Capítulo 13: A estrada para Sairaag é longa, mas...
“Você parece bem, garota.” disse um lobisomem sorridente com uma cimitarra pesada pendurada nas costas.
Para ser justa, ‘lobisomem’ no geral implica que alguém era parte humano, porém a parte não lupina desse lobisomem em particular era troll. O que significava que tinha não apenas a agilidade de um lobo, como também (e mais importante) os poderes regenerativos de um troll. Qualquer golpe que o infligisse fecharia diante dos meus olhos, literalmente.
“E eu não posso acreditar que você ainda está vivo, sua desculpa de lobisomem que late e não morde.”
Meu comentário cortante o pegou desprevenido.
“Ei, isso é maldade...”
“Dói porque é verdade, tenho certeza.” murmurou Vrumugun.
“Cale a boca!”
Enquanto discutiam entre si, Gourry me cutucou no ombro e perguntou.
“Sabe quem é aquele lobisomem?”
Está vendo o que tenho que aturar? Eu juro, esse cara...
“Está brincando comigo? Não lembra que o encontrou pelo menos duas vezes durante aquela nossa pequena provação alguns meses atrás. Esse é o Dilgear, cara! Dilgear!”
“Hã...” Gourry refletiu enquanto coçava a cabeça. “É só que não consigo distinguir os animais.”
Wow, esse comentário foi ainda mais cruel do que o que eu falei...
De qualquer forma, parecia que Dilgear estava ficando deprimido, então resolvi deixá-lo de lado por um tempo. Em vez disso, voltei meu olhar para a segunda figura familiar que emergiu da floresta. É verdade que não era um rosto que gostaria de examinar muito de perto...
Era o que chamaria de homem-peixe... Embora ‘fishóide’ fosse melhor para descrevê-lo. Ele era basicamente um peixe ampliado para o tamanho de uma pessoa com braços e pernas humanos colados nos lados. Parecia que tinha saído de um daqueles livros infantis que vendem nas grandes cidades... Contudo ver um desses caras na vida real provavelmente faria a maioria das crianças chorar.
“Acho que enfim vamos resolver nossa rixa, hein, Mestre Nunsa?” comentei, tentando olhar direto para ele, com alguma ressalva.
Meu olhar inexpressivo foi confrontado com seus olhos vidrados e vazios.
Ei, não olhe para mim. Sério. Está me assustando!
“Você acabou de me chamar... Nunsa?” o homem-peixe sussurrou de forma languida depois de alguns momentos, balançando a boca.
Espere... Peguei o cara errado? (Peixe? Homem peixe?) Não quero soar como Gourry aqui, no entanto é muito difícil diferenciá-los...
“Quer dizer... Que você conheceu aquele gostosão?”
G-Go-Gostosão?
Só para estarmos na mesma página, o homem-peixe Nunsa que conheci antes parecia igual, e quero dizer igual mesmo, aquele com quem eu estava conversando agora. Sei que diferentes espécies têm diferentes padrões de beleza e tudo mais, entretanto... Wow. Gostosão?
“Fico me perguntando como pode me confundir com o lindo Nunsa...”
Li-Lindo? Tem que estar brincando comigo...
“Meu nome é Rahannim... E é melhor não me julgar pelo meu companheiro de espécie desaparecido. Lorde Rezo me deu o poder de nadar pelo céu...”
Não tinha ideia do que estava resmungando. Porém toda essa conversa estava me dando dor de cabeça e teríamos que brigar mais cedo ou mais tarde de qualquer maneira, então...
“É verdade. Não nos subestime.” interrompeu Dilgear, endireitando-se de repente. “Eu também fiquei mais resistente desde...”
“Bola de Fogo Surpresa!”
Sem hesitar um momento, atirei uma bola de fogo no trio inimigo. Sempre bata enquanto o ferro estiver quente! Sabia que não bastava apenas acertá-los, contudo pelo menos não deixaria a iniciativa me escapar.
“Tch! Cadelinha agressiva...!” Vrumugun gritou enquanto voava para trás.
Rahannim também recuou para o campo de trigo. E quanto a Dilgear... Oh, ele era uma casca queimada agora. Tiro de sorte!
“Ei! O que está fazendo?” o feiticeiro gritou para seu companheiro lobisomem, que ficou imóvel enquanto uma fumaça fedorenta subia de seu corpo.
Foi uma visão muito tediosa, pra ser honesta...
“Venha, Rahannim!” gritou o feiticeiro.
“Ok...”
Quase instantaneamente, o homem-peixe se endireitou.
Espere um minuto...
Seus pés levantaram do chão. Em outras palavras, ele agora estava pairando no ar. Seu corpo torceu para o lado e então... Flutuou até Vrumugun como se estivesse nadando no céu!
“Vá! Corte-a em pedaços.” ordenou o feiticeiro, estendendo a mão direita e tocando de leve a barriga do homem-peixe.
“Ok...”
O homem-peixe girou no ar outra vez em preparação...
Imaginei que teríamos um ataque, mas não tão rápido que Gourry e eu não conseguíssemos rastreá-lo. Vrumugun ainda parecia estar nos subestimando, e poderíamos aproveitar esse excesso de confiança para nosso próprio ganho.
“Lina!” Gourry gritou no instante em que Rahannim desapareceu de vista.
Soltei uma exclamação sem palavras e meu corpo reagiu antes que pudesse pensar. Uma forte rajada de vento passou por mim pela direita. Perdi o equilíbrio e mergulhei no campo de trigo perto da estrada.
Me apressei para me endireitar. Achei que tinha sentido a grama cortar meu rosto quando caí, porém tinha problemas maiores com que me preocupar agora. A grande ombreira de tartaruga em meu ombro direito, junto com o rubi que a decorava, havia sido cortada ao meio.
“Errei a cabeça, hein...?” Rahannim sussurrou enquanto parava e se virava no ar após seu ataque estranho, contudo surpreendente.
Ele estava nos circulando agora, como um peixe carnívoro perseguindo sua presa. Não foi exagero dizer que seu ataque era como um raio. Era literalmente mais rápido do que meus olhos podiam acompanhar.
Estava supondo que ele normalmente não conseguiria se mover nessas velocidades. É provável que Vrumugun tenha lançado algum tipo de barreira contra o vento quando flutuou em sua direção mais cedo. Essa era a única maneira pela qual poderia se mover tão rápido. Acho que isso significa que fomos nós que os subestimamos, hein?
“Viu aquilo?” perguntei a Gourry enquanto mantinha minha atenção em Rahannim.
“Apenas a pós-imagem... Que velocidade incrível.” Gourry respondeu para minha consternação.
Para que conste, Gourry é um mestre espadachim. Então, se esse homem-peixe estava se movendo tão rápido que nem mesmo ele conseguia rastreá-lo... A única maneira provável de acertá-lo é lançar uma barragem indiscriminada de ataques em uma ampla área, no entanto ainda assim, não havia garantia. O que nos deixa com apenas um recurso...
Rahannim de repente desapareceu de vista de novo.
“Dah!” Gourry e eu exclamamos quando nos abaixamos.
Nosso plano? Continuar esquivando! Eu sei, ok? É patético.
Uma rajada de vento passou acima de nossas cabeças. Não parecia que Rahannim tinha capacidade de manobra compatível com sua velocidade, então não conseguia se mover para compensar quando nos esquivamos. Avanços brutais e impensados contra duas pessoas que não fazem nada além de se esquivar... Qualquer um que nos visse acharia esta uma luta ridiculamente simples.
“Vocês me evitaram outra vez. Gostaria que ficassem parados...” Rahannim pediu.
Era um pedido absurdo, embora fosse verdade que ficaríamos nisso o dia todo se alguém não fizesse alguma coisa. Sendo esse o caso...
Comecei a invocar um feitiço.
“Estúpida... Acha que pode me pegar com um feitiço? Bom, você está livre para tentar...” ele disse antes de desaparecer pela terceira vez.
Terminei meu canto ao mesmo tempo, e nem um segundo depois...
Vwwsshh!
Houve um rugido alto seguido de um estrondo. Consegui manter o equilíbrio, entretanto o impacto ainda me fez recuar alguns passos. Por sorte, o homem-peixe levou a pior e saiu voando para o campo de trigo.
Veja, criei uma barreira contra o vento, na qual ele começou a colidir em alta velocidade... As duas barreiras se anularam, evitando danos a mim. Agora era minha chance!
Sem hesitar, comecei outro encantamento. Gourry disparou em direção ao homem-peixe, que nesse momento estava lutando para se endireitar. Vi um lampejo de aço, mas tudo o que Gourry cortou foi um pedaço de trigo.
“Técnica impressionante... Muito inteligente...” Rahannim murmurou, seus olhos piscando de leve enquanto ascendia.
Ele levantou voo uma fração de segundo antes do ataque de Gourry acertar. Seus olhos redondos e desfocados tornavam difícil dizer com certeza o que o homem-peixe estava olhando, porém agora parecia que sua atenção havia se deslocado de mim para Gourry.
Felizmente, acabei de terminar meu próximo feitiço.
“Bram Gash!” gritei, liberando uma flecha de ar comprimido.
Esta belezinha explodiu com força mortal quando atingiu seu alvo. Foi um ataque de alvo único, contudo é poderoso o suficiente para explodir uma parede de tijolos... E eu estava mirando em Vrumugun, que assistia a luta sem se preocupar de um ponto alto da floresta. Ele nunca imaginou que isso aconteceria!
Para poupar quem está lendo enquanto come, não vou descrever o resultado em detalhes...
“Mestre Vrumugun...!”
Rahannim voou em direção ao feiticeiro em pânico, e não perdi tempo para passar para meu próximo feitiço.
“Lei Asa!”
Meus pés prontamente se levantaram do chão. Este feitiço, como pode ver, cria uma bolha de vento ao redor do lançador, permitindo-lhe voar em grande velocidade pelo ar. Era mais difícil de controlar do que o feitiço Levitação, mas se voasse sozinho, era rápido o suficiente para deixar um pássaro comum comendo poeira.
“Agarre-se, Gourry!” gritei enquanto minha bolha tremeluzia por um momento, permitindo-me tirar meu companheiro loiro do campo.
“O que estamos fazendo?”
“Correndo!” respondi sem hesitação.
“Maldita seja...”
Quando Rahannim percebeu o que estávamos fazendo, se virou para nós mais uma vez. Ele então desapareceu e, um segundo depois, minha bolha de vento sofreu um impacto.
“Gwuh!”
Não podia me dar ao luxo de abandonar o feitiço agora. O fato de Rahannim conseguir manter essa velocidade mesmo após a morte prematura de Vrumugun sugeria que sua barreira estava com um cronômetro. Quando enfim acabasse, não teríamos problemas em chutar seu rabo... O problema é que não fazíamos ideia de quanto tempo o feitiço iria durar e não tínhamos escolha a não ser esperar.
Gourry e eu navegamos pela colina. O velho da pousada estava certo; ao chegarmos ao cume, pudemos ver uma pequena cidade além.
Rahannim correu atrás de nós e se chocou contra nossa barreira outra vez.
“Não podemos fugir?” Gourry gritou, parecendo bastante lamentável enquanto se agarrava à minha cintura.
A velocidade máxima, altitude e capacidade de carga de um Lei Asa variava de acordo com a capacidade do lançador. E enquanto carregava Gourry, não consegui ir rápido o suficiente para despistar o homem-peixe. Porém se pudesse chegar à cidade...
“Não se preocupe! Tenho um plano! Assim que chegarmos à cidade, vamos inventar alguns disfarces e conversar um pouco com o homem-peixe! Quando o fizermos, diga o mínimo possível! E faça o que fizer, não use meu nome verdadeiro! Apenas siga tudo o que eu disser!”
Meu feitiço de vento estava impedindo Rahannim de ouvir nossa conversa. Aproveitei para explicar minha estratégia simples a Gourry.
...
“V-Você tem certeza disso, Lina?”
“Claro que tenho! Contudo enquanto o plano estiver em andamento, nada de desembainhar a espada! E reduza ao mínimo quaisquer sentimentos hostis! Entendeu?”
O homem-peixe nos atingiu mais algumas vezes enquanto dava um resumo a Gourry, no entanto ele não conseguiu nos impedir de chegar à cidade. O vento que geramos derrubou uma senhora que vendia produtos perto do portão enquanto entrávamos.
“Desculpe!” gritei enquanto navegávamos pelas ruas, derrubando uma barraca de laranja e derrubando vários transeuntes no caminho.
“Ei, ei! Lina!”
“Vou responder a todas as reclamações mais tarde!”
Voando pela via principal, lancei olhares para a esquerda e para a direita...
Perfeito! Isso resolverá o problema!
Rahannim se aproximou de nós outra vez, mas desta vez eu bati nele. O homem-peixe perdeu o equilíbrio e bateu em uma barraca. Em seguida voltei pelo caminho por onde viemos, virei pela rua lateral que avistei antes e descartei meu feitiço Lei Asa.
Estávamos agora em uma madeireira. Madeira quadrada, tábuas e troncos recém-cortados estavam empilhados no chão e apoiados nas paredes de pedra da propriedade.
“Gourry! Tire a armadura e sente-se naquela pilha de lenha! E não se esqueça do que te falei antes! Não há tempo para explicar! Apenas se apresse!”
Enquanto gritava ordens para Gourry, tirei minhas próprias ombreiras, capa, espada e luvas. Coloquei minha capa nos ombros de Gourry e escondi todo o resto atrás de uma pilha de madeira. Por fim, tirei a bandana, enfiei as mãos nos bolsos da calça e me sentei ao lado dele.
“Não se esqueça, diga o mínimo possível.” avisei, e nem um segundo antes...
Rahannim apareceu no final da rua. Houve uma longa pausa enquanto nos olhava.
“Te peguei agora...” falou com sua voz lenta e monótona.
Encarei perplexa o homem-peixe por um minuto, depois falei em um tom de leve tristeza.
“Com licença? Quem é você?”
Como esperado, Rahannim ficou em silêncio. Parecia estar pensando em algo.
“Vocês não podem me enganar, Lina Inverse e Gourry Gabriev...!”
“Hã, quem?” perguntei, piscando algumas vezes.
“Vocês não são eles...? Então posso perguntar... Uma feiticeira de cabelos castanhos e um guerreiro de cabelos amarelos passaram por aqui?” perguntou o homem-peixe, olhando em volta desvairado.
“Não sei... Ei, Leon, viu alguém assim passar?” perguntei, virando-me para Gourry.
“Hã? Que...” Gourry exclamou, confuso por ter sido colocado em uma situação difícil.
Porém antes que pudesse deixar o gato sair da bolsa, Rahannim interrompeu.
“Você os viu?”
“Sim. Eles passaram voando como loucos por ali.”
Apontei para o pátio oposto ao local onde o homem-peixe havia entrado.
“Então acho que eles... Hmm, sim, viraram à esquerda no segundo cruzamento.”
“Obrigado pela ajuda...”
Sem se preocupar em ouvir o resto da minha explicação, Rahannim disparou em alta velocidade na direção que eu havia apontado.
Mwahaha! Um sorriso triunfante surgiu em meu rosto.
“O que diabos foi isso?” Gourry perguntou confuso alguns segundos depois que o homem-peixe decolou.
“Ele não consegue distinguir os humanos.” expliquei.
“O quê?”
“Lembra de antes, no sopé da colina, quando você disse que não conseguia distinguir os animais? É a mesma coisa. Nossas espécies são tão diferentes que, para um homem-peixe, a única maneira de nos distinguir é pela cor do cabelo e pelas roupas. Então, quando nos viu aqui assim, acabou ficando confuso. Não estávamos usando as roupas certas, mas nossos cabelos eram da cor certa e ele sabia que viríamos por aqui...”
“Porém, se realmente fôssemos nós, com certeza não teríamos a audácia de ficar sentados com tanta indiferença, certo? Foi isso que o deixou tão confuso e por que tentou nos enganar para que confessássemos, dizendo: ‘Te peguei agora’. Contudo, virei a situação contra ele e ele acreditou totalmente.”
“Hmm...” Gourry coçou a cabeça, ainda parecendo um pouco cético. “Somos tão difíceis de identificar assim? Se tivesse dois gatos do mesmo padrão na minha frente, até eu conseguiria diferenciá-los.”
“Se tivesse apenas dois, talvez. Haveria pequenas diferenças de tamanho, marcas, cor, etc. No entanto se visse um gato no dia seguinte, poderia dizer se era um desses dois ou um gato diferente? Aposto que não.”
“Bem... Acho que tem razão...”
“Ouvi dizer que lobisomens ainda conseguem nos diferenciar pelo cheiro...”
“Silêncio!” Gourry exclamou, silenciando-me de repente enquanto estava falando.
Entendi o porquê na mesma hora. A silhueta de peixe de Rahannim acabara de aparecer no final da estrada! Já estava atrás de nós?
“Perdão...” o homem-peixe se aventurou enquanto flutuava até nós. “Tem certeza que era à esquerda no segundo cruzamento?”
Whew. Alarme falso.
“Pensando bem... Não vi tão de perto. Poderia ter sido a direita.” menti sem nenhum descaro.
“Oh... Com licença, então...”
Com isso, o homem-peixe desapareceu de novo no beco. Depois de vê-lo partir, sorri para Gourry.
“Viu?”
———
“Honestamente, capas de feiticeiros são muito irritantes.” Gourry murmurou para si mesmo enquanto comíamos nosso almoço.
“Pare de reclamar. É um pequeno preço a pagar para manter os esquadrões de heróis longe de nós, não é?”
Depois de escapar de Rahannim, nós dois fomos a um alfaiate para dar os retoques finais em nossos disfarces. Eu agora estava vestida com uma túnica branca de sacerdotisa, meu lindo cabelo preso em um rabo de cavalo sobre minha bandana. Por infelicidade, tive que abandonar minhas ombreiras depois que Rahannim cortou uma. Guardei minha capa e luvas na mochila e prendi minha espada nas costas. Você não poderia vê-las sob minhas vestes, a menos que soubesse o que estava procurando.
Por sua vez, Gourry estava vestido como um feiticeiro, tilintando anéis e amuletos esculpidos. Ele estava usando uma capa grande sobre seu peitoral de escamas de serpente de ferro e tínhamos penteado seu cabelo em um estilo um pouco diferente, entretanto a espada em seu cinto sem dúvida se destacava. Gourry me implorou apenas para deixá-lo ficar com ela, e cedi por simpatia.
Ele era um feiticeiro excepcionalmente forte, mas vivíamos em uma época de donzelas guerreiras mais fracas que crianças e pacifistas fortes como o diabo. Então por que não? Encaixou como uma luva.
“Porém ainda assim...” Gourry choramingou, brincando com a capa pendurada nos ombros enquanto continuava a comer. “Parecem mais fantasias do que disfarces reais. Bastaria apenas uma olhada para ver através de nós.”
“Se eles realmente olharem para nós, talvez...” comentei enquanto tomava um gole do meu refrigerante prann. “Todos os vigilantes que vêm atrás de nós só viram nossas imagens naqueles cartazes de procurados. Apenas mudar nossa roupa e penteado deve nos tornar irreconhecíveis para esse grupo. Teriam de ter nos encontrado cara a cara antes para nos distinguir na multidão.”
Falei com confiança, toda segura de mim mesma. Foi então que ouvi um homem se dirigir a mim.
“Olá, Lina. Parece bem, querida.”
Eu congelei.
Ao me virar para voz, vi um mercenário parado ali. Pelo menos não parecia hostil. Sua idade parecia a mesma de Gourry. Seus cabelos eram de um ruivo flamejante e seu rosto era bem agradável aos olhos... Se não fosse por sua barba ridícula que era longa demais para um cara de sua idade. Estou te dizendo, muitas pessoas não têm autoconsciência básica sobre... Espere, hein?
“Ei, já faz um tempo!” Gourry gritou com um aceno.
“Obrigado mais uma vez por salvar minha pele.” respondeu o homem, retribuindo o gesto.
Acabei perdida na conversa aqui e vagamente irritada com isso.
Inclinei-me sobre a mesa e perguntei a Gourry em voz baixa.
“Uh, quem é?”
“O que está dizendo? É o Lantz!”
“Que...” me virei e olhei mais de perto para o cara. “Oh... Você deixou a barba crescer.”
Lantz é um mercenário viajante que conhecemos há algum tempo, durante uma certa provação (não aquela envolvendo o Sacerdote Vermelho). Ele não era exatamente um mestre espadachim, mas era de primeira linha, com certeza. Seu rosto está barbeado, diferente da última vez que o vi, e foi por esse motivo que não o reconheci agora.
“Cresceu enquanto estava me recuperando. Pensei em raspar, porém então pensei... Não.”
“Rapaz, isso sim que é mau gosto.”
“Ei, pare. De toda forma... Acho que vocês passaram por momentos difíceis ultimamente, hein?” Lantz disse enquanto puxava uma cadeira (sem ser convidado) e começava a vasculhar nossa variedade de comida.
Acredita nesse cara? Que babaca!
“Espere aí, você...”
Quando percebeu que eu o estava encarando, ele disse entre mordidas.
“Não se preocupe. Tenho ganhado um bom dinheiro nesses últimos tempos. Eu pago a conta.”
Ooh! Um grande gastador! Sempre gostei desse tal de Lantz!
Levantei minha mão e gritei abruptamente.
“Senhora! Mais dois pratos de aperitivos, por favor!”
“O que há de errado com você?” Lantz olhou para mim de soslaio. “Sério, mano¹, deve ser difícil viajar com alguém como ela.”
Desde que testemunhou a habilidade de Gourry com uma lâmina, Lantz se apaixonou pelo homem e começou a se referir a ele como seu mano.
“Bem... Ela come muito e está sempre enfiando o nariz onde não deve, e sua boca quase sempre nos causa alguns problemas...”
“Ei, espere um minuto! Você come bem mais do que eu! E você, Lantz! Não apenas acene como se acreditasse em tudo o que esse cara diz!”
“Agora, deixando tudo isso de lado... Quero te fazer uma pergunta, Lantz.”
“O que foi, mano?”
“Quando nos viu aqui pela primeira vez, conseguiu nos reconheceu na hora? Deveríamos estar disfarçados, então...”
Lantz fez uma pausa e soltou um suspiro de lamento.
“Mano... Vamos lá, cara. Isso não são disfarces, são fantasias. Um gato de rua poderia ver através de vocês.”
“Viu?” Gourry comentou com um olhar convencido em minha direção.
Ugh...
“M-Mas se não nos conhecesse, não teria ideia de quem éramos, certo?” perguntei.
Lantz esboçou um sorriso brincalhão e baixou a voz.
“Ahhh... É sobre aqueles cartazes de procurados, não é?”
“Seu... Já está sabendo sobre os cartazes?” gritei, levantando um pouco a minha voz antes de forçá-la a voltar a ser um sussurro.
“Claro que sim. Vocês são o assunto de toda a região. Ninguém nunca viu uma recompensa desse tamanho, então todo mundo quer saber o que diabos aprontaram. Quero dizer, eu sei que vocês são boas pessoas, porém para ter uma recompensa por suas cabeças... Devem ter irritado alguém muito importante. Então o que fizeram?” Lantz perguntou, como se tudo fosse culpa nossa, devo acrescentar!
“Sabe... Coisas.” desconversei.
“Entendi, entendi... Então estão fugindo de quem colocou a recompensa, não é?” ele perguntou.
“Na verdade, estamos indo encontrá-lo em Sairaag.” admitiu Gourry, para minha irritação. Tipo, que tal talvez não envolver outras pessoas nessa bagunça? Apenas talvez?
“Oh, levar a luta para ele, hein? Entendi. Então que tal eu ir junto, mano? Posso ajudá-lo a enganar potenciais caçadores de recompensas no caminho até lá.”
Fiquei um pouco surpresa com o entusiasmo de Lantz. Durante nossa última aventura juntos, este deu meia-volta e correu no momento em que os mazokus entraram em cena.
“Olha, amigo. Esta fazendo parecer que não é grande coisa, contudo é bastante provável que estejamos enfrentando um grande problema aqui. Nós ainda não sabemos toda a extensão da situação, no entanto...”
“Sim, sim.” disse Lantz, ainda soando alegre. “Mas devo uma a vocês. E não estou dizendo que vou me juntar à luta contra quem quer que esteja querendo isso... Acontece que estou a caminho de Sairaag também.”
“Espere... Não está voltando?” perguntei, atordoada.
Quando nos separamos pela última vez, Lantz disse que iria passear em Sairaag. Isso foi cerca de uma semana antes de deixarmos a cidade Atlas, então imaginei que já tivesse se divertido e estava voltando para casa.
“O que diabos te atrasou tanto?” Gourry perguntou.
“Você, uh, poderia dizer que encontrei um obstáculo no caminho...” Lantz riu, coçando a cabeça sem jeito.
Parecia mais que tinha ficado obcecado por alguma mulher... Bom, tanto faz.
“Mas tem certeza? Tipo, de verdade? Não quero me repetir nem nada, porém esse cara pode te matar.” avisei.
Lantz ficou em silêncio abjeto por alguns minutos. Ele era o tipo de cara que usava o coração em certas decisões.
“B-Bem... Se as coisas ficarem muito perigosas, vou correr para as colinas antes de estragar tudo para vocês.” ele por fim disse com uma risada estranha.
“Ok... Se tem certeza que quer ir junto, não me importo. E sinto muito por ser tão franca sobre, entretanto se for o caso, eu realmente quero que fuja, ok? Não posso garantir que teremos um momento de sobra para salvá-lo.”
Lantz engoliu em seco, todavia concordou com a cabeça.
———
O céu estava limpo desde que saímos da cidade naquela manhã. Desde então, a viagem foi tão tranquila que tive a certeza de que chegaríamos a Sairaag ao meio-dia de hoje. Disfarces e um companheiro de viagem extra pareciam ter funcionado; foi quase hilário a rapidez com que os caçadores de recompensas e os chamados heróis desapareceram. Também não tínhamos visto mais nenhum lacaio de Rezo.
“Ei, não está muito tranquilo? Parece que chegaremos lá sãos e salvos, afinal.” disse Lantz com alegria.
“Sim, parece que sim.” respondi com um leve aceno de cabeça. “Contudo é perigoso ficar confiante demais.”
“Eu sei, ok?”
“Em breve chegaremos a uma floresta.” sussurrou Gourry do nada. Lantz e eu olhamos para ele. “Acho que se chama Floresta Miasma. Ela tem uma aura estranha que está lá o tempo todo, então é impossível detectar inimigos quando se está lá dentro. Se alguém for nos atacar, é provável que seja lá.”
“Hmm...” fiquei tensa por um momento antes que uma pergunta me ocorresse. “Diga, Gourry, como sabe sobre a Floresta Miasma?”
Eu mesma conhecia a lenda da Floresta Miasma. Há muito tempo atrás, quando a besta Zanaffar, destruidora de Sairaag, foi morta por um guerreiro empunhando a Espada da Luz, seu sangue encharcou o chão nos arredores. Desde então, dizia-se que uma presença diabólica permanecia no local. E, embora ninguém soubesse ao certo se as duas coisas estavam ligadas, a frequência de desaparecimentos e crimes violentos na área fez com que até as favelas da famosa cidade portuária de Flowave parecessem um local ideal para férias.
A lenda circulava com frequência entre os feiticeiros, entretanto mesmo que fosse descendente do guerreiro da Espada da Luz, fiquei surpresa com um perpétuo ignorante como Gourry sabendo disso. Quando perguntei a respeito, porém, ele ficou em silêncio com uma expressão curiosa no rosto.
“B-Bem... Já estive na área uma vez antes, então...”
“Uh-huhhh...”
“História interessante!”
Lantz e eu encaramos Gourry.
“Po-Por que vocês dois estão me olhando desse jeito?”
“Pensando bem, você parecia bastante interessado em vir para Sairaag em primeiro lugar. Imagino por que, hein?” sugeri.
“Aprontou alguma brincadeira por aqui, não é, mano?” Lantz disse, entendendo minha suspeita.
“Vamos entrar na cidade e encontrar um monte de Gourrys correndo por aí?”
“Uma dúzia deles virá correndo, gritando ‘Papai, veio me ver!’ e ‘Não, é meu papai!’”
“Ah, escandaloso!”
“Vocês dois poderiam parar...?”
———
A floresta estava estranhamente silenciosa, sufocada por um frio estranho e um cheiro cru de vegetação tão forte que era quase insuportável. As folhas das árvores eram tão ricamente coloridas que eram quase pretas.
“Um lugar meio... Estranho, hein?” Lantz sussurrou para ninguém em particular com um tremor de corpo inteiro.
“Sim... É esquisito.”
Podia sentir uma presença peculiar ao meu redor. Parecia permear todo o lugar como uma versão um tanto diluída de miasma.
A própria floresta estava em um completo silêncio. Não havia pássaros cantando nem insetos zumbindo. Era como uma floresta assombrada saída de um pesadelo.
E ainda assim havia aquela presença. Vindo flutuando das copas das árvores, flutuando na vegetação rasteira e borbulhando na grama aos meus pés. Estava vindo da própria floresta.
“É justo como os rumores diziam. A própria floresta emite tanto daquela presença bizarra que nunca saberia se há inimigos espreitando por perto...”
Assim que comentei, houve um farfalhar na vegetação rasteira.
“O quê?”
“T-Tem alguém aí?”
Gourry e Lantz pegaram suas espadas. Eu, por minha vez, voltei minha atenção para a vegetação rasteira do outro lado do caminho, caso o farfalhar fosse uma distração. Se soubéssemos com certeza que um inimigo estava escondido lá, eu não hesitaria em acertá-lo com um feitiço de ataque. No entanto não poderia agir ainda com a possibilidade de ser uma pessoa inocente.
O ser permaneceu imóvel. Nós também.
“E agora?” Gourry perguntou.
“Acha... Que foi um coelho ou algo parecido fugindo de um predador?” Lantz perguntou por sua vez.
Não ser capaz de detectar a presença de outras pessoas através do miasma era sem dúvida um pé no saco. Mesmo assim... Não poderíamos ficar parados aqui...
Mas só então...
“Ngh... Hnn...”
Um gemido suave veio de onde o mato farfalhava. Parecia uma jovem.
“Oh, olhe, é apenas uma mulher.” disse Lantz, baixando a guarda logo em seguida enquanto caminhava sem nenhuma cautela em direção ao som.
“Espere, Lantz!”
Quando Gourry gritou, Lantz já estava no meio do mato. Presumir que alguém não é uma ameaça só porque é mulher era, infelizmente, uma tendência comum nos homens.
“Ei, está tudo bem. Parece que ela só desmaiou.” ele respondeu num tom casual.
Gourry e eu trocamos um olhar e o seguimos.
De fato, havia uma mulher desmaiada no mato. Na verdade, dizer ‘garota’ talvez seja mais apropriado. Não poderia ser muito mais velha que eu.
Ela estava vestindo uma jaqueta curta sem mangas e shorts ainda mais curtos. Seus braços e pernas nus estavam cobertos por luvas macias até os bíceps e meias longas até as coxas, porém tinha certeza de que estava com frio neste tempo, com aquela barriga exposta e tudo. A garota também tinha uma bandana vermelha brilhante sobre o cabelo castanho curto e uma faca grande no quadril.
Parecia uma aspirante a bandida, contudo a roupa de menino ficava fofa nela. E, caramba... Seu peito era um pouco maior que o meu também.
De qualquer forma, nós três paramos por um momento para olhar para a garota desmaiada.
“O que deveríamos fazer?” Gourry perguntou.
“O que mais? Nosso pior! Hehehe...” Lantz olhou maliciosamente.
“Nem pense nisso, pervertido.” sibilei. “Pode ser uma armadilha, no entanto se não for, não podemos só deixá-la aqui…”
“Bom, digo que é óbvio. Temos que ajudá-la. Ela é fofa, então não pode ser má.”
Lantz... Seu maldito idiota...
“Concordo.” disse Gourry com um entusiasmo incomum.
Homens, estou certa? Vai saber...
“Ei, acorde, senhorita. O que aconteceu com você?” Lantz ajoelhou, pegando a garota nos braços e sacudindo-a um pouco.
Fiel à sua tradição, é claro, ele aproveitou a oportunidade para tocá-la em alguns lugares questionáveis.
“Hum... Ah...”
Os olhos da garota enfim se abriram um pouco e ela se espreguiçou como uma gatinha. Não parecia lá muito angustiada.
“Hmm... Hein?” a menina olhou por um instante para Lantz, incrédula, e olhou em volta, confusa. Então estalou os dedos. “Ele me pegou... Zelgadis, seu maldito!”
“Z-Zelgadis?” Gourry e eu repetimos juntos.
“Você conhece Zel?” perguntei, me aproximando.
“Pode apostar que sim... Ahhh! Lina Inverse? O que...” sua mão cobriu a boca e começou a pescar nos bolsos do short. Do bolso, tirou uma cópia do pôster de procurado e nos estudou enquanto o olhava. “Sabia! Lina Inverse e Gourry Gabriev! E um qualquer!”
“Ei, qual é...” Lantz fez uma careta.
“Identidade errada. Acontece muito, entretanto não somos eles.” menti sem qualquer descaro com um sorriso indulgente.
Todavia a garota continuou a cutucar o pôster e insistiu.
“Não, tenho certeza! Pode ter enganado outra pessoa, mas não pode enganar Eris, a famosa caçadora de recompensas!”
“Famosa caçadora de recompensas? Nunca ouvi falar de você...”
“Sim...”
“Nem eu...”
“B-Bem... Um dia serei famosa! A questão é que este é o fim da linha para vocês! Entreguem-se neste instante!” declarou, sacando sua faca e me atacando.
Sem chance, querida... Agarrei seu pulso e torci.
“Ow, ow, ow! E-Ei! Solte, sua covarde!” Eris se atrapalhou enquanto eu a segurava com força.
“Não acho que a pessoa que saca uma faca do nada deva chamar alguém de covarde.”
“Quem perder a luta pode chamar o vencedor de covarde! É assim que funciona!”
“Sou só eu ou essa garota é muito parecida com Lina?”
“Não comece, Lantz! E não acene com a cabeça, Gourry! Agora, Senhora Eris... Temos algumas perguntas para lhe fazer.”
“Prefiro morrer a me associar com criminosos.” ela respondeu com um bufo arrogante.
“Isso pode ser providenciado.”
“P-Por favor! Vou te contar qualquer coisa!”
Garota esperta.
“Aquele Zelgadis que mencionou antes... Está por aqui?”
“Sim. Desde que os pôsteres foram lançados, tenho perseguido ele... Ow, não tão forte! Ele chegou a Sairaag há cerca de cinco dias e estava perguntando sobre o Sacerdote Vermelho que cobrou a recompensa...”
“Espere um minuto! Está me dizendo que Rezo, o Sacerdote Vermelho, está mesmo em Sairaag?” gritei, interrompendo-a.
Eris fez uma cara azeda, porém respondeu obediente à minha pergunta.
“Sim, está. Espero que vocês não estejam indo lá para matar um grande homem como ele também!”
Foi um pouco estranho ouvi-la chamá-lo de ‘um grande homem’, entretanto me lembrei de que aos olhos públicos Rezo parecia um santo. Não tivemos tempo de contar a Eris todo o resumo do ‘verdadeiro Rezo’, e duvidei que acreditaria em mim, mesmo se disséssemos a verdade. Então, para simplificar as coisas, decidi escolher minhas palavras com sabedoria.
“Isso tudo é apenas um grande mal-entendido. Alguém armou para o Sacerdote Vermelho colocar essa recompensa pelas nossas cabeças. Estamos indo para Sairaag para esclarecer as coisas... Embora você provavelmente não acredite nisso.” (Afinal, era mentira.) “Zelgadis não está conosco, é claro, então não sei o que está fazendo. Ele pode realmente estar atrás do Sacerdote Vermelho... Contudo de qualquer forma, precisamos encontrá-lo para conversar. Então, poderia nos dizer o que está acontecendo em Sairaag?”
“Hmm...” Eris usou o braço livre para coçar a cabeça, então começou. “Não sei por onde começar... Tudo o que sei são apenas boatos, no entanto dizem que o Sacerdote Vermelho chegou a Sairaag há cerca de um mês, que está hospedado com o sumo sacerdote lá, e que distribuiu a recompensa por vocês três. Vi aqueles cartazes em outra cidade, localizei Zelgadis e acabei perseguindo-o até aqui. Ele está trabalhando com a filha do sumo sacerdote de Sairaag para matar o Sacerdote Vermelho.”
“E-Espere um minuto.” interrompi outra vez. “Entendi Zel, mas... Por que a filha do sumo sacerdote está tentando matar o Sacerdote Vermelho?”
“Como vou saber? É apenas o que ouvi... De qualquer forma, o plano deles foi frustrado e todo mundo na cidade está falando sobre o caso.”
“Aposto que sim...”
Droga, Zelgadis, amarrando minhas mãos de novo... Tenho que dar uma bronca naquele cara na próxima vez que o vir.
“Agora, é claro, não podem mais se esconder na cidade. Vi os dois entrarem na Floresta Miasma e...”
“Resolveu os seguir sozinha?” falei com um suspiro. “Você nem tentou conseguir ajuda?”
“Se tivesse ajuda, teria que dividir a recompensa, sua estúpida. Então fui atrás deles, porém acho que me notaram enquanto os seguia, porque eles me pegaram. Alguém me acertou por trás e apaguei.”
“Isso é uma pena... Deveria ter previsto.”
“Ei! Não pedi sua opinião!”
“De toda forma, acho que isso nos deixa atualizados. Então, o que acha, Gourry?”
“Er, desculpe. Eu não estava ouvindo.”
“Argh... Argh... Argh...” eu estava fervendo. “Ok, ouça! Vou deixar tão simples que até um cachorro poderia entender, o que espero que faça o mesmo por você também. Zelgadis! Está! Nessa! Floresta! Bem! Agora!”
“Ótimo, podemos encontrá-lo então.” disse Gourry inocentemente.
“Sério?”
“E como, por favor, diga, vamos fazer isso?”
“Se eu soubesse, não estaria quebrando a cabeça.”
“Você não parece estar quebrando a cabeça!”
Pant... Pant...
“Lina, é melhor não ficar tão nervosa. Vai torcer alguma coisa.” disse Lantz, parecendo um pouco surpreso enquanto nos observava. “Embora devo dizer... Vocês são um show e tanto.”
“D-De qualquer forma, em vez de ir para Sairaag enquanto estão em alerta máximo, deveríamos encontrar Zel e obter informações dele.” sugeri.
Gourry e Lantz assentiram.
“O que faremos com ela?” Lantz perguntou, indicando Eris com o queixo.
“Ah... Aha... Bem...” um sorriso tenso apareceu em seu rosto. “Estava pensando em ir agora...”
“Se a deixarmos ir...” começou Lantz, ignorando a sugestão dela. “Pode acabar voltando para Sairaag e mandar a população da cidade nos perseguir. E se a levarmos junto, será um peso morto. Entretanto ela é uma parte neutra, então não podemos apenas matá-la... Talvez devêssemos nocauteá-la outra vez, deixá-la aqui e deixar o resto se resolver.”
“Estou convencida.”
“E-Espere um minuto!” Eris entrou em pânico. “Não quero isso... Por favor, eu...”
Antes que pudesse terminar, ouviu-se um farfalhar na vegetação rasteira. Gourry e Lantz esquivaram. Um objeto parecido com uma lança branca empalou onde eles estavam e depois se retraiu.
Soltei o braço de Eris e me levantei o mais rápido que pude. Os dois guerreiros desembainharam suas espadas num piscar de olhos. Gourry tirou a capa preta que achou um grande incômodo.
“Oho... Você é bem rápido...” um homem apareceu do meio do mato.
Eris levou as mãos à boca para abafar um grito.
“O-O que é...”
Foi uma reação compreensível. O homem estava vestido com roupas pretas tão justas que dava para ver os contornos de seu corpo. Era assustadoramente bonito, mas apenas a metade esquerda de seu rosto era visível. O lado direito de seu rosto estava...
Em branco. Sem sobrancelha, sem cabelo, sem olho nem orelha. Sua boca parecia terminar bem no meio do rosto, e até a protuberância do nariz desaparecia além dessa linha.
Em vez disso, tudo o que havia era um pedaço indefinido de carne branca.
“Um mazoku...” sussurrei.
Ele fez uma elegante reverência em resposta.
“Um servo do Lorde Rezo. Meu nome é Vizea. Prazer em conhecê-los.”
“Não posso dizer que estou lisonjeado...” Gourry disse num tom sarcástico, com uma sobrancelha se erguendo.
“Bem...” a boca unilateral de Vizea se curvou em uma imitação de um sorriso. “Devo admitir que não acho que nos conheceremos por muito tempo.”
Eris puxou minha manga.
“O quê?” perguntei, sem olhá-la.
“Você acabou de dizer... Que é um mazoku?” sua pergunta veio acompanhada de uma voz trêmula.
“Sim.”
“M-Mas... Conheci um demônio inferior uma vez e não se parecia nada com isso...”
“Este é um de alto escalão. É muito mais resistente do que qualquer demônio inferior.”
“Exatamente... Quão mais difícil?”
“Pense em um tigre comparado com um gatinho.”
“Estou fora!” Eris gritou e saiu correndo em pânico.
É claro, não iria a impedir. Eu não teria tempo para proteger uma novata enquanto enfrento um adversário como este. Porém...
“Eek!” Eris soltou um pequeno grito atrás de mim.
Por reflexo, me virei para ver uma grande aranha bloqueando sua fuga.
“Não corra agora, senhorita.” disse o aracnídeo em nossa língua enquanto lambia os beiços.
Oito pernas e um abdômen gigante... Sua silhueta geral era a de uma aranha gigante, contudo tinha pele e cabeça humanas. Não pude deixar de me perguntar, então, será que ainda soltava um fio de... Você sabe... O simples pensamento tornou este um inimigo muito perturbador. Tente não imaginar o que acabei de dizer, ok? Quero dizer, se quiser ter apetite pra comer hoje.
“Deixe-a ir, Barz.” disse ainda uma terceira voz vinda de uma nova direção. “Esses oponentes serão suficientes. Não temos tempo para brincar com um inocente.”
O terceiro membro do grupo era um feiticeiro vestido de preto. Suas roupas e rosto eram todos normais, exceto pelo rubi incrustado em sua testa.
“Tch...” a aranha cuspiu. “Está sendo muito mole, Mestre Vrumugun.”
“O quê?” Gourry e eu gritamos ao mesmo tempo.
“Já faz algum tempo.” o feiticeiro em questão sorriu alegre. “Vocês me deram muitos problemas antes, mas desta vez vou vencer com certeza.”
“E-Espere um minuto, você...” me peguei gritando. “Não pode ser Vrumugun! Esse cara está morto!”
Com um sorriso inalterável, o feiticeiro respondeu.
“Achou mesmo que seus escassos esforços seriam suficientes para destruir o grande Vrumugun?”
Esforços escassos? Olha, amigo...
No dia em que nos emboscou com Rahannim e Dilgear, o acertei de frente com um feitiço. Gourry e eu tivemos uma visão horrível das consequências e, se posso ser tão franca, a única maneira de se recuperar de algo assim era com a resistência de um dragão, os poderes regenerativos de um troll ou a pura sanguinolência de uma barata.
“Não acredito que tenha sobrevivido... Que cara maluco.” disse Gourry, parecendo quase impressionado.
Não que fosse de fato uma questão de sanidade, porém tanto faz.
“Acho que isso significa três contra três.” falei com um sorriso confiante. É claro, desconsiderei Eris, que seguia petrificada sob o olhar da aranha.
“Tem certeza?” Vrumugun perguntou, apontando para cima de nós.
Havia uma sombra voando pela copa salpicada de sol... Rahannim! Lancei uma rápida olhada por cima do ombro.
“Acho que é quatro contra quatro, então.”
“Não me inclua!” Eris gritou, aterrorizada.
“De qualquer forma, seguem em menor número.” veio uma voz nova e profunda.
Espere um minuto! Quantos caras eles têm?
O recém-chegado saiu de trás de Vizea. Era uma criatura com as proporções de um troll, contudo achatada, mais baixa e mais gorda, com orelhas bem grandes. Suas mãos também pareciam bastante longas. Deve ser algum tipo de quimera baseada em trolls.
“Ei, Mestre Vizea.” ele falou.
“Isso me lembra...” o mazoku meditou, erguendo a mão direita e estalando os dedos. O miasma da floresta de repente pareceu mais denso.
Farfalhar...
Havia barulho entre as árvores em todas as direções. Eris soltou um grito. Gourry e Lantz congelaram e um arrepio percorreu minha espinha.
Demônios inferiores surgiram da floresta. Mais de uma dúzia deles.
Fez sentido quando parei para pensar a respeito. O auto proclamado Rezo estava aqui em Sairaag. Este era o seu território. Deveríamos estar preparados para lutar contra uma força dessa magnitude.
Eles provavelmente viriam para cá depois de Zelgadis. E então, Vrumugun, que de alguma forma sobreviveu à sua última provação, nos avistou ao longo do caminho. Ainda estava um pouco perplexa porque o cara seguia vivo, contudo ele e Rahannim eram os únicos dois membros de seu esquadrão que nos tinham visto antes e sabiam com certeza que o homem-peixe não conseguia distinguir os humanos.
Depois de pensar mais a fundo, decidi que, embora a explicação mais plausível fosse na verdade que Vrumugun havia sobrevivido, havia algumas outras possibilidades. Talvez nossos disfarces tenham sido menos eficazes do que imaginei. Talvez ‘Vrumugun’ fosse na verdade o nome de alguma raça de seres da qual nunca tinha ouvido falar e esse cara acabou de nos ouvir nos chamando de Lina e Gourry.
É verdade que a questão mais pertinente agora era como sair desta situação difícil. Nosso maior problema era aquela multidão de demônios inferiores. Eu poderia nos tirar daqui de algumas maneiras diferentes se não fosse por eles.
Só para você saber, os demônios inferiores são o fundo do poço da família dos mazokus. No entanto, estão muito além do que seus espadachins e feiticeiros comuns podem suportar. Esses caras são imunes à maioria dos feitiços xamânicos elementais e, embora ataques físicos possam feri-los, sua pele é tão dura quanto escamas de dragão. No geral, são inimigos fáceis para uma feiticeira gênio de classe mundial como eu, mas ainda podem ser problemáticos em grande número. Então, quanto às minhas opções...
“Oh, é verdade. Ainda não me apresentei.” disse o trollóide que chegou atrasado, olhando direto para nós. O homem-aranha Barz atrás de mim começou a se mover silenciosamente para o lado.
Pra ser sincera, não dou a mínima. Não quero ouvir seu nome estúpido.
“Na linguagem humana, eles me chamam de Golias. Entretanto a verdadeira pronúncia é...”
Nesse momento, ele abriu bem a boca e soltou um rugido que sacudiu as folhas das árvores.
A violenta onda de choque que se seguiu nos atingiu.
Todos nós soltamos gritos silenciosos em resposta. Não foi um golpe fatal. Porém embora não tenha me enviado de ponta a ponta, foi o suficiente para me derrubar de costas. Fiquei atordoada por um momento e naquele instante... Lanças brancas choveram sobre nós! Eram feitas de carne, emergindo do lado direito do rosto vazio de Vizea.
E assim, a batalha começou.
“Yeeek!” Eris soltou um gemido lamentável e rolou para longe. Uma lança branca roçou seu flanco.
Gourry (facilmente) e Lantz (por pouco) desviaram as lanças com suas espadas.
Eu saltei para trás, saltei sobre Eris caída e corri para a aranha atrás dela. Tirei minha espada das costas e cortei Barz enquanto entoava um feitiço silencioso.
“Uwee-hee!” o aracnídeo gritou de alegria ao pular para um galho próximo. Cabeça para baixo, abdômen para cima.
Ele tinha uma vantagem sobre mim agora. Pulei para trás para me distanciar.
“Hyah!” Barz gritou e atacou.
Havia uma garra semelhante a uma faca no final de cada uma de suas oito pernas. Seria impossível bloquear todas só com uma espada. Nesse caso...
Me abaixei o mais rápido que pude e executei um movimento para frente. Tive que abrir mão do meu feitiço, contudo consegui desviar do ataque de Barz. No minuto em que me levantei, vi uma bola de luz vindo direto para mim.
“Waaah!”
Eu instintivamente me joguei no chão de novo. A luz atingiu uma árvore a alguma distância atrás de mim, explodindo em chamas vermelhas. Deve ter sido uma Bola de Fogo, cortesia de Vrumugun.
Lantz estava lidando com Rahannim, que mergulhou das copas das árvores. No entanto homem-peixe estava tendo problemas para chegar à velocidade máxima no cenário de floresta desordenada, e estava sofrendo para elaborar um ataque decente.
Enquanto isso, Gourry tirou um alfinete do bolso e usou-o para liberar o mecanismo que segurava a lâmina no punho da espada.
“Hah!”
Então, com um movimento rápido, brandiu a espada contra Golias. Ele estava muito longe para uma espada normal alcançá-lo, mas com a lâmina desatada, esta voou do cabo em direção a Golias, e Gourry estava logo atrás!
“Gwuh!”
Golias se esquivou da lâmina em pânico, porém Gourry já estava sobre ele.
“Luz, venha!” nosso espadachim gritou, e do punho vazio em sua mão surgiu uma lâmina brilhante que poderia até matar mazokus! Este foi o seu ás na manga, a Espada da Luz!
Hah! Um a menos!
Ou foi o que pensei, contudo antes que pudesse acertar o golpe, Gourry foi forçado a pular para o lado enquanto algumas dezenas de flechas de fogo queimavam o lugar onde estava um segundo atrás. Foi um ataque dos demônios inferiores.
Tch! Arruinando nossa diversão! Pensei com raiva. Lantz deve estar relaxando...
A aranha Barz tornou a me atacar. Consegui desviar mais uma vez e acabei ao lado de Eris, que, ignorada por ambos os lados, tentava fugir. Se ao menos eu tivesse tempo de entoar um feitiço...
Barz atacou pela terceira vez, me obrigando a saltar para outro local. Posso usar minha espada também, todavia sabia que não teria a menor chance em uma briga com um cara que tinha oito malditas pernas.
Ele pousou ao lado de Eris e lançou um olhar em sua direção. Merda! Estava atrás dela de novo!
“Sua presença me irrita.” disse ele, levantando uma das pernas em direção à garota.
Eris congelou no lugar, mas só então...
“Falei para deixá-la em paz, Barz!” Vrumugun repreendeu com uma voz próxima de um grito.
Barz parou no meio do ataque e estalou a língua em resposta.
“Serei rápido!”
“Não perca tempo com a menina!”
Que pena para eles... Não vou deixar esse lapso momentâneo no trabalho em equipe passar. Não subestime minha habilidade de falar rápido. Já tinha terminado meu feitiço!
“Explosão de Cinzas!”
Vwom!
Com um som pesado, o feitiço que liberei imediatamente transformou dois demônios inferiores nas árvores e Vrumugun parado na frente deles em cinzas.
“O quê?”
Foi só então que Barz pareceu perceber contra quem de fato estava lutando. Seu corpo parou, as pernas ainda prontas para atacar.
Eris, saindo de seu terror, fugiu com pressa.
Seguíamos em grande desvantagem aqui, no entanto estávamos virando a maré a nosso favor.
“Gwaaaah!” Barz recuou e saltou sobre mim com um grito de guerra.
Esquivei seu ataque com agilidade novamente e, pouco a pouco, fui até Lantz. Esperava que conseguisse me dar tempo suficiente para começar a entoar outro feitiço, porém ele também estava lutando uma luta sofrida. Uma coisa seria se apenas tivesse que lidar com Rahannim, contudo seguia sendo alvejado pelos demônios inferiores que lançavam feitiços a partir de seus pontos cegos.
Gourry também parecia estar passando por momentos difíceis. Vizea estava dando ordens aos demônios inferiores em alguma linguagem desumana. Alguns deles, todos de uma vez, dispararam feitiços coordenados contra Gourry. Ele foi capaz de se esquivar, todavia era um status quo precário.
“Golias! Outra onda de choque!” Vizea chamou, apontando.
A fera troll, que não estava mais ao alcance imediato de Gourry, assentiu uma vez e respirou fundo. Ele estava mirando em Lantz, que já estava ocupado com os demônios inferiores e Rahannim. Lantz não percebeu o que estava prestes a acontecer!
“Lan...”
Tentei avisar nosso companheiro ruivo, contudo Barz aproveitou a oportunidade para saltar sobre mim. Golias abriu a boca e... Bwoosh! Seu corpo explodiu!
“O quê?” Vizea gritou no momento em que um demônio inferior bem na sua frente se transformou em luz e desapareceu. Deve ter sido um exorcismo de alto nível.
“Desculpe pelo atraso.” disse um homem ao fazer sua entrada.
Droga, fale sobre um momento dramático...
Era um garoto bonito, de cabelos prateados, vestindo uma túnica branca simples. Sua pele era feita de pedra azul escura, no entanto não era um golem de rocha, apenas um homem fundido com um e um daemon contra sua vontade. Foi obra do Sacerdote Vermelho, e foi por isso que se voltou contra o chamado santo.
Afastei-me do chocado Barz para lançar um sorriso ao recém-chegado.
“Já faz um tempo.” eu disse. “Você está bem atrasado, Zelgadis.”
“Tch!” Barz se recuperou do choque e voltou à ação atacando enquanto eu estava de costas.
Bufei de tanto rir e dei um único passo para a direita. O aracnídeo passou por mim e caiu direto no chão.
“Não pode ser...” ele murmurou, trêmulo e imóvel.
Barz não tinha notado seu outro oponente, a clériga que lançou Raphas Sead. E com isso, um rápido feitiço Monovolt meu acabou com a aranha Barz.
Depois, uma linda mulher que parecia ter vinte anos saiu da floresta. Ela estava vestida com vestes lilases e tinha cabelos longos e pretos. Suponho que seja a filha do sumo sacerdote que supostamente se uniu a Zel.
“Suponho que podemos guardar as apresentações para mais tarde.” disse ela, sorrindo para mim. Se eu fosse homem, tenho certeza de que teria caído de ponta-cabeça naquele momento.
Sua chegada e de Zelgadis mudou a situação.
“Acabou.” ele proclamou com um sorriso indomável enquanto encarava nossos oponentes restantes: um demônio inferior, Rahannim e Vizea. “O que vão fazer agora? Claro, não tenho intenção de deixá-los escapar... Prefiro diminuir as forças do meu inimigo sempre que tiver oportunidade.”
“Não vai nos deixar escapar?” Vizea disse num tom zombeteiro. “Posso dizer o mesmo para vocês.”
“Ameaças... Mas será difícil recuperar a vantagem, não acha?”
“Está mais para impossível!” interrompi.
O mazoku assentiu em concordância, porém depois disse.
“Se fôssemos os únicos aqui, talvez...”
“Está dizendo que tem reforços a caminho?” Zelgadis zombou. “Não me venha com esse blefe. Sei que são os únicos peões que Rezo ainda tem em Sairaag.”
“Isso é verdade. Os únicos peões...” alguém respondeu atrás de nós.
Yeek! Gourry, Zelgadis e eu congelamos ao mesmo tempo. Essa nova voz era familiar, e ouvi-la era como se alguém jogasse água gelada nas nossas costas.
“Receio estar atrasado...” continuou. “Perdoe-me, Vizea.”
“Não há problema, meu senhor.” o mazoku o respondeu com uma profunda reverência.
Todos nós lentamente nos viramos para olhar, e lá estava ele, um homem vestido com uma túnica cor de sangue...
Rezo, o Sacerdote Vermelho.
Notas:
1. Optei por mudar a forma como Lantz se refere à Gourry de ‘irmão’ para ‘mano’, para tomar um tom mais casual e íntimo.
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