terça-feira, 28 de outubro de 2025

The Haar — Capítulo 18

Capítulo 18


Na última casa habitada restante em witchaven, um velho casal estava sentado no sofá. A esposa dava as mãos à do marido, um cobertor de tricô sobre as pernas enquanto a lareira crepitava. A televisão estava ligada, banhando-os com um brilho azulado e fresco, enquanto, além das quatro paredes, o vento assobiava e as ondas batiam sem parar contra a praia.

Muriel observava a tela, mas prestava pouca atenção, preferindo lançar olhares amorosos ao marido. Pensar em todo o tempo que havia perdido lamentando não ter podido se despedir. E agora ali estava! Deveria ter tido fé. Fé no Senhor. Fé no mundo natural.

Fé em Billy.

Aconchegou-se mais perto, apoiando a cabeça no peito dele.

— Você não tem batimentos cardíacos. — sussurrou.

— Não preciso de um coração. — disse Billy. Antes que Muriel pudesse responder, este se inclinou e beijou o topo de sua cabeça. — Você sempre gostou quando ele fazia esse gesto.

— Quando você fazia isso. — corrigiu.

— Sim. — ele fez uma pausa. — Quando eu fazia isso. Pois sou Billy McAuley, e...

— Shhh. — Muriel interrompeu, levando um dedo aos seus lábios. Tirou a mão e a passou pelo peito dele, traçando a lapela do paletó. — Vou precisar te tricotar um suéter novo. Não posso deixá-lo usar suas roupas de casamento em casa. Elas vão ficar sujas.

Dessa vez não houve resposta, e Muriel ficou satisfeita.

— E uma cueca. — continuou. — Não vou deixar meu marido perambulando por Witchaven sem calças. — ela riu disso como se tivesse dezesseis anos e, pela primeira vez em muitos anos, seus pensamentos se voltaram para os primeiros dias do relacionamento deles, para aqueles encontros doces e ilícitos. Sua primeira vez, tão dolorosa, o entusiasmo adolescente de Billy se esvaindo ao ver seu sangue. Seu rosto pálido e chocado, nenhum dos dois sabendo o que fazer.

Pensou naquele dia na Caverna de Rory, iluminada apenas pelo brilho suave das velas, Billy ajoelhado, ela aceitando o anel fino que seguia usando e como a havia despido, seus olhos fechados enquanto ele desabotoava seu vestido, sua barba arranhando seu pescoço, suas mãos encontrando seus seios, sua...

Um sorriso satisfeito cruzou seus lábios enquanto estremecia com a lembrança. Não se sentia assim há anos. A vida sexual deles tinha sido boa. Ah, tinha diminuído a cada década, graças ao desgaste que o tempo cobrava de seus corpos, e quando chegavam aos sessenta, geralmente preferiam sentar juntos e assistir TV como estavam fazendo agora, embora ainda assim... As vezes se perguntava se ainda tinha isso dentro de si. O impulso, a paixão.

A maneira como seu corpo ansiava por Billy, achava que ainda sentia.

Levantando a cabeça do seu peito, beijou-o na bochecha. A resposta foi lenta, virando-se para olhá-la. Deus, como ele era lindo.

Beijou novamente, e desta vez seus lábios encontraram os dela.

De repente, uma vida inteira de memórias a inundou.

Lá estava, brincando na praia com Bessie, a labradora da família, jogando pedras com as amigas, escondida em um abrigo antiaéreo enquanto sirenes soavam pelas ruas. O sol nascendo sobre sua cidade natal, Aberdeen, seu primeiro dia na escola, seu primeiro dia na faculdade, trabalhando no mercado de peixes.

Sentada curvada sobre a mesa desenhando, sua primeira dança com Billy no casamento deles, resgatando um homem morto do mar.

Seu corpo estremeceu. Tentou se afastar, contudo Billy a agarrou com força.

Uma mulher se contorcendo embaixo dela, nua e gritando com a boca cheia de sangue. Um bebê deitado na sarjeta, meio comido por ratos, uma cova cheia de cadáveres devastados pela peste, sangue escorrendo pelas paredes, uma criança...

— Deus, não! — gritou, afastando-se de Billy, de Avalon, esfregando os olhos freneticamente, com a bile subindo do estômago. Muriel recuou, tropeçando na mesa de centro quebrada e caindo. — Essas não são minhas memórias!

Avalon observou-a com curiosidade.

— Não. São minhas.

— Você fez essas coisas? Você...

— Não. As pessoas que consumo... Se tornam parte de mim. Suas memórias vivem dentro de mim.

— Mas aquelas foram coisas horríveis.

Muriel pensou que fosse vomitar e esperou a náusea passar.

— Foram coisas horríveis, terríveis.

— Desculpe, Muriel. Perdi o controle e deixei essas memórias saírem. Não vai acontecer de novo. — ele levou a mão à cabeça, fechando os olhos. — Sinto-me fraco. Preciso descansar. Preciso... Comer.

— Você acabou de fazer isso. — disse ela, olhando-o horrorizada. — Aqueles homens. Foram...

— Vá dormir. Vai ser diferente amanhã. Vai ser melhor. Prometo.

Ele passou por ela e entrou no corredor. Muriel ouviu a porta do banheiro se fechar e o som de Avalon se abaixando na banheira, a água chacoalhando de um lado para o outro. A TV seguia ligada e estendeu a mão firme para o controle remoto. Desligou o aparelho e permaneceu no chão até que os efeitos eufóricos do toque de Avalon começaram a passar. À medida que passavam, as antigas dores e incômodos retornaram como hóspedes indesejados. Levantando-se, antes que o pior acontecesse, foi até o quarto. O terno de Billy jazia jogado no chão do corredor, tão plano e sem vida quanto o homem que Avalon havia virado do avesso naquela mesma noite.

As imagens que vislumbrara na mente de Avalon... Aquelas pequenas visões do inferno, já estavam se desvanecendo e, enquanto adormecia, não conseguia se lembrar de quase nada delas. Que vida havia levado antes de encontrá-la? Quantas vezes emergiu do mar em busca de sustento? Quantas pessoas matou? Estaria segura estando ao seu lado?

E o mais importante... Ela se importaria?

———

Muriel acordou no meio da noite, ciente de uma presença em seu quarto. Olhou ao redor com os olhos semicerrados, porém a escuridão era absoluta. As máquinas trabalhavam lá fora, incansáveis. Nunca haviam soado tão próximas.

— Foi só um sonho. — murmurou para si mesma. — Só isso.

Tinha sido um dia difícil, um dia que teria deixado uma mulher qualquer louca. Tentou ouvir Billy na banheira. A água estava parada. Devia estar dormindo. O que faria com ele? Não podia continuar assim. Não podia conseguir corpos para alimentá-lo só para...

Uma tábua do assoalho rangeu no quarto.

Havia alguém ali com ela.

— Quem está aí?

Tentou ouvir com mais atenção. Não havia sons, nem mesmo respiração. Avalon respirava? Não tinha certeza.

Muriel se sentou com dificuldade, a coluna dolorida contra a cabeceira de madeira.

E então viu.

No canto.

Uma pessoa.

— Billy? É você?

Seus olhos se adaptaram à escuridão, à figura pálida que permanecia perto da porta.

— Avalon?

Muriel estendeu a mão para o abajur, seus dedos procurando o interruptor enquanto a figura vinha em sua direção, caminhando à sua frente, braços estendidos.

Era uma mulher.

Ela estava nua, com os olhos vazios, o rosto inexpressivo. As pontas dos dedos se estendiam em direção a Muriel como antenas, pingando um fluido viscoso no carpete.

Quando os dedos alongados se prenderam às suas têmporas e uma onda de cansaço a atingiu como um trem de carga, seus dedos encontraram o interruptor e o pressionaram, iluminando a mulher.

Muriel queria gritar. Queria muito, mas sua laringe se recusava a obedecer, sua garganta emitindo um ruído seco e horrível. A mulher nua pairava sobre ela e, enquanto Muriel perdia a consciência, olhou nos olhos de uma bela jovem que não via há muito, muito tempo.

Ela mesma.

***

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