Capítulo 43: Mais um dia, mais um busca pela Espada Mágica
As ruínas desoladas estavam mergulhadas na escuridão. Gourry e eu prendemos a respiração, procurando por qualquer sinal de movimento. Uma luz fraca irradiava do orbe mágico brilhante sobre nossas cabeças enquanto instantes de silêncio se passavam. Houve um brilho sombrio na luz. E então, após um instante que pareceu curto demais e terrivelmente longo... Ele surgiu.
Gourry! Eu queria gritar, mas antes que pudesse, meu companheiro se virou para encarar a presença emergindo da parede.
“Hyah!” com um grito de esforço, desferiu um golpe violento com sua espada!
Pude ouvir o zumbido de um vácuo em colapso enquanto sua lâmina cortava a coisa que saía da parede... O fantasma. Greeee! A criatura soltou um grito ensurdecedor enquanto desaparecia em uma nuvem de névoa branca.
“Eu... Fiz isso?” perguntou Gourry, mantendo sua postura de luta.
Devolvi um firme aceno em resposta.
“Ótimo! Consegui!” Gourry sorriu radiante, erguendo a espada em triunfo.
Fiquei ali parada, sem saber como reagir à folia de Gourry. Quer dizer... Era só um fantasma, cara. Nada tããão emocionante.
———
“Sério, abater um fantasma sequer é algo para se comemorar?” ainda murmurava para mim mesma enquanto jantávamos em um pequeno estabelecimento.
“Mas nunca tive uma espada que pudesse ferir fantasmas antes... Então, pessoalmente, acho que é bem legal!” respondeu Gourry, despreocupado, enquanto devorava algumas sardinhas fritas.
Respondi com um suspiro profundo.
“E a Espada da Luz, cara? Não me diga que já esqueceu dela!”
“Por que esqueceria?” perguntou Gourry, num tom imperturbável.
Droga...
A Espada da Luz era uma das armas mágicas mais lendárias conhecidas pela humanidade. Ela apareceu em muitas sagas de menestréis, e não havia um feiticeiro por aí que não tivesse ouvido seu nome. A tal espada mágica incrível estava em posse do Gourry Cabeça de Vento aqui... Porém ele a perdeu como resultado de uma série de eventos específicos. Então, lá estávamos nós, em uma longa e sinuosa jornada para encontrar uma espada mágica substituta.
Agora, você deve estar pensando: ‘O quê? Ele não consegue se virar com uma espada normal?’. E se sim, a piada é com você, amigo. Existem vilões neste mundo que uma espada comum não consegue nem arranhar... E estou falando sério. Os mais fracos são os seus fantasmas assustadores; os mais fortes são os seus mazokus puros. Agora, se fantasmas fossem a nossa maior preocupação, então, claro, Gourry poderia apenas relaxar enquanto eu servia o velho bufê de feitiços de ataque. Contudo os mazokus? Eles exigiam, digamos, uma abordagem mais complexa.
Na verdade, tivemos que lutar contra um há pouco tempo, e devo dizer... Gourry com uma espada comum não tinha estado nem próximo de ser suficiente. Aquele encontro todo me deu uma vontade enorme de comprar uma espada mágica para ele... Qualquer espada mágica, assim comprei uma paliativa numa loja de magia na cidade outro dia. Praticamente o único motivo pelo qual aceitamos o péssimo serviço de banir-o-fantasma-das-velhas-ruínas-assustadoras-por-troco foi para testar sua nova lâmina.
“Certo, Gourry. Escute!” chamei, balançando o garfo de um lado pro outro. “Essa espada pode matar um fantasma, é verdade, no entanto ainda é apenas uma lâmina prateada comum incrustada com alguns talismãs de joias. Não vai resistir a Flechas Flamejantes de um feiticeiro, muito menos a um mazoku puro. Aliás, pode ser óbvio, entretanto ela vai quebrar se usar força suficiente.”
“Aha...” Gourry parou de comer e encarou a espada encostada na mesa. Então resmungou. “Então é barata.”
“É barata, hein? Quem acha que pagou por essa coisa? Quer dizer, claro, em termos de espadas mágicas, é mais acessível... Mas mesmo assim era dez vezes mais cara do que qualquer espada normal!”
“Oh, então é cara?”
“Sim! Então tome cuidado, ok? Deveria tratá-la como se fosse uma espada normal. Está entendendo?”
Gourry apenas cantarolou e coçou a cabeça, confuso.
“Para sua informação... Se estiver prestes a dizer ‘Eu não estava ouvindo’ ou ‘Estava ouvindo, porém já esqueci o que disse’, vou te dar uma porrada, então escolha bem suas palavras.”
“Não, estou ouvindo e me lembro. Essa espada não corta magia nem mazokus, e vai quebrar se for muito bruto ao manejá-la, certo?”
Wow! O grandalhão realmente ouviu pela primeira vez!
“Então por que toda essa hesitação?”
“Bom... Consigo me lembrar de tudo agora. Só estou me perguntando se vou me lembrar quando chegar a hora de usá-la.”
“Não seja tão autodestrutivo! Comprometa-se a se lembrar!” gritei, espetando um pedaço de frango teriyaki, que logo enfiei na boca e engoli. “Essa espada vai ter que durar até encontrarmos uma melhor, então, porra, tome cuidado com ela desde já!”
“C-Certo...” Gourry assentiu com firmeza, talvez intimidado demais para discutir, enquanto pegava um camarão frito com o garfo na outra mão.
Não me acuse de ser reclamona, ok? Essa coisa me custou uma fortuna! Mesmo pelo menor preço possível como um artigo de segunda mão, uma espada com talismãs significa um acréscimo exorbitante.
“Contudo Lina, acha mesmo que vamos encontrar uma espada mágica poderosa? Estamos procurando há alguns meses e todos os rumores que ouvimos acabaram sendo fraudes e falsificações.”
“Admito que encontrar uma não será fácil, mas um dia conseguiremos. Eu acredito. Sempre há uma chance!” falei, ecoando a sabedoria que um ancião dragão dourado havia compartilhado comigo. Em seguida, tomei um gole de chá preto quente para acompanhar minha refeição.
———
Mais tarde naquela noite, fui acordada... Thump... Por algum tipo de som.
Hmm? Escutei com atenção por um tempo, ainda deitada na cama do meu quarto na pousada. Nada chegava aos meus ouvidos além do farfalhar do vento e dos insetos zumbindo do lado de fora da minha janela.
Só minha imaginação? Pensei. Porém...
Thump. Whomp-omp!
