Capítulo 08: O dorminhoco selado sob a água
“Guh...” gemi baixinho quando abri os olhos.
“Acordou?” Gourry perguntou de perto. Eu conseguia distinguir sua silhueta na escuridão.
“Sim, só um momento.” ainda deitada, juntei as mãos na frente do peito e entoei um feitiço. “Luz!”
Uma esfera brilhante apareceu entre minhas palmas, à qual joguei em seguida no ar. Parou na altura típica do teto, mas estava mais escuro do que imaginei.
“Onde... Nós estamos?” perguntei, examinando a área.
A grande sala em que nos encontramos era ainda maior do que a câmara ritual da qual havíamos caído... Grande o suficiente para abrigar toda a propriedade de Daymia. Havia água ao nosso redor, de profundidade incerta. Consegui distinguir o topo de cinco pilares, cada um largo o suficiente para que pudesse construir uma pequena sala sobre ele, espreitando da superfície. No momento estávamos sentados em cima de um deles.
A piscina em si formava um círculo perfeito que combinava com o layout da sala acima.
“Outro destruidor de runas, hein?” falei com uma careta.
“O quê?” Gourry perguntou.
“A teoria envolvida é um pouco complicada, então vou pular essa parte. Tudo que precisa saber é que é uma barreira que enfraquece a magia. É por isso que meu feitiço de Levitação falhou quando estávamos caindo.”
No geral, os destruidores de runas eram usados para mitigar o poder de feitiços de ataque, maldições e outras magias prejudiciais. Porém ver este enfraquecer até mesmo a inócua¹ Levitação...
Acho que ter uma barreira acima e abaixo dobrava o efeito. Ou talvez até tenha causado uma ressonância, que poderia então ser canalizada para interferir no uso de qualquer magia. Quanto a essa possibilidade, a prova estava aí: o feitiço de Iluminação que lancei momentos antes já estava perdendo o brilho. Parece que Daymia não chegou ao cargo de vice-presidente do conselho dos feiticeiros à toa, hein?
“Então... As coisas complicaram.” murmurei para mim mesma.
“Contudo, se for uma barreira, nós não podemos apenas destrui-la?” perguntou meu capitão pessoal, Senhor Óbvio.
Dei um grande suspiro. Era verdade que normalmente você poderia interromper um destruidor de runas quebrando seu pentagrama fundador, no entanto...
“Para fazê-lo, teríamos que derrubar um desses pilares.”
“Você não consegue fazê-lo com um de seus feitiços?”
Sério, cara?
“Está ouvindo uma palavra do que falei?”
“Por que a pergunta?”
“Porque acabei de explicar que meus feitiços estão comprometidos agora! Se pudesse usar magia para resolver o problema, já o teria feito!”
“Não me lembro de ter dito isso.”
Arrrgghhhhhh! Acho que estou pegando um aneurisma²!
“Por que está segurando a cabeça do nada?”
“Sem motivo!” respondi, me levantando do chão.
Podia sentir a água escorrendo de mim e das minhas roupas enquanto me levantava. Gourry e eu estávamos encharcados como ratos de esgoto. É verdade que, se eu ainda estivesse tão encharcada, significaria que não teria saído há muito tempo.
“Acho que é melhor fazermos algo com nossas roupas, hein?” Gourry disse.
“Sim. Vamos pegar um resfriado nesse ritmo.”
“Hmm... Bem, a coisa usual a fazer...” disse Gourry com um sorriso repentino. “Seria nos despir e aquecer um ao outro!”
Grr! Bati palmas na frente do peito, separando-as devagar enquanto comecei a entoar.
A aura de presunção de Gourry transformou-se em pânico.
“E-Espera, Lina! Eu estava brincando! Apenas brincando! Desculpe! Desculpe! Por favor, não...”
Todavia seus apelos desesperados caíram em ouvidos surdos.
“Bola de Fogo!”
