Capítulo 13
Muriel sabia que não era ele. Não poderia ser. Billy estava morto, e já estava havia mais de uma década. Embora seu corpo nunca tivesse sido encontrado, a guarda costeira realizou uma busca completa e a polícia vasculhou as praias sem sucesso. Seu marido apenas desapareceu nas profundezas geladas do Mar do Norte e nunca mais voltou. Eles até realizaram uma cerimônia em sua memória, porque Billy McAuley estava morto e enterrado. E, ainda assim...
Lá estava.
— Não! — ela conseguiu dizer. Respirar era difícil, como se tivesse esquecido como.
— Muriel. — o ser se aproximou com passos lentos e pesados, sangue espalhado pelo rosto e pelo peito. Pingava de seus dedos.
— Não é você. — disse Muriel. — Não pode ser.
Seu corpo queria correr, fugir daquela monstruosidade. Esfregou os olhos úmidos. Uma alucinação, tinha que ser. O estresse da morte de Arthur, dos últimos anos... Estava começando a dominá-la. Fechou os olhos e contou até dez.
Um, dois, três...
Os pés descalços chapinhavam no sangue.
Quatro, cinco, seis...
Ouviu a sua respiração, sentiu-a na pele.
Sete, oito...
Uma mão tocou seu rosto.
— Me deixe em paz. Por favor, me deixe em paz.
As pontas dos seus dedos acariciaram sua bochecha. Foi um toque delicado. O toque de um amante. Seus olhos úmidos se abriram e olhou para o rosto do marido morto.
— Será que enlouqueci? — sussurrou, com o coração batendo descompassadamente.
Billy balançou a cabeça. Uma expressão de concentração cruzou seu rosto.
— Não. — murmurou, os lábios lutando para formar a palavra. Tentou de novo, com mais sucesso desta vez. — Não. —colocou a palma da mão na têmpora dela e a deixou ali.
Uma curiosa felicidade desceu sobre Muriel, pulsando em ondas da mão de Billy. Os olhos dele reviraram para trás, luzes coloridas dançando profundamente dentro dos orbes brancos.
— Avalon. — disse Muriel, enquanto a euforia tomava conta. Inundou suas veias, entorpecendo seus nervos. Sentiu-se leve, serena, e permitiu que Billy a acompanhasse até o sofá e a deitasse. Lá, ele se agachou ao seu lado, olhando-a atentamente.
— É você, não é? — perguntou. — Avalon.
Ele assentiu.
— Sou aquele que chama de... Avalon. — sua voz saiu com dificuldade, como se cada nova palavra fosse um esforço.
Muriel sabia que não deveria se sentir tão relaxada. O que estava testemunhando, o que estava ouvindo, era impossível.
Você finalmente enlouqueceu.
— Avalon... — continuou Muriel, ignorando a voz em sua cabeça. — O que você fez?
— Fiz a dor passar.
Muriel o encarou por um longo tempo. Então, estendeu a mão e tocou seu braço. Estava frio e úmido.
— Como? — perguntou.
Avalon inclinou a cabeça como se tentasse entender. Enquanto o fazia, Muriel examinou seu rosto em busca de imperfeições, de uma falha na ilusão. Não encontrou nenhuma. Era Billy, recriado com perfeição. Bem, não de tudo. Era bem mais jovem do que quando morrera. Seu cabelo não era mais branco. Em vez disso, era escuro e com mechas grisalhas. As linhas ao redor dos olhos estavam menos pronunciadas, seu queixo mais firme, mais forte.
— Você é igualzinho a ele.
— Eu o encontrei nas suas memórias. — disse. — Tantas memórias. Você o manteve vivo lá dentro. Nunca esqueceu.
— E nunca esquecerei. — falou, desabando.
— O que houve?
Muriel não conseguia olhá-lo.
— O que houve? O que houve? — Avalon tocou a mão dela, e ela a retirou. — Estou deitada no meu sofá com meu marido, que está morto há doze anos e que na verdade é um monstro marinho, e tem a audácia de me perguntar o que houve?
Ele a olhou sem entender.
— Prefiro o termo criatura marinha.
Atordoada, Muriel apenas ficou lá.
— Criatura, não monstro. — continuou Avalon. — Monstro implica... Mau. Não sou mau.
— Então, de quem é esse sangue espalhado pela minha sala de estar?
— Tommy Christopher Boden. — respondeu, com naturalidade. — Ele veio aqui enquanto você estava fora.
Muriel suspirou.
— E quem, em nome de Deus, é Tommy Boden?
— Aquele que matou seu amigo e eu o consumi. Com isso consegui a força que precisava... — gesticulou para o próprio corpo. — Para isso.
— Estou perdendo a cabeça. — disse Muriel. — Estou ficando louca.
Ela se sentou, com a cabeça girando, e passou por Avalon, indo em direção ao armário da cozinha. Lá, no fundo, havia uma garrafa de uísque. Sempre guardava uma para aquelas noites em que Arthur estava melancólico e aparecia para relembrar e jogar gin rummy¹. Com a mão trêmula, inclinou a garrafa e encheu um copo. Lembrando-se de suas boas maneiras, disse.
— Gostaria de uma bebida?
— Sim. — foi a resposta. Avalon estava parado bem ao seu lado.
— Não te ouvi entrar. — disse, surpresa.
— Sou muito quieto.
— Bem, isso não é nada típico do meu Billy. Ele era um sujeito barulhento.
Ela pensou no marido galopando pela casa com suas botas de trabalho e começou a rir. Avalon a observou. Sua boca se abriu, emitindo um som curioso. Aquilo a lembrou de um vídeo que seu neto lhe mostrara certa vez, de uma cabra gritando. Isso fez Muriel rir ainda mais. Avalon tentou de novo, e desta vez o riso foi perfeito. Era justo como Muriel se lembrava. De alguma forma, era exatamente como se lembrava.
Ela tocou o rosto dele, passou os dedos pela bochecha barbeada e teve certeza de que era ele, seu Billy, e não algum impostor.
— Senti tanta sua falta. — Muriel disse, seu riso se transformando em lágrimas. Ela enterrou o rosto no ombro dele.
— Senti sua falta também. — ele disse.
É Billy ou Avalon falando?
Mas naquele momento de perfeita felicidade, Muriel não se importou.
Que diferença fazia? Billy estava ali.
Ele estava em casa.
Notas:
1. Gin Rummy é um jogo de baralho normalmente jogado entre 2 a 4 pessoas. Muito parecido com o buraco, o vencedor é aquele que conseguir baixar todas as cartas de sua mão.
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