Desta vez, pude ouvir de forma clara o barulho vindo do quarto ao lado... O de Gourry. Também não parecia alguém rolando da cama. Quase parecia uma briga...
Fwsh! Silenciosamente, joguei meu cobertor para longe, peguei apenas minha espada curta e saí do quarto de pijama. Fiquei de guarda do lado de fora da porta de Gourry.
“Gourry? O que houve?” chamei.
“Ah, oi, Lina. Só tenho uma visita.” respondeu Gourry com seu jeito descontraído de sempre.
Uma visita?
“Entre!” ofereceu ele. “Está aberta.”
Curiosa, empurrei a porta para dentro. O pequeno quarto de Gourry estava iluminado pelo brilho alaranjado fraco de uma única lâmpada, acompanhado pelo cheiro característico de gordura animal queimada. Gourry estava no meio do lugar... Sobre um homem desconhecido que jazia inconsciente no chão.
“Oi, Lina!” disse Gourry num tom baixo, erguendo a mão em cumprimento.
“O que no mundo...?” cutuquei a cabeça do homem inconsciente com minha espada embainhada. “Será que esse tal ‘visitante’ seria um ladrão?”
“Ei, bom palpite!”
“Parece bem óbvio, dado o estado atual dele...”
Aproveitei a oportunidade para vasculhar os bolsos do cara, encontrar uma corda e amarrar suas mãos atrás das costas com ela. Ele deve ter pensando que seria o único quem amarraria alguém naquela noite. Que azar ter escolhido o quarto do Gourry para se infiltrar... Meu companheiro tinha sentidos de animal, então seria preciso mais do que um intruso comum para invadir o seu quarto sem ser detectado.
“Lá vamos nós!” falei enquanto apertava o nó com força.
“Geh...” assim que terminei, o homem abriu os olhos com um gemido. “Ah! Droga!”
Percebendo a situação em que se encontrava, o homem logo começou a se debater. Eu o amarrei com muita força para que isso funcionasse (claro).
“Não vai conseguir se safar dessa, cara!” informei ao nosso ladrão. “Então que tal parar?”
“Ngh!” o homem me encarou, contudo cessou a resistência.
“Agora... Que tal fazermos algumas perguntas? O que estava planejando roubar deste quarto?”
Sem resposta. O homem apenas me deu gelo.
Por que interrogá-lo em vez de só levá-lo às autoridades, você pergunta? Hah! Amadores! Cidades cheias de pequenos roubos frequentemente abrigam uma ou duas operações de receptação. Se conseguisse que nos mostrasse a base deles, poderia invadi-la e lucrar o dobro ou o triplo.
“Temos outras maneiras de te fazer falar, sabe?” ameacei, pressionando a ponta da minha espada embainhada contra seu pescoço.
No entanto o homem, frio como um pepino, respondeu.
“Acha que tenho medo de uma garotinha de pijama?”
Ah, tem razão... Ainda estava de pijama. Não era lá o meu traje mais intimidador, né? Ok, então vamos tentar isso!
“Não tem medo de uma mulher de pijama, né?”
“Não.”
“Nesse caso...” apontei para Gourry. “O que acha de ser abordado por um homem de pijama?”
“O quêêê...” o homem soltou um grito, pelo visto horrorizado com a ideia.
Gourry também não pareceu gostar da ideia, entretanto ignorei sua expressão desagradada.
“N-Não me diga... Ele...” o homem hesitou, lançando um olhar temeroso para Gourry. “Corta pra esse lado?”
“Pode apostar que sim!” respondi sem hesitar.
“Ei...” Gourry enfim falou, mas continuei ignorando-o.
“T-Tá bom! Eu falo, vou falar! Só me poupe, por favor!”
Essa ameaça induziu o homem a se debater e choramingar.
Espera... Esse cara tinha memórias ruins ou algum trauma? Caramba... Porém, deixando de lado as perguntas sobre o passado, parecia que estava disposto a falar agora.
“Primeiro, por que vir atrás da gente? E não tente me dizer que foi coincidência, ok?” insisti.
“Yeeeeek! Não vou, não vou!” o homem lançou outro olhar inquieto para Gourry. “Eu... Ouvi vocês... No restaurante... Dizendo que tinham uma espada mágica, né? Achei que poderia vendê-la por um bom dinheiro.”
“Entendo... Então conhece alguém que paga caro por espadas mágicas, né?”
“B-Bom... Mais ou menos, suponho...” respondeu o homem de forma vaga.
“E? Quem é?”
O homem ficou em silêncio por um momento antes de implorar.
“Posso te contar, contudo... Me faça um favor em troca. Por favor?”
“Que tipo de favor?”
“Se eu te contar, vou entregar meus parceiros. Significa que estou basicamente morto para eles. Na verdade, posso acabar literalmente morto... Se for preso e houver uma repressão repentina, saberão que os entreguei. Então, por favor... Posso te contar, só que em troca não me entregue às autoridades, ok?”
“Está dizendo que quer que a gente te solte?”
“B-Bem... Essa é uma maneira de dizer, sim... Ah, já sei! Se me deixar ir, te dou todo o dinheiro que tenho!” ele sussurrou fracamente, observando minha reação.
Hmm... Não era fã de deixar criminosos soltos por pura bondade. Ainda assim, não queria dizer não de cara e deixá-lo com medo de contar tudo. Espera, já sei!
“Tudo bem. Vou pensar a respeito.” concordei.
“Sério?”
“Ei, espera aí!” Gourry protestou. (Segui o ignorando, é claro.)
“E aí? Quem é o seu contato?” perguntei, encorajando o aspirante a ladrão a continuar.
“Certo, tem um cara que conheço que está sempre precisando de dinheiro. Então, um tempo atrás, do nada, esse cara nos pagou uma rodada de bebidas. Perguntei o que estava acontecendo e ele disse que por acaso conseguiu uma espada mágica que vendeu para um certo comprador, e este pagou um bom dinheiro pelo favor.”
“Um certo comprador?”
“Sim... Você conhece Solaria, um pouco a oeste?”
“Claro. É a maior cidade da região.” não sabia muito sobre a cidade em si, entretanto pelo menos já tinha ouvido o nome.
“É uma cidade-castelo bem grande, e o castelo no centro pertence ao lorde local, Lorde Langmeier.”
“Isso vai demorar um pouco, né?” pontuei ao começar a me cansar.
“Não, estou quase terminando.” insistiu o homem, balançando a cabeça apressadamente. “Esse conhecido disse que Lorde Langmeier pagará um prêmio por espadas mágicas.”
