quinta-feira, 16 de outubro de 2025

The Haar — Capítulo 15

Capítulo 15


Muriel se olhou no espelho.

Cinco dias haviam se passado desde a visita de Billy. Durante esse tempo, a vida havia sido tão normal quanto possível, dadas as circunstâncias. O telefone tocou algumas vezes, mas não atendeu. Patrick Grant apareceu no noticiário, culpando o tabagismo (um hábito imundo e repugnante, como ele o chamava) e as precauções de segurança insuficientes pela morte de Arthur. Foi a única declaração crível que já fizera, porém Muriel sabia que não era verdade. Arthur havia sido assassinado. Billy lhe dissera isso.

Tudo parecia um sonho cruel agora. Às vezes, se questionava se aquilo de fato havia acontecido, contudo, a cada vez, tudo o que precisava para convencê-la era uma rápida olhada na criatura em sua banheira e nas manchas de sangue por toda a sala de estar. Ela as guardava lá como um lembrete. Não tinha medo de que ninguém as visse. Com Arthur fora, não haveria mais visitas.

Muriel encarou seu reflexo, a velha no espelho, e mal a reconheceu. Seu rosto estava macilento, suas bochechas outrora rosadas agora lisas e sem cor. O pior de tudo eram seus braços. Estavam roxos e pretos, uma massa de tecido machucado cercando dezenas de pequenos cortes e lacerações de onde havia alimentado Avalon. No entanto não tinha sangue suficiente para cuidá-lo até que se recuperasse por completo, e com certeza não o suficiente para lhe dar forças para se tornar Billy outra vez. Numa ironia sombria, a quantidade de sangue necessária para tal certamente a mataria. Embora talvez houvesse tempo suficiente para se despedir?

Ela puxou as mangas do vestido preto até os pulsos. O funeral de Arthur não teria muita gente, entretanto não podia deixar Terry Munro, Jock e Jeannie Baird verem o que tinha feito consigo mesma.

— Imagine a cara deles se eu aparecesse com Billy.

Sabia que havia uma maneira de trazê-lo de volta. Era bem simples. Avalon precisava de uma grande refeição. Como da última vez, ou mais. Sempre estava com tanta fome. Seu sangue o sustentava, todavia não o nutria. Não o satisfazia. O que precisava era de uma pessoa inteira, só para ele.

Não adiantava pensar nisso. A própria ideia era doentia. Não conseguia. E mesmo que conseguisse, o que aconteceria? Quantas refeições seriam necessárias? Quantas vidas...

Não. Prometeu a si mesma que nem consideraria a ideia. Não era uma opção. O garoto que havia morrido... Era uma pessoa má. Um assassino. Era justificado.

Há muitas pessoas más no mundo.

Uma buzina de carro soou lá fora. O táxi. O funeral de Arthur estava acontecendo na cidade vizinha de Muir, já que o cemitério de Witchaven não existia mais, os corpos tendo sido desenterrados e transportados para outro lugar para dar lugar ao campo de golfe de Grant. Um bloco de banheiros portáteis para os trabalhadores agora marcava o local onde ficava a antiga capela... Onde outrora trocara votos com Billy.

Muriel arregaçou as mangas, despediu-se de Avalon e foi embora.

———

Quando o táxi passou pela casa que, na semana anterior, pertencera aos Farquhars, Muriel desviou o olhar. Não suportava ver outra peça de dominó cair. Imaginou se estariam no funeral de Arthur. Improvável.

Provavelmente já estavam longe.

Quando saiu do táxi, Terry Munro já estava lá, conversando sombriamente com Jock e Jeannie. Era a primeira vez que Muriel os via desde a reunião da cidade na semana anterior. Antes de Avalon, antes do derramamento de sangue... Antes de Billy.

Os olhos de Jeannie brilharam e, antes que Muriel percebesse o que estava acontecendo, os braços da mulher a envolveram.

— Ah, Muriel! Sinto muito. Tentei ligar, mas...

— Não atendi o telefone. — disse Muriel. — Não estou com vontade de conversar.

Jock tirou o cachimbo dos dentes e acenou com a cabeça para ela.

— É, eu entendo.

Terry deu um tapinha no seu ombro.

— Ele era um bom homem. — disse bruscamente. — Sentiremos sua falta.

— Sim, sentiremos. — disse Muriel. — Sentiremos.

A chuva começou a cair, então os quatro entraram na capela e aguardaram o início do culto. O filho de Arthur e sua família estavam lá, dois bancos à frente, já discutindo como gastar a herança.

Ele nem está no túmulo ainda, pensou Muriel. Ainda assim, a piada era com eles. A menos que Arthur tivesse um seguro de vida caro, a herança havia virado fumaça no incêndio. Nunca havia aberto uma conta bancária e guardava todo o seu dinheiro em uma lata de metal acima da lareira e em uma caixa de sapatos debaixo da cama.

Jeannie segurou a mão de Muriel quando o pastor apareceu e o culto começou. Este falou longamente sobre a vida de Arthur no mar, e Muriel percebeu que seus pensamentos se voltavam para o oceano e as maravilhas que o cercavam. Terry foi chamado à frente e permaneceu impassível enquanto dizia algumas palavras sobre a amizade deles, com a voz embargada apenas no final. A chuva batia forte no vitral, e Muriel fechou os olhos e fez uma prece silenciosa.

———

Após o culto, Muriel ficou esperando a carona para casa. O táxi estava atrasado e a chuva caía forte. Ela se abrigou sob o guarda-chuva e pensou em Avalon. Sangue animal seria suficiente? Será que conseguiria alimentá-lo com uma vaca? Que tolice! Mesmo que conseguisse abater um animal indefeso, o que sabia que não conseguiria, como o transportaria de volta para sua casa? Em seu carrinho de mão?

— Muriel.

A voz a trouxe de volta à realidade. Terry estava por perto, sob seu próprio guarda-chuva preto. Seu semblante denotava seu cansaço.

— Foi um bom culto. — comentou Terry.

— É. Ainda bem que foi dentro da capela.

Terry assentiu. Os dois observaram Jock e Jeannie entrarem em seu velho Vauxhall Corsa. Jock estava no banco do motorista. Muriel balançou a cabeça enquanto acenava solenemente para o casal.

— Aquele velho idiota não deveria estar dirigindo. — disse ela. — Ele é cego como um morcego.

Terry assentiu de novo e pigarreou.

— O que houve? — disse Muriel.

Ele fingiu surpresa.

— Por que pergunta?

— Porque esta é a primeira vez que te vejo quieto por mais de trinta segundos.

Os faróis penetraram a chuva, iluminando-os por um momento e depois passando.

— Eu... Estive falando com Jock e Jeannie. — disse Terry. — Estávamos pensando.

Foi a vez de Muriel assentir.

— Ah, sim. Sobre o quê?

— Sobre um monte de coisas. Arthur. Witchaven. Grant...

— Só diga logo. — ela retrucou.

— Vamos, Muriel, não precisa...

— Você aceitou a oferta, não é?

— Não. Ainda não. — ele esfregou os olhos. — Mas vamos aceitar.

Muriel suspirou. Embora as palavras não fossem uma surpresa, ainda assim partiram seu coração. Olhou para seus pés, para seu reflexo distorcido nas poças.

— Por quê, Terry?

Sua mão afrouxou a gravata como se estivesse sufocando.

— Não podemos mais lutar contra eles. Vamos, Muriel, olhe para nós! Somos quatro velhos caducos contra um dos homens mais ricos do mundo. Não temos a mínima chance. Pelo menos assim, temos algo para mostrar.

— Então é isso? Você desiste de tudo em que acredita por algumas centenas de milhares de libras?

Incapaz de encará-la, Terry desviou o olhar.

— Eles cancelaram a oferta, Muriel. Demoramos muito para decidir. São cinquenta mil agora. Sabem que vão ganhar. — Terry desviou o olhar da calçada e fez um breve contato visual. — Aceite a oferta. Por favor. Antes que seja tarde demais. Se esperar mais uma semana, terá sorte se conseguir quinhentas libras.

— Não se trata de dinheiro. Nunca se tratou.

— Eu sei. — disse Terry. — É sobre o passado. É sobre o Billy. Porém ele já se foi há bom um tempo. Tenho certeza de que gostaria que você fosse feliz.

— Exatamente. E é por esse motivo que nunca vou embora, não até que me arrastem para fora, aos gritos e aos pontapés.

— Se chegar a esse ponto, eles vão.

Ela riu sem graça.

— Você é um covarde, Terry. É um covarde inútil.

— Talvez. Contudo sei quando aceitar a derrota. Não há vergonha nenhuma nisso.

Muriel gesticulou em direção à capela.

— Eles o mataram, sabia?

— Quem?

— Arthur. Grant contratou alguns homens para incendiar a sua casa.

— É mesmo? — disse Terry, cansado.

— Seus homens o mataram, e em vez de lutar por justiça, vai só se virar e deixar Grant fazer cócegas na sua barriga e te jogar uns restos. Pensei que fosse um advogado figurão.

Terry olhou para Muriel com tristeza.

— Isso foi há uma vida. — respondeu. — Agora, acho que sou apenas um... O que foi? Ah, sim, um velho covarde inútil. E estou bem com isso. Estou mesmo.

Um carro prateado parou, espalhando uma poça d’água sobre os sapatos e meias de Muriel. A janela se abriu e um homem se inclinou para fora.

— Táxi para Munro?

— Sou eu. — disse Terry. Ele caminhou em direção ao veículo, abriu a porta e olhou para ela. — Cuidado, Muriel. Se o que acabou de me dizer for verdade e ainda assim não vai aceitar a oferta, então... Tenha cuidado.

Terry fechou o guarda-chuva e entrou no táxi. Virou-se para ela uma última vez, como se estivesse prestes a dizer algo, para compartilhar mais uma preciosa pérola de sabedoria... E então mudou de ideia. A porta bateu e acenou pela janela manchada de chuva. Muriel ergueu uma das mãos, observando os últimos ratos abandonarem o navio que afundava, deixando-a sozinha perto dos portões do cemitério, sob a chuva torrencial.

— E então sobrou um. — disse ela.

Ela sorriu para si mesma.

— Na verdade... Dois.

***

Link para o índice de capítulos: The Haar

Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.

Chave PIXmylittleworldofsecrets@outlook.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário