quinta-feira, 23 de outubro de 2025

The Haar — Capítulo 17

Capítulo 17


Aaron Walters tirou a balaclava da cabeça. A lã lhe ardia na pele, e esfregou a mão na testa enquanto se aproximava da banheira e espiava lá dentro.

A velha vagabunda flutuava de bruços no próprio sangue. Era uma visão medonha, mas não o incomodava. Já tinha visto pior. Que diabos, já tinha feito pior, como espancar um lojista até a morte com um cano de chumbo por ameaçar processar o Sr. Grant. Aquele pobre coitado ficou irreconhecível, com o rosto reduzido a uma massa amassada. Pelo menos tentou se defender.

Ele se virou para seu parceiro, Kevin Henker.

— Merda. Essa foi fácil.

Kevin tirou a própria máscara e a enfiou no cós da calça jeans preta.

— Achei que teríamos mais trabalho.

— É. Ela tem sido muito durona com as vendas. — Aaron lançou um olhar conspiratório para Kevin. — E aí, cara. Vamos dizer ao Conor que ela lutou. Não queremos que pense que pode nos pagar menos ou nada.

— Ele não ousaria. Temos sujeira suficiente sobre a Organização Grant para enterrá-los de vez.

Aaron deu um sorriso irônico.

— Eu não diria isso muito alto, a menos que queira acabar como a velha.

Kevin se aproximou e olhou para a mulher, recuando diante da cena.

— Que nojento. Vamos deixá-la lá?

Aaron suspirou. Kevin nunca conseguia lidar com um pouco de sangue. Ele estava no ramo errado.

— Por que não? É um lugar tão bom quanto qualquer outro. Agora vamos lá, vamos verificar se não deixamos nenhuma impressão digital e sair daqui.

— Pensei que a polícia tivesse sido paga?

— Foram... — disse Aaron. — O que não quer dizer que quero correr riscos.

Ele conduziu Kevin para fora da porta e a fechou atrás de si. Ao fazê-lo, ouviu algo borbulhando na banheira. Talvez algum gás escapando do corpo, imaginou, lembrando-se da vez em que estrangulou um dos rivais de Grant até a morte em sua piscina particular, o corpo inchando e liberando gás enquanto Aaron limpava e removia qualquer vestígio de que já tivesse estado lá.

Verificou o corredor e, de fato, haviam espalhado lama e sujeira no carpete. Nessas circunstâncias, Aaron teria incendiado o prédio. Fogo era a melhor maneira de remover evidências, todavia Conor Grant lhe dera instruções estritas para não fazer isso. Depois que a casa dos Eastman pegou fogo algumas noites antes, seria óbvio demais.

Teriam de limpar a bagunça desta vez.

— Tire as botas e deixe-as na porta. — disse ao parceiro. Os dois caminharam até a cozinha com meias puídas, o chão frio sob as solas dos pés. Enquanto Aaron enchia uma tigela de água, Kevin observou as manchas de sangue nas paredes da sala de estar.

— O que você acha que fez isso? Um urso?

Aaron bufou.

— Na Escócia? Não seja idiota. Não têm ursos aqui.

— Nem mesmo pequenos?

Aaron olhou de soslaio para o parceiro.

— Não. — respondeu devagar. — Nem mesmo... Quer dizer, qual é, cara, que porra é essa? O que está querendo dizer? Ursinhos?

— Sei lá. Eles têm essas coisas, não têm? Haggis
¹, ou algo assim. São pequenos.

— Você é um idiota. — disse Aaron. — Haggis vivem no subsolo. Eles não...

Um respingo.

De alguma forma, estava distante e próximo. Aaron fechou a torneira e os dois homens esperaram em silêncio.

— Aquilo foi...

— Silêncio. — sibilou Aaron. Ele empurrou o outro homem para o lado e entrou sorrateiramente na sala de estar. A velha não podia estar viva ainda. Aquela banheira estava cheia de sangue. Estava transbordando. Um homem com o dobro do tamanho não teria sobrevivido.

Um baque.

Veio do fim do corredor.

A boca de Aaron estava seca. Sabia que deveria investigar, mas algo o impediu. Uma sensação de autopreservação? Olhou para Kevin, com uma expressão de perplexidade no rosto do homem.

Passos dolorosamente pesados ​​ressoaram no pequeno banheiro no final do corredor. Aaron tentou clarear a mente. Que diabos estava acontecendo? A velha estava morta. E se não estivesse, então, merda, iria a matar de novo com prazer.

Porém não parecia ser ela. Não parecia ser de jeito nenhum.

— Tem mais alguém aqui? — perguntou Kevin.

Aaron balançou a cabeça.

— Não tinha ninguém.

— Talvez eles tenham entrado pela janela? — sua voz se transformou em um sussurro assustado. — Talvez seja um haggis.

