quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Vampire Hunter D — Volume 01 — Capítulo 02

Volume 01 — Capítulo 02: Pessoas na Fronteira

O ano é 12.090 d.C..

A raça humana habita um mundo de escuridão.

Ou talvez seja mais preciso chamá-lo de uma era das trevas sustentada pela ciência. Todos os sete continentes são atravessados ​​por uma rede de rodovias de super velocidade, e no centro do sistema fica uma ‘cidade cibernética’ totalmente automatizada conhecida como Capital, o produto de tecnologia científica de ponta. A dúzia de controladores climáticos manipula o clima livremente. A viagem interestelar não é mais um sonho rebuscado. Em vastos portos espaciais, enormes foguetes de conversão de matéria e naves impulsionadas por energia galáctica olham para a abóbada empírea, e grupos de exploração de fato deixaram suas pegadas em vários planetas fora do nosso sistema solar... Altair e Spica, para citar apenas dois.

No entanto, tudo isso é um sonho agora.

Dê uma olhada na grande Capital. Uma poeira fina cobre as paredes de edifícios e minaretes construídos com cristal metálico translúcido; em alguns lugares encontrará crateras recentes, grandes e pequenas, de explosivos e raios ultra-aquecidos. A maioria das estradas automatizadas e rodovias maglev¹ estão em ruínas, e não há um único automóvel sobrando para ir de um lugar para outro como uma estrela cadente.

Há pessoas. Multidões tremendas delas. Inundando as ruas em números infinitos. Rindo, gritando, chorando, prestando suas homenagens à Capital, o caldeirão da existência, com uma vitalidade que beira o caos completo. Mas suas vestimentas não são o que esperaria dos mestres de uma metrópole outrora orgulhosa. Os homens vestem calças e túnicas surradas que lembram a distante Idade Média, e batinas puídas como um membro de uma ordem religiosa usaria. As mulheres se vestem em tons escuros e usam tecidos ásperos ao toque, desprovidos de extravagância.

Através da multidão de homens armados com espadas longas ou arcos e flechas, surge um carro movido à gasolina, provavelmente retirado de algum museu. Deixando um rastro de fumaça preta e estourando com os roncos, o veículo carrega um grupo de policiais armados com armas de laser.

Um grito terrível surge de um dos prédios e uma mulher cambaleia para fora. Pelo seu grito desumano, as pessoas por instinto reconhecem a causa do seu terror e chamam o xerife e seus homens. Em pouco tempo, estes correm para a cena, perguntam à mulher chorosa onde o terror está localizado e entram no prédio em questão com rostos mais pálidos do que o semblante sem sangue da própria testemunha. Eles pegam um elevador independente e descem quinhentos andares.

Em uma das passagens subterrâneas, todas supostamente destruídas há eras, há uma porta escondida e, além dela, um vasto cemitério onde a Nobreza, criaturas da noite sedentas por sangue, dormem em caixões de madeira cheios de solo úmido como nos tempos antigos.

O xerife e seus homens logo entram em ação. Para sua sorte, parece que não há maldições ou bestas cruéis aqui, nenhum sistema de defesa de lasers ou canhões eletrônicos. Esses nobres talvez estivessem resignados ao seu destino. Os homens da lei seguram estacas de madeira ásperas e martelos de metal reluzentes em suas mãos. Suas expressões são uma mistura pálida de medo e pecaminosidade. A multidão de silhuetas negras cerca um caixão, o braço de alguém se ergue em direção aos céus e então desce com uma faca. Há um baque surdo. Um grito horripilante e o fedor de sangue enche o cemitério. O grito angustiado fica mais fraco e morre, e o grupo segue para o próximo caixão.

Quando os homens da lei deixam o cemitério não muito tempo depois disso, seus rostos estão adornados com gotas vermelhas de sangue e um tom de pecaminosidade muito mais profundo do que o que levavam antes desta missão.

Embora a Nobreza estivesse quase extinta, os sentimentos de orgulho trazidos pelo temor que a humanidade tinha por eles se infiltraram em seu próprio sangue ao longo de dez longos milênios e não seriam abalados tão facilmente. Porque eles de fato reinaram supremos sobre a raça humana. E porque a cidade automatizada, agora povoada por pessoas que não conseguiam entender sua maquinaria ou receber a menor fração dos benefícios que esta poderia fornecer, e tudo o mais no mundo que poderia ser chamado de civilização era algo que eles tinham deixado para trás. Eles, os vampiros.



Essa estratificação estrita de vampiros e humanidade surgiu quando um dia em 1999 a história da humanidade como senhores da terra chegou a um fim abrupto. Alguém apertou o botão e lançou a guerra nuclear em grande escala sobre a qual a raça humana havia sido avisada por tanto tempo. Milhares de ICBMs² e MIRVs³ voaram em desordem, reduzindo uma grande cidade após a outra a um inferno branco, porém as fatalidades imediatas foram superadas em muito pela morte em massa causada pela radiação mais potente do que dezenas de milhares de raios-x.

A teoria de uma guerra nuclear limitada, onde batalhas sensatas seriam travadas para que os vencedores pudessem reconstruir e governar mais tarde, foi destruída em uma fração de segundo por um milhão de graus de calor e chamas.

Os sobreviventes mal conseguiram. Seus números eram totalmente insignificantes, eles evitavam o mundo da superfície e sua atmosfera tóxica e não tinham escolha a não ser viver em abrigos subterrâneos pelos próximos anos.

Quando por fim retornaram à superfície, sua civilização mecanizada estava em ruínas. Sem nenhuma maneira de contatar sobreviventes em outros países, quaisquer pensamentos que esses bolsões isolados da humanidade pudessem ter de as coisas retornarem ao que eram antes da destruição, ou mesmo de reconstruir a ponto de poder ser chamado de civilização, eram voos de fantasia e nada mais.

A regressão começou.

Com geração após geração se esforçando apenas para sobreviver, as memórias do passado diminuíram. A população aumentou um pouco depois de mil anos, contudo a própria civilização mergulhou de volta ao nível da Idade Média. Temendo as criaturas mutantes geradas pela radiação e raios cósmicos, os humanos formaram pequenos grupos e se mudaram para planícies e florestas que, ao longo dos anos, gradualmente retornaram à vegetação. Em suas lutas com o ambiente cruel, às vezes tiveram que matar seus bebês recém-nascidos para manter a pouca comida que tinham. Outras vezes, os bebês foram usados para encher as barrigas vazias de seus pais.

Foi nessa hora. Naquele mundo escuro como breu e supersticioso que surgiram. Como os vampiros se mantiveram escondidos dos olhos do homem e viveram nas sombras luxuriantes não estava claro. No entanto, sua forma de vida era quase tal qual descrita na lenda e pareciam os mais adequados para preencher o papel dos novos mestres da história.

Antigos e imortais, desde que participassem do sangue de outras criaturas, os vampiros se lembravam de uma civilização que a raça humana não conseguia, e sabiam como reconstruí-la. Antes da guerra nuclear, os vampiros haviam contatado outros de sua espécie que se escondiam em lugares escuros ao redor do globo. Eles tinham uma fonte oculta de superpoder que desenvolveram secretamente em abrigos antiaéreos projetados por sua raça, junto com o maquinário mínimo absoluto necessário para reconstruir a civilização depois que o pior acontecesse.

Entretanto isso não quer dizer que foram os que causaram a guerra nuclear. Por meio da criptestesia4, das artes negras e das habilidades psíquicas que a humanidade nunca imaginou que cultivaram, os vampiros apenas sabiam quando a raça humana se destruiria e como eles, os vampiros, poderiam restaurar a ordem no mundo.

A civilização foi reconstruída e as mesas foram viradas para vampiros e humanos.

Quanta fricção e discórdia esse curso criou entre os dois lados logo ficou aparente. Dois mil anos depois de pisar no grande palco da história, os vampiros deram ao mundo uma civilização em expansão movida pela superciência e feitiçaria, apelidaram a si mesmos de ‘Nobreza’ e subjugaram a humanidade. A cidade automatizada com seu cérebro eletrônico e vontade fantasmagórica, naves espaciais interestelares, controladores climáticos, métodos de criação de quantidades infinitas de materiais por meio da conversão de matéria... Tudo isso surgiu por meio dos pensamentos e ações deles e somente deles.

Porém, quem poderia imaginar que dentro de cinco curtos milênios desta era de ouro os vampiros estariam trilhando o caminho para a extinção? A história não lhes pertencia, afinal.

Como espécie, os vampiros possuíam uma centelha subjacente para viver que era muito menos tenaz do que a dos humanos. Ou talvez fosse melhor dizer que sua vida continha um elemento que garantia sua destruição futura. A partir do final do quarto milênio d.C., a civilização vampírica como um todo começou a mostrar um declínio fenomenal em energia, e isso trouxe o início da grande rebelião da humanidade. Embora tivessem experiência na fisiologia do cérebro humano e tivessem desenvolvido a ciência da psicologia a tal ponto que conseguiam manipular a mente humana da maneira que quisessem, no final descobriram que era impossível erradicar o desejo inato de rebelião que espreitava nas profundezas da alma humana.

Enfraquecida por uma grande revolta após a outra, a Nobreza entrou em dezenas de armistícios com os humanos, cada um dos quais manteve a paz por curtos períodos. Todavia em pouco tempo os Nobres desapareceram, como niilistas galantes que perceberam seu destino.

Alguns tiraram suas próprias vidas, enquanto outros entraram em um sono que duraria até o fim dos tempos. Alguns até partiram para as profundezas do espaço, entretanto seus números eram extremamente poucos; em geral, os vampiros não tinham desejo de se estabelecer em ambientes extraterrestres.

De qualquer forma, seus números gerais estavam em declínio; no final, se espalharam diante da perseguição da humanidade. Quando 12.090 d.C. chegou, os vampiros não serviam para nada além de aterrorizar os humanos na Fronteira. Mas, precisamente porque esse era seu único propósito, os humanos sentiam um terror especial dos vampiros que abalava suas próprias almas.

Para ser honesto, foi milagroso que a humanidade fosse capaz de planejar e executar uma rebelião, não importa o quão desesperados pudessem estar.

O horror que todos sentiam pelos vampiros, que dormiam de dia e acordavam à noite para sugar o sangue vital dos humanos e garantir sua própria vida eterna, tornou-se parte da mitologia vampírica, junto com as antigas lendas de transformações em morcegos e lobos, e seu poder de controlar os elementos. Como resultado de uma manipulação psicológica inteligente que continuou ao longo desta era mecanizada, o horror criou raízes nas camadas mais profundas da psique humana.

Dizem que a primeira vez que os humanos assinaram um armistício com os vampiros, seus governantes, todos os representantes do lado humano, exceto um, tremiam tanto que seus dentes batiam. Embora os vampiros não pudessem mais ser encontrados na Capital, os humanos ainda levaram quase trezentos anos para verificar cada rua e prédio.

Dada à quantidade de força que os vampiros tinham a seu favor, por que não começaram a exterminar a raça humana? Essa é a eterna questão. Não poderia ser que estivessem apenas com medo de destruir sua fonte de sangue, já que haviam dominado um método de sintetizar com perfeição o sangue humano no primeiro estágio de sua civilização. No que diz respeito ao trabalho manual, tinham robôs mais do que suficientes para suportar a carga quando a revolução estourou. Na verdade, a razão pela qual permitiram que os humanos continuassem a existir em primeiro lugar, mesmo em seu papel de subordinados, é um mistério. Talvez tenha sido devido a algum tipo de complexo de superioridade ou por pena.

Era bastante raro Vampiros serem vistos pelos humanos, porém o medo permanecia. Em ocasiões muito raras, apareciam das profundezas da escuridão e deixavam sua mordida vil nas gargantas pálidas de suas vítimas; às vezes, uma pessoa os procurava com uma estaca de madeira na mão como um homem possuído, enquanto em outras vezes os humanos expulsavam a vítima de seu meio, rezando em grande fervor para que não recebessem outra visita dos vampiros.

Os Caçadores eram um produto do medo do povo.

Sendo quase indestrutíveis, os vampiros não estavam tão ansiosos para exterminar as criaturas mutantes que a humanidade tanto temia nos anos logo após a guerra. Muito pelo contrário, os vampiros amavam as feras cruéis, as alimentavam e até criavam outras como elas com suas próprias mãos.

Graças ao seu conhecimento incomparável de biologia e engenharia genética, os vampiros liberaram um monstro lendário após o outro no mundo dos homens: lobisomens, homens-tigres, homens-serpentes, golens, fadas, criaturas marinhas, goblins, raksas, ghouls, zumbis, banshees, dragões de fogo, salamandras resistentes a chamas, grifos, krakens e muito mais. Embora seus criadores estivessem próximos da extinção, as criaturas ainda corriam soltas nas planícies e nas montanhas.

Trabalhando a terra com o escasso maquinário que a Nobreza lhes permitia, defendendo-se com réplicas de armas de pólvora antigas ou espadas e lanças caseiras, os humanos estudaram a natureza dessas monstruosidades artificiais por gerações, aprendendo seus poderes e fraquezas. Com o tempo, algumas pessoas passaram a trabalhar exclusivamente em armas e maneiras de matar essas coisas.

Dessas pessoas, algumas se especializaram em produzir armas mais eficazes, enquanto aquelas de força e agilidade incomparáveis ​​ treinaram para usar essas armas. Esses guerreiros excepcionais foram os primeiros Caçadores.

Com o passar do tempo, os Caçadores se tornaram mais focados, e especialistas como o Caçador de Homens-Tigres e o Caçador de Fadas nasceram. De todos estes, os Caçadores de Vampiros eram universalmente reconhecidos como possuidores de força e intelecto além dos demais, bem como uma vontade de ferro insensível ao medo que seus antigos governantes inspiravam nos outros.



Na manhã seguinte, Doris foi acordada pelo relincho estridente de um cavalo. Uma luz branca entrou pela janela, anunciando um novo dia. Ela estava deitada na cama, vestida da mesma forma como estava quando D a nocauteou. Na verdade, D a carregou para a cama quando sua primeira escaramuça acabou. Seus nervos estavam desgastados pela preocupação após o ataque de vampiro, e Doris estava incrivelmente tensa por sua busca por um Caçador, contudo quando o poder da mão esquerda de D a fez dormir, enfim pode se encontrar em paz e desfrutar de um sono profundo até de manhã.

Por reflexo, levou a mão a sua garganta, Doris se lembrou do que tinha acontecido na noite anterior.

O que aconteceu enquanto eu dormia? D disse que tínhamos companhia, e tinha que ser ele. Como D se saiu? Quando saltou da cama em pânico, sua expressão de repente ficou mais brilhante. Ainda estava um pouco letárgica, no entanto nada mais parecia fora do normal com seu corpo. D a manteve segura. Lembrando que ela nem o tinha mostrado onde era seu quarto, apalpou seus cabelos desgrenhados pelo sono e saiu correndo do quarto.

As pesadas cortinas da sala de estar estavam fechadas; em uma extremidade da sala escura havia um sofá com um par de botas penduradas na ponta.

— D, você realmente conseguiu, não é? Sabia que contratá-lo foi a coisa certa a fazer!

De baixo do chapéu de viajante que cobria seu rosto veio à voz baixa de sempre.

— Só estou fazendo meu trabalho. Desculpe, parece que me esqueci de colocar a barreira de volta.

— Não se preocupe com isso... — disse Doris em um tom animado, verificando o relógio na lareira. — São apenas sete e cinco da manhã. Durma mais um pouco. Vou deixar seu café da manhã pronto em pouco tempo. E farei o melhor que puder.

Lá fora, um cavalo relinchou alto. Doris se lembrou de que tinha uma visita.

— Quem diabos estaria fazendo tanto barulho a essa hora?

Ela foi até a janela e estava prestes a levantar a persiana quando um forte... — Não! — deteve sua mão.

Quando Doris se virou para D com um suspiro, seu rosto estava distorcido pelo mesmo terror que a contorcera na noite anterior quando tentou escapar de sua abordagem. Ela se lembrou do que o lindo Caçador de fato era. E mesmo assim recuperou seu sorriso logo em seguida; não apenas era corajosa, como também tinha uma disposição naturalmente justa.

— Desculpe por isso. Vou arrumar um quarto para você mais tarde. De toda forma, descanse um pouco.

Assim que respondeu, Doris foi em frente e pegou um canto da cortina de qualquer maneira, no entanto no momento em que a levantou e olhou para fora, seu rosto cativante se tornou uma massa de puro ódio no instante seguinte. Retornando ao seu quarto para pegar seu chicote premiado, saiu indignada.

Montado em um baio em frente à varanda estava um homem corpulento de vinte e quatro ou vinte e cinco anos. A pistola de dez tiros e explosivos da qual tanto se orgulhava pendia do cinto de couro que cingia sua cintura. Abaixo de uma mecha de cabelo vermelho, seus olhos astutos rastejaram por cada centímetro do corpo de Doris.

— O que quer aqui, Greco? Pensei já ter te dito para não vir mais me procurar. — Doris encarou o homem, seu tom tão autoritário quanto tinha sido em sua busca pelo Caçador.

Por um breve instante, raiva e confusão surgiram em seus olhos nublados, entretanto um sorriso lascivo logo se espalhou pelo rosto do homem, que respondeu.

— Aw, não diga isso. Venho aqui todo preocupado com você e esse é o agradecimento que recebo? Parece que estava procurando por um Caçador agora, não é? Não pode ser que tenha sido atacada pelo nosso velho senhor, poderia?

Num piscar de olhos, o vermelho se espalhou pelo rosto de Doris, o resultado da raiva e do constrangimento que sentiu por Greco ter acertado em cheio.

— Cresça! Se você e seus amigos desprezíveis da cidade saírem por aí espalhando histórias malucas sobre mim só porque não quero nada com você, vou te ensinar uma coisa ou duas!

— Vamos lá, não fique tão nervosa. — disse Greco, encolhendo os ombros. Então seu olhar se tornou investigativo quando disse. — É que, na noite passada, havia um vagabundo no bar chorando sobre como foi desafiado para um teste de habilidade na colina nos limites da cidade por uma garota muito poderosa, então levou uma surra antes mesmo de conseguir sacar sua espada. Então comprei uma bebida para ele para ouvir todos os detalhes e descobri que, em termos de aparência e constituição, a garota era a sua cara. A cereja do bolo foi que o homem disse que ela é muito habilidosa com um tipo estranho de chicote, e não há ninguém por aqui que possa ser além de você, mocinha.

Os olhos de Greco estavam fixos no chicote que Doris tinha na mão direita.

— Claro, eu estava procurando por alguém. Alguém bom. Deveria saber tão bem quanto qualquer outro quanto dano os mutantes têm causado pela cidade nesses últimos tempos. Bem, as coisas não são diferentes aqui. É mais do que consigo cuidar sozinha.

Ao ouvir a resposta de Doris, Greco deu um leve sorriso.

— Nesse caso, tudo o que teria que fazer era perguntar ao velho Cushing na cidade, já que é o responsável por recrutar novos talentos. Sabe, cinco dias atrás, um dos nossos empregados te viu perseguindo um dragão menor em direção ao castelo do senhor bem perto do anoitecer. Agora, além disso, ainda com essa necessidade de ajuda contratada que não quer que ninguém na cidade saiba. — o tom de voz de Greco mudou completamente. Ele sugeriu ameaçadoramente. — Por que não tira esse cachecol do pescoço?

Doris não se mexeu.

— Não consegue, consegue? — Greco riu. — Como imaginei. Acho que vou até a cidade e vou falar um pouco com... Bem, acho que não preciso te contar o resto. Então, o que me diz? Apenas seja sensata e me dê seu ok pelo que tenho te pedido para fazer o tempo todo. Se nos casássemos, você seria a nora do prefeito. Então ninguém na cidade poderia encostar um dedo fedorento em voc...

Antes que suas palavras vis terminassem, um estalo ecoou pelo ar e o baio empinou com um relincho de dor. O chicote de Doris atingiu o flanco do cavalo com a velocidade da luz. Em um piscar de olhos, o corpo enorme de Greco foi jogado para fora da sela e caiu no chão. Com a mão pressionada contra a bunda, gemeu de dor. Os cascos do baio ecoaram alto enquanto este fugia da fazenda, deixando seu dono para trás sem piedade.

— Bem feito! Isso é por todas as coisas imundas que tem feito se escondendo atrás do poder do seu pai. — Doris riu. — Nunca me importei muito com seu pai ou qualquer um que estivesse em conluio com ele. E se tiver algum problema com isso, traga seu pai e seus amigos aqui a qualquer hora. Não vou correr ou me esconder. Claro, da próxima vez que mostrar essa sua cara feia e cheia de marcas de varíola por aqui, é melhor estar pronto para que eu arranque a pele dela!

O rosto do grandalhão foi tingido pela vergonha enquanto palavras tão ásperas que teria de se perguntar onde uma linda jovem as guardava disparavam contra ele como chamas.

— Puta, você só serve na cama... — enquanto falava, sua mão direita foi para seu revólver de dez cartuchos. Mais uma vez, uma onda negra cortou o ar encharcado de luz do sol, e a pistola que tentou sacar foi jogada nos arbustos de trás. E seu movimento para sacar não tinha levado nem meio segundo.

— Da próxima vez, vou fazer seu nariz ou uma de suas orelhas voarem.

O homem sabia que havia mais em suas palavras do que ameaças vazias. Sem nenhuma resposta de despedida, Greco saiu correndo da fazenda, alternando entre esfregar seu traseiro e pulso direito.


— Aquele canalha não é nada sem o pai para o assegurar. — depois que cuspiu as palavras, Doris se virou e congelou no local.

Dan estava parado na porta, ainda vestido de pijama e armado com um rifle laser. Seus olhos grandes e redondos estavam cheios de lágrimas.

— Dan... Você ouviu tudo?

O garoto assentiu num movimento mecânico. Greco estava de frente para a casa e não disse nada sobre Dan, então o garoto deve ter ficado atrás da porta.

— Irmã... Você realmente foi mordida por um nobre? — o garoto vivia nas terras selvagens da Fronteira, estava bem ciente do destino daqueles com o beijo do diabo na garganta.

A jovem beldade que tinha acabado de mandar um bruto duas vezes maior que ela embora com um estalo de chicote agora estava presa no lugar, incapaz de falar.

— Não, não pode ser! — o garoto de repente correu e jogou os braços ao redor da irmã. A tristeza e a preocupação com as quais estava lutando surgiram em uma onda gigante, encharcando as calças de Doris com uma enxurrada de lágrimas quentes. — Não pode ser, não é verdade! Eu ficaria sozinho então... Não pode ser verdade!

Embora não quisesse que fosse verdade, o menino não tinha ideia do que poderia fazer sobre isso, e sua tristeza surgiu de sua impotência.

— Está tudo bem. — disse Doris, dando um tapinha no ombro minúsculo do irmão enquanto lutava contra as próprias lágrimas. — Nenhum Nobre nojento me mordeu. Essas são picadas de inseto que tenho no pescoço. Só as escondi porque não queria que ficasse preocupado.

Um raio de luz brilhou em seu rosto manchado de lágrimas.

— Sério? Sério mesmo?

— Sim.

Certamente o garoto tinha um coração que poderia mudar de marcha baixa para alta em pouco tempo se isso fosse tudo o que precisava para acalmá-lo.

— Porém o que faremos se o pessoal da cidade acreditar em todas as mentiras do Greco e vierem aqui?

— Você sabe o quão boa sou em uma luta. Além do mais, tenho você aqui...

— E nós temos o D também!

Com as palavras exuberantes do garoto, o rosto da garota ficou nublado. Essa era a diferença entre alguém que sabia como os Caçadores funcionavam e alguém que não sabia. Na verdade, o garoto não tinha sido informado de que D era um Caçador.

— Vou perguntar a ele!

— Dan...

Antes que pudesse impedi-lo, o garoto desapareceu na sala de estar. Doris se apressou em alcançá-lo, contudo era tarde demais.

Em um tom transbordante de confiança, Dan se dirigiu ao jovem no sofá.

— Um cara acabou de sair aqui tentando fazer minha irmã se casar com ele, e disse que vai espalhar o pior tipo de mentira sobre ela. Esse cara vai voltar com um bando de gente da cidade, tenho certeza. E então eles vão levar minha irmã embora. Por favor, salve-a, D.

Imaginando sua resposta, Doris inconscientemente fechou os olhos. O problema não era a resposta em si, e sim o efeito que teria. Uma rejeição fria e inflexível deixaria uma ferida no coração frágil do garoto que talvez nunca cicatrizasse.

Entretanto foi assim que o Caçador de Vampiros respondeu.

— Deixe comigo. Não vou deixar ninguém encostar um dedo na sua irmã.

— Ok!

O rosto do garoto brilhava como uma manhã ensolarada.

Atrás do menino, Doris disse.

— Bem, o café da manhã estará pronto em breve. Antes de comermos, vá dar uma olhada nos termorreguladores nos pomares.

O garoto saiu galopando como o próprio espírito da vida. Doris se virou para D, ainda deitado, e disse.

— Obrigada. Sei que é a lei de ferro dos Caçadores não levantar um dedo para nada além de lidar com suas presas. Eu não estaria em posição de reclamar, não importa como o tivesse rejeitado. Você fez isso sem machucá-lo... E ele te ama como um irmão mais velho.

— Mas eu recuso.

— Estou ciente. Além do seu trabalho em si, não vou lhe pedir mais nada... O que disse agora para Dan está bom. Vou lidar com meus próprios problemas. E quanto mais cedo você terminar seu trabalho, melhor.

— Tudo bem.

Não surpreendentemente, a voz de D estava sem emoção e num amargo tom frio.



Como esperado, a ‘companhia’ chegou quando os três estavam terminando um café da manhã um tanto peculiar. O que o tornou peculiar foi que D comeu apenas metade do que o jovem Dan comeu. O menu consistia em presunto e ovos em uma escala colossal... Ovos de galinha mutante de um pé de largura em uma fatia de presunto leve e caseiro de uma polegada de espessura, junto com pão preto sem conservantes saindo do forno e suco de enormes uvas Gargantua cultivadas em sua própria fazenda. Claro, o suco foi espremido na hora e os três copos grandes foram cheios com uma única uva. E esses eram apenas os pratos principais; havia uma tigela gigante de salada e chá floral perfumado também. Somente uma fazenda como a dos Langs poderia oferecer um menu rico como este, e o frescor dos ingredientes por si só deveria ter sido o suficiente para fazer um homem de bom tamanho comer dois ou três ovos com presunto. A refrescante luz do sol da manhã e as flores gigantes de lavanda que adornavam a mesa eram, em essência, parte de um ritual sagrado para dar a todos reunidos ao redor a força para lutar contra a cruel Fronteira por mais um dia.

E ainda assim, D rapidamente largou o garfo e a faca e se retirou para o quarto nos fundos que Doris tinha acabado de lhe dar.

— Isso é estranho. Será que ele não está se sentindo muito bem?

— Sim, tenho certeza de que é algo assim. — embora fingisse que nada estava errado, Doris imaginou D de volta ao seu quarto agora tomando seu próprio tipo de café da manhã e começou a se sentir mal.

— Você também não, mana! Qual é o problema? Sei que gosta do D e tudo mais, mas não fique assim só por algo desse tipo.

Doris estava prestes a atacar Dan por seus comentários provocativos quando a tensão de repente inundou seu rosto.

Lá fora, um trovão de cascos se aproximava. Muitos cascos.

— Droga, lá vêm eles. — Dan gritou, correndo para onde um rifle laser estava pendurado na parede.

O garoto começou a chamar por D, porém a mão rápida de Doris o silenciou.

— Por que não? Tem que ser Greco e seus capangas. — resmungou com desgosto.

— Vamos ver se nós dois não conseguimos lidar com essa situação primeiro. Se não funcionar, talvez então... — contudo Doris estava perfeitamente ciente de que não importava o que acontecesse com os dois, D não faria nada.

Armados com um chicote e um rifle, os dois saíram para a varanda. Ela deixou seu irmãozinho de oito anos acompanhá-la porque a lei da Fronteira era que se você e sua família não defendessem suas próprias vidas e propriedades, ninguém mais o faria. Se dependesse sempre dos outros, não duraria muito contra os dragões de fogo e golens.

Em pouco tempo, uma dúzia de homens a cavalo apareceram na frente dos irmãos.

— Minha nossa, a nata da sociedade local está em ação. Uma fazendinha sem importância como essa não merece hóspedes tão ilustres. — enquanto Doris os cumprimentava em um tom calmo, seus olhos estavam cautelosamente fixos nos homens na segunda e terceira fileiras. Na fileira mais à frente estavam aldeões proeminentes como o xerife Luke Dalton, Dr. Sam Ferringo e o prefeito Rohman, este último era o pai de Greco, cujo rosto estava oleoso de uma maneira anormal para um homem perto dos sessenta. Não havia razão para se preocupar com qualquer um daqueles três tentando algo engraçado de repente, todavia atrás deles estava uma multidão de arruaceiros brutais ansiosos para fazer uma demonstração com as armas Magnum e raios de calor surrados que usavam em seus quadris, caso surgisse a oportunidade. Todos eram trabalhadores contratados do rancho do prefeito Rohman. Doris olhou para cada um dos homens sem um traço de medo até que se deparou com um rosto familiar bem no final da multidão, e seu olhar se tornou de puro desprezo. Quando parecia que o problema estava se formando, era típico de Greco fechar sua boca grande, encontrar o lugar mais seguro possível e tentar parecer que não tinha a menor ideia do que estava acontecendo.

— Então, qual é o seu negócio?

Aparentemente por consentimento mútuo, o prefeito Rohman falou primeiro.

— Como se já não soubesse. Estamos aqui por causa das marcas que tem sob esse cachecol. Mostre-as ao Dr. Ferringo agora, e se não forem nada, tudo bem. Entretanto se forem... Bem, lamento dizer que teremos de colocá-la no asilo.

Doris bufou em escárnio.

— Então acredita nas bobagens que aquele seu filho idiota tem falado? Greco veio aqui cinco vezes me pedindo em casamento e eu o recusei todas as vezes, então está um pouco amargurado comigo. É por isso que está espalhando essas histórias quando elas não são verdadeiras. Se continuar espalhando essa besteira não vai gostar do que vai acontecer, prefeito ou não.

O blefe saiu tão fluentemente que o prefeito não conseguiu dizer uma palavra sequer. Seu semblante bovino ficou vermelho de raiva.

— É isso mesmo! Minha irmã não foi mordida por nenhum vampiro! Então vai embora, seu velho pervertido. — Dan gritou do lado da irmã, empurrando o prefeito para o limite.

— O que quer dizer me chamando de velho pervertido? Ora, seu... Seu pequeno bastardo! Dizer algo assim sobre o prefeito, mesmo de brincadeira... Um pervertido, de todas as coisas! Quero que saiba...

O velho havia perdido todo o controle. Podia ter todo o poder real da cidade, mas ainda era apenas o prefeito de uma pequena aldeia. Bastava tocar em um de seus pontos sensíveis e suas restrições emocionais explodiriam. Nisso, não era tão diferente dos bandidos que o seguiram.

De trás, Greco berrou.

— Eles estão nos fazendo de idiotas! Vamos, rapazes, não deem ouvidos. Vamos pegá-los e queimar a maldita casa!

Gritos de ‘Claro que sim!’ e ‘Tem razão!’ ecoaram dos arruaceiros.

— Podem parar! Se fizerem qualquer uma dessas merdas, vão responder a mim!

As repreensões voaram do xerife Dalton. Por um momento, a expressão de Doris ficou plácida. Embora tivesse menos de trinta anos, o xerife sincero e capaz era alguém em quem estava disposta a confiar. Os arruaceiros também se aquietaram.

— Está com eles, xerife? — Doris perguntou em voz baixa.

— Preciso que entenda uma coisa, Doris. Tenho um trabalho a cumprir como xerife nesta aldeia. E verificar seu pescoço faz parte desse trabalho. Não quero que as coisas saiam do controle. Se não for nada, então uma espiadinha será suficiente. Tire seu cachecol e deixe o doutor dar uma olhada.

— O xerife está certo. — disse o Dr. Ferringo, levantando-se na sela. Ele tinha mais ou menos a mesma idade do prefeito, porém, graças aos seus estudos de medicina na Capital, tinha a aparência inteligente de um velho cavalheiro distinto. Como o pai de Doris e Dan tinha sido seu aluno no centro educacional, esse homem de boa índole se preocupava com o bem-estar dos dois todos os dias. Diante dele sozinha, Doris não conseguia levantar a cabeça.

— Não importa qual seja o resultado, não vamos lhe fazer mal. Deixe isso comigo e com o xerife.

— De jeito nenhum, ela vai para o asilo! — as palavras maldosas de Greco vieram de trás. — Nesta aldeia, temos uma regra de que qualquer um que for mordido por um Nobre vai para o asilo, não importa quem seja. E quando não conseguimos nos livrar do Nobre... Hehe... Então os jogamos fora como isca para monstros!

O xerife se virou e rugiu.

— Cale a boca, seu idiota!

Greco ficou chocado em um silêncio envergonhado, contudo tirou poder do fato de estar cercado por seus empregados contratados.

— Bom, coloque um distintivo em você e veja como fica bem durão. Antes de me dar mais uma resposta, olhe o pescoço da vagabunda. Afinal, é para isso que estamos te pagando, não é?

— O que disse, garoto? — os olhos do xerife tinham um olhar que poderia matar. Naquele mesmo momento, os bandidos estavam indo para suas costas e levando as mãos às cinturas com suas armas. Uma situação feia estava se desenvolvendo.

— Parem com isso! — o prefeito deu um amargo grito para toda a companhia. — O que provaremos brigando entre nós? Tudo o que temos que fazer é dar uma olhada no pescoço da garota e terminaremos aqui.

O xerife e os bandidos não tiveram escolha a não ser concordar com sua resposta a contragosto.

— Doris... — o xerife gritou para ela em um tom mais áspero do que antes. — É melhor você tirar esse cachecol.

Doris apertou ainda mais o chicote.

— E se eu disser que não quero?

O xerife ficou em silêncio.

— Peguem ela!

Com o grito de Greco, os bandidos montados correram para a direita e para a esquerda. O chicote de Doris se desenrolou para a ação.

— Parem! — gritou o xerife, no entanto parecia que seus comandos não fariam mais efeito, e quando a batalha estava prestes a começar...

Todos os valentões pararam de se mover de uma vez. Ou, para ser mais preciso, suas montarias pararam de repente.

— O que deu em vocês? Mexam-se!

Nem mesmo um coice de esporas esporeadas conseguiu fazer os cavalos se moverem. Se os homens pudessem olhar nos olhos de seus cavalos, poderiam ter vislumbrado um traço de horror inefável. Um traço de terror avassalador que não permitiria que os cavalos fossem coagidos mais, ou mesmo fugissem. E então os olhos de todos os homens se concentraram no lindo jovem de preto que estava bloqueando a porta da frente, embora ninguém tivesse ideia de quando ele apareceu. Até a luz do sol parecia ficar lenta. De repente, uma rajada de vento varreu os campos e os homens se viraram, trocando olhares inquietos.

— Quem diabos é você? — o prefeito tentou o seu melhor para soar intimidador, todavia não havia como esconder o tremor em sua voz. O jovem tinha um ar que agitava as águas calmas da alma humana.

Doris se virou e ficou surpresa, enquanto o rosto de Dan brilhava de alegria.

Sem uma palavra, D impediu Doris de dizer o que estava prestes a dizer e se colocou na frente dos Langs como se para protegê-los. Sua mão direita segurava uma espada longa.

— Eu sou D. Fui contratado por essas pessoas.

Ele não olhou para o prefeito, mas para o xerife enquanto falava.

O xerife deu um pequeno aceno de cabeça. Podia dizer de relance o que o jovem à sua frente realmente era.

— Eu sou o xerife Dalton. Este aqui é o prefeito Rohman e o Dr. Ferringo. O resto lá atrás não conta muito. — depois dessa introdução razoável, acrescentou. — Você é um caçador, não é? Posso ver nos seus olhos, na maneira como se comporta. Parece que me lembro de ouvir que havia um homem de habilidade inacreditável viajando pela Fronteira, e que seu nome era D. Dizem que sua espada é mais rápida que um raio laser ou algo assim.

Essas palavras poderiam ser interpretadas como amedrontadoras ou elogiosas, mas D ficou em silêncio. O xerife continuou com uma voz dura.

— Só que dizem que esse homem é um Caçador, e é especialista em vampiros. E que o próprio é um dampiro.

Houve suspiros. Os notáveis bandidos da aldeia congelaram. Assim como Dan.

— Oh, Doris! Então você realmente foi...

O Dr. Ferringo mal conseguiu soltar as palavras desesperançadas de sua garganta.

— Sim, a garota foi mordida por um vampiro. E fui contratado para destruí-lo.

— De qualquer forma, o simples fato de ter sido mordida por um vampiro é razão suficiente para não deixá-la continuar solta. Devemos levá-la para o asilo. — declarou o prefeito.

— Nem tente. — Doris retrucou categoricamente. — Não vou a lugar nenhum e deixarei Dan e a fazenda sozinhos. Se está decidido a tentar, terá que me levar embora à força.

— Ok então... — Greco gemeu. Os modos e a fala da garota, desafiadores até o fim, despertaram seu rancor por ter sido rejeitado. Ele deu um aceno de queixo para seus capangas, cujos olhos ardiam com o mesmo fogo sombrio de uma serpente.

Os arruaceiros estavam prestes a desmontar em uníssono, porém naquele momento seus cavalos empinaram ao mesmo tempo. Não havia nada que pudessem fazer. Cada um deu seu próprio grito de ‘Oof’ ou ‘Ow’, e cada um dos homens foi jogado no chão. O ar ensolarado estava cheio de gemidos de dor e relinchos de cavalos.

D voltou seu olhar para o xerife. Não estava claro se o xerife compreendeu ou não que um único olhar do Caçador havia deixado os cavalos em pé.

Uma tensão e medo indescritíveis fluíram entre os dois.

— Tenho uma proposta. — com as palavras de D, o xerife assentiu como se estivesse sonâmbulo. — Espere até eu terminar meu trabalho para decidir o que será feito com a garota. Se sairmos bem, tudo bem. Se não...

— Pode ficar tranquilo, vou cuidar de mim mesma. Se ele for derrotado pelo senhor, vou enfiar uma estaca no meu próprio coração. — Doris assentiu satisfeita.

— Não deixe ela te enganar! Esse idiota está ligado à Nobreza. Você não deveria fazer acordos com ele, é claro que querem transformem cada pessoa de Ransylva em vampiro, tenho certeza! — tendo sido jogado no chão pela segunda vez naquele dia, Greco seguia de quatro, gritando. — Vamos acabar com a vadia. Não, melhor ainda, entregue-a ao senhor. Assim, não vai atrás de nenhuma das outras mulheres.

Com um pffft! um pilar de chamas de quatro polegadas de largura irrompeu do chão bem na frente do rosto de Greco. A terra ferveu com uma explosão de mais de vinte mil graus, e as chamas saltaram para o rosto oleoso de Greco, queimando seu lábio superior. Ele caiu para trás com um uivo bestial de agonia.

— Diga qualquer outra coisa ruim sobre minha irmã e sua cabeça será a próxima. — Dan ameaçou, alinhando perfeitamente o cano de seu rifle laser com o rosto de Greco. Embora seja verdade que a arma não tinha coice, ainda era inédito que uma criança bem menor que o comprimento da arma fosse habilidosa o suficiente para acertar um alvo em cheio.

Longe de ficar bravo, o xerife tinha um sorriso que dizia.

— Você fez bem, garoto.

D se dirigiu ao xerife suavemente.

— Como pode ver, temos um guarda-costas feroz do nosso lado. Pode tentar nos destruir, mas é bem provável que muitas pessoas se machucarão desnecessariamente. Apenas espere.

— Bom, alguns deles poderiam se machucar um pouco, se me perguntar... — disse o xerife, olhando por um instante para os bandidos gemendo atrás. — O que acha, doutor?

— Por que você não me pergunta? — o prefeito gritou, as veias saltando. — Acha que podemos confiar nessa vagabunda? Deveríamos mandá-la para o asilo, assim como meu garoto disse! Xerife, traga-a agora mesmo!

— A avaliação das vítimas de vampiros cabe a mim. — disse o Dr. Ferringo sem se alterar, e então tirou um charuto de um dos bolsos internos e o colocou na boca. Não era um barato como os feitos pelos artistas locais de imitação, enrolados à mão com oitenta por cento de lixo. Era um charuto de alta classe em uma embalagem de celofane que trazia o selo do Monopólio do Tabaco da Capital.

Esses eram os tesouros do Dr. Ferringo. Ele deu um pequeno aceno para Doris.

O chicote dela disparou com um wa-pish!

— Oof! — o prefeito deu um grito completamente histérico e agarrou seu nariz. Com um leve giro do pulso de Doris, seu chicote tirou o charuto da boca do médico e o enfiou em uma das narinas do prefeito.

Ignorando o prefeito, cujo rosto inteiro estava vermelho de raiva, o médico declarou em voz alta.

— Muito bem, acho que a infecção de vampirismo de Doris Lang é do menor grau possível. Minhas ordens são de repouso em casa para ela. Xerife Dalton e Prefeito Rohman, vocês concordam?

— Sim, senhor. — respondeu o xerife com um aceno de satisfação, porém de repente olhou diretamente para D com a expressão intimidadora de um homem que jurou defender a lei. — Sob as seguintes condições. Vou acreditar na palavra de um bom caçador e adiar qualquer discussão posterior. Contudo deixe-me deixar uma coisa bem clara: não quero ter que estacar vocês no coração. Não quero, no entanto se chegar a hora, não vou pensar duas vezes. — e então, lançando um olhar de empatia para as crianças Lang, se despediu delas. — Estou ansioso pelo dia em que poderei aproveitar o suco dessas suas uvas Gargantua. Tudo bem seus cães sujos, montem e sejam rápidos! E estou avisando, qualquer um de vocês que der um pio sobre isso na cidade, vou jogá-los na prisão elétrica, anotem minhas palavras!



A multidão desapareceu sobre a colina, olhando para trás de vez em quando com olhares de ódio, compaixão e, de alguns, encorajamento. D estava prestes a entrar na casa quando Doris pediu que esperasse. Ele se virou para ela sem qualquer emoção, e então Doris disse.

— Para um Caçador você é bastante estranho. Pode ter assumido um trabalho que não precisava, e eu não posso pagar por isso.

— Não é sobre trabalho. É sobre uma promessa.

— Uma promessa? Para quem?

— Para seu pequeno guarda-costas ali. — ele disse com um movimento de queixo. Então, notando a expressão rígida de Dan, perguntou. — O que há de errado? Você me odeia porque supostamente estou ‘em conluio com a Nobreza’?

— Não.

Enquanto balançava a cabeça, o rosto do garoto de repente se contraiu e começou a chorar.

O jovem herói que havia colocado Greco em seu lugar minutos antes agora voltou a ser um garoto de oito anos. Ele choramingou enquanto jogava os braços em volta da cintura de D. Esta criança raramente chorava desde a morte de seu pai, três anos antes. Enquanto observava sua irmã lutando sozinha como uma mulher, o garoto nutriu em segredo seus próprios estoques de orgulho e determinação em seu pequeno coração. Naturalmente, a vida na Fronteira era difícil e solitária para o garoto também. Quando seu coração jovem sentiu que poderia ser roubado de sua única parente de sangue, se esqueceu de si mesmo e se agarrou não à irmã, mas sim ao homem que havia chegado apenas no dia anterior.

— Dan...

Doris estendeu a mão para o ombro do irmão, contudo D a afastou num gesto gentil. Em pouco tempo, os gritos do garoto começaram a diminuir, e D plantou um joelho no chão de madeira da varanda da frente, olhando direto em seu rosto manchado de lágrimas.

— Escute-me... — D disse em voz baixa, contudo distinta. Percebendo o inconfundível tom de encorajamento em sua voz, Doris abriu os olhos em espanto.

— Prometo a você e sua irmã que matarei o Nobre. Sempre cumpro minha palavra. Agora terá de me prometer uma coisa.

— Claro. — Dan assentiu.

— De agora em diante, se quiser gritar e chorar, é sua prerrogativa. Faça o que quiser. Entretanto, faça o que fizer, não faça sua irmã chorar. Se acha que seu choro vai deixá-la irritada também, então segure-o. Se estiver sendo egoísta e sua irmã começar a chorar, faça-a sorrir novamente. Afinal, você é um homem. Certo?

— Claro! — o rosto do garoto estava radiante, brilhava com uma aura de orgulho.

— Certo, então faça um favor ao seu irmão mais velho e alimente meu cavalo. Estarei saindo a negócios em breve.

O garoto saiu correndo, e D entrou em casa sem dizer mais nada.

— D, eu... — Doris soou como se algo estivesse pesando muito sobre ela.

O Caçador de Vampiros ignorou suas palavras e apenas disse.

— Entre. Antes de sair, quero colocar um pequeno feitiço de proteção em você.

E então ele desapareceu pelo corredor escuro e desolado.



Notas:
1. Maglev é a sigla em inglês do termo Magnetic Leviation Transport (Comboio de Levitação Magnética).
2. ICBM é a sigla para Míssil Balístico Intercontinetal, um tipo de míssil com alcance superior a 5.500km.
3. MIRV é a sigla para Veículo de Reentrada Múltiplo Independentemente Direcionado, um míssil balístico lançado por terra ou mar o qual carrega múltiplas ogivas (geralmente nucleares) que pode ser independentemente orientadas ao reentrar na atmosfera.
4. Criptestesia é a faculdade que consiste no conhecimento de fatos ou coisas, conhecimento esse que o usuário obtém pela percepção paranormal.

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