sábado, 16 de agosto de 2025

The Dragonbone Chair — Volume 01 — Capítulo 13

Capítulo 13: Entre Mundos


Vozes, muitas vozes... Produtos de sua própria imaginação ou das sombras desconfortáveis que o cercavam, Simon não sabia dizer, foram suas únicas companheiras naquela primeira hora terrível.

“Simon, o cabeça-oca! De novo, Simon, o cabeça-oca!”

“Seu amigo está morto, seu único amigo, seja gentil!”

“Onde estamos?”

“Na escuridão, para sempre na escuridão, a esvoaçar como uma alma perdida e estridente pelos túneis sem fim...”

“Agora ele é Simon, o Peregrino, condenado a vagar, a se perguntar...”

“Não!” Simon estremeceu, tentando conter as vozes clamorosas. “Eu me lembrarei. Vou me lembrar da linha vermelha no velho mapa e procurar as Escadas Tan’ja, sejam elas quais forem. Eu me lembrarei dos olhos negros e inexpressivos daquele assassino, Pryrates. Lembrarei do meu amigo... Meu amigo Doutor Morgenes...”

Ele afundou no chão arenoso do túnel, chorando de raiva impotente e sem forças, um coração de vida que mal batia em um universo de pedra negra. A escuridão era uma coisa sufocante que o pressionava, tirando-lhe o fôlego.

“Por que fez aquilo? Por que não correu?”

“Ele morreu para salvar você, garoto idiota... E Josua. Se tivesse fugido, eles o teriam seguido; Pryrates possui magia mais forte. Você teria sido capturado, e estariam livres para seguir o Príncipe, caçá-lo e arrastá-lo de volta para sua cela. Morgenes morreu por evitar isso.”

Simon odiou o som do próprio choro, o som rouco e choroso ecoando sem parar. Reprimiu tudo dentro de si, soluçando até que sua voz se tornasse um som áspero e seco... Um som com o qual conseguia conviver, não o balido choroso de um cabeça-oca perdido no escuro.

Tonto e enjoado, enxugando o rosto com a manga da camisa, sentiu o peso esquecido da esfera de cristal de Morgenes em sua mão. Luz. O doutor lhe proporcionara luz. Junto com os papéis amassados desconfortavelmente no cinturão das calças, era o último presente que o ancião lhe dera.

“Não!” sussurrou uma voz. “O penúltimo, Simon Peregrino.”

Simon balançou a cabeça, tentando dissipar o medo que sentia. O que Morgenes havia dito enquanto amarrava a bugiganga brilhante à perna esguia do pardal? Para ser forte com seu fardo pesado? Por que estava sentado no escuro como breu, choramingando e babando... Afinal, não era o aprendiz de Morgenes?

Levantou-se, desconsertado e trêmulo. Sentiu a superfície vítrea da bola de cristal aquecer sob seus dedos. Olhou fixamente para a escuridão onde suas mãos deviam estar, pensando no doutor. Como o velho podia rir com tanta frequência, quando o mundo era tão cheio de traições ocultas, de coisas belas com podridão dentro delas? Havia tanta sombra, tão pouco...

Um ponto de luz brilhou diante dele... Um furo de agulha na cortina da noite que envolvia o sol. Esfregou com mais força e fixou seu olhar nela. A luz floresceu, afastando as sombras; as paredes da passagem saltavam de ambos os lados, pinceladas com a brilhante luz âmbar. O ar pareceu invadir seus pulmões. Conseguia enxergar!

A alegria momentânea evaporou quando se virou para olhar para de um lado para o outro no corredor. Uma dor de cabeça fez as paredes tremerem diante de seu olhar. O túnel era quase inexpressivo, um buraco solitário que se aprofundava na parte inferior do castelo, enfeitado com pálidas teias de aranhas. Subindo a passagem, podia ver uma encruzilhada pela qual já havia passado, uma boca escancarada na parede. Caminhou de volta. Um rápido brilho do cristal não revelou nada além da abertura, exceto rejeitos e escombros, uma pilha inclinada de detritos que descia para fora do alcance da luz tênue da esfera. Quantas outras encruzilhadas havia perdido? E como saberia quais eram as corretas? Outra onda de desespero sufocante o invadiu. Estava irremediavelmente sozinho, irremediavelmente perdido. Nunca se encontraria de volta no mundo da luz.

“Simon Peregrino, Simon cabeça-oca... Família morta, amigo morto, veja-o vagar e vagar para sempre...”

— Silêncio! — rosnou o garoto, e se assustou ao ouvir a palavra ecoando pelo caminho à sua frente, um mensageiro carregando uma proclamação do rei do Subterrâneo: ‘Silêncio... Silêncio... Silên... Si...’