“O próprio lorde está fazendo a oferta?”
“Ao que parece. Foi o que meu amigo disse, pelo menos... Viu? Não demorou muito, demorou?”
Hmm... Pelo menos tinha um quê de plausível. Pessoas que colecionavam espadas eram tipicamente podres de ricas ou ladrões imundos. Lordes locais, generais e pessoas com grande poder político eram bastante inclinados ao passatempo. E se alguém assim fosse quem estivesse acumulando espadas mágicas por aqui, não poderia só entrar e usar meu truque padrão de dar uma surra e levar o saque. É assim que se acaba uma mulher procurada, afinal! Eu precisaria de um plano diferente.
“Então... Se acredita em mim, por favor, me desamarre!” implorou o homem.
Cruzei os braços e inclinei a cabeça.
“Hmm... Mas se eu te deixar escapar, você pode fazer a mesma coisa com outra pessoa, ou pode vir atrás da gente de novo. Vou te entregar, afinal.”
“E-Espere, por favor!” o rosto do homem ficou vermelho. “Você prometeu! Disse que me deixaria ir!”
“Deveria ter prestado mais atenção!” falei, apontando o dedo para ele. “Tudo que disse é que pensaria a respeito. Agora que pensei, decidi te entregar, fim de papo!”
“Maldita seja! Você me enganou!”
“Não te enganei, só induzi!” respondi com um grande sorriso.
“Sua vigarista! Diaba! Bruxa! Vadia!” gritou o homem, me encarando.
“Acha que insultos infantis como esses vão me machucar? Está apenas revelando sua própria ignorância.”
“O-O que disse? Nesse caso... Criança! Anãzinha! Tábua de lavar!”
Grrrrr! E-Esses... Doeram um pouco...
Mesmo assim, se o socasse agora, seria como admitir que ele venceu. A melhor coisa a se fazer em momentos como este é apenas sorrir e aguentar. Manter a calma sempre irrita alguém muito melhor do que qualquer explosão. Assim sendo, contive a vontade de começar a preparar uma Bola de Fogo e disse, num tom calmo.
“Elogio seu esforço, contudo esses ainda são insultos vulgares.”
“Urgh! Nrgh!” o homem ficou roxo e ficou em silêncio.
Ha! Peguei ele. No entanto quando estava me deleitando com a minha vitória...
“Ótimo.” o homem me deu um sorriso forçado. “Se quer ouvir uma ofensa de verdade, vou te dar uma. Este é o pior insulto da história. Um que não uso desde que arruinou uma amizade de uma vida inteira...”
“Hã? Soa interessante. Então experimente.”
“Você é...” ele começou, me encarando enquanto eu sorria. “Mais desagradável que Lina Inverse!”
Snap!
“Que diabos isso quer dizer?”
“Viu? Hah! Eu te deixei brava!”
“Agh! Se acalme, Lina! Por favor, não use um Dragon Slave!”
Os gritos de nós três... Eu, o ladrão e Gourry... Ecoaram pela pousada na calada da noite.
———
“Hmm... Não foi grande coisa, né?” sussurrei com um suspiro enquanto verificava o dinheiro na pequena bolsa de couro. Tínhamos recebido como recompensa por entregar o ladrão às autoridades.
Acontece que o cara era reincidente, e valia apenas cinco moedas de prata. Quero dizer, claro, ele não era um criminoso tão pernicioso assim, e já esperava mesquinharia das autoridades locais, porém caramba viu, cinco moedas de prata?
“Isso só confirma que é muito mais lucrativo intimidar bandidos e saquear suas bases como uma pessoa normal.” murmurei enquanto caminhávamos.
“É melhor do que nada, certo?”
“Bom... Suponho que sim. Enfim! Vamos para a Cidade de Solaria para acabar com um lorde local e roubar uma ou três espadas mágicas!”
“E-Espere um minuto aí, Lina!” disse Gourry, acalmando rapidamente minha empolgação.
“O quê?”
“Como assim, o quê? Não pode fazer isso! É um lorde, lembra? Se explodir sua casa e roubar o seu tesouro, com certeza vamos acabar em cartazes de procurados!”
“Hahhhhhhhh...” as palavras de Gourry me fizeram suspirar exausta. “Cara... Acha mesmo que vou ser tão imprudente?”
“Acha mesmo que não sei que você é imprudente? Er, quero dizer, deixa pra lá... Claro que não! Por favor, continue!”
Talvez percebendo a raiva crescendo em meus olhos, Gourry se apressou em retirar sua reclamação.
“Também não quero acabar virando fugitiva. Pensei em usar a diplomacia e fazer uma oferta a ele: ‘Dê-nos algumas espadas mágicas e não contaremos ao rei que está comprando bens roubados’!”
“É isso que chama de diplomacia?”
“De onde eu venho.”
“Que diabos acontece na sua cidade natal?”
“Deixa pra lá! Também é possível que nosso ladrão tenha mentido para nós, claro, então devemos investigar antes de tudo. Em outras palavras... Vamos para a Cidade de Solaria!”
———
Quanto maior uma cidade fica, mais animada se torna... E mais distorcida. Solaria era um excelente exemplo dessa distorção contínua. Não estou dizendo que era insegura nem nada. Estou dizendo que o lugar era projetado como um labirinto.
Era comum que uma cidade-castelo fosse totalmente cercada por muralhas defensivas, e esta não era exceção. Exceto quando uma cidade cresce, sua população e necessidades podem em pouco tempo lotar o lugar e expandir muito mais. Então acabam construindo residências e instalações fora da muralha. Depois, tem que construir uma nova muralha ao redor delas, e quando esse espaço estiver cheio... O problema volta e o ciclo se repete. Esse processo fez com que a Cidade de Solaria se tornasse uma bagunça desordenada de muralhas serpenteantes isolando cada um dos vários quarteirões da cidade. Era fácil ficar desorientado se não tivesse vivido lá a vida toda.
Um forasteiro hipotético poderia se ver caminhando em direção às torres do castelo e, de repente, encontrar seu caminho bloqueado por uma muralha. Poderia optar por seguir a referida muralha até encontrar uma passagem, contudo sem saber o caminho mais curto até lá... Poderia até acabar vagando pelos quarteirões da cidade em um desvio sem esperança.
Resumindo a história, Gourry e eu nos perdemos.
“Ei, aquela pousada é pela qual passamos um tempo atrás...” Gourry interrompeu.
“O que tem?” respondi, mal-humorada, enquanto avançávamos pela cidade que escurecia.