Lancei a bola de luz derretida, que acertou Gourry bem na cara e explodiu com o impacto!
“Glargh! Glurk!” ele soltou uma série de murmúrios indignos quando sentiu o calor envolver seu corpo, então de repente parou e olhou para si mesmo com espanto.
“Espere... Hein?”
O calor escaldante da minha Bola de Fogo foi amortecido pelo destruidor de runas, reduzindo-a literalmente a uma bola de ar quente.
“Bem? Tudo certo e seco, não é?” eu disse com um sorriso e uma piscadela. “Então, agora que nossas roupas estão bem cuidadas...”
Dei outra olhada ao redor da sala e rapidamente cheguei à conclusão... Que apenas olhar em volta não nos levaria a lugar nenhum.
“E aí? Alguma coisa?” Gourry perguntou com um toque de nervosismo.
“Hmm... É complicado.” virei meu olhar para cima. O buraco pelo qual caímos já devia ter fechado, mas as alturas escuras da sala estavam além do alcance do meu feitiço de Iluminação, então não consegui ver para confirmar. Então voltei meu olhar para a superfície escura e tremeluzente da água.
“Sabe, talvez você esteja certo sobre quebrar a barreira, porém...”
“Sim, nem sabemos até que profundidade essa coisa vai.” disse Gourry, juntando-se a mim enquanto olhava para a piscina abaixo. “Diga, o que toda essa água está fazendo aqui?”
“Suspeito que Daymia tenha afinidade com a água.” respondi, depois me virei curiosamente para olhar para Gourry.
“Ele tem o quê?”
Sim, não esperava que soubesse o que isso significava. Vejamos, como explicar...?
“Ok, hora da analogia. Sabe como as pessoas às vezes se comparam aos animais, como fulano tem ‘coração de raposa’ ou ‘uma verdadeira energia felina’?”
“Sim.” disse Gourry, balançando a cabeça depois de um momento.
“Pode fazer associações semelhantes a essas com magia. Tipo, fulano de tal tem uma conexão com o fogo, ou com a água, etc.” eu estava me limitando aos elementos da magia xamânica, obviamente. Incluir magia negra, rituais, magia xamanística astral e magia branca apenas confundiria Gourry, então encobri todas essas nuances. “Então, como pode ver, feiticeiros com afinidade pela água obtêm melhores resultados quando usam magia relacionada à água.”
“Então essa coisa de ‘afinidade com a água’ significa que ele é um cara realmente aguado, certo?” Gourry perguntou depois de pensar um pouco.
“Poderia dizer que sim. Entretanto as pessoas com afinidade por um elemento específico podem aumentar o poder da sua magia integrando esse elemento. Então colocar sua barreira na água assim a torna mais forte. Está entendendo?”
“Hmm...” Gourry cruzou os braços. “Então Daymia criou uma barreira que enfraquece a magia. Então, ao colocá-la na água, a tornou mais poderosa?”
“Essa é a ideia.” respondi com um aceno firme. “No entanto é apenas uma teoria... E ainda não explica o que está acontecendo debaixo d’água.”
Entoei outro feitiço de Iluminação e joguei a bola radiante na superfície da piscina.
“Whoa...” Gourry suspirou admirado ao vê-la brilhar sob a superfície da água.
Aqui vamos nós outra vez...
“Está se perguntando por que a água não a apagou, não é?” perguntei.
“Bem, sim.” disse ele, balançando a cabeça vigorosamente.
“Veja, coisas como lâmpadas e fogueiras queimam combustível para gerar luz e calor. Mas a Iluminação é diferente; é alimentada por magia. Não queima matéria física para funcionar, então a água não a afeta.”
“Hmm... Parece muito conveniente, porém acho que entendo.” disse Gourry, depois ficou em silêncio. Seus braços permaneceram cruzados enquanto olhava para as profundezas iluminadas.