Mais passos. Mais pesados, mais rápidos, ecoando pelo corredor. Aaron recuou, esbarrando em Kevin. Os homens se entreolharam, e então a porta se abriu e algo veio correndo em sua direção.

Fosse o que fosse, não era humano.

As pernas eram deformadas e descoloridas, quase um verde-rosado, com um pênis nodoso e meio formado entre elas. E acima da cintura?

Bem, movia-se como um homem. Contudo faltavam muitas... Partes.

Não tinha rosto, apenas uma cabeça bulbosa, no centro da qual se encontrava um vasto olho branco, cercado por veias e nervos brilhantes. Sem pele, a massa gelatinosa e elástica estremecia a cada passo.

Estava vindo em direção a Aaron.

Ele se jogou para o lado, batendo no chão quando a coisa colidiu com Kevin.

Seu parceiro não teve chance.

Os dois desabaram sobre a mesa de centro, quebrando a madeira e lançando uma caneca de chá frio pelo ar. A criatura estava em cima de Kevin, abafando seus gritos frenéticos. Aaron tentou se levantar para ajudar o amigo, no entanto só conseguiu assistir, horrorizado, à fera derreter da cintura para baixo, acumulando-se no chão e encharcando as pernas de Kevin. A calça jeans preta do homem secou até desaparecer, e Kevin gritou enquanto a fumaça subia de sua parte inferior, sua pele descascando ao toque ácido do monstro.

Aaron se forçou a se levantar, suas mãos encontrando um abajur de metal. Cambaleou em direção à atrocidade à sua frente e desceu a base pesada sobre o que parecia ser a cabeça da criatura. A cúpula se partiu em metades desordenadas como frutas podres, a gosma branca do globo ocular explodindo e chovendo sobre o rosto uivante de Kevin.

Dois braços humanoides distendidos se estenderam para Aaron. Ele recuou um passo para trás, mas os membros dispararam em direção à sua cabeça, as mãos macias e translúcidas agarrando suas orelhas e puxando-o para a frente com grande força. Ele caiu de joelhos, tremendo diante do horror inimaginável. Os gritos de Kevin haviam se transformado em gemidos baixos e estrondosos enquanto a criatura o consumia. Aaron podia ver o sangue jorrando pelas veias da fera, iluminando-a até que brilhasse como um farol, cores vívidas de beleza obscena girando pela sala.

As mãos da coisa forçaram a entrada na boca de Aaron, agarrando suas bochechas. Ela as rasgou, a pele nos cantos de seus lábios se rasgando enquanto uma sensação curiosa e indolor o dominava. Ele se viu refletido no espelho, o pescoço inchando enquanto a criatura empurrava o braço ainda mais para baixo em sua garganta, porém não sentiu dor. Testemunhou seu próprio corpo cedendo e ouviu o estalar de suas costelas, uma a uma, até que seu torso não passasse de um saco horrível de sangue.

Como ainda estava vivo? Como?

A carne em sua barriga se moveu, a mão da criatura agarrou sua pele por dentro, puxando-a para um aperto firme.

Aaron olhou para cima e viu a velha parada na porta, observando. Embora seus braços estivessem manchados de sangue, os cortes profundos haviam cicatrizado. Era um milagre.

Um milagre!

Existe um Deus, pensou Aaron, e então a criatura puxou com força sua pele e o virou do avesso como uma fronha carnuda e repugnante.

———

Muriel se encostou no batente da porta.

Que bagunça Avalon estava fazendo. Ainda bem que não tinha limpado depois da última vez.

Ela observou os dois homens evaporarem à sua frente, seus corpos se desfazendo, os pedaços nadando no organismo de Avalon como purpurina. O som era a pior parte, como uma criança sugando o resto do suco com um canudo. Queria tapar os ouvidos, porém seus braços estavam dormentes de onde Avalon havia fechado seus ferimentos, então eles pendiam ao lado do corpo, inúteis e esquecidos.

Ela se encostou na porta, esperando que Avalon terminasse. Não demorou muito.

Uma nova cabeça começou a crescer nos ombros, um balão inflado de uma feiura enlouquecedora e sem traços característicos.

O grande olho se abriu e olhou diretamente para ela.

— Deixe-me vê-lo. — disse Muriel.

Um rodopiante caos pastel brilhava lá de dentro, enquanto a forma sobrenatural de Avalon se transformava e se distorcia em algo semelhante a um humano.

Muriel fechou os olhos e sorriu.

Eles estariam juntos novamente em breve.



Notas:
1. Haggis é uma criatura fictícia do folclore escocês, considerada nativa das Terras Altas da Escócia. É comicamente considerado a fonte do haggis, um prato tradicional escocês que na verdade é feito com as entranhas de ovelha (incluindo coração, pulmões e fígado).

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Link para o índice de capítulos: The Haar

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