“Sinto como se tivéssemos passado por um lugar com o mesmo nome um tempo atrás...”
“Nós passamos.”
Gourry considerou minha resposta por um momento e perguntou.
“É uma rede de hotéis?”
“Estamos perdidos, ok? Perdidos e rodando em círculos igual idiotas!”
“Ah, ok!” Gourry bateu palmas em sinal de compreensão. “Isso explica.”
“C-Claro que explica...” murmurei, sem forças, tendo perdido a vontade de gritar.
Chegamos à cidade um pouco depois do meio-dia, encontramos um restaurante para um almoço leve e partimos em busca de uma pousada mais perto do castelo... No entanto ainda não estávamos nem perto.
“Não poderíamos ter só pedido informações no restaurante logo de cara, Lina?”
“É óbvio que sim... Só não esperava que me locomover pela cidade fosse tão irritante...” sussurrei, exausta, enquanto continuávamos nossa caminhada sem rumo.
Os cheiros do jantar começaram a se espalhar das casas ao redor. Senti um cheiro de legumes em caldo... Deve ser ensopado. Depois, senti o aroma celestial de peixe gordo fritando na casa mais próxima. O cheiro irresistível de carne grelhada também emanava de algumas outras residências.
Estou morrendo de fome...
Parei, soltei um suspiro profundo e disse.
“Acho que vamos encerrar a noite na pousada mais próxima e tentar de novo amanhã, com força total.”
“É. É uma boa ideia. Uh-huh!” disse Gourry, concordando sem pestanejar e sem pensar.
O céu acima da cidade já estava ficando azul-anil.
———
“Caramba, tem um monte de prédios grandes por aqui.” comentei enquanto caminhávamos pelos quarteirões que circundavam o castelo.
Já era o dia seguinte. Tínhamos passado a noite em uma pousada e perguntado ao velho estalajadeiro como chegar antes de sair outra vez.
Em termos de escala, o castelo de Lorde Langmeier não era nem especialmente grande nem muito pequeno. Sua arquitetura também não era nada notável. Era feito de pedra cinza clara e sua decoração era até modesta. Para ser franca, era quase o seu castelo arquetípico. Mas havia um ponto de interesse: as várias instalações ao redor do castelo.
À medida que uma cidade crescia, seu distrito central geralmente substituía residências comuns por escritórios governamentais e templos. Porém a enorme quantidade de estruturas recém-construídas no coração de Solaria parecia bastante suspeita aos meus olhos. À primeira vista, pareciam normais... Exceto que eram todas muradas por algum motivo, com guardas postados o tempo todo. Qualquer visitante que tentasse entrar era rejeitado sob pretextos óbvios. Segundo o estalajadeiro, vários desses surgiram nos últimos tempos.
“Diga, Lina, o que vamos aprender andando por aí assim?”
“Nada!” respondi.
“Qual é...” choramingou Gourry, sua principal objeção parecendo ser toda essa caminhada.
“Contudo podemos especular bastante.”
“O que você quer dizer?”
“Está vendo todos esses lugares? O que o estalajadeiro descreveu como ‘prédios incomuns construídos para parecerem comuns’? Todas essas estruturas bem guardadas e muradas?”
“Na verdade, notei um monte de caras com rosto de pedra ao redor deles...”
“Certo? É bastante provável que sejam todas instalações militares.”
“Militar?”
“Silêncio! Fala baixo! Não sabe quem pode estar ouvindo!”
“T-Tá... E onde exatamente está querendo chegar?”
“Instalações militares surgindo, além de rumores de que o lorde está comprando espadas mágicas... Faz você pensar que alguém está se preparando para a guerra, não é?” Gourry engasgou e ficou em silêncio, chocado.
“Tudo isso são sinais de alguém se preparando para uma luta. Entretanto duvido que um lorde solitário atacaria outro país do nada. É muito mais provável que seja um assunto doméstico... Em outras palavras, ele está atrás do rei.”
“Entendo... Então é uma insurreição.”
“Admito que há muitas outras explicações. Talvez estejam pesquisando novas armas ou vendendo-as para outros países...”
“M-Mas... Isso não significa que seu plano de roubar uma espada é bem perigoso?”
“É. Provavelmente.”
Aproximar-se de alguém que planeja uma rebelião e chantageá-lo por comprar bens roubados era o mesmo que pedir para ser silenciado pra sempre. Claro, Gourry e eu não íamos apenas ficar sentados e deixar que fizessem o que quisessem, todavia não havia necessidade de abusar da sorte.
“Embora, por outro lado... Se encontrarmos provas de insurreição e denunciá-las ao rei, ele pode nos dar uma espada mágica como recompensa!”
“Você é uma mulher má, sabia?”
“Do que está falando? Uma insurreição colocaria muitos inocentes em perigo! E nós mereceríamos uma recompensa por salvar a todos! Ou está dizendo que devemos só ficar de braços cruzados quando sabemos que uma rebelião está se formando?”
“Ah... Bom, quando coloca dessa forma...”
“Viu? Então é melhor nos apressarmos! Vamos entrar em uma dessas belezuras hoje à noite e encontrar alguma prova!”
———
O único som na cidade naquela noite era o vento. Se houvesse bares por perto, teríamos conseguido ouvir seu barulho estridente, contudo eles estavam ausentes aqui no centro da cidade. Postes de luz brilhando com feitiços de Iluminação estavam espalhados aqui e ali, oferecendo uma fraca luz contra a escuridão opressiva.
Quando a meia-lua mergulhou atrás das nuvens, tudo, exceto as luzes da cidade, se viu encharcado de preto. E se misturando àquela escuridão...
Gourry e eu disparamos pela estrada, em direção a um prédio que havíamos explorado antes. Estávamos escondendo o rosto com máscaras pretas e turbantes, caso alguém nos visse, e havíamos trocado nossas roupas habituais por roupas escuras e discretas.
Nosso alvo era a instalação que parecia ter a segurança mais rigorosa durante o dia. Parecia um templo comum por fora, no entanto o muro alto ao redor e a segurança no portão, mesmo àquela hora, contavam uma história diferente.
Por que escolhemos este local? Era óbvio: a segurança rigorosa era um sinal da importância do prédio. Quer dizer, qual seria o sentido de invadir um lugar mais fácil se não houvesse o que precisávamos lá dentro?
“Levitação!” soltei um encantamento abafado, e nós dois decolamos rumo ao céu escuro.
“Droga... Tem muitos guardas, hein?” Gourry sussurrou, agarrando-se à minha gola.