Hrm... Passou-se um minuto tenso antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Essa coisa era incrivelmente profunda!
Não avistei nenhum peixe carnívoro ou outros perigos na água, porém era mais profundo do que a maioria dos humanos seria capaz de mergulhar. Pude ver algum tipo de padrão desenhado bem no fundo, talvez o círculo mágico da barreira. E no seu centro...
“O que é aquilo?” Gourry perguntou.
Bem no meio da barreira havia uma pedra preciosa gigante submersa, como uma esmeralda, todavia mais pálida. Havia uma mancha escura no meio, sugerindo que algo estava dentro, contudo era impossível dizer o que era entre o brilho na água e sua profundidade escurecedora.
“É alguma coisa.” dei uma resposta vaga.
Nós dois ficamos ali sentados em silêncio, olhando para a gema por um tempo.
Após algum tempo, ele fez um sussurro suave.
“Parece... Uma pessoa dentro de uma grande esmeralda para mim.”
“Hmmm...” murmurei inconscientemente.
“Sim, sem dúvida parece uma pessoa...” Gourry se inclinou para frente e encarou.
Seus olhos deviam ser bons. Os meus eram bem nítidos, entretanto tudo que consegui distinguir foi a sombra.
“Devíamos dar uma olhada. Meu instinto me diz que isso é relevante para a barreira.”
“Dar uma olhada? Como?”
“Bem...”
Wham!
Sem nenhum aviso, coloquei minha bota nas costas de Gourry e empurrei.
“Bwah!”
Ele fez um barulho satisfatório quando caiu do pilar e bateu com força na água.
“Por que fez isso?” Gourry gritou quando sua cabeça subiu na superfície.
Agachei-me na beira do pilar e sorri.
“Bom, imaginei que você poderia ser o único a investigar. Não quero me molhar de novo.”
“Ohhh... Entendo.”
Por alguma razão, Gourry começou a sorrir para mim. E então...
“Yeek!”
Ei, não puxe minhas pernas debaixo de mim!
Caí na água também e, para minha surpresa, um pouco entrou nos meus pulmões...
Aos poucos o mundo ficou preto ao meu redor.
———
“Ugh... Blugh...” sentei-me e tossi algumas vezes.
“Você acordou?” Gourry me perguntou pela segunda vez hoje.
“O que diabos estava pensando?”
“Olha quem fala.” retrucou, ignorando minha pergunta. “Não pensei que fosse se afogar. Mas limpei seus pulmões, então não precisa ficar tão chateada assim.”
“Oh, por favor! Limpar meus pulmões não vai... Espere, você fez o quê?” perguntei hesitante.
Ele... Ele quis dizer boca a boca? Podia sentir o sangue correndo pelas minhas bochechas.
“Hum, Gourry... Quando diz que limpou minhas vias respiratórias...”
“Eu te rolei de bruços e pisei nas suas costas.”
Grk! Caí de cara no chão. S-Seu... Pense um pouco nos sentimentos de uma senhorita!
“O que há de errado com... Ooh, entendi. Achou que fiz respiração boca a boca ou algo assim.” Gourry disse provocativamente.
“N-Não pensei!” argumentei um tanto afobada.
“Aw, alguém está brava!”
“Não estou! Não estou! D-De qualquer forma, de volta à barreira! Esse é o verdadeiro problema aqui...”
“Sim.” ele murmurou, voltando-se para a água também. “Te provocar não está ajudando, mesmo que seja divertido.”
E-Ei, vamos...
“Mas é o que é...” continuou Gourry. “E isso aqui é muito profundo para mergulhar. De jeito nenhum conseguiria prender minha respiração por tanto tempo.”
“Hmm...” cruzei os braços, ainda encharcada até os ossos.
“Tem algum feitiço que a deixe respirar debaixo d’água, Lina?”
“Hã?” respondi, surpresa.
“Sabe, magia. Para respirar debaixo d’água. Tem alguma?”