Simon o Rei dos Túneis começou sua cambaleante progressão.



***



A passagem serpenteava para baixo, em direção ao coração de pedra de Hayholt, uma trilha sufocante, sinuosa e coberta de teias de aranha, iluminada apenas pelo brilho da esfera de cristal de Morgenes. Teias de aranha quebradas executavam uma dança lenta e fantasmagórica no rastro de sua passagem; quando se virava para olhar para trás, os fios pareciam ondular atrás dele, como os dedos desossados e retorcidos de um afogado. Mechas de fios sedosos grudavam em seus cabelos e pendiam pegajosas sobre seu rosto, de modo que tinha que manter a mão diante dos olhos enquanto caminhava. De vez em quando sentia alguma coisinha pequena e comprida deslizando entre seus dedos enquanto rompia a rede, e tinha que parar por um instante, de cabeça baixa, até que os tremores de nojo diminuíssem.

Estava cada vez fazia mais frio, e as paredes apertadas da passagem pareciam exsudar umidade. Partes do túnel haviam desmoronado; em alguns lugares, terra e pedras estavam empilhadas tão alto no centro do caminho que tinha que passar com as costas contra as paredes úmidas e contorná-las.

Estava fazendo justo isso, espremendo-se para passar por um obstáculo, a mão que empunhava a luz sobre a cabeça, a outra tateando à sua frente em busca de um caminho, quando sentiu uma dor lancinante, como mil picadas de agulha, percorrer sua mão inquisitiva e atingir seu braço. O clarão do cristal trouxe uma visão de horror... Centenas, não, milhares de minúsculas aranhas brancas enxameando seu pulso e sob a manga da camisa, picando como mil fogueiras. Simon gritou e bateu o braço contra a parede do túnel, fazendo com que uma chuva de terra coagulada caísse sobre sua boca e olhos. Seus gritos aterrorizados ecoaram pela passagem, desaparecendo rapidamente. Caiu de joelhos no chão úmido, batendo o braço ardendo para cima e para baixo na terra até que a dor lancinante começou a diminuir, então rastejou para a frente, de quatro, para longe de qualquer ninho ou madrigueira que tivesse perturbado. Enquanto se agachava e esfregava sem parar o braço com terra solta, as lágrimas voltaram, atormentando-o como se tivesse levado uma surra.

Quando conseguiu reunir coragem suficiente para olhar o braço, a luz do cristal revelou apenas pele avermelhada e inchada sob a terra, em vez dos ferimentos sangrentos que tinha certeza de que encontraria. O braço latejava, e se perguntou, atordoado, se as aranhas eram venenosas... Se o pior ainda estava por vir. Quando sentiu os soluços subindo mais uma vez em seu peito, encurtando sua respiração, forçou-se a se levantar. Precisava continuar. Precisava.

Mil aranhas brancas.

Ele precisava continuar.

Seguiu a fraca luz da esfera para o interior do túnel. A luz brilhava na pedra úmida e escorregadia e nos corredores transversais sufocados pela terra, entrelaçando-se com raízes pálidas. Certamente devia estar bem abaixo do castelo agora, bem fundo na terra negra. Não havia sinal da passagem de Josua, nem de ninguém. Tinha uma certeza nauseante de que havia perdido algum ponto de virada na escuridão e na confusão, e que agora mesmo descia em espiral para um poço inescapável.



***



Simon havia caminhado por tanto tempo, dando tantas voltas e reviravoltas, que a lembrança da estreita linha vermelha no velho pergaminho de Morgenes agora era inútil. Não havia nada remotamente parecido com escadas em qualquer lugar naqueles estreitos e sufocantes buracos de minhoca. Até o cristal brilhante começava a oscilar. As vozes voltaram a escapar de seu controle, cercando-o nas sombras enlouquecidas como uma multidão gritando.

“Está escuro e ficando mais escuro. Escuro e ficando mais escuro.”

“Vamos nos deitar um pouco. Queremos dormir, só um pouco, dormir...”

“O Rei tem uma besta dentro de si, e Pryrates é seu guardião...”

“‘Meu Simon’. Morgenes o chamou de ‘Meu Simon’... Ele conhecia seu pai. Ele guardava segredos.”

“Josua está indo para Naglimund. O sol brilha lá dia e noite. Naglimund. Eles comem creme doce e bebem água límpida e brilhante em Naglimund. O sol é reluzente.”

“Reluzente e caloroso. Está quente. Por quê?”

O túnel úmido ficou subitamente muito quente. Simon tropeçou, seguro de que sentira a primeira febre do veneno das aranhas. Morreria na escuridão, na terrível escuridão. Nunca mais veria o sol, nem sentiria seu...