A vista de cima era bastante reveladora. Dentro da muralha, havia uma estrutura solitária, semelhante a um templo, com um teto abobadado. Era cercada por árvores ornamentais e pilares de pedra do jardim, atrás dos quais incontáveis guardas vigiavam o gramado.
“Lina, olhe para todos esses guardas. Eles vão nos ver imediatamente se não tomarmos cuidado.”
“É. Acho que é melhor tomarmos cuidado então, né? Estou nos levando para dentro, então cale a boca um pouco, ok?”
Direcionei meu feitiço para nos levar direto para o prédio e, em seguida, nos abaixar devagar até o telhado central. Afinal, os guardas estavam apenas observando o chão. Deveríamos passar despercebidos vindos de cima.
Puxei uma corda fina de uma bolsa que trouxera comigo, amarrei-a ao grande ídolo de pedra no ápice da cúpula e a usei para deslizar para baixo. Reforcei a corda com magia apenas por garantia. Parecia fina, entretanto era forte o suficiente para segurar um dragão... Er, pelo menos um pequeno.
Quando cheguei à beirada do telhado, primeiro confirmei que nenhum guarda estava olhando, depois espiei lá embaixo. Examinei a esquerda e a direita até avistar o que parecia ser uma pequena porta um pouco mais adiante. Fiz um sinal para Gourry com os olhos e então ajustei minha posição, ainda segurando a corda. Assim que passamos pela porta, observei os padrões de patrulha dos guardas na área e...
Ok! Agora! Calculei o tempo, bati no chão e verifiquei a porta. Não havia qualquer fechadura... Parecia estar selada com um feitiço de Tranca.
Comecei um cântico baixo e bati na maçaneta com o dedo indicador direito.
“Destranque.” entoei, liberando um feitiço de arrombamento que havia aprendido um tempo atrás.
Clack. O som da maçaneta sugeriu que o feitiço havia funcionado. Fiz um sinal para Gourry, que pulou do telhado atrás de mim. Então, entramos rapidamente no prédio pela nossa porta recém-aberta.
“Está escuro aqui dentro.” murmurei baixinho o suficiente para que apenas Gourry pudesse ouvir.
Mesmo com a lua atrás das nuvens, ainda tínhamos a luz das estrelas lá fora. Todavia não havia uma única lâmpada acesa ali dentro. Era o mais próximo da escuridão possível. Só que, através da... Atmosfera, digamos, ou do fluxo de ar ao nosso redor... Pude dizer que estávamos em um espaço bastante cavernoso. Não senti ninguém presente além de Gourry.
“Parece meio... Vazio.” comentou ele.
“Consegue distinguir alguma coisa, Gourry?”
“Mais ou menos.”
Wow. Ele tem mesmo uma visão excepcional... Mas enquanto eu apreciava seus olhos, os meus também estavam se acostumando gradualmente à escuridão, com a ajuda de um tênue raio de luar que entrava pelo vitral no teto. A primeira coisa que notei foi que, como havia imaginado, estávamos em uma sala grande e aberta. O segundo ponto a ser observado foram fileiras de algo quadrado alinhado à nossa frente.
“São apenas assentos, eu acho.” disse Gourry, gesticulando em direção a um deles.
Aproximei-me para tocar em um, e ele tinha razão. As fileiras de formas quadradas eram bancos de madeira, como os encontrados em qualquer local de culto.
“Hã...”
Andamos por ali com passos silenciosos por um tempo, porém, em todos os aspectos, o lugar parecia uma igreja comum.
“Só uma catedral comum, hein?” observou Gourry.
“Ao que tudo indica, claro. Contudo não se esqueça que há um muro ao redor deste prédio e uma dúzia de guardas do lado de fora. A porta também estava trancada por um feitiço. Acha que eles colocariam uma segurança dessas em uma catedral comum?”
“Talvez sejam paranoicos.”
“Cai na real. Você sabe quanto custa uma paranoia dessas?”
“Então o que está acontecendo aqui?”
“Suspeito que a verdadeira instalação esteja lá embaixo. Devem tê-la projetado dessa forma para que, se alguém conseguisse arrombar, pensasse que era apenas uma catedral comum. E ainda que alguém descobrisse que não era, teria muita dificuldade para encontrar uma porta ou interruptor escondido em uma sala deste tamanho.”
Vamos supor que haja um interruptor em um dos genuflexórios ou nos pés de um dos bancos. Já tomaria muito tempo para encontrá-lo à luz do dia, no entanto tentar descobri-lo de noite é quase impossível...
E enquanto eu pensava nisso... Tug!
“Wugh!”
Gourry de repente agarrou minha mão e puxou. Um segundo depois...
Vwomm!
Um raio de luz passou raspando pela minha cabeça! Continuou a navegar pela escuridão e então se estilhaçou contra o chão.
“Bem afiado para um ratinho!” ecoou uma voz masculina rouca e profunda ao nosso redor.
“Você também é impressionante. Sequer senti sua presença.” respondeu Gourry.
Segui seu olhar até os vitrais... Aha! Havia uma pessoa bem na frente deles, flutuando no ar. Entretanto assim que o avistei, ele desceu na escuridão abaixo.
“Ele está vindo!” gritou Gourry.
“Vamos lá!”
Nós dois sacamos nossas espadas e ficamos em prontidão. Naquele momento, notei um movimento na minha visão periférica.
Whoosh! Rapidamente me afastei, mas algo passou raspando por mim, provavelmente uma faca de arremesso.
Não era uma boa posição. Nosso oponente não parecia ter problemas no escuro, o que me colocava, pelo menos, em grande desvantagem. Sendo assim...
Conjurei um feitiço silencioso e entoei...
“Iluminação!”
Isso produziu uma bola de luz mágica com luminosidade reduzida, que joguei sobre a minha cabeça. Era fraca, mas inundava o cômodo com luz suficiente para enxergar, mesmo que os olhos já estivessem ajustados. Agora que o inimigo sabia que estávamos ali, não havia sentido em brincar no escuro. Esperava que esse movimento pudesse distrair meu oponente e, ao mesmo tempo, me permitir ver o que estava acontecendo.
Minha luz iluminou paredes brancas e uma longa fileira de bancos de madeira... Com uma figura escura entre eles.
“Hã?”
A figura me parecia familiar... Pelo menos, suas roupas. Estava vestido todo de preto, com até o rosto coberto, de modo que apenas dois olhos apareciam por baixo do pano. Era um traje arquetípico de assassino... Porém havia algo naquele cara que parecia diferente de um assassino típico.