“Hrm...” cocei minha cabeça.
“Acho que não, hein?” Gourry disse, desapontado.
“Na verdade, é mais algo do tipo ‘ei, isso pode funcionar’.”
Gourry me empurrou para dentro da água de novo.
———
Saí da piscina, me enxuguei e me preparei para o mergulho, o que quer dizer apenas que preparei um feitiço.
“Já volto, ok?”
Tinha dois feitiços em meu repertório que se encaixariam no descritor ‘me deixar respirar debaixo d’água’.
O primeiro é um feitiço de água que me permiti respirar a própria água com segurança. O segundo é um feitiço de vento que forma uma bolsa de ar ao meu redor; poderia levá-la para a água comigo e seria como mergulhar dentro de uma grande bolha.
Acabei optando por este último, pois o primeiro tinha uma falha desclassificante: teria que me molhar de novo. Quando comecei a entoar, o vento me envolveu e levantou levemente meus pés do chão.
“Lei Asa!” conclui, mergulhando na água com grande velocidade.
O que é isso, você pergunta? ‘Achei que aquele feitiço fosse projetado para voo rápido, então como aprendeu que pode usá-lo para mergulho?’ Bom, veja bem, uma vez eu estava brincando com ele na praia, mas perdi o controle e acabei voando na água. Isso é só entre nós, ok?
Claro, o destruidor de runas também estava interferindo no meu feitiço Lei Asa. A bolha produzida ao meu redor era muito menor que o normal e minha velocidade de movimento era consideravelmente mais lenta. Decidi que subiria para tomar fôlego assim que ficasse difícil respirar. Sufocar em minha própria bolha seria uma forma épica e embaraçosa de morrer.
Dito isto, não poderia imaginar ficar sem ar antes de chegar ao fundo...
Aproximei-me cada vez mais da grande joia. Foi difícil julgar pela superfície, então não conseguia avaliar o seu tamanho. Agora que estava aqui, podia dizer com confiança: era sem dúvida grande o suficiente para acomodar uma pessoa.
“Hmm...”
O feitiço de Iluminação que joguei na água antes iluminou apenas de maneira vaga o fundo da piscina. Para alegrar as coisas, joguei outra na direção da joia gigante... E fiquei horrorizada com o que vi.
Flutuei ali sem palavras por um momento, porém havia de fato um homem dentro da enorme joia. Seus olhos estavam fechados como se estivesse dormindo.
“Is-Isso é...”
Pairei até a esmeralda pálida gigante em minha bolha. Este devia ser o centro do destruidor de runas, em outras palavras, onde sua influência era mais forte.
Quanto ao homem dormindo dentro da gema... Seus longos cabelos, capa e manto o marcavam como um feiticeiro de alto escalão. Ele parecia ter estatura média; era um pouco jovem para ser chamado de ‘meia-idade’, contudo um pouco velho para ser chamado de ‘jovem’. Embora seus olhos estivessem fechados, achei que era muito bonito.
O tom da esmeralda tornava impossível dizer ao certo de que cor eram suas vestes, no entanto fiquei refletindo.
Este poderia ser...?
Um pensamento especulativo passou pela minha cabeça.
Mas se fosse esse o caso...
Eu lentamente movi minha bolha para mais perto. No segundo em que fiz contato com a esmeralda...
“Quem é você?” disse uma voz na minha cabeça.
“Telepatia?” me peguei sussurrando em voz alta.
“Você é... Uma mulher? Porém não sinto nenhuma hostilidade da sua parte. Isso significa que Talim e Daymia não colocaram nenhuma ideia nova em suas cabeças, pelo menos...”
“Hm... Não tenho muita certeza do que está dizendo.”
“Ah, não há necessidade de falar em voz alta. É telepatia.” explicou a voz, para meu constrangimento somado a um rosto vermelho.
A telepatia era a arte de comunicar mentalmente e sem palavras. Então, é óbvio, ao se comunicar por telepatia, não precisava dizer nada.
Contudo, era preciso nascer com certas aptidões para usar a telepatia, então estava além do alcance da maioria dos feiticeiros, eu inclusa. O que significava que esse cara estava usando telepatia para transmitir seus pensamentos para mim e depois lendo os meus em troca.
Ocorreu-me que sua técnica não poderia ser mágica. Não houve interferência ou interrupção perceptível, apesar de estarmos bem no centro do destruidor de runas.
“Então, er... Posso perguntar sobre sua identidade?” perguntei.
“Ah, perdoe-me.” o homem respondeu num tom calmo. “Eu sou o presidente do conselho dos feiticeiros da Cidade Atlas, Halciform.”
“H-Halciform?” me peguei pensando muito alto. Sabia!
Seguiu-se um silêncio constrangedor.
“Não há necessidade de gritar... Em vez disso, não há necessidade de tal surpresa.”
“M-Mas é uma grande surpresa, senhor. Todo mundo diz que você desapareceu há seis meses...”
“Sim, aqueles dois garantiram isso.”
“Por ‘aqueles dois’ quer dizer...?”
“Talim e Daymia, sim.”
O quêêêê? Eu sabia o tempo todo que havia mais nessa história, só que... Ooh, aquele velhote podre!
“Eles tinham apenas as motivações mais mesquinhas, tenho certeza... Minha posição, talvez. Um dia, Talim... Oh, me perdoe.”
“O que há de errado?”
“Acabei de perceber que também não sei o seu nome. Se chegou até aqui, com certeza não é uma mera transeunte.”
“Eu sou Lina. Lina Inverse.”
“Ah, já ouvi falar a seu respeito...”
E então contei a Halciform todos os detalhes. Duas vezes durante a minha história, porém, minha bolha começou a enfraquecer e tive que emergir para respirar.
“E foi assim que acabei o encontrando aqui.”
“Entendo... Embora questione a necessidade de todo o monólogo interno e das descrições dramáticas em seu relato, acredito que entendo a situação agora. Parece que Talim te enganou, embora não possa culpá-la por isso. Ele me atraiu para cá também e então me selou dentro dessa coisa estranha... De fato é um homem desagradável.”
Nem brinque. Não há nada de agradável naquele rosto.
“Como?”
Ah, merda! Esqueci que ele conseguia ler meus pensamentos!
“Oh, uh, nada! De qualquer forma, agora que estou envolvida, agradeceria se pudesse me explicar o que está acontecendo aqui.”
“É claro. Cerca de seis meses atrás, Talim me convocou para um ‘negócio importante’, então atendi sua chamada. Talim acabou me levando até a propriedade de Daymia, e assim que coloquei os pés no centro da sala no último andar, uma criatura parecida com um slime apareceu de repente. Antes que pudesse lançar um feitiço, fui engolfado pela criatura que ficou sólida. Então eles me deixaram aqui.”
“Aha, então essa coisa esmeralda é o slime endurecido.”
“Sim. Talim e Daymia devem ter conspirado para roubar meu assento como presidente do conselho... No entanto parece que os dois tiveram uma briga desde então. Ahaha.”
Sério, cara? Isso é engraçado para você? Sabe que foi você quem eles prenderam aqui embaixo, certo?
Mesmo assim, devo dizer... Talim realmente me irrita! Sabia que estava escondendo alguma coisa quando perguntei sobre Halciform, mas isso? Oooh, ele vai pagar! Não pelo bem de Halciform. Não, dane-se Halciform! O assunto é sobre eu! Ninguém engana Lina Inverse e sai impune!
“Perdão, porém gostaria de lembrá-la de que ainda posso ouvir seus pensamentos. É bastante doloroso ouvir alguém falar dessa maneira...”
Opa.
“Oh, desculpe, me expressei mal... Er, pensei mal? De qualquer forma! Lina Inverse certamente irá vingá-lo!”