O calor pareceu invadir seus pulmões. Estava ficando mais quente!

O ar sufocante o envolveu, colando sua camisa ao peito e seus cabelos à testa. Sentiu um momento de pânico ainda maior.

“Será que dei a volta? Será que caminhei por anos apenas para voltar às ruínas do quarto de Morgenes... Os restos queimados e enegrecidos de sua vida?”

Mas não era possível. Vinha em uma descida constante, sem nunca subir de volta a nada além de um momento de nivelamento. Por que estava tão quente?

A lembrança de uma das histórias de Shem Horsegroom emergiu em sua memória, uma história do jovem Preste John vagando pela escuridão em direção a um calor intenso e ameaçador... O dragão Shurakai em seu covil sob o castelo... Este castelo.

“Porém o dragão está morto! Toquei em seus ossos, uma cadeira amarela na sala do trono. Não há mais dragão... Nenhum gigante vermelho, insone e respirando fundo, do tamanho do campo do torneio, esperando na escuridão com garras como espadas e uma alma tão antiga quanto as pedras de Osten Ard... O dragão está morto.”

Contudo dragões nunca tiveram irmãos?

E que som era aquele? Aquele rugido apagado e constante?

O calor era opressivo, e o ar em volta era denso com uma fumaça que coçava. O coração de Simon era um pedaço de chumbo opaco em seu peito. O cristal começou a escurecer enquanto grandes manchas de luz avermelhada bloqueavam o brilho mais fraco da esfera.

O túnel se achatou, sem virar nem para a esquerda nem para a direita, conduzindo por uma longa galeria erodida até uma porta em arco que dançava com um brilho alaranjado e cintilante. Tremendo apesar do suor escorrendo pelo rosto, Simon sentiu-se atraído para ela.

“Vire-se e corra, seu cabeça-oca!”

Ele não conseguia. Cada passo era um esforço, mas se aproximou. Alcançou o arco e esticou o pescoço, temeroso, em torno da borda do portal.

Era uma grande caverna, inundada por uma luz vibrante. As paredes de rocha pareciam ter derretido e endurecido como cera na base de uma vela, a pedra alisada em longas ondulações verticais. Por um instante, os olhos atordoados de Simon se arregalaram de espanto: do outro lado da caverna, vinte figuras escuras estavam ajoelhadas diante da forma de... Um dragão monstruoso e flamejante!

Um instante depois, viu que não era bem assim: a enorme forma agachada contra a pedra era uma grande fornalha. As figuras vestidas de preto jogavam toras em sua boca flamejante.

“A fundição! A fundição do castelo!”

Por toda a caverna, homens fortemente vestidos e mascarados forjavam as ferramentas de guerra. Enormes recipientes de ferro líquido incandescente eram retirados das chamas nas pontas de longas varas. O metal derretido sibilava e borbulhava ao escorrer em moldes em forma de placa, e acima do gemido da fornalha reverberava o clangor do martelo na bigorna.

Simon retrocedeu para o interior do túnel. Por um instante, sentiu-se prestes a saltar para a frente e correr em direção àqueles homens... Pois eram homens, apesar de suas vestimentas estranhas. Naquele instante, pareceu que qualquer coisa era melhor do que o túnel escuro e as vozes... Contudo sabia que não. Será que achava que aqueles fundidores o ajudariam a escapar? Sem dúvida eles conheciam apenas uma rota para sair da caverna em chamas: subir e voltar para as garras de Pryrates... Se tivesse sobrevivido ao inferno dos aposentos de Morgenes... Ou à justiça brutal de Elias.

Simon se agachou para pensar. O ruído da fornalha e sua própria dor de cabeça dificultavam a tarefa. Não se lembrava de ter passado por nenhum túnel cruzado por algum tempo. Conseguia ver o que parecia uma fileira de buracos ao longo da parede oposta da caverna da fundição; podia ser que não passassem de câmaras de armazenamento...

“Ou masmorras...”

No entanto parecia igualmente provável que fossem outras rotas de entrada e saída da câmara. Recuar pelo túnel parecia loucura...

“Covarde! Ajudante de cozinha!”

Entorpecido, exausto, ele se equilibrava no fio da navalha da indecisão. Voltar e vagar pelos mesmos túneis escuros e assombrados por aranhas, com sua única luz agora quase extinta... Ou atravessar o inferno rugiente do chão da fundição... E de lá, quem poderia saber o que ocorreria? Qual seria?

“Será o Rei do Subterrâneo, Senhor das Sombras Lamentadoras!”

“Não, seu povo se foi, que o deixem em paz!”