Gourry e eu tínhamos nos envolvido com uma gangue misteriosa de bandidos na cidade de Bezeld por causa de uma espada mágica, e seus membros se vestiam da mesma maneira. Mas, naquele momento, fiquei menos preocupada com a identidade desse cara e mais preocupada em como sair dali!
“Vamos embora!” gritei.
Demos as costas para o homem, que seguia curvado para proteger os olhos, e seguimos direto para a porta por onde tínhamos entrado. Porém...
“Vocês não vão escapar!” outro homem de preto saltou dos bancos para bloquear nossa passagem!
Tem mais deles? Essa nova figura atirou facas em nossa direção!
“Isso não é nada!” gritou Gourry enquanto dava um passo à frente com um movimento de espada. Clink! Shing! Manejando sua espada, derrubou as facas no ar.
Talvez percebendo que facas não funcionariam mais, o homem sacou a espada.
Não se esqueçam que também estou aqui, ok? Esperei o homem de preto se aproximar e então...
“Dam Blas!” lancei meu feitiço a uma curta distância. Ele não tinha como se esquivar dessa! Exceto que...
Crash! Nosso oponente lançou a mão esquerda em direção ao meu feitiço fatal, dispersando-o sem esforço algum!
Impossível! Dam Blas não era o tipo de feitiço que se pudesse repelir com as próprias mãos! A maldita coisa poderia atravessar uma parede! Também não detectei nenhum sinal do cara entoando um feitiço defensivo...
“Hah!” Gourry gritou, como se quisesse me arrancar dos meus pensamentos.
Shing! Faíscas voaram quando sua espada colidiu com a do homem de preto. Ao mesmo tempo, senti uma presença hostil se erguer atrás de mim.
Nem precisei me virar. O homem que ceguei antes com meu feitiço de Iluminação havia se recuperado e me atacou por trás. Contudo se jogasse uma faca em mim e eu me esquivasse, ela acertaria Gourry! O que significava...
“Hwaaah!” com um grito, dei um salto e pousei nas costas de Gourry!
“Bwuh!”
“O quê?”
Tanto Gourry quanto o homem de preto com quem lutava soltaram gritos assustados. Minha aparição repentina na briga os desequilibrou, fazendo com que nós três caíssemos no chão. Ao cairmos, senti algo passar por cima da minha cabeça.
Hah! Desviei!
“Ei, Lina, cuidado!”
“Por favor, guarde todas as reclamações para depois!”
Agarrando a mão de Gourry enquanto se levantava, disparei pela porta.
Wham! A escuridão da noite nos recebeu do lado de fora, junto com os guardas em protesto. Seria difícil passar por entre todos, no entanto o céu acima estava aberto!
“Lei Asa!” segurando firme a mão de Gourry, usei um feitiço de voo de alta velocidade amplificado para decolar. Voamos sobre as cabeças dos guardas, sobre o muro e para dentro da cidade.
———
“Ei! Lina!”
Eu já estava voando há algum tempo quando Gourry me chamou. Estávamos bem longe do templo agora.
“O quê?” gritei de volta.
“Não vamos voltar para a pousada, vamos?”
“Para onde mais deveríamos ir?”
“Não faça isso! Estão nos seguindo!”
“O quê?”
Dei uma rápida olhada para trás. Não conseguia ver muita coisa entre a distorção da minha barreira de vento e a escuridão. Pensando bem, estávamos voando sobre os telhados da cidade com um Lei Asa aprimorado. Não deveriam conseguir nos seguir... A palavra-chave era ‘não deveriam’.
“Você está falando sério, Gourry?”
“Tenho certeza! Não consigo vê-los, entretanto sinto duas presenças nos seguindo!”
Gourry tinha os instintos de um animal selvagem, então, se estivessem lhe dizendo que havia alguém ali, eu não duvidaria. Duas presenças sugeriram que provavelmente eram os caras de preto de antes... O que significava que Gourry estava certo e que não seria seguro voltar direto para a nossa pousada.
Mudei de curso e nos levei para um aglomerado relativamente denso de prédios, descartando o feitiço ao pousarmos. Tudo estava em silêncio. Não havia sinal de perseguição. Mas podia sentir uma tensão no ar pela aparente calmaria da noite. Alguém estava lá, escondendo sua presença, no escuro.
“Lina!”
Vm! Ouvi algo rasgando o ar atrás de nós no momento em que Gourry tentou me avisar. Fwsh! Me movi o mais rápido que pude para desviar, porém o pequeno objeto voador arrancou minha máscara! Uma faca de arremesso?
“Guh!”
Virei-me para correr, todavia uma figura emergiu da escuridão. Como pensei... Era um deles! Minha máscara rasgada caiu no chão, expondo meu rosto ao luar.
“Oho...” o homem murmurou ao me avistar.
“Acho que tem mesmo alguma coisa naquele prédio.” falei, na esperança de provocá-lo.
“Só viemos aqui para acabar com alguns intrusos ilegais.” disse outra voz atrás de mim. Olhei por cima do ombro e vi o segundo homem de preto saindo de um prédio.
Estamos cercados...
“Gourry, abra caminho para nós. Vamos sair daqui!” sussurrei, ficando de costas um para o outro.
“Não vamos lutar?”
“Não quero causar problemas na cidade. Ainda não.” poderia só me soltar e lançar um grande feitiço que causaria comoção suficiente para nos deixar escapar... Contudo se fosse muito imprudente na minha ofensiva, qualquer caos resultante seria tecnicamente minha responsabilidade.
“Não entendi direito, mas tudo bem! Vamos!” Gourry concordou, investindo contra o homem à sua frente!
O homem se assustou, e aproveitei a oportunidade para seguir Gourry. Ele e o homem de preto sacaram suas armas ao mesmo tempo! Clash! Espadas se chocaram, e faíscas se espalharam pela noite.
Gourry deslizou sua lâmina pela do oponente para desviá-lo do curso, depois passou pelo seu adversário e disparou. Nosso amigo vestido de preto pareceu hesitar por um instante entre perseguir Gourry ou enfrentar meu ataque, no entanto acabou virando sua espada, refletindo o luar, para mim. Que pena amigo...
“Lei Asa!”
A barreira de vento criada pelo meu feitiço, ativada à queima-roupa, lançou o sujeito e sua lâmina para longe! Logo alcancei Gourry e dispensei o feitiço. Continuamos correndo juntos enquanto entoava meu próximo feitiço.
Depois de fugir pela avenida principal e entrar em uma rua lateral, continuamos virando para onde podíamos. Manter-nos retos demais poderia convidar nossos inimigos a ideia de atirar facas nas nossas costas. Continuar serpenteando em nosso curso também ajudaria a confundir nossos perseguidores. Claro, se conseguiram acompanhar meu Lei Asa amplificado, meio que duvidava que algumas curvas bastassem para despistá-los...
Enquanto corríamos, avistei um beco estreito, gesticulei e pedi para Gourry entrar na minha frente. Logo, os homens de preto apareceram atrás de nós! Eles provavelmente usariam mais facas. Seria difícil desviar assim, entretanto esperei que parassem enquanto se preparavam para atirar e...
“Vento de Diem!” aproveitei aquela breve oportunidade para liberar o feitiço de vento amplificado que havia entoado!
Vroosh! A rajada que descia o beco rugiu em uma tempestade completa que empurrou os homens de preto para trás!
“Certo! Agora, vamos lá!”
Acelerei e incentivei Gourry a fazer o mesmo. Eu havia mandado nossos perseguidores para longe, contudo os dois voltariam a nos perseguir em breve. Não tínhamos tempo a perder. Por fim nós dois conseguimos sair do beco e...
“Geh!” soltei um gemido curto ao parar. Havia um longo muro se estendendo à nossa frente.
Yup. Era um dos muros entre os quarteirões da cidade. Não podíamos voltar agora, e se corrêssemos ao longo do muro, não teríamos onde nos esconder. Quer dizer que nossa única opção era subir e descer! Entoei meu próximo feitiço o mais rápido que pude, e...
“Lina!” Gourry gritou, me empurrando antes que pudesse terminar!
Bwoosh! Depois veio um uivo de vento. Uma força invisível saiu do beco e se chocou contra o muro à nossa frente... Talvez uma rajada de pressão de algum tipo de feitiço. Logo em seguida as duas figuras reapareceram. Fiquei chocada por já terem nos alcançado.
Dois de nós e dois homens de preto... Nós quatro nos enfrentamos mais uma vez.
“Vocês não podem escapar de nós!” disse um dos homens num tom de fato óbvio, sem nenhum sinal de vanglória.
Não duvidei das suas palavras. Era evidente não iam nos deixar ir sem lutar, e conheciam o terreno muito melhor do que nós.
Acho que vamos ter que lutar, afinal. Entretanto quando esse pensamento me veio à mente...
“Que confusão é essa no meio da noite?” ouviu-se uma nova voz vinda do alto do muro.
Olhei para cima e vi uma figura estoicamente parada contra o fundo da noite. Parecia um homem, todavia seu rosto estava escondido atrás de um pano. Não parecia estar com os caras de preto, mas definitivamente tinha um nível de suspeita semelhante.
“Quem é você?” perguntou um dos homens de preto.
“Não faça tanto barulho. Vai acordar os vizinhos... É tudo o que vou dizer por agora.” respondeu inalterado o homem mascarado no alto do muro.
“Está com esses dois?” rosnou o homem de preto.
“Com certeza não, contudo...”
“Então não se meta! Estamos tentando prender bandidos que se infiltraram em uma instalação local!” gritou ele, trêmulo, talvez um pouco abalado pela interferência dessa terceira pessoa desconhecida.
Por sua vez, o mascarado apenas bufou, entretido.
“Bandidos? Vocês parecem muito mais ‘suspeitos’ do que eles, aos meus olhos. Não que eu esteja em posição de falar algo... No entanto, pelo menos, é óbvio pelas suas roupas que não são agentes da lei autorizados a efetuar prisões.”
Os homens de preto ficaram em silêncio por um momento, então... Whoosh! Um deles jogou algo. O mascarado na parede fez um movimento com a mão e, no instante seguinte, uma pequena faca apareceu nela.
“O quê?” o homem de preto gritou em choque.
Imaginei que tivesse jogado a faca, que o mascarado então pegou. Fazer aquilo no escuro exigia uma habilidade considerável!
“Entendo. Vejo que deixou as coisas bem claras.” o mascarado jogou a faca para o lado. “Vocês são os bandidos nesta situação, o que significa que não posso deixá-los ir. Suponho que uma batalha chamativa aqui e agora causaria comoção... Rumores disso se espalharão para outras cidades. Embora pessoalmente não me incomode...”
“Ngh!”
Eu não tinha muita certeza do que o homem mascarado estava insinuando, todavia os homens de preto ficaram abalados pela sua ameaça.
“Então... Vamos?” propôs o homem mascarado, começando um cântico.
“Vamos sair daqui!” sussurrou um dos homens de preto. Assim, ambos saltaram para trás e desapareceram pelo beco de onde haviam saído.
“Isso... Pareceu fácil demais.” murmurou Gourry.
“S-Sim. Por sinal...” depois de observar os homens fugirem, voltei meus olhos para o topo da muralha... Apenas para descobrir que o homem mascarado já havia sumido.
———
“E aí... Tudo bem se ficarmos sentados assim?” perguntou Gourry baixinho na manhã seguinte. Sobre a nossa mesa no primeiro andar da taverna, havia uma porção de pratos de café da manhã, que íamos devorando sem parar. “Aqueles caras não vão estar nos procurando?”
“Podem estar, mas, para ser sincera... Não tenho certeza.” admiti, dando uma mordida na salada de bacon e alface. “Se os homens de preto tiverem alguma ligação com o senhor local, imagino que com certeza vão aparecer de novo. Podem inventar qualquer pretexto que quiserem para nos prender. Embora agora sabemos que, por algum motivo, não querem fazer um escândalo por causa disso. E não é como se nossa invasão tivesse revelado algo incriminador. Nesse caso, em vez de nos caçar e piorar a situação, podem decidir que é melhor deixar tudo como está.”
Também não notei nenhum aumento na atividade entre os guardas da cidade desde a noite passada, o que implicava que alguém estava disposto a deixar as coisas em paz. Mesmo assim...
“Concordo que o caminho mais seguro seria deixar a cidade.” admiti. “Porém depois de tudo ontem, estou ainda mais ansiosa para descobrir o que está acontecendo. Aquele homem mascarado de ontem parecia saber de alguma coisa.”
“Oh, ele? Parecia ser alguém bem capaz. E a julgar pela voz, parecia mais velho...” disse Gourry, dando uma mordida em um croissant com chantilly não muito doce.
Parei de comer o café da manhã, balançando o garfo entre os dedos.
“A verdadeira questão é... Esses são os mesmos homens de capa preta com quem lutamos antes?”
“Quando?”
“Sabe, pela espada em Bezeld? Quando nos unimos àquele casal estranho, Luke e Mileena? E lutamos contra aquela coisa grande com a regeneração instantânea?”