“Bom, não é como se eu estivesse morto. Esperava mais que me ajudasse a sair daqui.”
“Hmm... Ok. Só tenho que abrir essa coisa, certo?”
“É o mais provável.” respondeu Halciform (muito inútil, para ser honesta).
“Er, minhas desculpas. Não era minha intenção ser inútil.”
Guh! Me dá um tempo com essa coisa de telepatia!
———
“Gourry!” gritei quando saí da água. “Preciso da sua espada! Me dá ela!”
“Nossa, um pequeno aviso seria bom.” Gourry resmungou, sentando-se onde antes estava deitado no topo do pilar.
Que idiota! Vagabundeando enquanto trabalho igual uma escrava debaixo d’água... Ah, mas não há tempo para resmungos!
“Você estava certo! Tem um cara preso lá embaixo! Quero libertá-lo, contudo preciso da sua espada para fazer isso!”
“Oh, tudo bem.”
Gourry pegou a espada que trazia no cinto com uma das mãos e tirou do bolso um alfinete estreito com a outra. Ele enfiou o alfinete em um pequeno buraco no punho da espada, e um pequeno pedaço de metal caiu no chão com um tilintar, o fecho que mantinha a lâmina no lugar.
Quando Gourry desembainhou a espada, a lâmina permaneceu na bainha e então me entrega a empunhadura sozinha.
‘Ele está apenas brincando com você?’ você pergunta? Não, desta vez não. Peguei a empunhadura em minhas mãos e estendi-a na minha frente.
“Luz, venha!”
Uma lâmina apareceu do punho... Uma lâmina de luz cintilante. Esta é a lendária Espada da Luz que matou a besta demoníaca de Sairaag há muito tempo. (A verdade é que esta espada é a principal razão pela qual estou viajando com Gourry. Ela manifesta o poder espiritual de uma pessoa na forma de uma lâmina, e estou morrendo de vontade de estudá-la.)
Curiosamente, mesmo com o poderoso destruidor de runas de Daymia inibindo a magia ao nosso redor, a lâmina de luz que conjurei da espada não era menos impressionante que o habitual. Me preparei para conseguir apenas uma pequena adaga, todavia... Talvez a espada fosse fundamentalmente diferente do seu item mágico padrão. Precisaria fazer uma pesquisa séria para ter certeza.
“Verificação rápida: isto é apenas um empréstimo, certo? Não posso ficar com ela, não é?” perguntei por cima do meu ombro.
“Claro que não. Agora vá em frente.” falou Gourry, me enxotando.
“Bastardo ganancioso.” fiz beicinho antes de recitar o mesmo feitiço pela enésima, e esperançosamente, última vez. “Lei Asa!”
———
“Val Flare!”
“Dam Blas!”
Quebrar!
Os raios de luz que o Presidente Halciform e eu liberamos romperam o teto bem acima, fazendo com que a luz caísse sobre nós vinda da sala acima, junto com poeira e pedaços de rocha. Nós, junto com Gourry, começamos a subir em direção à luz.
Depois de tirar o presidente da prisão, começamos a usar a Espada da Luz para destruir a barreira, destruindo um de seus pilares fundadores. Ok, eu cortei por acidente o pilar em que Gourry estava no processo, mas de um tempo para uma garota, ok?
Nós três então trocamos um pouco mais de informações sobre a situação, quebramos o chão... Bem, o teto, e subimos com um feitiço de Levitação. Ao nos aproximarmos da câmara ritual acima, fomos recebidos com um lamento incompreensível.
“A propósito, Presidente Halciform, Daymia tem dois mazokus muito poderosos a seu serviço, então tome cuidado.”
“Oho... Entendo.” disse o Presidente Halciform... Alegremente? Que esquisito.
De qualquer forma, subimos pelo chão quebrado e encontramos Daymia parado ali, olhando para nós sem expressão.
“Estamos de volta.” falei com um sorriso.
Teria sido uma entrada super legal se eu não tivesse Gourry agarrado na minha cintura.
“Grwawmwrah!” Daymia clamou sem conjecturar nada que fizesse sentido, caindo para trás.
Nós três então pousamos em uma parte intacta do chão.
“P-Pr-Presidente Halciform!”
“Saudações. Há quanto tempo, vice-presidente Daymia? Meio ano?” Halciform perguntou, o mesmo sorriso alegre ainda no rosto.
Foi... Pra ser honesta, muito assustador. Daymia também parecia pensar o mesmo, ficando branco como um lençol.
“N-Não... Não... Não fui eu! Não fiz isso!” ele conseguiu gritar.
Você meio que tem que apreciar a coragem necessária para olhar para um cara que acabou de sair do seu porão e dizer: “Nuh-uh! Não fui eu!”
“Oh, entendo... Então quem fez isso, posso perguntar?” o sorridente Halciform perguntou.
Como disse: assustador.
“T-Talim! Talim veio! Ele me lisonjeou! Me fez fazer isso! Sempre gostei de você, sério! Então... Então, por favor, me perdoe!”
Ah, vamos lá, cara! Tem que fazer melhor do que essa desculpinha barata!
“Ah, entendo. Suponho que deveria ter uma conversar com Talim, então.”
Hã? Aquilo me pegou um pouco de surpresa. Olhei para Halciform, confusa.
“S-Sim...” a esperança floresceu no rosto de Daymia. “Sim, claro! Salve o grande presidente do conselho da Cidade Atlas! Sim, ah, sim! Não há ninguém mais digno para tal título!”
“Agora, Senhorita Lina, Mestre Gourry... Podemos?” o Presidente Halciform acenou, virando-se e caminhando rapidamente em direção à saída (presumi).
Gourry e eu apressamos em segui-lo.
“Tem certeza que quer apenas... Deixá-lo lá?” perguntei, lançando um olhar para Daymia. O homem estava caído no chão, um sorriso piscando sem parar em seu rosto.
“Positivo.” respondeu o presidente em um tom casual. “Daymia nunca foi na verdade um conversador entusiasmado, entretanto... Sua condição parece ter piorado enquanto estive trancado. Falarei com o Duque Litocharn em alguns dias e realizarei uma reunião do conselho para lidar com ele. Ah, mas até lá, por favor, evite informar Talim que voltei.”
“Não acho que será um problema. Ele mentiu para nós e nos manipulou, então nosso contrato é nulo. E mesmo que não fosse, acho que não conseguiria mais trabalhar com ele.”
“Bom. Parece que é o melhor.”
Naquele momento, tive uma estranha premonição.
Depois disso, nós três saímos. O sol já havia nascido e as ruas estavam cheias de pessoas saindo para trabalhar.
“Bem, devo voltar para minha casa.”
“Claro. A senhorita Rubia ficará encantada em vê-lo, tenho certeza.”
Quando dei essa resposta, o sorriso do Presidente Halciform congelou.
“Você encontrou Rubia?” perguntou.
“Ela é sua assistente, não é? Talim a mencionou.” menti rapidamente. Não tinha certeza do porquê.
Gourry permaneceu perfeitamente inexpressivo apesar da encenação. Ou tinha uma ótima cara de pôquer ou havia esquecido por completo quem era Rubia.
“Entendo... Bom, tome cuidado. Talim ainda pode tentar algo e posso requisitar sua ajuda outra vez.”
“Pode deixar. Estamos hospedados na pousada Dragão de Prata, no centro da cidade. Tenha cuidado também.”
“Claro. Agora, devo ir embora...” Halciform disse com um aceno enquanto se virava, sua capa branca ondulando levemente em suas costas.
Fiquei ali por algum tempo, observando-o partir.
———
Quando acordei, a cidade estava envolta no crepúsculo.
