terça-feira, 12 de agosto de 2025

The Magnus Archives — Primeira Temporada — Capítulo 03

Primeira Temporada  Capítulo 03: Do Outro Lado da Rua

Rusty Quill Apresenta “Os Arquivos Magnus”
Episódio três: Do Outro Lado da Rua



JONATHAN SIMS

Depoimento de Amy Patel, a respeito do suposto desaparecimento de seu conhecido Graham Folger. Depoimento original prestado em 1º de julho de 2007. Gravação de áudio por Jonathan Sims, Arquivista-Chefe do Instituto Magnus, Londres.

Início do depoimento.



JONATHAN SIMS (Depoimento)

Conheci Graham há dois anos, mais ou menos. É difícil dizer ao certo quando nos conhecemos ou mesmo quando começamos a conversar, já que estávamos fazendo um curso juntos na época. Tenho certeza de que houve muita discussão ou interação antes de aprendermos os nomes um do outro, mas comecei meu curso em setembro de 2005, então, sim, cerca de dois anos. Decidi fazer um curso de Criminologia na Universidade Birkbeck como uma forma de sair da rotina do meu trabalho de escritório. Sou Analista Associada de Conformidade na Deloitte, e se acha que parece chato, bem... Sim. É. Sabia que um curso noturno de Criminologia não levaria a lugar nenhum, é claro, mesmo que o tivesse concluído. Apenas precisava fazer algo para deixar minha vida um pouco mais interessante, e era isso ou me tornar uma alcoólatra, então...

Desculpe, estou fugindo de assunto. No início, para ser sincera, achei Graham um pouco desanimador. Ele era fumante inveterado e usava desodorante demais para disfarçar o cheiro. Era um pouco mais velho do que eu, uns dez anos. Nunca perguntei sua idade, quer dizer, não éramos tão próximos, mas seu cabelo começava a ficar grisalho nas pontas, e dava para ver que o cansaço em seu rosto não era só por não ter dormido uma única noite. Isso não quer dizer que fosse feio... Tinha um rosto redondo e aberto, e olhos azuis bem profundos, porém não era o meu tipo. Sua oratória era boa em trabalhos em grupo, pelo menos quando falava, e acho que uma vez me disseram que tinha estudado em Oxford, embora não sei qual faculdade.

Já tinha notado que, durante as aulas, ele sempre parecia rabiscar furiosamente num caderno, mesmo quando o professor não estava falando. No começo, só pensei que fosse meticuloso, contudo juro que o vi preencher um caderno A5 inteiro numa aula. Lembro-me de uma palestra sobre juventude e o sistema judiciário, em que o palestrante era tão lento que não teria preenchido o caderno mesmo se Graham tivesse escrito literalmente cada palavra. Sem mencionar que uma vez pedi suas anotações emprestadas para uma redação, e este me lançou um olhar estranho e disse que não fazia anotações.

Então, sim, a questão é que não o chamaria de amigo, mas nos demos bem. Foi cerca de quatro meses depois de começar o curso que encontrei Graham pela primeira vez fora da universidade. Eu estava no ônibus noturno para casa, depois de ter ido tomar uns drinques e perdido o ônibus do horário de sempre. Moro em Clapham, então há um serviço de ônibus noturno bastante regular para lá. Claro, regular também significa bêbados irritados vomitando, então, sim, costumo tentar ser discreta, sentando em um assento no fundo do último andar. Foi lá que vi Graham. Estava sentado bem na frente, olhando pela janela. Observar as pessoas é um dos meus prazeres culposos, assim decidi não o cumprimentar, pelo menos não de imediato. Não me decepcionei... Ele estava mais estranho sozinho do que nunca durante as aulas. Era inverno naquela época, então as janelas estavam cobertas de condensação, porém sua mão limpava de forma quase obsessiva da janela à sua frente assim que começava a obscurecer sua visão. Parecia estar examinando atentamente a rua em busca de algo, exceto que às vezes esticava o pescoço para observar os telhados dos prédios que passavam. Também parecia nervoso e respirava muito mais rápido do que o normal, o que embaçava ainda mais a janela. Pra ser sincera era um pouco alarmante de se ver, e por fim decidi chamá-lo e dizer que estava lá.

Ele deu um pulo quando o cumprimentei e perguntei se estava bem. Ele me disse que não costumava ficar fora até tão tarde e que achava o transporte público noturno perturbador. Sentei-me ao seu lado e seu semblante ficou bem mais relaxado, então não insisti no assunto. Conversamos um pouco sobre nada em particular, até que o ônibus começou a se aproximar do meu ponto. Ao me levantar, notei que Graham tinha se levantado na mesma hora e percebi, com certo desconforto, que devíamos morar no mesmo ponto.

Eu gostava bastante do cara, não me entenda mal, contudo não me sentia bem com ele sabendo onde eu morava. No entanto, sim, era óbvio que tinha me levantado para descer do ônibus, assim não podia ir para o próximo ponto, e nem era que me sentisse insegura com Graham; sou apenas uma pessoa reservada. Decidi apenas voltar juntos o quanto fosse necessário e garantir que não visse em que prédio eu tinha entrado. Talvez nem estivéssemos tomando a mesma direção. É, estávamos andando exatamente na mesma direção. Até parecia que estávamos indo para a mesma rua. Foi nesse momento que senti uma mão agarrar meu ombro e me jogar na rua. Não sei como descrever de outra forma: num momento estava andando, no outro estava voando em direção ao chão. Não pode ter sido o Graham, o cara estava caminhando na minha frente, e poderia jurar que não havia mais ninguém na rua. Não havia carros vindo, entretanto bati a cabeça com força. Acho que devo ter ficado inconsciente por alguns segundos, porque a próxima coisa de que me lembro é de um Graham em pânico ao telefone com uma ambulância. Tentei dizer que estava bem, todavia não consegui dizer as palavras, o que, sim, provavelmente significava que não estava bem.

A ambulância chegou bem na hora, considerando que era Londres numa sexta-feira à noite, e os paramédicos me deram uma olhada. Disseram-me que o ferimento em si não era grave... Pelo visto, ferimentos na cabeça sempre sangram muito e não há motivo para pânico, mas que como tinha uma concussão bastante grave não deveria ficar sozinha pelas próximas horas. Mesmo estando à vista da minha porta, por algum motivo tinha me convencido de que Graham nunca saberia onde eu morava. Em retrospecto, talvez devido a concussão falando, o resultado foi que concordei em voltar ao apartamento de Graham para me recuperar. Ele ficou bastante constrangido com a situação toda e se esforçou para me garantir que não havia nada de anormal na situação; aparentemente ele era gay, o que, admito, me tranquilizou um pouco. Ainda assim, estava claro que não era assim que nenhum de nós esperávamos terminar nossas noites.

Acontece que o apartamento de Graham ficava do outro lado da rua do meu, apenas alguns andares abaixo. Fiquei me perguntando se conseguia ver a minha janela da dele, e lembro que tive o estranho pensamento de que, se tivesse que olhar para fora, precisaria tomar cuidado com a sua floreira, pois podia ver os ganchos que a prendiam à armação. Perguntei o que cultivava, e Graham me lançou um olhar, como se a minha concussão estivesse me impedido de fazer sentido. Quer dizer, talvez tivesse, porque quando olhei de volta para a janela, os ganchos tinham sumido e não havia sinal de nenhuma floreira. Na época, atribuí isso ao meu ferimento na cabeça, e até agora não tenho certeza.

O apartamento em si era simples, bem grande para os padrões londrinos. Tinha apenas alguns móveis e muitas estantes, cada uma coberta com fileiras e mais fileiras de cadernos idênticos, sem nenhum sistema de marcação aparente ou indicação de conteúdo. Comecei a perguntar sobre eles, mas minha cabeça latejava e não me sentia à vontade para responder o que poderia ter vindo. Graham me levou até o sofá e desapareceu para me buscar uma bolsa de gelo e uma caneca de chá açucarado. Aceitei ambos graciosamente, embora não estivesse com muita vontade de conversar. Era evidente que Graham se sentiu constrangido o suficiente com o silêncio para falar por nós dois, e aprendi mais sobre a seu respeito na última hora do que jamais desejei saber. Pelo visto, seus pais haviam morrido em um acidente de carro alguns anos antes e deixado muito dinheiro e a propriedade deste apartamento. Ele não precisava mais trabalhar e, por isso, se viu um tanto à deriva, fazendo cursos noturnos na faculdade para passar o tempo e expandir a mente... Palavras suas, não minhas. Disse que vinha tentando descobrir o que realmente fazer da vida.

Ele falou assim por um tempo, porém parei de ouvir naquele momento, pois fiquei encantada com a mesa em que havia colocado meu chá. Era uma coisa de madeira ornamentada, com um padrão sinuoso de linhas serpenteando em direção ao centro. O padrão era hipnótico e mudava enquanto eu o observava, como uma ilusão de ótica. Meus olhos seguiram as linhas em direção ao centro da mesa, onde não havia nada além de um pequeno buraco quadrado.


Graham percebeu que estive olhando fixamente e me contou que móveis antigos interessantes eram uma de suas poucas paixões verdadeiras.

Ao que parece, havia encontrado a mesa em um brechó durante seus tempos de estudante e se apaixonado por ela. Ela estava em péssimo estado, contudo havia gasto muito tempo e bastante dinheiro restaurando-a, apesar de nunca ter conseguido descobrir o que deveria ficar no centro. Presumiu que fosse uma peça separada e não conseguiu encontrá-la. E sim, como na maioria das suas conversas, eu a teria achado sem graça mesmo se não tivesse sofrido uma concussão. Todavia, a essa altura, começava a me sentir bem o suficiente para ir embora e comecei a me desculpar com Graham. Ele expressou sua preocupação, disse que não fazia tanto tempo quanto os médicos sugeriram, entretanto se eu tivesse que... Bem, você entendeu. No fim, acabei indo embora, pois me perdia nas fileiras da mesa, e os canos do lado de fora da janela faziam um barulho tão estranho que achei que ficar não me ajudaria a me recuperar.

Fui direto para casa, certificando-me de que Graham não pudesse me ver da sua janela, e passei algumas horas assistindo TV até me recuperar o suficiente para dormir. Quando acordei na manhã seguinte, me sentia sentindo mais ou menos bem, embora mantivesse um curativo no corte na testa e tentasse não pensar muito na noite anterior.

Uma noite, alguns dias depois, me vi olhando pela minha janela, a que dava para a rua, e me lembrei de como Graham morava perto. Olhei para ver se conseguia descobrir qual era a janela do seu apartamento e, sim, pude encontrá-la. Na verdade, era uma incrível e clara vista para o seu interior, e pude vê-lo sentado no sofá, lendo um dos cadernos da estante. Percebi que, se eu conseguia vê-lo de forma tão clara, é provável que também me visse se escolhesse olhar para cima e, com um resquício da minha apreensão daquela sexta-feira, decidi apagar a luz do meu apartamento para que não me visse se olhasse para cima. E então, voltei a observá-lo.

É, sei que soa assustador. Realmente não era para ser. Falei antes que gosto muito de observar as pessoas e, independente de quão chato ele possa ter sido para conversar, Graham era estranhamente atraente de se observar. Assim, foi justo o que fiz. E não apenas naquela noite. É, não há uma maneira não sinistra de dizer que observar Graham se tornou meu passatempo. Era estranho, admito. Mas apenas não conseguia me conter. Concluí que não estava observando-o com nenhum propósito ou malícia em mente. Era puramente por um interesse desapegado na vida dele. E, em minha defesa, teria parado muito antes se não fossem as coisas bizarras que o via fazer. Ele reorganizava com frequência seus diários, sem nenhum sistema aparente de organização, na maioria das vezes sem sequer abri-los. Às vezes, pegava um caderno aparentemente aleatório da prateleira e começava a rabiscá-lo, mesmo que eu pudesse ver que a página já estava coberta de anotações.

Uma vez, e juro que é verdade, eu o vi pegar um dos cadernos e começar a arrancar as páginas uma de cada vez. E então, lenta e deliberadamente, ele as comeu. Deve ter levado umas três horas para terminar o caderno inteiro, porém não parou nem hesitou, apenas continuou.

Mesmo quando não estava fazendo nada com os cadernos, havia uma energia estranha nele. Pelo que pude ver, estava quase sempre nervoso e se sobressaltava sempre que passava algum barulho alto na rua. Uma sirene de polícia, uma garrafa quebrando... Caramba, até o vi surtar por causa de um caminhão de sorvete uma vez. Cada vez ele se levantava de um salto, corria para a janela e começava a olhar para fora; esticando o pescoço de um lado para o outro, frenético. Às vezes, olhava para cima, contudo já tinha aprendido seus padrões bem o suficiente para evitar ser vista. Então, de repente, decidia que não havia problema e voltava para o que estava fazendo antes. E por ‘o que quer que estivesse fazendo antes’, sim, quero dizer nada. Pelo visto, não tinha televisão nem computador... Os únicos livros que parecia possuir eram seus próprios cadernos, e só o vi comer comida para viagem. Não sei quantas vezes o vi comer a mesma pizza, calabresa com pimenta jalapeño e anchovas. É, eu sei. Contudo o resto do tempo ele ficava sentado ali, fumando; às vezes olhando para o nada, às vezes encarando aquela mesa de madeira.

E sim, me lembrava que o padrão era meio hipnótico e eu mesma passei mais de alguns minutos olhando para ela quando estava lá, no entanto Graham não fazia quase mais nada.

Quem sabe, talvez tivesse uma vida rica e gratificante fora do apartamento. Suas saídas eram bastante frequentes, e sim, não estava tão maluca a ponto de segui-lo. Na verdade, sempre esperava um bom tempo antes de sair do meu prédio para ter certeza de não nos encontrarmos. Ainda não queria que soubesse onde eu morava, apesar de que agora por motivos bem diferentes. No fim das contas, era um passatempo, não uma obsessão, e muitas vezes não vi Graham. Talvez houvesse coisas que não tivesse percebido que explicariam o seu comportamento. Só queria ter perdido o que aconteceu no dia 7 de abril. Aí talvez apenas pensasse que ele tinha se mudado ou... Sei lá. Só queria não ter visto.

O trabalho tinha sido intenso por alguns meses, com tantas noites em claro que precisei abandonar o curso. Na verdade, foi até melhor assim, já que não falava com o Graham desde a noite em que sofri o ferimento na cabeça. Acho que ele ainda se sentia constrangido com aquilo, e eu o tinha visto fazer tantas coisas estranhas sozinho no apartamento que acho que teria dificuldade em manter uma conversa normal com ele.

Enfim, esta semana mal tive tempo para comer, muito menos para observar o Graham, assim, quando cheguei em casa por volta das dez e meia da noite, meu primeiro pensamento foi apenas me jogar na cama. Mas era sexta-feira e tinha tomado uma quantidade enorme de café para continuar no trabalho, então, é, estava animada e ansiosa para dormir até mais tarde no dia seguinte. Então, quando vi que a luz do Graham seguia acesa, decidi passar alguns minutos relaxantes para ver como estava indo. A luz podia estar acesa, porém não conseguia vê-lo, e me perguntei se talvez tivesse ido dormir e simplesmente esquecido de apagá-la. Era mais provável que estivesse no banheiro, desse modo decidi esperar mais um pouco. Enquanto olhava para aquela janela, percebi que havia algo... Sei lá, estranho nela. Parecia diferente de alguma forma, contudo não conseguia descobrir o que era. Então notei. A princípio, imaginei que fosse um cano d’água descendo pela lateral do prédio, preso logo abaixo da janela aberta de Graham. A luz dos postes de luz não alcançava seu apartamento no quarto andar, e o parapeito da janela projetava uma sombra que impedia a luz do cômodo de iluminá-lo, no entanto era longo, reto, escuro e, pelo que pude ver, parecia apenas um cano, exceto pelo fato de eu estar observando aquela janela há meses e juraria que nunca havia um cano ali antes. E enquanto eu observava, ele se moveu. Começou a se curvar, lentamente, e percebi que estava olhando para um braço, um braço longo e fino.


Enquanto dobrava a articulação perto de onde o braço terminava, acho que vi outra articulação mais abaixo, também se movendo, e dobrando o que só posso presumir serem cotovelos; a ponta do membro se enganchou através da janela. Quando digo “se moveu”, não é bem isso. Ele mudou. Como quando você olha para uma daquelas pinturas antigas de olhos mágicos e passa de ver uma imagem para ver outra. Nunca vi nada que pudesse chamar de mão, entretanto mesmo assim ela se puxou pela janela. Levou menos de um segundo, e não consegui ver bem o que era, só vi estes... Braços, pernas? Pelo menos quatro deles, todavia pode ter havido mais, e eles meio que se dobraram através da janela em um lampejo cinza manchado. Acho que era essa a cor... Era principalmente uma silhueta, e se havia um corpo ou uma cabeça, ela se moveu para dentro mais rápido do que eu conseguia ver. No momento em que entrou, a luz do apartamento de Graham se apagou e a janela fechou com força atrás.

Então, sim, fiquei ali parada por um bom tempo, tentando processar o que tinha acabado de ver. Consegui distinguir alguns movimentos vagos de dentro do apartamento de Graham, no entanto não conseguia ver nada com clareza. Por fim, decidi que precisava ligar para a polícia, embora não tivesse a mínima ideia do que deveria dizer. No fim, acabei dizendo que tinha visto alguém suspeito entrando por uma janela do quarto andar do endereço dele e desliguei antes que pudessem me perguntar quem estava ligando. Então, esperei e observei o apartamento escuro em frente. Não conseguia desviar o olhar... Estava convencida de que, se parasse de olhar, aquilo... O que quer que fosse, se dobraria para fora, se esticaria e entraria na minha casa. Nada saiu.

Cerca de dez minutos depois, vi um carro de polícia subindo a rua. Sem sirenes, sem luzes piscando, mas eles estavam ali, e na hora comecei a me sentir melhor. Olhando para cima, porém, vi que a luz do apartamento de Graham tinha acendido. Não havia sinal da coisa que eu tinha visto entrar, todavia quando a polícia apertou a campainha do lado de fora do prédio, vi alguém caminhando em direção à porta para deixá-los entrar. Não era Graham.

Não consigo enfatizar o suficiente o quanto aquele não era Graham. Parecia completamente diferente. Era talvez alguns centímetros mais baixo e tinha um rosto longo e quadrado, encimado por cabelos loiros e cacheados, enquanto os de Graham eram escuros e curtos. Estava vestido com as roupas de Graham; reconheci a camisa dos meus meses de observação, no entanto ele não era Graham. Observei enquanto o Não-Graham caminhava até a porta e deixava os dois policiais entrarem. Eles conversaram por um tempo, e o Não-Graham pareceu preocupado e juntos começaram a revistar o apartamento. Observei, esperando que a coisa aparecesse, ou que encontrassem o verdadeiro Graham, entretanto não encontraram. Em certo momento, vi um dos policiais pegar uma forma vermelho-escura que reconheci como um passaporte. Meu coração bateu mais rápido quando o vi abri-lo e olhar para o Não-Graham, claramente comparando, esperando o momento em que detectaria o impostor. Contudo, em vez disso, o policial apenas riu, apertou a mão do Não-Graham e foi embora. Observei o carro da polícia se afastar, sentindo uma sensação de impotência e, quando olhei para cima, ele estava parado na janela de Graham, olhando para mim. Fiquei ali paralisada enquanto seus olhos arregalados e fixos encontraram os meus e um sorriso frio e cheio de dentes se espalhou por seu rosto. Então, em um movimento rápido, ele fechou as cortinas e desapareceu.

Não dormi naquela noite e nunca mais vi Graham. Mas eu via essa nova pessoa o tempo todo. Durante a semana seguinte, o via tirando sacos de lixo grandes e pesados várias vezes ao dia. Levei um tempo para perceber que estava se desfazendo dos cadernos antigos de Graham, porém o apartamento logo ficou vazio deles. Acho que fez outras reformas, contudo nunca consegui vê-lo direito, pois a única vez que mantinha as cortinas abertas era quando olhava fixamente para o meu apartamento, o que agora fazia todas as noites. Tentei encontrar evidências do antigo Graham, no entanto tudo o que encontrava online com uma foto era sempre uma foto dessa nova pessoa. Cheguei a perguntar para alguns dos meus antigos colegas de classe, entretanto nenhum deles parecia se lembrar.

Depois de um tempo, me mudei. Gostava muito do meu antigo apartamento em Clapham, só que, sim, ficou demais. A gota d’água foi quando estava saindo para o trabalho uma manhã e só percebi tarde demais que o Não-Graham tinha saído do seu prédio na mesma hora. Ele me cumprimentou pelo nome, e sua voz não era nada parecida com a que deveria ter sido. Comecei a me desculpar e sair correndo, mas ele apenas me encarou e sorriu.

— Não é engraçado, Amy, como você pode morar tão perto e nem perceber? Preciso retribuir a visita algum dia.

Me mudei uma semana depois e nunca mais o vi.



JONATHAN SIMS

Depoimento encerrado.

Eu ficaria tentado a descartar isso como alucinação resultante de complicações de traumatismo craniano de longo prazo, porém Tim se saiu bem e conseguiu os registros médicos da Sra. Patel. Só Deus sabe como os conseguiu, contudo é melhor que não tenha usado as verbas do Instituto para cortejar balconistas outra vez. Os registros não sustentam a ideia de que ela estava sofrendo desse tipo de problema. Sem mencionar que geralmente não confio nos depoimentos de colegas de trabalho, no entanto o trabalho dela realmente não parecia o tipo de trabalho que se pudesse ser feito com um senso de realidade comprometido. A Sra. Patel recusou nosso pedido de entrevista de acompanhamento e parece estar tentando se distanciar desses eventos.

Graham Folger de fato existiu e parece corresponder à sua história. De acordo com os registros do legista, Desmond e Samantha Folger, seus pais, morreram na M1, perto de Sheffield, em 4 de agosto de 2001, e o nome de Graham Folger aparece no registro de várias faculdades e universidades em Londres e arredores nos anos seguintes. O apartamento mencionado pertencia ao Sr. Folger, embora foi vendido por uma agência no início de 2007. Todas as fotografias que conseguimos encontrar correspondem à descrição deste “Não-Graham” que a Sra. Patel descreveu, exceto por algumas polaroids, anexas, que parecem ser do final dos anos 80 e mostram os dois pais ao lado de um adolescente de cabelos escuros que não corresponde em nada às fotos posteriores.

Não parece haver muito mais a ser feito aqui. A Sra. Patel, como muitos de nossos entrevistados, aparentar ter se interessado mais em prestar seu depoimento como uma forma de encerramento pessoal, do que como o início de uma investigação séria. Ela nem se interessou quando Sasha lhe contou que tínhamos conseguido localizar o que acreditávamos ser um dos diários de Graham Folger. Duvido que teria sido de grande utilidade. Diz a mesma coisa em todas as páginas: as palavras “Continue Vigiando” de novo e de novo.


Fim da gravação.

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