“Ah, certo. Acho que meio que me lembro de algo assim!”
“Lembra dos caras de preto que ficavam nos importunando? Digamos que eles compartilham um alfaiate com os caras que conhecemos no templo.”
“O que significa...”
“Sim.” devolvi um firme aceno para Gourry. “Os implacáveis caçadores de espadas podem estar assentados aqui. Ou talvez seja esse tal de Lorde Langmeier quem esteja por trás de tudo. De qualquer forma...” bati meu garfo em uma fatia grossa de presunto e sussurrei. “Vai dar problema.”
Hrk! O rosto de Gourry congelou.
“Acho que já deu!” disse ele, apontando para trás de mim... Para a entrada principal da taverna.
“Hmm?” virei-me, com a testa franzida, e...
Hrrrrrk! Percebi na hora o motivo da sua expressão azeda. Parados na entrada estavam dois guardas da cidade. Eles olharam para o papel que seguravam e depois para mim.
Espere aí! Então decidiram nos prender?
Os dois guardas marcharam até a nossa mesa. Gourry e eu nos levantamos com um grito, prontos para a ação... Contudo os dois guardas de repente ficaram em posição de sentido.
“Com licença. Por acaso você seria a Senhora Lina Inverse?” perguntou um deles.
Por um segundo, pensei em dizer que havia pego a garota errada, só que o papel que carregava devia ter minhas características marcantes listadas ou minha imagem desenhada. Não conseguiria mentir sobre isso, e se olhassem a lista de check-in da estalagem, a farsa cairia por terra de qualquer maneira.
“Sou sim.” respondi cautelosamente.
Os dois guardas se curvaram rapidamente.
“Servimos o senhor desta cidade, Langmeier!” proclamou um deles com formalidade retumbante. “Seu regente solicitou sua estimada companhia para o jantar.”
“Hã?” Gourry e eu nos entreolhamos em uníssono.
———
“Diga... O que exatamente está acontecendo aqui?” perguntou Gourry enquanto caminhávamos pela avenida banhada pelo pôr do sol em direção ao castelo naquela noite.
“Sei lá!” respondi sem rodeios. De todas as coisas que esperava, um convite para jantar não estava no topo da lista. “Há muitas possibilidades. Primeiro, é pura coincidência. Talvez o regente por acaso saiba quem sou, por acaso ouvi que estou na cidade e por acaso esteja me procurando hoje...”
“Parece improvável.”
“Concordo. Outra possibilidade é que haja várias facções em disputa aqui, e que os homens de preto e o regente estejam em lados opostos. Portanto, o regente está pedindo nossa ajuda para derrotar os homens de preto.”
“Entendo.”
“E por último, embora não menos importante... Existe a possibilidade de que o regente esteja em conluio com os homens de preto, e este convite seja uma armadilha.”
“Esse parece ser o caso mais provável, sim.”
“Não é? Também acho.”
“Hm... Então por que estamos indo?”
“Porque sim!”
Wham! Minha resposta leviana fez Gourry cair de susto.
“Você aceitou o convite só ‘porque sim’? E acabou de dizer que poderia ser uma armadilha!”
“Ok, bem, digamos que eu recusei o convite do regente. Se de fato estiver envolvido em uma luta contra os homens de preto, nós o deixaríamos na mão.”
“Bem... Suponho que sim.”
“Por outro lado, se estiverem de conluio e o recusar, acha de verdade que vai apenas me dizer ‘Ah, tudo bem, sem problemas’ e nos deixaria em paz para sempre?”
“Bom... Claro que não, no entanto...”
“Certo? Nesse caso, se quisermos ter uma ideia do terreno, nosso melhor plano de ataque é aceitar o convite. Se for uma armadilha, então é uma armadilha, e podemos passar por cima quando ela aparecer!”
“Soa imprudente... Apesar de que não é nenhuma novidade.”
“Viva um pouco, cara! E o mais importante...”
“O mais importante?” perguntou Gourry.
Respondi com uma piscadela.
“Não vou ficar satisfeita até resolver o mistério, sabe?”
“Você é tão estranha...” minhas palavras fizeram o rosto de Gourry se contrair, e ele colocou a mão na minha cabeça. “Mas tudo bem. Vou ficar com você mais um pouco, pelo menos.”
“Muito obrigado, autoproclamado guardião. Agora...” voltei meus olhos diretamente para o castelo que era nosso destino. “Vamos entrar, Gourry!”
———
“Desculpe a demora!” disse um mordomo idoso com grande formalidade ao chegar à antecâmara onde estávamos esperando.
Após nossa conversa anterior, marchamos corajosamente para o castelo, onde fomos recebidos com uma recepção educada. Fomos então conduzidos a esta pequena sala de estar enquanto o jantar era preparado. Nenhum problema até agora, pelo menos, e nenhum sinal de hostilidade por parte dos vários criados que nos atenderam. As acomodações eram bem confortáveis, então estávamos apenas matando o tempo até o mordomo chegar.
“O jantar está servido. O regente aguarda.” anunciou ele.
Gourry e eu trocamos um olhar silencioso e depois assentimos. A coisa estava prestes a ficar séria!
“Entendido!” respondi enquanto nos levantávamos.
O mordomo então nos conduziu pela porta e por um longo corredor.
“Por aqui.” disse o homem, nos direcionando e parando em frente a uma porta.
Certo... Hora de descobrir com o que estamos lidando aqui.
“Podem entrar!” ele encorajou, abrindo a porta para revelar...
“Hã?” Gourry e eu paramos no meio do caminho.
Dentro da sala de jantar havia uma longa mesa coberta com uma toalha branca e castiçais de prata. Luzes mágicas brilhavam em arandelas na parede. E no topo de tudo estava um jovem. Devia ter pouco mais de vinte anos e estava vestido de branco, de um jeito que poderia ser chamado de ‘elegante’ ou ‘pretensioso’, dependendo da sua preferência. De qualquer forma, contrastava bastante com seu cabelo ruivo flamejante. Havia um sorriso radiante em seu belo rosto.
Presumi que fosse o lorde regente... Porém não foi ele o motivo de Gourry e eu estarmos tão surpresos. Essa honra pertencia aos dois guarda-costas atrás dele... Um homem de cabelos negros e uma mulher de cabelos prateados. Não havia chance de confusão de identidade. Este era o casal estranho com quem já tínhamos nos unido para lutar contra homens de preto antes, Luke e Mileena!
***
Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.
Chave PIX: mylittleworldofsecrets@outlook.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário