.
“Não sei. Talvez o ataque desta tarde tenha sido mesmo Kanzel agindo por conta própria, e você-sabe-quem apenas decidiu se aproveitar. Também é possível que estivesse com pressa e não conseguiu entrar em contato com Zuma a tempo. Entretanto a verdadeira questão aqui, agora que isso aconteceu, é se pretende seguir com a negociação como planejado...”
“Nós iremos.” Sir Phil disse sem rodeios. “Mesmo com tudo o que houve... Não, por causa de tudo que vem acontecendo, preciso resolver as coisas com Chris. De homem para homem.”
———
Assim, o dia da suposta ‘conversa’ chegou. Uma séria tensão pairava sobre o palácio naquela manhã. Todos sabiam sobre o conflito entre Sir Phil e Christopher.
Após o ataque no prédio independente, Alfred parece ter pressionado Christopher e Kanzel, no entanto não conseguiu os arrancar nada.
Desnecessário dizer que o soberano reinante, Rei Eldran, não estava apenas se fingindo de morto enquanto tudo acontecia. Ele havia implorado a Christopher para que os dois se reconciliassem uma e outra vez, todavia o príncipe havia permanecido esquivo com seu próprio pai também. E enquanto o Rei Eldran não tivesse provas concretas de má-fé, também não poderia punir Chris formalmente. Pelo jeito, a ansiedade da situação estava apenas piorando a condição do velho rei...
O que significava que muito estaria em jogo nesta conferência, que seria realizada em outro prédio independente. Se Christopher acabar não tendo a intenção de fazer as pazes com Sir Phil, hoje seria o dia em que as coisas explodiriam de verdade.
Logo depois do meio-dia, o grupo deixou o palácio. Eram Sir Phil, Christopher, obviamente, mas também incluía eu, Gourry, senhorita Amelia, Alfred e o próprio Sr. Suspeito, Kanzel. Se Zuma estivesse conosco, teria sido uma verdadeira reunião de família. Claro, ainda não podíamos descartar a possibilidade de que desse as caras em algum momento.
Enquanto caminhávamos, Kanzel lançou um olhar em minha direção com um sorriso frio.
“Está vendo o jeito que Kanzel está me olhando?” falei, baixo o suficiente para que apenas Gourry, que caminhava ao meu lado, pudesse ouvir. “Acho que alguém está apaixonado...”
“Claro.” Gourry disse com uma careta. “Embora você deva estar se sentindo confiante se está fazendo piadas assim...”
“Por enquanto, sim.”
“E se aquele assassino aparecer?”
“Você cuida dele.”
“Vai entender...”
Ainda assim, o pequeno truque do ‘espaço distorcido’ de Kanzel era bem perigoso. Apenas sir Phil e Christopher participariam das negociações, o que significa que eles entrariam no prédio sozinhos enquanto a guarda real e o resto de nós esperávamos do lado de fora. E se o Sr. Suspeito decidisse nos enganar e mandar Zuma para dentro ou algo do tipo? Preciso ficar de olho nele o tempo todo para ter certeza de que não lançará nenhum feitiço.
O sol quente dançava sobre a grama verde do pátio. Só conseguia imaginar que tipo de confusão um dia tão lindo nos traria.
Estávamos na metade do caminho para o prédio, quando...
Nyeee! O próprio ar ao nosso redor parecia gritar.
“O que é isso?” alguém gritou.
Então, uma sombra cobriu o sol.
“Está acima de nós!” Gourry gritou.
E, em seguida, todos nós olhamos para cima para ver... Um caroço preto gigante caindo em nossa direção!
“O quê?”
Nós nos espalhamos como moscas para sair do caminho.
Vwooom! Ele atingiu o chão com um tremor surdo da terra. Então veio outro grito ensurdecedor quando a coisa começou a mover suas antenas. Nyeee!
Era um inseto gigante... Ou assim eu diria, entretanto quando chega ao tamanho de um pequeno dragão, chamá-lo de inseto não parece certo. Era uma coisa gigante que parecia um inseto.
Sua pele era lisa e preta como de um besouro, possuía oito pernas grossas, quatro de cada lado. Um par de asas... Grandes, embora pequenas demais para voar, flanqueando sua carapaça, e seu corpo redondo era pontilhado com meias esferas brilhantes de cor rubi que lembravam amuletos de joias.
Os soldados entraram em pânico. Porém nenhum deles tentou fugir. Em vez disso, convergiram para um ataque descoordenado ao inseto. Não havia senso de estratégia real aqui, apenas o atacaram sem pensar.
Mesmo com alguma liderança adequada, duvido muito que seriam capazes de prejudicar a coisa. Seus ataques estavam apenas ricocheteando, impotentes, em sua concha. Um soldado inteligente tentou cravar sua lâmina em suas juntas, mas o inseto ignorou o ataque enquanto continuava a mover suas antenas curiosamente.
Então, de repente, como se tivesse detectado seu alvo real, a criatura gigante mudou de direção com uma agilidade desmentida por suas oito pernas finas. Quanto ao seu alvo...
Sim. Sou eu.
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