Capítulo 14: Não caia em armadilhas óbvias
A primeira pessoa a falar foi a clériga que apareceu com Zelgadis.
“Rezo!” ela gritou.
“Senhorita Sylphiel, está sendo muito precipitada...” o Sacerdote Vermelho disse gentilmente, os anéis de metal na ponta de seu cajado tilintando quando o passou da mão esquerda para a direita. Assim como vimos no feitiço Visão antes, este Rezo tinha um capuz vermelho puxado para baixo sobre os olhos fechados. “Se tivesse permanecido uma sacerdotisa pacífica em Sairaag, eu não teria motivo para ir persegui-la.”
“Como ousa? Você envenenou meu pai!” gritou com força em resposta.
“Uma acusação absurda.” respondeu ele com uma calma impressionante.
“Você não é...” sussurrei.
“Não sou o quê?” perguntou o Sacerdote Vermelho, virando seus traços de porcelana em minha direção.
“Não é Rezo!” proclamei, apontando em sua direção.
Não podia negar que sua aura era idêntica a do Rezo que conhecemos antes. Todavia, algo sobre isso parecia fora de lugar.
“Oh?” perguntou, arqueando uma sobrancelha, não ficando nem um pouco abalado. Em vez disso, pareceu quase entretido com a minha declaração.
“Não pode ser!” gritei.
“Que coisa interessante de se dizer. Porém...” ele começou, agora apontando seu cajado para mim. “Se quiser questionar minha identidade, há outro desafio que precisará superar primeiro... Terá que me derrotar.”
“Não é um problema.” respondi sem hesitação. “Já que você não é o verdadeiro Sacerdote Vermelho, sei que posso vencê-lo.”
“Entendo. Nesse caso...” sua voz estava calma antes de surgir com súbita hostilidade. “Por que não tenta?”
Música para meus ouvidos! Eu imediatamente comecei a entoar um feitiço. Ninguém mais se mexeu.
Nem mesmo o homem que se autodenominava Rezo, que apenas me observou sossegado.
“Bola de Fogo!”
Uma Bola de Fogo minha acabaria com a maioria dos oponentes, contudo ainda que esse homem não fosse o verdadeiro Rezo, ainda aspirava ao nome. Não havia como cair tão fácil assim. A ideia aqui era apenas mensurar sua capacidade.
E, mesmo assim, enquanto entoava, ele ficou ali em silêncio. Nem se preocupou com um feitiço próprio. Claro, não era motivo para eu recuar.
A bola de luz que disparei voou direto na sua direção!
O Sacerdote Vermelho falou em uma língua desumana enquanto desenhava um círculo no ar com a ponta do seu cajado.
“

Engasguei quando vi. A bola de luz desapareceu sem deixar vestígios ao tocar o círculo que havia delineado.
“E agora?” perguntou o Sacerdote Vermelho sem nem um fio de cabelo fora do lugar.
Por um momento, fiquei sem palavras. Então ouvi um canto ao vento... Zelgadis!
“Tome isso! Goz Vu Row!”
Sombras negras corriam pelo chão de Zelgadis a Rezo. Entretanto...
Tunk.
O Sacerdote Vermelho tocou o chão com seu cajado e, com um som semelhante ao de aço quente mergulhado na água, as sombras evaporaram.
“Agora, se me permitem ser tão ousado...” Rezo disse em um tom sombrio, seu cajado tilintando enquanto falava. “Gostaria de revelar um feitiço: uma versão simples e aprimorada de um Megamarca.”
O feitiço que estava descrevendo romperia a terra sob nossos pés. Mesmo um golpe certeiro mal poderia ser letal, mas não estava disposta a só sentar e esperar.
“Aqui, pessoal! Zel, faça com o vento!” gritei.
“Certo!” Zelgadis respondeu, entendendo o que eu queria dizer e lançou em seguida um feitiço.
Eris parecia prestes a fugir aterrorizada, todavia Gourry agarrou-a pelo pescoço e puxou-a para o grupo. Sylphiel lançou seu próprio feitiço, e o canto de quatro conjuradores, incluindo Rezo, harmonizou-se de forma discordante na atmosfera tensa.
Terminei primeiro, cercando-nos com uma barreira de vento. A barreira defensiva de Sylphiel foi erguida em seguida ao redor da minha, seguida pela de Zelgadis, que aumentou ainda mais sua força.
Mesmo assim, ainda não terminamos. O Megamarca viria de baixo e, por mais poderosa que fosse nossa barreira, não significaria nada se a terra nos engolisse inteiros. Meu plano era manter minha barreira contra o vento enquanto lançava Levitação em toda a coisa para nos tirar do chão. Se você me desculpar a metáfora básica, seria como flutuar em uma bolha de sabão feita de vento...
Entretanto a voz de Rezo parou de repente. Ele terminou seu canto.
Maldição! Não estou pronta ainda. Que erro de cálculo! Se ao menos eu tivesse deixado a barreira de vento para Zelgadis e ido primeiro para a Levitação...
No entanto, por alguma razão, o Sacerdote Vermelho não estava atacando. Era como se estivesse esperando que colocássemos nossas defesas em ordem.
Por fim terminei meu feitiço. Timidamente e instável, a barreira contra o vento que envolvia nosso grupo levantou-se do chão. Subimos no ar devagar... E quando esse chamado Rezo estava longe o suficiente para que eu pudesse bloqueá-lo de vista com meu dedo indicador, ele bateu no chão com seu cajado.
Nem um segundo depois, a terra soltou um uivo. O chão abaixo de nós quebrou e explodiu em fragmentos. Os arbustos foram destruídos, as árvores grandes foram despedaçadas e as pequenas foram lançadas pelos ares, com raízes e tudo. A onda de força junto com todos os seus destroços bateu em nossa barreira flutuante.
Vizea e Rahannim desapareceram em algum momento, talvez enquanto conversávamos com ‘Rezo’.
Nossa bolha começou a tremer como um passeio violento em uma carruagem velha.
“Ow!” Lantz gritou.
“O que foi?” Gourry perguntou.
“Ah, não é nada.” respondeu Lantz, levando a mão à testa. “Acabei de ser atingido por uma pedra.”
Espere um minuto... Está falando sério?
Não consegui ler o rosto de Zelgadis, porém era óbvio que Sylphiel estava em pânico. Teria sido necessário um ataque e tanto para romper uma barreira como essa. Isso era muito mais do que ‘uma versão simples e aprimorada de um Megamarca’ que nosso autoproclamado Rezo havia anunciado. Foi quase o suficiente para derrubar um wyvern em voo...
Com o tempo, o estrondo parou e a tempestade de poeira assentou aos poucos. O chão da floresta foi revirado, revelando uma cratera de terra vermelha abaixo. Bem no centro havia uma sombra carmesim. Com uma expressão plácida, ‘Rezo’ olhou para nós em silêncio.
“Talvez seja melhor fugirmos por enquanto...” sugeriu Sylphiel.
“Sim...” concordei com um aceno de cabeça.
Não havia como lidar com esse cara com três não-feiticeiros a reboque. É bem provável que Gourry poderia evitar feitiços sozinho ou usar a Espada da Luz para desviá-los, contudo Lantz e Eris eram um problema.
“Para onde devemos ir? Existe algum lugar onde possamos nos esconder?” perguntei.
“Não se preocupe...” disse Sylphiel com um sorriso. “Conheço o lugar perfeito.”
“A verdadeira questão é se ele nos deixará chegar lá ou não...” Zelgadis interrompeu, olhando para o Sacerdote Vermelho lá embaixo.
Observando-o, pude perceber o quão abalado Zel estava por dentro, provavelmente revivendo o terror de nossa última luta com Rezo. Aquela incrível demonstração de feitiços de agora talvez o tenha feito se perguntar se esse cara era real.
“Bem... Só teremos que tentar e ver.” eu disse, contornando nossa barreira.
Contrário a todas as expectativas, ‘Rezo’ não nos perseguiu, apenas ficou ali e nos observou partir. Não entendi o porquê, porém mesmo assim não pude deixar passar esta oportunidade de escapar. Convoquei todo o poder que tinha para acelerar nossa retirada.
O vento farfalhava o capuz do Sacerdote Vermelho. Abaixo dele, por apenas um segundo... Pensei ter vislumbrado algo vermelho no centro de sua testa.
———
“Huh...” murmurei com interesse enquanto olhava em volta.
Estávamos em uma caverna do tamanho de uma sala de reuniões razoavelmente espaçosa. Estava cheio do tipo de ar frio e úmido que você esperaria. Na verdade, era uma caverna típica em todos os sentidos... Exceto pela espessa camada de musgo luminescente por todo o lugar e as almas das fadas voando ao nosso redor, que tornavam tudo tão claro quanto o dia lá dentro. Ok, talvez não exatamente, só que ainda estava bem claro!
Talvez você não tenha ouvido o termo ‘almas de fadas’ antes, elas são mais comumente chamadas de falsos vaga-lumes e coisas do tipo. São pequenas bolas de luz do tamanho da ponta de um dedo que vivem em cavernas o ano todo e saem no outono. Quando era criança, eu e minha irmã mais velha saíamos por aí as perseguindo todo outono. Se tentar pegar uma na rede, ela só escapará pela tecelagem. Se pegar uma com as mãos, não sentirá nada, e quando abri-la, esta desaparecerá sem deixar rastros.
Admito que não sei se são de fato almas de fadas, como o nome indica. Não creio que nem mesmo o conselho dos feiticeiros tenha descoberto o que na verdade são. Mas se me perguntar, o que isso importa? São inofensivas e, mais importante, são atmosféricas.
E aqui no esconderijo que Sylphiel nos trouxe, estavam por toda parte.
Assim que deixamos ‘Rezo’ comendo poeira, entramos em uma caverna a alguma distância de Sairaag. Caminhamos e andamos, indo de um lado para outro em um número estonteante de bifurcações no caminho antes de enfim chegarmos aqui.
Paramos para recuperar o fôlego e depois começamos a conversar. Zelgadis, entre todas as pessoas, abriu a conversa.
“Por que você segue aqui?” perguntou, virando-se para Eris, a autoproclamada caçadora de recompensas extraordinária, com um olhar irritado.
“Cale-se. Não é como se eu quisesse vir junto. Aquele homem...” disse Eris, apontando para Gourry. “Me parou quando estava tentando escapar.”
“Bom... Não tinha como você chegar em segurança a tempo.” disse Gourry, coçando a cabeça.
“Ele tem razão. Não teria saído viva de lá sozinha.” acrescentou Sylphiel, ficando ao lado de Gourry de repente.
Eris apenas fez beicinho, mal-humorada.
Quando os olhos de Sylphiel encontraram os de Gourry, ela curvou-se profundamente para ele.
“Já faz algum tempo, Sir Gourry. Perdoe-me por não cumprimentá-lo de forma adequada antes...”
“Ei, não é grande coisa.” disse Gourry, coçando a cabeça, incerto.
“Hã? Vocês dois se conhecem?” perguntei.
“Mais ou menos.” Gourry respondeu brevemente antes de continuar sua conversa com Sylphiel sem sequer olhar para mim. “Com base no que conversou com Rezo, parece que você passou por momentos difíceis. Como está seu pai?”
“Não está bem, infelizmente.”
“O pai dela? Espere, quer dizer...” tentei interromper de novo.
“Você disse algo sobre veneno?” Gourry perguntou a Sylphiel, me ignorando por completo dessa vez.
Grr...
“Acredito que foi a casca seca de uma árvore vidis...”
“Olááááá, Gourry!”
“Por que iria atacar seu pai?”
Grrrr! Eu não gostei nem um pouco disso. Entretanto... Teve alguém que gostou ainda menos do que eu.
“Como todos aqui já se conhecem?” Lantz perguntou tão alto que silenciou o resto do grupo. “Estou sentado aqui sem saber o que diabos está acontecendo, e vocês estão conversando sobre os velhos tempos! Quem são essas pessoas e o que está acontecendo? Não acha que deveria nos atualizar primeiro?”
“Ele está certo.” admiti, concordando com Lantz pela primeira vez.
Acontece que Gourry conheceu o pai de Sylphiel, o sumo sacerdote de Sairaag, quando visitou a cidade antes. Parece que resolveu um incidente bastante difícil para ele, no entanto como não estava relacionado à atual filha, Sylphiel não compartilhou os detalhes interessantes. Terei de perguntar a Gourry sobre mais tarde.
Agora, no que diz respeito a ‘Rezo’, esse absurdo começou há um mês, quando este apareceu na cidade com o feiticeiro Vrumugun.
O sumo sacerdote, pai de Sylphiel, só conhecia Rezo por sua reputação de santo errante. Como tal, o acolheu calorosamente. ‘Pegar emprestado’ nomes de figuras famosas cujos rostos não eram muito conhecidos, a fim de ganhar uma noite de comida grátis e outras hospitalidades antes de desaparecer na noite era um golpe bastante comum nos dias de hoje. Mas o sumo sacerdote estava confiante de que esse cara era de fato o verdadeiro Rezo e afirmou reconhecer sua grandeza à primeira vista.
Caramba, amigo, se o seu julgamento é tão bom assim, que tal usá-lo para distinguir as maçãs podres das boas, hein? Então talvez não estivéssemos nessa bagunça em primeiro lugar!
Não que eu pudesse dizê-lo na frente de Sylphiel... Talvez ‘Rezo’ fosse apenas um ator de primeira linha.
De qualquer forma, algum tempo depois de chegar à cidade e impressionar os moradores locais, ele pediu para distribuir a recompensa por nossas cabeças. O sumo sacerdote e Sylphiel ficaram surpresos, é claro, ao reconhecerem uma das pessoas no cartaz... Gourry Gabriev, o ex-salvador da cidade. O sumo sacerdote expressou as suas preocupações e explicou como conheciam Gourry, o que justificou um olhar entre ‘Rezo’ e Vrumugun.
“Rezo disse: ‘Ele está sob o controle de um feitiço maligno lançado por esta pessoa aqui’.” contou Sylphiel enquanto apontava para meu retrato. (Que coragem a desse cara!) Ela então fez uma pausa na história e se virou para mim. “Ele disse que você tinha aparência de uma menina, porém que na verdade está perto dos noventa anos... É verdade?”
“Que diabos, não! Tenho dezesseis anos, caramba!” gritei.
“Hã? Você não disse que tinha quinze anos?” Gourry se intrometeu.
“Sim, e então fiz aniversário! Por acaso não posso?”
“Hein...” Gourry refletiu, parecendo estar juntando as peças.
Por que esse chamado Rezo teve que mentir sobre coisas tão inúteis? O odeio ainda mais agora! Guarde minhas palavras, Sacerdote Vermelho! Vai pagar por isso!
“Entendo... Perdoe-me. Não achei que fosse verdade.” disse Sylphiel num tom apaziguador, talvez tentando diminuir minha fúria. “É só que ouvi alguns rumores a seu respeito. Pessoas te chamando de Assassina de Bandidos e Bruxa Negra, dizendo que destruiu um castelo e até cometeu regicídio... Isso me deu muito no que pensar. Isso é tudo.”
Sim, obrigado. É muito reconfortante...
De qualquer forma, a situação difícil de Gourry foi a razão, alegou Rezo, de querer que nos trouxessem vivos.
Foi Zelgadis quem teve problemas primeiro. Aconteceu de estar próximo de Sairaag, e sua aparência impressionante combinada com o tamanho da recompensa o fez um alvo ideal para caçadores de recompensas... Como Eris, por exemplo. Contudo Zelgadis não estava disposto a dar tudo de si contra uma aparente novata e acabou levando-a a uma perseguição inútil. Quando soube que foi Rezo quem havia cobrado a recompensa, entretanto, ele foi direto para Sairaag com Eris em seu encalço.
Eu e Gourry permaneceríamos felizmente inconscientes de toda a situação da recompensa por um tempo ainda, todavia ao mesmo tempo, as coisas estavam acontecendo na cidade. Primeiro, o sumo sacerdote começou a se comportar de maneira estranha. Ele ficou magro e começou a murmurar coisas incompreensíveis para si mesmo. De vez em quando ia ver Rezo e voltava parecendo satisfeito, mas seu estado só piorava. Sylphiel, a principal sacerdotisa, chegou à conclusão de que Rezo estava envenenando seu pai de alguma forma. Ela levou o assunto aos outros sacerdotes para investigação...
Porém a essa altura, eles já estavam todos sob o domínio de Rezo. Parece que usou seu nebuloso carisma sombrio para converter mais de metade da cidade em seus discípulos raivosos. Talvez tivesse lançado algum tipo de feitiço sobre eles. O Sacerdote Vermelho então começou a convocar figuras estranhas para o seu lado. Primeiro foram criaturas humanoides, depois mazokus. Contudo, ninguém se opôs às suas ações.
Sylphiel ficou se sentindo isolada e impotente... Até o dia em que Zelgadis apareceu. Os dois planejaram assassinar ‘Rezo’, embora o mazoku Vizea frustrou seus planos e ambos foram expulsos de Sairaag antes que pudessem alcançá-lo. Eris o perseguiu, só que os dois a nocautearam e fugiram para o interior da floresta. Foi quando ouviram uma explosão de um feitiço de ataque e se perguntaram se, apenas talvez...
Sim, como esperado, éramos nós.
“Eu conheço vocês. Não há como ficarem sentados de braços cruzados quando alguém oferece uma recompensa por suas cabeças. Achei que apareceriam aqui cedo ou tarde.” explicou Zelgadis.
“Eu sou a maior vítima aqui.” disse Eris, mal-humorada. “Por que tenho que ficar nesse lugar idiota com vocês? Mesmo se te pegar e entregar ao Sacerdote Vermelho, é bem provável que não me dará a recompensa, considerando como ele estava agindo antes e o que estão dizendo agora. Só quero ir para casa. Onde está a saída?”
Ela se levantou, no entanto Zelgadis fitou-a com um olhar frio.
“Desculpe, mas você vai ficar.”
“O-O quê?” Eris ficou boquiaberta, dando um passo intimidado para trás.
“Se sair, poderá dizer a eles onde estamos.”
“E... Eu não estava...”
“Não? Este lugar está cercado pelos capangas de Rezo e pelos habitantes da cidade sob seu domínio. Todos estão nos procurando. Se te virem, vão te prender, te interrogar... E se não falar, vão te torturar. Você não tem obrigação de nos proteger e, mesmo que o fizesse, eles a quebrariam em minutos.”
Eris não teve resposta para sua afirmação, apenas sentou-se de volta, resmungando para si mesma.
“Onde exatamente estamos, afinal? Viramos tantas vezes no caminho...” perguntei.
Sylphiel respondeu com um sorriso brilhante.
“Estamos no coração de Sairaag, dentro da Flagoon.”
“Dentro da árvore?” repeti.
“Sim. O Guerreiro da Luz original, ancestral de Sir Gourry de várias gerações atrás, lutou bravamente contra a besta demoníaca e a matou. Após sua morte, porém, seu cadáver continuou a emitir um miasma terrível. E então o guerreiro plantou a semente de uma árvore sagrada que lhe foi dada pelos dragões. A árvore purificou o miasma, que a alimentou à medida que crescia. A árvore agora é tão grande que é um símbolo de orgulho da nossa cidade.”
Já sabia de toda a história, contudo imagino que fosse a primeira vez que Lantz e Eris ouviam a história.
“Hã... Eu não fazia ideia.” disse Gourry, parecendo impressionado.
Fiquei em silêncio... Todo o grupo ficou, na verdade.
“Se-Seu...” tive o cuidado de controlar minha voz, mesmo enquanto meu rosto se contorcia e uma veia saliente latejava em minha testa. “Nem sequer conhece a história do seu próprio ancestral?”
“Agora que mencionou, acho que meu pai falava muito a respeito quando eu era criança...” Gourry disse, parecendo preocupado. “Acho que nunca prestei muita atenção.”
Então ele era assim desde criança...
“De qualquer forma...” Sylphiel disse, recuperando a compostura. “As raízes da árvore são profundas sob Sairaag e formaram cavernas como esta ao longo do tempo. As passagens que percorremos para chegar até aqui também foram criadas pelas raízes da Flagoon.”
“E as pessoas da cidade não sabem que estamos aqui?”
“Acho que não.” disse ela com um sorriso confiante. “As pessoas da cidade consideram esta árvore sagrada. Eles podem conhecer as cavernas que correm entre suas raízes, no entanto nunca entram nelas. Também não existem mapas do sistema, por isso, mesmo que procurassem aqui, seria necessária uma sorte extraordinária para nos encontrarem. Veja, gosto de explorar essas cavernas desde que era criança, então conheço muito bem essa árvore.”
Parecia que Sylphiel era uma moleca naquela época.
“Entretanto... Esse lugar é um pouco grande, não é?” comentei, olhando para a gigantesca caverna aberta. “Mesmo uma árvore que existe há milhares de anos não deveria fazer cavernas desse tamanho com suas raízes. Teria que ter sido plantado muito antes da lenda do Guerreiro da Luz surgir...”
“Senhora Lina, você viu a cidade quando estávamos entrando na caverna, não foi?”
“Sim, vi...”
O vislumbre que tive de Sairaag fez com que parecesse uma floresta densa cercada por uma grande praça, que era então cercada por casas. Uma espécie de layout de rosquinha. Espere...
“Como eu disse, Flagoon é o coração da cidade... Embora muitos a confundam com uma floresta à primeira vista.”
“O quê?” Lantz e eu exclamamos juntos.
“Então... Então... Quantos anos tem...”
“Esta árvore prospera com miasmas e emoções negativas. Quanto maior o miasma que a rodeia, mais rápido cresce.”
“Então ela morreria se limpássemos todo o veneno remanescente da fera que o guerreiro matou?” Lantz perguntou.
“Não. Não enquanto as pessoas viverem aqui.” respondi no lugar de Sylphiel.
Ela assentiu em concordância sombria e Lantz inclinou a cabeça.
Enquanto os humanos... Ou, mais precisamente, enquanto criaturas com prioridades incompatíveis viverem juntas aqui, os conflitos entre eles semeariam tristeza e hostilidade. Esse é o destino de todas as coisas vivas. Até o peixe que comi no jantar ontem à noite sentiu medo e desespero no momento em que foi morto. Foram essas emoções negativas que alimentaram a árvore.
“Ainda assim, há uma coisa que me preocupa...” disse Sylphiel, baixando a voz para um sussurro. “Silêncio agora... Ouçam com atenção, sim?”
A seu pedido, todos ficamos em silêncio.
...
Era suave, todavia podia ouvi-lo... Um rangido lento e pesado.
“Flagoon está crescendo. E bem rápido, aliás...” Sylphiel olhou para mim, depois para Gourry, depois para Zelgadis. “É porque Rezo está aqui. Por favor, me digam... O que ele é?”
Por um tempo, o silêncio reinou.
Não posso contá-la toda a verdade. É bastante provável que não acredite em mim, para começar... E mesmo que acreditasse, não faria nada além de alarmá-la. Nós nem sabíamos se esse cara, Rezo, era o real ainda. Na verdade, minha teoria corrente era que ele não era.
“Nenhum mero humano pode emitir tal ódio e hostilidade. O espírito humano não é um recipiente suficiente para as emoções necessárias para fazer Flagoon crescer tão rápido...”
“Bem, para ser honesto, nós mesmos ainda não sabemos essa resposta.” disse Gourry de repente em um tom alegre.
Isso era verdade... ‘Rezo’ era real ou um impostor? E se fosse o último, quem de fato era e o que queria?
“Mas seja lá o que for...” Gourry continuou. “Nossa única opção é lutar e vencê-lo.”
“Bem... É verdade.” Sylphiel admitiu.
“Ok! Então agora que sabemos que temos uma luta pela frente, é hora... De comida!” declarei, arrancando um sorriso estranho de Gourry e Zelgadis.
“Ei... Não parece que fomos deixados de fora da conversa?”
“Sim...”
Atrás de mim, Lantz reclamou para uma Eris de aparência infeliz, que concordou em seguida.
“A comida será fácil de conseguir.” Sylphiel interrompeu. “Há cogumelos crescendo um pouco mais à frente. Acredito que sejam comestíveis.”
“Que sorte!” declarei, levantando-me de um salto quando ouvi sua ideia. “Ok, vou colher alguns cogumelos!”
“Não acha que deveríamos elaborar um plano primeiro?” perguntou Zelgadis, o estraga-prazeres profissional.
“Sim. Precisamos descobrir o que fazer, e rápido.” Gourry respondeu insatisfeito.
“Eu concordo. Os cogumelos não vão a lugar nenhum, e os lacaios de Rezo ainda podem atacar a qualquer momento.” acrescentou Sylphiel.
“Ela está certa. Tire a comida da sua mente pelo menos uma vez.” zombou Lantz.
“Sim, o que há com essa falta de urgência aqui?” Eris seguiu o exemplo.
Fiquei vermelha brilhante quando todo o grupo se voltou contra mim.
“T-Tudo bem! Nossa, todos estão na mesma página de repente... Ok, nesse caso, vamos ter uma reunião estratégica. Não sabemos o que Rezo na verdade é. Todos na cidade estão contra nós. Não podemos enviar ninguém para explorar as coisas, pois é mais provável que sejam encontrados do que encontrar qualquer coisa. E fugir só nos coloca de volta à estaca zero. Então, o que exatamente devemos fazer? Que plano está disponível para nós além de ‘esperar os bandidos virem até nós’? Alguma ideia? Alguém? Zelgadis?”
“Hã? Bem, quando coloca dessa forma...”
“Sem ideias, hein? E você, Sylphiel?”
“Er, bom... Hum...”
“Ok, então que tal...”
Antes que pudesse nomear qualquer um deles, Lantz e Eris balançaram a cabeça rapidamente. Droga... Isso só deixou Gourry.
“Então... Alguma ideia brilhante, grandão?”
“Sim, na verdade.” ele declarou com grande confiança.
Oho! O grupo inteiro se virou para encará-lo.
“O que tem para nós?” perguntei.
Gourry levantou um dedo e respondeu.
“Vamos todos colher cogumelos.”
Eu chutei ele bem no rosto.
———
“Porcaria... Por que tenho que concordar com isso?” Eris gemeu.
“É o que ganho por ser legal. Nunca deveria ter me envolvido...” Lantz gemeu.
“Meu erro foi ser muito persistente. Se soubesse que persegui-lo me arrastaria para essa confusão...”
“São sempre mazokus com esses caras. Não acredito que eles foram e começaram uma briga com um cara que pode controlar mais de uma dúzia de demônios inferiores de uma vez...”
“Ugghhh...”
“Ahhh! Cale a boca!” gritei e parei no meio do que estava fazendo. “Lantz! Eris! Chega de se remoer em piedade! Apenas calem a boca e peguem seus cogumelos!”
“Você pode mandar em nós o quanto quiser, porém...”
“Sim...”
Os dois trocaram um olhar cúmplice e um aceno de concordância.
Vocês... Seus pequenos...
Nós decidimos colher cogumelos como um grupo, e Sylphiel liderou o caminho. A área era maior do que uma caverna padrão, contudo havia menos musgo luminescente ao redor, então parecia mais escuro do que antes.
“Isso ainda parece patético.” disse Zelgadis, expressando uma rara reclamação.
“Sério, espadachins e conjuradores colhendo cogumelos... Isso dificilmente parece digno.” Sylphiel concordou.
“Parem de reclamar. Ah, ei, Zelgadis...” falei, pegando um cogumelo. “Eu queria perguntar antes, só que acabei esquecendo. Você conhece Vrumugun...”
“O que foi, Eris?”
“Uh, pensei ter visto um inseto...”
“Ei, Lantz, Eris... Vocês, crianças, podem ficar quietas um pouco? Os adultos estão conversando.”
Com minhas palavras, a dupla trocou outro olhar, deram de ombros e voltaram a colher cogumelos. Droga... Balancei a cabeça para clareá-la e tentei novamente.
“Tem um feiticeiro chamado Vrumugun com aquele aspirante a Rezo. Ouviu falar dele?”
Como mencionei antes, Zelgadis já havia trabalhado para o verdadeiro Rezo, então pensei que poderia saber uma coisa ou duas sobre o feiticeiro.
“Ah, aquele cara.” Zelgadis disse com um gemido.
“Então o conhece?”
“Mais ou menos... Já o derrotou várias vezes também?”
“Então não sou a única com esse problema?”
“É o mesmo padrão todas às vezes. Esse cara de aparência totalmente normal, exceto por um rubi incrustado na testa, aparece e diz que é Vrumugun. Você acha que não pode ser porque já o derrotou, mas ele continua vindo...”
“Então você o matou um monte de vezes também, hein?”
“Cinco... Não, seis vezes, suponho. Uma vez, depois de ter certeza de que ele estava morto, eu o queimei até virar cinzas com uma Bola de Fogo. Então separei suas cinzas em várias urnas, selei-as, joguei algumas no rio e enterrei o resto...”
“Wow... Que exagero, hein?”
“Quando alguém se mostra tão difícil de matar desse jeito, não está fora de questão que possa ser um morto-vivo.”
É um ponto justo. Mortos-vivos de classe baixa como zumbis eram uma coisa, todavia criaturas poderosas como vampiros exigiam medidas extraordinárias. O que Zelgadis estava descrevendo era à única maneira de garantir que não sairiam de seus túmulos... E, mesmo assim, se alguém conseguisse juntar as cinzas e realizar o ritual certo, você ainda poderia acabar com o vampiro reduzido em poder. A única maneira de se livrar deles para sempre era usar magia de purificação para fazê-los ascender, ou arrancá-los do plano astral como faria com mazokus.
“Então Vrumugun ainda voltou depois de tudo isso, não é?” perguntei.
“Sim. Mas para responder à sua pergunta original, no meu tempo com Rezo... Vrumugun surgiu uma vez.”
“Sim?”
“Estava falando sobre uma coisa ou outra e Rezo me disse: ‘Não fique convencido. Tenho outros dois trabalhando para mim que são mais habilidosos com magia do que você’.”
“Um deles é Vrumugun?”
“Sim. O jeito com o qual falou realmente me irritou. Perguntei o quão poderoso o cara era, porém Rezo não me disse... Pensando agora, aposto que foi quando percebeu que eu tentaria matá-lo algum dia.”
“E quem era a outra pessoa?”
“Rezo não disse.”
“Hmm, ok.” arquivei essa informação e ajustei minha teoria. “Então, antes de tudo isso acontecer, nunca conheceu Vrumugun em pessoa?”
“Não.”
“O que significa que o cara com quem lutamos todo esse tempo pode não ser necessariamente o verdadeiro.” especulei, enfim começando a ter uma imagem do feiticeiro em minha mente.
“O que está insinuando?”
“Bom, pense na descrição de Vrumugun: um feiticeiro de altura e constituição medianas que usa o tipo de capa preta que poderia tirar de uma caixa de pechinchas em qualquer cidadezinha. Ele é tão carente de características distintivas que deve se perguntar se é intencional... Exceto pelo rubi em sua testa, claro.”
“Aha, entendo.” Zelgadis não demorou em entender o que quis dizer. “Os rubis...”
“Sim, os rubis.”
“Poderia dar uma pista para o resto de nós?” descontente, Lantz falou de repente.
Olhei e percebi que todos no grupo começaram a ouvir em algum momento.
“Ok, aqui está a ideia.” limpei minha garganta. “Estou pensando que os Vrumuguns que estamos derrotando são todos falsos. O verdadeiro está em outro lugar, controlando-os através dos rubis em suas testas.”
“O quê? Dá pra fazer algo assim?” Lantz perguntou.
“Claro que dá.” respondi com confiança.
Existe um feitiço chamado Marionete; é um pequeno número de magia negra onde cola algo no corpo de uma pessoa e realiza um ritual de dias para fazê-la obedecer a todos os seus comandos. Se puder quebrar a concentração do conjurador por tempo suficiente, o boneco deve voltar ao normal... Contudo se um conjurador habilidoso armazenasse seu poder mágico em algo como um rubi em sua própria testa, pode obter uma situação mais permanente. Rezo parece ter dito a Zelgadis uma vez que Vrumugun era habilidoso com magia, só que não significa necessariamente na magia ofensiva.
“Quando lutei contra o primeiro feiticeiro que se chamava Vrumugun... Para ser honesta, ele me pareceu um completo idiota. Mesmo quando controlados por um feiticeiro tão poderoso quanto o verdadeiro Vrumugun, os bonecos talvez sejam limitados por sua capacidade individual. É bem provável que também tenha feito as ‘falsificações’ já indefinidas para que pensássemos que todos os Vrumuguns que enviou atrás de nós fossem a mesma pessoa.”