Gourry e eu acabamos voltando para a pousada onde deixamos nossa bagagem pouco antes do meio-dia. Compartilhamos algo para comer e depois fomos para nossos quartos dormir um pouco.
Gourry já estava acordado quando me levantei, então fomos a uma taberna para jantar e discutir nosso próximo passo.
“Bem, acho que estamos ajudando o Presidente Halciform agora, hein?”
“Hmm...” Gourry resmungou infeliz enquanto cutucava sua salada verde.
“O que está errado?”
“Só não consigo parar de me perguntar... Se Daymia estava controlando aqueles dois mazokus, por que não os chamou quando invadimos sua casa?”
“Porque estava parado no meio de um destruidor de runas, dã.” eu disse com um suspiro entre mordidas no refogado de porco. “Mazokus são, em essência, fontes de poder mágico, então mesmo que os tivesse invocado, eles estariam indefesos dentro da barreira de enfraquecimento da magia.”
“Tudo bem, porém destruímos a barreira e partimos. Nem lhe ocorreu enviar os mazokus para acabar conosco? Você faria isso, não é?”
“Com certeza, contudo... O cara não está exatamente no seu perfeito juízo. Não há como uma pessoa normal saber o que se passa dentro da sua cabeça.”
“É por isso que estou te perguntando.”
“O que você está insinuando?”
“Nada de especial.” disse Gourry, olhando para o teto. “Você só não é exatamente normal.”
Isso definitivamente não é nada de especial!
“Bem, talvez não pudesse convocá-los por algum motivo.” sugeri. “Talvez não tenha pensado que escaparíamos tão fácil, então os enviou em alguma missão ou algo assim.”
“Hmm... Sim, acho que isso explicaria. Mas também, por que Talim e Daymia não mataram Halciform em primeiro lugar?”
“Talvez... Eles quisessem usá-lo para alguma coisa mais tarde?”
“Talvez...” Gourry concedeu, embora não parecesse muito convencido enquanto tomava um gole deselegante de vinho de ervas diluído.
Da mesma forma, tomei um gole de leite morno e postulei.
“A verdadeira questão é o que Daymia fará a seguir. Ele é difícil de ler.”
“Sim.” concordou Gourry, balançando a cabeça sombriamente.
Eu poderia imaginar algumas possibilidades, no entanto não havia como saber em que direção iria seguir. Afinal, o cara era maluco.
Opção um: ele pode tentar matar a nós e ao Presidente Halciform. Daymia talvez tivesse seus motivos para manter o presidente vivo antes, porém eles podem não estar mais em jogo.
Opção dois: poderia atacar Talim e oferecer sua cabeça a Halciform para implorar perdão. Quero dizer, obviamente não compensaria o que fez. Poderia até colocá-lo em problemas piores... Contudo esse tipo de preocupação racional poderia iludi-lo até que fosse tarde demais.
Outras opções: ele pode permanecer encolhido em casa. Ou pode fugir da cidade.
Talvez eu devesse ter cuidado do cara antes de deixarmos sua propriedade, apesar da dissuasão do Presidente Halciform...
“A outra grande questão é o que Talim fará. Se perceber que desistimos e decidir agir, poderá tentar entrar em contato com Daymia.”
“E os dois podem se unir de novo.”
“Certo.”
“O que significa que a única coisa que podemos fazer é...”
“Proteger Halciform das sombras?”
“Sim. Mesmo que tenhamos que fazer isso de graça. Entretanto, primeiro jantar, depois trabalho. Ei, barman! Mais um jantar especial!”
Notas:
1. Inofensivo.
2. Aneurisma é a dilatação anormal de uma artéria. Um aneurisma pode se romper e causar uma hemorragia ou permanecer sem estourar durante toda a vida. Os aneurismas podem ocorrer em qualquer artéria do corpo, como as do cérebro, do coração, do rim ou do abdômen.
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