Simon bateu na própria cabeça, tentando afugentar as trêmulas vozes.

“Se vou morrer...” decidiu, recuperando o controle de seu coração acelerado. “Que pelo menos seja na luz do dia.”

Ele se curvou, com a cabeça latejando, para fitar o brilho da esfera de cristal. Enquanto olhava, a luz se apagou e depois voltou a pulsar, débil. Ele a guardou no bolso.

A chama da fornalha e as formas escuras que passavam diante delas formavam listras pulsantes de vermelho, laranja e preto ao longo da parede; desceu do arco para se aconchegar ao lado da rampa que descia. O esconderijo mais próximo era uma estrutura de tijolos em ruínas a uns quinze ou vinte metros de onde se agachava, um forno ou fornalha em desuso que se agachava na borda da câmara. Depois de algumas respirações profundas, disparou para lá, meio correndo, meio engatinhando. Sua cabeça doía com o movimento e, quando chegou ao forno volumoso, teve que abaixar o rosto entre os joelhos até que as sombras pretas desaparecessem. O rugido bestial da fornalha de alimentação soava como um trovão dentro de sua cabeça, silenciando até mesmo suas vozes com seu clamor doloroso.

Avançou de um lugar escuro para outro, pequenas ilhas de segurança sombria no oceano de fumaça vermelha e ruído. Os fundidores não olharam para cima e não o viram; mal se comunicavam entre si, limitados no estrondo esmagador a gestos largos, como homens em armaduras no caos da batalha. Seus olhos, pontos de luz refletidos acima do tecido de máscara, pareciam, em vez disso, fitar apenas uma coisa: o brilho intenso e irresistível do ferro em brasa. Como a linha vermelha do mapa que ainda serpenteava melancolicamente pela memória de Simon, o metal radiante estava em toda parte e era o mesmo, como o sangue mágico de um dragão. Aqui, respingava na borda de um tanque, salpicando gotas preciosas; ali, serpenteava como uma serpente pela rocha até fluir sibilante para uma poça de água salobra. Grandes línguas de incandescência jorravam de baldes, colorindo os fundidores agasalhados com um escarlate demoníaco.

Rastejando, apressadamente, Simon percorreu aos poucos a borda da caverna de fundição até chegar à rampa mais próxima que levava para fora da câmara. O calor opressivo e sufocante e seu próprio espírito enjoado o incitavam a subir, mas a terra compactada da rampa exibia uma profunda e entrecruzada marca de rodas de carroça. Era uma saída muito usada, raciocinou, com os pensamentos turvos e lentos. Não era um lugar que devesse tentar.

Por fim, alcançou uma entrada na parede da caverna que não tinha rampa. Foi uma escalada difícil pela rocha lisa... Derretida pelo fogo? Derretida pelo dragão? Porém sua força fraquejando se manteve por tempo suficiente para que se puxasse sobre a borda e caísse de corpo inteiro nas sombras protetoras logo ali dentro, a esfera desembrulhada brilhando fracamente em sua mão como um vaga-lume preso.



***



Quando recordou quem era mais uma vez, estava rastejando pelo solo.

“De joelhos de novo, cabeça-oca?”

A escuridão era completa, e se movia às cegas para baixo. O chão do túnel estava seco e arenoso sob suas mãos.

Rastejou por um longo, longo tempo; até as vozes começaram a soar como se sentissem pena sua.

“Simon perdido... Simon perdido, perd...”

Só a sensação do calor que diminuía atrás o convenceu de que estava de fato se movendo... Contudo em direção a quê? Para onde? Rastejou como um animal ferido, através de uma sombra sólida, descendo, sempre descendo. Será que rastejaria para baixo até o centro do mundo?

Coisas compridas e velozes serpenteavam sob seus dedos e não significavam nada agora. A escuridão era completa, por dentro e por fora. Ele se sentia quase sem corpo, um feixe de pensamentos assustados caindo na terra enigmática.



***



Em algum lugar, algum tempo depois, a esfera escura que havia agarrado por tanto tempo, que parecia uma parte sua, começou a brilhar de novo, desta vez com uma estranha luz azul-celeste. De um núcleo de azul pulsante, a luz se expandiu até que teve de segurar a esfera longe de si, semicerrando os olhos. Levantou-se devagar e ficou ofegante, com as mãos e os joelhos formigando onde não tocavam mais a areia.

As paredes do túnel estavam cobertas por protuberâncias negras e fibrosas, emaranhadas como lã desgrenhada, no entanto através dos fios entrelaçados brilhavam manchas brilhantes, refletindo a luz recém-florida. Simon mancou para mais perto para investigar, recolhendo a mão com um leve chiado de desgosto ao tocar o musgo negro e gorduroso. Um pouco de si havia retornado com a luz e, enquanto cambaleava, pensou no que havia atravessado e tremeu.