“Nesse caso onde está o verdadeiro Vrumugun?” Eris perguntou.
“Ainda é apenas um palpite, no entanto... O verdadeiro Vrumugun pode ter um rubi embutido em seu próprio corpo para controlar todas as falsificações. E quer saber? Pude ver na nossa briguinha que havia algo vermelho preso na testa de ‘Rezo’. Então temos um homem se autodenominando Rezo, que sabemos que está morto, e temos um feiticeiro chamado Vrumugun que nenhum de nós jamais viu antes. A hipótese mais simples é...”
“Que ele é o verdadeiro Vrumugun?” perguntou o simplório Gourry.
———
O cheiro de cogumelos cozidos pairava na caverna cheia de luz pálida.
“Entretanto seguimos não resolvendo o problema principal.” disse Lantz, mordendo um dos cogumelos que assei com um feitiço de fogo. “Como vamos derrotá-lo?”
Era uma boa pergunta. Tudo o que tínhamos feito até agora era especular sobre a verdadeira identidade de Vrumugun e colher cogumelos. De forma palpável, não tínhamos conseguido nada.
“O verdadeiro problema...” disse Zelgadis enquanto olhava para Lantz e Eris. “É como vamos tirar algum proveito desses dois.”
“Ei...” Lantz olhou para Zel com raiva. “Está dizendo que somos inúteis?”
“Não é como se eu tivesse vindo para me tornar útil pra vocês...” assumiu Eris por sua vez.
“É exatamente o que estou dizendo aqui. Contra mazokus, vocês dois serão inúteis. Quer mesmo argumentar o contrário depois de suas contribuições na última batalha?”
Lantz ficou em silêncio diante da dura verdade, cortesia de Zel. Veja, ele, Sylphiel e eu podíamos usar magia, e Gourry tinha a Espada da Luz. A principal coisa que limitou Lantz na última luta foi o fato de que não tinha nenhuma das duas.
“Não se preocupe! Você pode compensar com pura coragem!” falei para animá-lo.
“É, tá bom. Mentirosa.” Lantz respondeu, ainda curvado.
“Não, estou falando sério. Você não sabia?” prossegui.
“Está brincando comigo?” ele perguntou, olhando para cima para me olhar desconfiado.
“Claro que não. Mazokus existem principalmente no plano astral, entende? É por esse motivo que cortá-los ou queimá-los aqui no plano material não faz muita diferença. Sabe, dá mesma forma que não pode matar uma pessoa insultando-a com força suficiente. Por outro lado, se quer matar um mazoku, é o seu espírito que tem de atacar.”
“Então, no segundo em que acerta um mazoku com sua espada, tem que pensar muito, tipo, ‘Morra, morra, morra!’. Se o poder da sua vontade, canalizado através da sua espada, for superior ao poder espiritual do mazoku, poderá feri-lo dessa forma. É por essa razão que armas de prata são eficazes contra fantasmas e coisas assim. Prata é um canal melhor para força de vontade do que aço. E a Espada da Luz de Gourry ali cria sua lâmina amplificando todos os tipos de poder, incluindo a vontade humana.”
“Oh, é verdade?” Gourry disse maravilhado enquanto olhava para a espada em seu cinto. Conhecendo-o, deve ter pensado nela apenas como ‘uma espada bem legal que funciona de alguma forma’.
“O que significa que ele só precisa de algo para amplificar sua vontade!” Sylphiel interrompeu, batendo palmas.
“É... Se quer o acertar, acho que sim.” admiti.
“Então eu tenho o truque!” declarou ela.
“Tem?” Lantz gritou, todo animado de repente.
“Sim. Há muito tempo, uma espada foi descoberta dentro da Flagoon. Dizia-se que era uma arma sagrada, uma extensão da árvore que sempre ressoava em conjunto, dando-lhe a capacidade de purificar e amplificar o espírito de seu portador. Estava armazenada no templo da cidade, mas...”
“Não me diga que desapareceu!”
“Bom... Quando eu era bem pequena, peguei-a escondida nessas cavernas como uma brincadeira.”
Vamos lá...
“Isso não causou um grande pânico ou algo assim?”
“Sem dúvida causou...” disse Sylphiel num tom calmo. “Porém na época, eu não conseguia entender por que os adultos estavam tão nervosos, e no final, acabou dando certo a nosso favor. Foi só uma travessura de criança, afinal.”
Wow, que personalidade, hein? Quase me enganou com toda aquela fachada de boa menina...
“Ok, então vamos todos buscá-la!”
“De jeito nenhum...” Sylphiel declarou, se levantando enquanto reprimia meu discurso forte. Falando em cortar o entusiasmo. “O caminho é estreito com muitos caminhos bifurcados e muito pouco musgo luminescente para nos guiar. Se formos em um grupo grande, podemos nos separar. Seria melhor se eu fosse sozinha com um único companheiro... Hmm, Sir Gourry, poderia me acompanhar? O resto de vocês pode ficar aqui, é claro.”
“Eu?” Gourry perguntou, olhando na minha direção por algum motivo.
Era só impressão minha ou Sylphiel tinha uma queda por esse cara? Bem, gosto não se discute...
“Nós realmente deveríamos ir então. E o mais rápido possível.” Sylphiel insistiu.
Gourry se levantou aos poucos, me deu um tapinha no ombro onde estava sentada, ao seu lado.
“Não faça nenhuma loucura enquanto estou fora, ok?”
“Vou ficar bem. Confie em mim.”
“Não consigo lembrar a última vez que isso funcionou bem para mim, mas claro.”
...
“De qualquer forma, estamos indo agora. Voltaremos o mais rápido possível, ok?” Gourry disse, me dando uma piscadela estranha antes de seguir Sylphiel.
Depois que os dois foram embora, o resto de nós acabou com os cogumelos e de repente nos vimos sem nada para fazer.
“Então, o que fazemos agora?” Eris perguntou, bocejando.
“B-Boa pergunta...” Lantz mergulhou em pensamentos, com um olhar furtivo ocasional para suas pernas.
“O que mais? Nós esperamos. Tomar uma atitude imprudente agora só nos mataria.” disse Zelgadis sem rodeios.
“Porém deveríamos pelo menos pensar em algum tipo de plano...”
“Lina estava certa antes. Nossa única opção agora é esperar o inimigo vir até nós. A razão pela qual Rezo colocou a cláusula de ‘capturado vivo’ em nossa recompensa é provavelmente porque ele quer nos matar. Cedo ou tarde virá atrás de nós... E é bem provável que venha com o mínimo de subordinados possível para que os habitantes da cidade não fiquem no seu caminho. Fazer qualquer coisa além de ficar sentado seria apenas esforço desperdiçado.”
“Se está cansado de esperar, há uma coisa que podemos fazer.” sugeri.
“O quêêêê?” Lantz perguntou.
Levantei um dedo enfático e declarei.
“Colher mais cogumelos!”
———
“Ela nos deu esperanças...” Eris choramingou.
“Devia ter imaginado que seriam mais cogumelos...” Lantz rosnou.
Nós três fomos buscar uma segunda porção.
“Ah, cala a boca. Você sabe que precisamos pegar tanta comida quanto pudermos, certo? E se não quiser colher cogumelos, poderia ter dito não como Zelgadis fez!”
“Bem...”
“Eu imaginei que seria melhor do que ficar sentado...”
“Mas ainda é bem chato...”
“Então vamos cair fora!”
“Divirtam-se!”
Os dois se separaram de mim, correndo de volta na direção de onde viemos.
...
“Depois que fui gentil o suficiente para convidar vocês para virem comigo? Hmph! Tudo bem, tanto faz! Veremos se vão pegar algum dos meus cogumelos!” resmunguei, colhendo o tempo todo.
Não me chame de glutona, ok? Sou uma garota em crescimento aqui. Preciso das minhas calorias!
“Essas crianças de hoje em dia, vou te contar! Espera, eu sou uma criança de hoje em dia... Hein?”
Meu resmungo foi interrompido quando senti uma presença atrás de mim e rapidamente me virei para ver quem era.
“Lantz!” gritei, me levantando enquanto os cogumelos que estava segurando na minha capa caíam no chão.
Ele estava de pé com a mão direita contra a parede, como se estivesse instável em seus pés. Ele tinha se machucado? Estava cobrindo seu olho esquerdo e sua testa com a outra mão, sua expressão era de dor.
“O que aconteceu?” gritei, correndo até ele em pânico. Um arrepio agourento percorreu minha espinha.
“São eles...” Lantz sibilou.
“Onde?”
Eu me inclinei para frente, porém outro arrepio percorreu minha espinha e instintivamente me afastei. Nem um segundo depois, senti uma dor ardente em meu abdômen, logo à esquerda do meu umbigo.
O... O quê?
Me apressei o máximo que pude para me afastar, encostando minhas costas na parede enquanto sentia um grito murchar em minha garganta. Lantz estava segurando uma faca ensanguentada em uma mão. Havia um leve sorriso em seu rosto... E um rubi vermelho brilhante incrustado em sua testa.
“Isso mesmo. Sou eu...” disse uma voz da direção oposta. Eris tinha se posicionado atrás de mim em algum momento. Ela estava sorrindo como Lantz, e tinha um rubi idêntico embutido logo abaixo de sua bandana. Também estava segurando uma faca grande.
“Eu, Vrumugun!” Lantz declarou, gargalhando.
O ferimento que fez no meu estômago latejava com uma dor lancinante. Tanto sangramento não iria parar sozinho...
“Yeek!”
Lantz lançou outro ataque em mim e desviei com um o mínimo de esforço... Pelo menos, esse era o plano, contudo cambaleei logo em seguida e perdi o equilíbrio. Ainda consegui desviar do ataque, no entanto a facada inicial tinha me causado mais danos do que imaginei. Estava começando a afetar meu tempo de reação.
Se não desse um rápido jeito nesses dois, as coisas ficariam feias para mim. Mesmo assim, não posso apenas matar pessoas que estavam sendo controladas...
Fiquei de olho neles enquanto se aproximavam, e simultaneamente comecei a entoar um feitiço silencioso de sono.
“Nem tente!” Lantz gritou enquanto se lançava.
Consegui desviar de novo, entretanto isso me forçou a interromper meu canto. Tentei retomar, mas...
Blugh!
Senti um nó quente de algo brotando no fundo da minha garganta.
Ok... Super ruim...
“Parece que é o seu fim.” disse Eris com um sorriso fino. “Isso te acertou bem no estômago. Você não vai recitar nenhum feitiço enquanto estiver cuspindo sangue.”
Ca-Cale a boca! gritei internamente. Se perdesse a consciência agora, seria sem dúvida o meu fim.
Estendi a mão esquerda para trás e saquei minha espada curta. Enquanto Lantz se aproximava cheio de confiança, balancei a lâmina o mais forte que pude.
“Guh!”
A dor percorreu meu braço. Minha mão tremeu por um momento, e minha espada escorregou do meu aperto. Ela roçou o flanco de Lantz e ecoou alto enquanto caía mais fundo na caverna.
“Você é uma garotinha determinada, Lina Inverse. Apenas desista e deixe Vrumugun te matar!”
Eris, que havia pregado meu braço da espada com uma pequena pedra, preparou sua faca vagarosamente e avançou em minha direção também. Dei um passo trêmulo para trás. Meus joelhos dobraram. Perdi o equilíbrio e caí.
Não consigo me levantar! Esse foi meu último pensamento antes de tudo ficar preto.
———
A próxima coisa que eu soube foi que estava cercado por luz. Havia sombras gritando ao meu redor.
Cale a boca... Tentei sussurrar, porém tudo o que saiu foi uma tosse.
Uma das sombras olhou para o meu rosto e disse algo. Acho que entendi. Parecia estar me dizendo para não tentar falar.
Foi então que percebi que mal conseguia ver alguma coisa. Mantive meus olhos desfocados fechados por um tempo, então, depois de um tempo, aos poucos tornei a abri-los. Quando o fiz, as silhuetas ao meu redor gradualmente tomaram suas formas adequadas.
Sylphiel?
Seus olhos estavam fechados e ela estava fervorosamente cantando um feitiço... Ressurreição. O nome não era muito preciso, pois não trazia ninguém de volta à vida. Morto é morto, afinal.
Você pode estar familiarizado com uma versão inferior do feitiço, Recuperação, que todos os sacerdotes e a maioria dos feiticeiros viajantes conheciam. Isso me incluía. Havia alguns guerreiros, bardos e até mascates que o tinham em seu repertório também. Qualquer um poderia aprender em sua igreja local em troca de uma pequena doação.
Todavia Recuperação apenas acelerava a cura natural, o que significava que a resistência da pessoa ferida ainda desempenhava um papel vital no processo. O que Sylphiel estava fazendo, no entanto, era puxar poder da área ao redor e canalizá-lo para o meu corpo usando-se como um canal. Assim, com a Ressurreição, você poderia curar alguém além do que eles poderiam se curar por conta própria. Se usado por um conjurador de alto nível em conjunto com outras magias, poderia até regenerar braços e pernas perdidos.
O fato de ela o estar lançando deixou bem claro o quão perto da morte acabei de passar.
“Já acordou, Lina? Tudo bem? Não dói muito, dói?” chamou meu autointitulado guardião, Gourry, com uma voz preocupada.
Devolvi a ele um aceno firme.
Atrás de mim, Zelgadis estava observando em silêncio. Lantz e Eris estavam mais atrás, os rubis agora haviam desaparecido de suas testas. Lantz parecia querer chorar, e até Eris parecia desanimada.
Eu não sabia exatamente o que tinha acontecido, mas de uma forma ou de outra, parece que estava segura.
“Um pouco depois que vocês saíram, ouvi o som de aço se chocando.” Zelgadis explicou enquanto continuava a me vigiar. “No começo, pensei que era só minha imaginação, porém meu estômago não parava de revirar... Então, vim dar uma olhada e encontrei aqueles dois com rubis na testa e você no chão. Nocauteei eles rápido e os amarrei para que não pudessem se mover... Contudo você já estava bastante ferida. Não sabia o que fazer. Por sorte, Gourry e Sylphiel retornaram mais cedo do que imaginei.”
Ao que parece, o barulho que minha espada fez quando a deixei cair fez Zel vir correndo.
Hein? Mas nesse caso... Espere um minuto...
“Lantz e Eris se lembram de ficarem com muito sono... E então nada até que Sylphiel removeu os rubis de suas testas.”
“Fiquei preocupado com você.” Gourry disse gentilmente.
“Hmm...” devolvi a ele um pequeno sorriso.
“Desculpe...” Lantz disse do fundo do grupo com uma voz verdadeiramente torturada.
Ainda sorrindo, acenei para Lantz. Não era sua culpa. O verdadeiro vilão aqui era Vrumugun, colocando aquele rubi na testa e controlando-o como uma marionete!
Depois disso, a sala ficou em silêncio, exceto pelo canto de Sylphiel, que continuou a ecoar pela caverna. Sem nada melhor para fazer, apenas deixei meu olhar vagar até que meus olhos pousaram em uma espada que Gourry estava segurando.
“É isto...?” comecei a perguntar, as palavras escapando dos meus lábios.
“Parece que já se recuperou o suficiente para falar agora.” Sylphiel disse com um suspiro enquanto pausava por um momento seu canto. “Contudo tente não falar muito. Quanto à espada... De fato, essa é a arma sagrada nascida de Flagoon. Nós a chamamos de Lâmina Abençoada, e...”
“Explicações depois...” Zelgadis disse, seu tom tão profissional como sempre. “Nossa primeira prioridade é a recuperação de Lina. Se Vrumugun sabe que estamos aqui, é só uma questão de tempo até que seus aliados venham correndo. Então, quando puder se mover, sairemos daqui o mais rápido possível.”
“Bom, não posso permitir isso!” gritou uma voz de longe. Estava abafada pelo eco da caverna, no entanto era inconfundivelmente ele... Rezo! “Vocês podem me ouvir? Eu ouço suas vozes, entretanto o eco torna muito difícil rastreá-las... Não estou com muita vontade de procurá-los, então vou abrir um caminho até vocês. Tenham cuidado, pois pode ser perigoso.”
Um momento de silêncio se seguiu.
“Pro chão!” Gourry então gritou, sentindo o que estava vindo.
Todos caíram no chão e, naquele mesmo instante, uma luz muito mais brilhante do que o musgo luminescente atravessou a caverna em forma de domo onde estávamos amontoados.
Sabia. Isso confirmou todas as minhas suspeitas.
Olhei para cima e vi um buraco grande o suficiente para um humano... Não, um grande o suficiente até para um ciclope passar sem se abaixar, se formar bem ali perto. Gourry se levantou para olhar.
“Lantz!” ele então chamou, jogando a Lâmina Abençoada para nosso amigo ruivo.
Lantz olhou para Gourry com dúvida.
“Estamos subindo. Mantenha Lina segura.”
Lantz o olhou por um tempo, porém no fim assentiu com firmeza e respondeu.
“Pode deixar!”
“Vamos, Gourry.” Zelgadis chamou como se o estivesse convidando para uma pescaria.
Com sua espada larga desembainhada na mão, Gourry se virou e caminhou sem cerimônia pelo buraco recém-aberto.
“Até mais.” ele disse, acenando de volta com a mão livre sem se virar.
“Tudo bem. Vamos dar o nosso melhor.” Gourry disse enquanto tomava seu lugar ao lado de Zel.
Um troll que apareceu de repente na frente dos dois levou um golpe da espada de Gourry, enquanto outro foi despedaçado pela magia de ataque de Zel. Os dois garotos então desapareceram mais fundo no buraco. Os sons de espadas se chocando aos poucos se afastaram cada vez mais.
“Senhorita Sylphiel.” disse Lantz. “Continue curando Lina. Quando ela puder se mover novamente, iremos nos juntar a eles.”
“Vai demorar um pouco mais. Por favor, seja paciente.” Sylphiel respondeu com um aceno de cabeça agradável.
“Oh, eu sei...” disse Eris em seguida. “Desculpe, contudo acho que vou aproveitar esta chance para fazer trilhas. Eu só atrasaria vocês de qualquer maneira, então...”
“Eris!” ela estava prestes a se levantar, entretanto meu tom forte ao chamá-la a impediu. “Não vá ainda. Há uma chance de te matarem de qualquer maneira.”
“M-Mas...”
“Não vá.” insisti.
“Sim, concordo com Lina.” disse Lantz.
E com isso, Eris finalmente cedeu e tornou a se sentar. Soltei um suspiro e então olhei para o buraco pelo qual Gourry e Zelgadis tinham acabado de sair.
“Espero que esses dois... Estejam bem...”
“Você deveria reservar essa preocupação para si mesma.”
Todos nós nos viramos ao som da nova voz para ver algo semelhante a um homem de preto parado ali... Era Vizea.
“Perdoe a intrusão, entretanto esta parece uma ótima oportunidade para acabar com vocês.”
“Não... Vai acontecer...” gemi.
Tentei me levantar, porém de repente fui inundada por uma letargia poderosa. Meu corpo não respondeu, embora a dor enfim tivesse diminuído...
“Você ainda não está pronta.” Sylphiel me avisou.
“Lantz... Desculpe, mas poderia ganhar algum tempo? Por favor. Pelo menos até que eu me recupere...”
“Claro!” ele respondeu.
Lantz então se levantou com a Lâmina Abençoada na mão. A luz da determinação brilhava em seus olhos.
“Não vou deixar ele encostar um dedo em você. Eu te devo muito... E prometi ao mano. Aquele cara...” ele disse firmemente, apontando sua espada para o mazoku. “Vai cair!”
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