A parede sob o musgo estava coberta por algum tipo de ladrilho, lascado e riscado em muitos lugares, faltando em outros, de modo que a terra opaca transparecia. Atrás dele, o túnel subia, o sulco de sua passagem parando onde agora estava. À sua frente, a escuridão o conduzia. Decidiu que caminharia sobre duas pernas por um tempo.

A passagem logo se alargou. As entradas em arco de dezenas de outros corredores juntavam-se àquele por onde passava, a maioria deles cheia de terra e pedra. Logo também havia lajes sob seus pés cambaleantes, pedras irregulares e fraturadas que, ainda assim, refletiam a luz da esfera-lanterna com uma estranha opalescência. O teto gradualmente se inclinava acima dele, fora do alcance da luz azul; o corredor continuava descendo para dentro da terra. Algo que poderia ter sido o bater de asas coriáceas esvoaçava no vazio acima.

“Onde estou agora? Como Hayholt pôde correr tão fundo? O doutor disse castelos sob castelos, para dentro dos ossos do mundo. Castelos sob castelos... Sob castelos...”

Ele parou sem perceber e se virou para ficar diante de uma das passagens transversais. Em alguma parte da cabeça, conseguia se ver e imaginar como devia ser sua aparência... Esfarrapado, sujo de terra, a cabeça balançando de um lado para o outro como um idiota. Um fio de saliva pendia de seu lábio inferior.

A entrada à sua frente estava desobstruída; um ar estranho e perfumado, como flores secas, pairava no arco negro. Simon deu um passo à frente, com um braço estendido, segurando a esfera de cristal na outra mão.

“Que lugar lindo...! Lindo...!”

Era uma câmara, perfeita sob o brilho azul, tão perfeita como se alguém a tivesse deixado há apenas um momento. O teto era abobadado e alto, coberto por um rendilhado de delicadas linhas pintadas, um padrão que sugeria arbustos espinhosos, trepadeiras floridas ou o serpentear de mil riachos de prado. As janelas arredondadas estavam obstruídas por escombros, e terra escorria delas, assando o piso de ladrilhos abaixo, embora todo o resto estivesse intocado. Havia uma cama, um milagre de madeira sutil e curva, e uma cadeira tão fina quanto os ossos de um pássaro. No centro da habitação, havia uma fonte de pedra polida que parecia prestes a se encher de água cantante a qualquer momento.

“Um lar para mim. Um lar subterrâneo. Uma cama para dormir, dormir e dormir até que Pryrates, o Rei e os soldados tenham ido embora...”

Alguns passos arrastados para a frente e ficou ao lado da cama, o catre tão limpo e imaculado quanto as velas do navio abençoado. Havia um rosto olhando-o de um nicho acima, um rosto esplêndido e inteligente de mulher... Uma estátua. Teve a sensação de algo errado: as linhas eram muito angulares, os olhos muito profundos e largos, as maçãs do rosto altas e acentuadas. Ainda assim, era um rosto de grande beleza, capturado em pedra translúcida, para sempre congelado em um sorriso triste e sábio.

Ao estender a mão para tocar suavemente a bochecha esculpida, sua canela roçou na estrutura da cama, um toque delicado como o passo de uma aranha. A cama se desfez em pó. Um momento depois, enquanto olhava horrorizado, as feições da mulher se dissolveram em cinzas finas sob a ponta de seus dedos, seus traços se dissipando em um instante. O garoto deu um passo cambaleante para trás e a luz da esfera brilhou e depois enfraqueceu em um brilho fraco. A batida de seu pé no chão nivelou a cadeira e a delicada fonte, e um momento depois o próprio teto começou a se mover, os galhos entrelaçados se transformando em pó macio. A esfera tremeluziu quando cambaleou em direção à porta e, ao mergulhar de volta no corredor, a luz azul se apagou.

Outra vez mergulhando na escuridão. Ouviu alguém chorando. Depois de um longo minuto, cambaleou para a frente, mergulhando nas sombras sem fim, imaginando quem ainda poderia ter lágrimas para derramar.



***



A passagem do tempo tornara-se algo apenas intermitente. Em algum lugar atrás, deixara cair o cristal gasto para sempre na escuridão, uma pérola nas trincheiras mais negras do mar secreto. Em uma última e sã parte de seus pensamentos errantes, sabia que estava se movendo ainda mais para baixo.

“Descendo. Para dentro do poço. Para baixo.”

“Indo para onde? Para quê?”

“De sombra em sombra, como um ajudante de cozinha sempre viaja.”

“Um cabeça-oca morto. Um fantasma de cabeça-oca...”

À deriva, sem propósito... Simon pensou em Morgenes com sua barba rala se envolvendo em chamas, pensou no cometa brilhante reluzindo vermelho sobre Hayholt... Pensou em si mesmo, descendo... Subindo? Avançando pelos espaços negros do nada como uma pequena estrela fria. À deriva.

O vazio era completo. A escuridão, a princípio apenas uma ausência de luz e vida, começou a assumir qualidades próprias: incomoda, uma escuridão sufocante à medida que os túneis se estreitavam. Simon escalou montes de entulho e raízes emaranhadas, atravessou a escuridão elevada e arejada de câmaras invisíveis, repletas do raspar de asas de morcego. Tateando por essas vastas galerias subterrâneas, ouvindo seus próprios passos abafados e o sibilar da terra se soltando das paredes, qualquer senso de direção restante desapareceu. Podia estar subindo pelas paredes, pelo que conseguia perceber, ou cambaleando pelo teto como uma mosca enlouquecida. Não havia esquerda ou direita; quando seus dedos encontravam paredes sólidas novamente e portas que levavam a outros túneis, ele tateou distraidamente por passagens mais estreitas e para dentro de outras catacumbas imensuráveis e cheias com o bater de asas de morcegos.

“Fantasma de um cabeça-oca!”

O cheiro de rocha úmida estava por toda parte. Seu olfato, assim como sua audição, parecia ter se aguçado na noite escura e cega, e enquanto tateava cada vez mais para baixo, os aromas daquele mundo da meia-noite o inundavam... Terra úmida e argilosa, quase tão rica quanto massa de pão, e a fragrância suave, porém áspera, das rochas. Simon se viu imerso nos odores vibrantes e respirantes de musgo e raízes, na podridão doce e agitada de pequenas coisas que viviam e morriam. E flutuando por tudo, permeando e complicando tudo, estava o odor azedo e mineral da água do mar.

Água do mar? Cego, escutava, buscando os sons estrondosos do oceano. Quão fundo havia chegado? Tudo o que ouvia eram os mínimos arrastamentos de coisas escavando e sua própria respiração irregular. Teria ido parar em um túnel sob o Kynslagh, que ainda não havia sido sondado?

Ali! Tons musicais fracos, ressoando nas profundezas mais distantes. Água pingando.

Simon avançou e notou que as paredes estavam molhadas.



***



“Você está morto, Simon Cabeça-Oca. Um espírito, condenado a assombrar o vazio.”

“Não há luz. Nunca houve tal coisa. Sente o cheiro da escuridão? Ouvi o nada ressoando? Isso sempre existiu.”

O medo era tudo o que lhe restava, contudo mesmo isso era alguma coisa... Seguia com medo, então devia estar vivo! Havia escuridão, no entanto havia Simon também! Eles não eram um só. Ainda não...

E agora, tão lentamente que sequer percebeu a diferença por um longo tempo, a luz retornou. Era uma luz tão fraca, tão tênue, que a princípio era menor do que os pontos de cor pairando diante de seus olhos inúteis. Então, com surpresa, viu uma forma negra à sua frente, uma sombra mais escura. Um coágulo de vermes se contorcendo? Não. Dedos... Uma mão... Sua mão! Era uma silhueta na sua frente, banhada por um brilho tênue.

As paredes do túnel, curvas e estreitas, estavam cobertas de musgo entrelaçado, e era o próprio musgo que brilhava... Um brilho pálido, verde-esbranquiçado, que lançava luz suficiente apenas para revelar a escuridão maior do túnel à sua frente e a sombra de suas próprias mãos e braços, que bloqueavam a luz. Mas era luz! Luz! Simon riu sem emitir qualquer som, e suas sombras nebulosas cruzaram a passagem.

O túnel se abria para outra galeria aberta. Ao olhar para cima, atônito com a constelação de musgos radiantes brotando no teto distante, sentiu uma gota de água fria no pescoço. Mais gotas caíram de cima, cada gota atingindo as rochas abaixo com um som semelhante ao de uma pequena marreta batendo em vidro. A câmara abobadada era cheia de longos pilares de pedra, grossos em cada extremidade, estreitos no meio; alguns eram tão finos quanto um fio de cabelo, como fios de mel escorrendo. Enquanto caminhava penosamente, percebeu, em algum canto remoto de sua mente abalada, que a maior parte daquilo era obra de pedra e água pingando, não de mãos trabalhadoras. Entretanto, ainda assim, havia linhas na penumbra que não pareciam naturais: vincos em ângulo reto nas paredes cobertas de musgo, pilares em ruínas entre as estalagmites, ordenados demais para serem acidentais. Ele se movia por um lugar que outrora conhecera algo além do ritmo incessante da água batendo em pedras. Outrora, ecoara em outros passos. Todavia ‘outrora’ só significava algo se o Tempo ainda fosse uma barreira. Por tanto tempo que estivera rastejando em lugares escuros, poderia ter escavado o futuro nebuloso ou o passado sombrio, ou reinos inexplorados da loucura... Como poderia saber...?

Ao levar o pé para dar um passo, Simon sentiu um momento de vazio chocante. Mergulhou na escuridão fria e úmida. Suas mãos pousaram na borda mais distante ao cair, e a água revelou-se apenas tão funda quanto seus joelhos. Pensou que alguma coisa com garras se agarrava à sua perna enquanto se puxava de volta para a passagem, tremendo por algo mais do que o frio.

“Eu não quero morrer. Quero ver o sol de novo.”

“Pobre Simon!” suas vozes respondiam. “Louco no escuro.”

Gotejando, tremendo, mancou pela câmara verde cintilante, observando com atenção as trevas vazias que da próxima vez poderiam não ser tão rasas. Luzes fracas, brilhando em rosa e branco, disparavam de um lado para o outro nos buracos enquanto ele os atravessava ou contornava cuidadosamente. Seriam peixes?

Peixes brilhantes nas profundezas da terra?

Agora, à medida que uma grande câmara se abria para outra, e mais outra, as linhas de objetos trabalhados à mão começavam a aparecer com mais clareza sob o manto de musgo e gotejamento de pedra. Formavam silhuetas estranhas na penumbra: vãos desmoronados que poderiam ter sido sacadas, depressões arqueadas cobertas de musgo pálido que poderiam ter sido janelas ou portões. Enquanto forçava os olhos, tentando distinguir detalhes na quase escuridão, começou a sentir que sua visão estava se deslocando para o lado, de alguma forma... As formas crescidas, sufocadas pela sombra, pareciam cintilar simultaneamente com os contornos que outrora exibiram. Pelo canto do olho, viu uma das colunas estilhaçadas que ladeavam a galeria que permanecia ereta, uma coisa branca e brilhante esculpida com sequências de flores graciosas. Quando se virou para olhar, era apenas um amontoado de pedra quebrada mais uma vez, meio envolto em musgo e terra invasora. A penumbra profunda dos aposentos provocava que forçasse os cantos de sua visão, e sua cabeça latejava. O som incessante da água caindo agora começava a soar como marteladas em sua mente atordoada. Suas vozes voltavam chilreantes, foliões excitados por música selvagem.

“Louco! O garoto está louco!”

“Tenha piedade, ele está perdido, perdido, perdido...!”

“Nós o teremos de volta, criança! Nós o teremos de volta!”

“Cabeça-Oca louco!”

Enquanto descia mais um túnel inclinado, começou a ouvir outras vozes em sua cabeça, vozes que nunca ouvira antes, de alguma forma mais reais e mais irreais do que aquelas que há muito tempo eram suas companheiras indesejadas. Algumas delas gritavam em línguas que desconhecia, a menos que as tivesse vislumbrado nos livros antigos do doutor.

“Ruakha, ruakha Asuaa!”

“T’si e-isi’ha as-irigú!”

“As árvores estão queimando! Onde está o Príncipe? O bosque encantado está em chamas, os jardins estão queimando!”

A penumbra girava ao seu redor, curvando-se, como se estivesse no centro de uma roca de fiar. Ele se virou e cambaleou às cegas por um corredor e entrou em mais um salão imponente, segurando a cabeça agonizante entre as mãos. Havia outra luz diferente ali: finos raios azuis descendo de rachaduras no teto invisível acima, luz que perfurava a escuridão, embora não iluminava nada onde caía. Simon sentiu o cheiro de mais água e vegetação estranha; ouviu homens correndo, gritando, mulheres chorando e o tilintar de metal contra metal. Na estranha quase escuridão, o som de alguma batalha terrível rugia ao redor, mas não o tocou. Ele gritou... Ou pensou assim ter o feito, porém não conseguia ouvir a própria voz, apenas o estrondo medonho em sua cabeça.

Então, como se para confirmar sua já certa loucura, figuras indistintas começaram a passar correndo na escuridão azulada, homens barbudos com tochas e machados perseguindo outros mais esguios que empunhavam espadas e arcos. Todos eles, perseguidores e perseguidos, eram tão transparentes e indistintos quanto névoa. Ninguém tocou ou viu Simon, apesar de estar bem no meio deles.

“Jingizu! Ayaai! Ó Jingizu!” veio um grito lamentoso.

Matem os demônios sitha, vozes mais ásperas gritavam. Ponham fogo em seu ninho!

As mãos apertadas sobre os ouvidos não conseguiram afastar as vozes. Ele cambaleou para a frente, tentando escapar das formas rodopiantes, e caiu por uma porta, parando por fim em um patamar plano de pedra branca e brilhante. Podia sentir o musgo amortecedor sob suas mãos tateantes, contudo seus olhos não viam nada além de um vazio polido. Rastejou para a frente de bruços, ainda tentando escapar das vozes horríveis que gritavam de dor e raiva. Seus dedos sentiram rachaduras e buracos, no entanto ainda assim a pedra parecia impecável como vidro. Alcançou a borda e olhou para um vasto campo plano de vazio negro que cheirava a tempo, morte e ao oceano paciente. Uma pedra invisível rolou sob sua mão, caiu silenciosamente por longos momentos e então mergulhou nas profundezas.

Algo grande e branco brilhou ao seu lado. Simon ergueu a cabeça pesada e dolorida da borda do lago escuro e olhou para cima. A poucos centímetros de onde estava deitado, projetavam-se os degraus inferiores de uma grande escadaria de pedra, uma espiral ascendente que subia, subindo pela lateral da caverna e circundando o lago subterrâneo para desaparecer finalmente na escuridão superior. Ele ficou boquiaberto quando uma lembrança urgente e fragmentada emergiu do clamor em sua cabeça.

“Escadas. Escadas Tan’ja. O doutor disse para procurar escadas...”

Ele avançou com dificuldade, erguendo-se sobre a pedra fria e polida, e sabia que estava louco além da salvação, ou que havia morrido e estava preso em algum terrível submundo. Estava sob a terra na escuridão final: não poderia haver vozes, nem guerreiros fantasmas. Não haveria luz fazendo os degraus brilharem à sua frente como alabastro ao luar.

Começou a subir, erguendo-se até o próximo degrau alto com dedos trêmulos e escorregadios de suor. À medida que subia mais alto, às vezes em pé, às vezes se arrastando para cima, agachado, espiava da escada. O lago silencioso, uma vasta poça de sombra abaixo, jazia no fundo de um grande salão circular, muito maior que a fundição. O teto se estendia imensamente para cima, perdido na escuridão acima, com o topo dos esbeltos e belos pilares brancos circundando a câmara. Uma luz nebulosa e sem direção cintilava nas paredes azul-marinho e verde-jade, e tocava as molduras das janelas abobadadas altas que agora tremulavam com um clarão carmesim sinistro.

No meio da névoa perolada, pairando sobre o lago silencioso, sentava-se uma forma escura e oscilante. Ela lançava uma sombra de admiração e terror, e encheu Simon de um medo inexprimível e piedoso.

Príncipe Ineluki! Eles estão vindo! Os nortistas estão vindo!

Quando este último grito apaixonado ecoou nas paredes escuras do crânio de Simon, a figura no centro da sala ergueu a cabeça. Olhos vermelhos e brilhantes floresceram em seu rosto, cortando a névoa como tochas.

“Jingizu...” uma voz sussurrou. “Jingizu. Tanta tristeza.”

A luz carmesim brilhou. O grito de morte e medo surgiu de baixo como uma grande onda. No centro de tudo, a figura sombria ergueu um objeto longo e esguio, e a bela câmara estremeceu, brilhando como um reflexo estilhaçado, e então desapareceu no nada. Simon virou-se horrorizado, envolto em um manto sufocante de perda e desespero.

Algo se fora. Algo belo fora destruído além de qualquer possibilidade de recuperação. Um mundo morrera ali, e Simon sentiu seu grito de decadência cravado em seu coração como uma espada cinzenta. Até mesmo seu medo avassalador foi dissipado pela terrível tristeza que o atravessava, trazendo lágrimas dolorosas e trêmulas de reservatórios que deveriam estar secos há muito tempo. Abraçando a escuridão, cambaleou pela subida sem fim, serpenteando ao redor da imponente câmara. As sombras e o silêncio engoliram a batalha e a câmara oníricas abaixo, trazendo um manto negro para cobrir sua mente febril.



***



Um milhão de passos se passaram sob seu toque cego. Um milhão de anos se passaram enquanto viajava no vazio, afogando-se em tristeza.

Escuridão por fora e escuridão por dentro. A última coisa que sentiu foi metal sob seus dedos e ar fresco em seu rosto.

***

Para aqueles que puderem e quiserem apoiar a tradução do blog, temos agora uma conta do PIX.

Chave PIXmylittleworldofsecrets@outlook.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário