domingo, 15 de setembro de 2024

Vampire Hunter D — Volume 01 — Capítulo 03

Volume 01 — Capítulo 03: O Vampiro Conde Lee

Da fazenda, ele cavalgou firme para o norte pelo noroeste por duas horas, até chegar a um local onde uma enorme e silenciosa cidadela cinzenta erguia-se no topo de uma colina, pairando ameaçadoramente acima. Este era o castelo do senhor local... A casa do Conde Magnus Lee.

Até a chuva de sol do meio-dia mudava de cor aqui, e um miasma nauseante parecia vir da extensão mórbida de terra ao redor do castelo. A grama era verde até onde a vista alcançava, e as árvores estavam carregadas de frutas suculentas, mas nenhum pássaro podia ser ouvido. Ainda assim, como seria de se esperar por volta do meio-dia em um dia ensolarado, não havia sinais de vida no castelo do vampiro. Construídos para imitar os castelos da distante Idade Média, os muros eram pontilhados com inúmeras brechas. A masmorra e os pátios eram cercados por largas escadas de pedra que os ligavam, porém não havia sinal de sentinelas androides em nenhum deles. O castelo estava, ao que tudo indica, deserto.

Contudo D já havia sentido a forma noturna ensanguentada do castelo, e as centenas de olhos eletrônicos e armas cruéis que estavam à espreita de sua próxima vítima.

O satélite de vigilância em órbita geoestacionária 35.790km acima do castelo, assim como as incontáveis ​​câmeras de segurança disfarçadas de frutas ou aranhas, enviavam imagens ao computador-mãe do castelo tão detalhadas que um observador poderia contar os poros da pele do intruso. Os canhões de fótons escondidos nas brechas tinham suas travas de segurança desligadas, e estavam desenhando uma conta em várias centenas de pontos por todo o corpo do intruso.

Como a Nobreza estava fadada a viver apenas à noite, a proteção eletrônica durante o dia era uma necessidade absoluta. Não importa quanto poder místico os vampiros pudessem exercer à noite, à luz do dia eram criaturas frágeis, que poderiam ser destruídas com facilidade por um único golpe de estaca. Foi por essa razão que os vampiros usaram todo o seu conhecimento de psicologia e biologia cerebral em suas tentativas de plantar medo na mente humana ao longo dos seis ou sete milênios de seu reinado. Os resultados dessa tática foram claros: mesmo depois que a civilização vampírica já havia desmoronado há muito tempo, era raro ter um vislumbre de um por perto. Eles puderam se estabelecer no meio de seus ‘inimigos’ humanos e, como um senhor feudal, manter o domínio completo sobre a região.

De acordo com o que Doris disse a D antes de partir, os aldeões em Ransylva pegaram espadas e lanças várias vezes no passado, tentando expulsar seu senhor de suas terras. No entanto, assim que pisaram no terreno do castelo, nuvens negras começaram a girar no céu acima, a terra foi aberta, relâmpagos rugiram e, não surpreendentemente, foram derrotados antes mesmo de chegarem ao fosso.

Não cedendo às dificuldades, um grupo de aldeões fez um apelo direto à Capital e conseguiu que o precioso Corpo Aéreo Antigravidade do governo executasse uma missão de bombardeio. Entretanto, como o governo tinha medo de esgotar seus estoques de energia ou explosivos, ele não autorizaria mais do que um único bombardeio. Os escudos de defesa ao redor do castelo impediram que aquele único ataque conseguisse ser efetuado muito antes de ser forçado a voltar para casa. No dia seguinte, os aldeões foram encontrados massacrados com uma brutalidade sobrenatural e, quando os sobreviventes viram a vingança dos vampiros se desenrolar, as chamas da resistência foram apagadas por completo.

Lar do senhor feudal que provaria a lâmina de D, o castelo do qual o Caçador se aproximava era o tipo de cidadela demoníaca que mantinha o mundo com medo dos agora amplamente lendários vampiros.

Talvez tenha sido isso que trouxe um toque abatido ao rosto de D. Não, como um Caçador de Vampiros, deveria estar bastante familiarizado com as fortificações do castelo dos vampiros. Como prova, cavalgou seu cavalo sem o menor traço de trepidação até onde a ponte levadiça estava erguida. Todavia contra o senhor e seu castelo com muros de ferro, abarrotado com a eletrônica mais avançada, que chance de vitória um jovem solitário com uma espada teria?

Uma luz branca brilhante poderia queimar seu peito a qualquer momento, mas uma brisa morna apenas acariciou seu amplo cabelo preto, e logo chegou à beira de um fosso transbordando com água azul escura. O fosso devia ter quase seis metros de largura. Seus olhos correram pelas paredes enquanto ponderava seu próximo movimento, porém quando colocou a mão em seu pingente, a ponte levadiça que barrava o portão do castelo surpreendentemente começou a descer com um barulho pesado e áspero. Com uma força de sacudir a terra, a ponte foi aberta.

— É um grande prazer recebê-lo. — uma voz metálica anunciou do nada. Era uma fala sintetizada por computador, o máximo em simulação de personalidade. — Por favor, prossiga para o castelo. As instruções serão transmitidas ao cérebro da montaria do milorde. Por favor, perdoe o fato de ninguém estar aqui para cumprimentá-lo.

D não disse nada enquanto incitava seu cavalo a prosseguir.

Depois de cruzar a ponte, entrou em um grande pátio. Atrás dele, vinham os sons da ponte levadiça sendo erguida de volta, porém seguiu avançando pelo caminho de paralelepípedos em direção ao palácio sem olhar para trás.

As fileiras organizadas de árvores, as esculturas de mármore brilhando a luz do sol, escadas e corredores que levavam a lugares que não podiam ser adivinhados, tudo dava a sensação de manutenção escrupulosa por máquinas. Embora ninguém pudesse dizer há quantos milênios foram plantados ou esculpidos, pareciam tão frescos e novos como se tivessem sido colocados ali ontem. Contudo não havia sinais de que a vida continuava ali. Somente as máquinas permaneciam, e seus olhos mecânicos e flechas de fogo estavam apontados para D.

Quando seu cavalo parou diante dos portões do palácio, D rapidamente deslizou para fora da sela. As portas grossas pontilhadas com incontáveis ​​pregos já estavam abertas.

— Entre, por favor. — a mesma voz sintetizada reverberou do corredor escuro.

Uma escuridão nebulosa cercava o interior. Não que as vidraças estivessem amortecendo a luz do sol, esse efeito era resultado da iluminação artificial. Na verdade, as janelas do palácio do vampiro não passavam de ornamentação, impermeáveis ​​ao menor raio de luz.

Enquanto caminhava pelos corredores guiado pela voz, D notou que cada janela estava colocada em um nicho na parede. Seriam necessários dois ou três degraus no andaime para subir até a janela do corredor: não era possível caminhar até a janela, mas sim aparecer na frente dela. O design havia sido copiado de castelos alemães na Idade Média.

O elemento predominante da civilização vampírica era seu amor pelos estilos medievais. Mesmo em sua Capital, superiormente avançada e cheia de tecnologia, os designs de muitos dos edifícios lembravam muito os da Europa medieval. Talvez algo em seu DNA clamasse por um retorno à era de ouro que vivia em sua memória genética, uma época em que superstições, lendas e todo tipo de criaturas estranhas prevaleciam. Talvez isso explicasse por que tantos monstros e espíritos detestáveis ​​foram ressuscitados por sua superciência.

A voz levou D a uma porta esplêndida de proporções enormes. Na parte inferior da porta havia uma abertura grande o suficiente para um gato entrar e sair quando quisesse. Esta porta também se abriu sem fazer barulho, e D pôs os pés em um mundo de escuridão ainda mais profunda. Seu ar abatido desapareceu em um instante. Seus nervos, seus músculos, sua circulação... Cada parte sua lhe dizia que o tempo que ele conhecia havia mudado de repente. No instante em que sentiu o cheiro do perfume espesso flutuando por toda a sala, que parecia ser um corredor, D soube a causa. Incenso Enfeitiçador do Tempo. Ouvi rumores sobre essa coisa. Quando avistou o vago par de silhuetas esboçadas por chamas tênues no outro extremo do vasto salão, sua suspeita se tornou convicção.

As silhuetas emitiam uma aura medonha que fez até mesmo as feições inigualáveis ​​de D enrijecerem com tensão. Ao lado de uma forma esbelta, que ele sabia à primeira vista ser feminina, estava uma figura de notável grandeza vestida de preto.

— Estávamos o esperando. Você é o primeiro humano a chegar tão longe inteiro. — dos cantos dos lábios vermelhos que soltaram essa voz solene, surgiu um par de presas brancas. — Como nosso convidado, merece uma apresentação. Eu sou o senhor deste castelo e administrador do Décimo Setor de Fronteira, Conde Magnus Lee.



O Incenso Enfeitiçador do Tempo poderia ser chamado de composto químico definitivo nascido das necessidades fisiológicas dos vampiros.

Na maior parte, as informações e rumores que as pessoas passavam sobre a fisiologia desses demônios, as várias histórias contadas desde tempos imemoriais, eram essencialmente verdadeiros. Contos bizarros sobre se transformar em morcegos, se transformar em névoa e desaparecer, e assim por diante... Histórias de que havia vampiros que podiam fazer tais coisas e outros que não podiam eram tomados como fatos. Assim como na sociedade humana a habilidade variava de acordo com a disposição de um indivíduo, também entre os vampiros havia alguns demônios que controlavam livremente o clima, enquanto outros demônios tinham maestria sobre animais inferiores.

Muitos aspectos da fantástica fisiologia dos vampiros, no entanto, permaneceram envoltos em mistério.

Por exemplo, a razão pela qual dormiam de dia, mas acordavam à noite, permanecia obscura. Mesmo envolto pela escuridão em uma câmara secreta que bloqueava toda a luz possível, o corpo de um vampiro ficava rígido com a chegada daquele amanhecer invisível, seu coração sozinho continuava a bater enquanto caíam no sono ofegante da morte. Apesar de um esforço concentrado de explicação abrangendo milhares de anos e investindo a essência de todos os campos possíveis da ciência... Ecologia, biologia, fisiologia cerebral, psicologia e até superpsicologia... Os condenados não conseguiam lançar um pouco de luz sobre a verdadeira causa de seu sono. Como se dissesse, aqueles que viviam na escuridão eram negados até mesmo os raios de esperança.

Nascido da pesquisa desesperada dos vampiros, o Incenso Enfeitiçador do Tempo era um meio de superar suas limitações.

Onde quer que seu cheiro pairasse, o tempo se tornaria noite. Ou melhor, pareceria ser noite. De certa forma, os efeitos temporais normais foram tão alterados por esse composto químico, que o incenso fez o próprio tempo parecer hipnotizado. Na luz brilhante do sol do início da tarde, a grama do luar que floresce à noite abriria suas lindas flores brancas, as pessoas cochilariam e permaneceriam dormindo indefinidamente, e os olhos dos vampiros brilhariam com uma luz penetrante. Devido à extrema dificuldade de encontrar e combinar os componentes, o incenso era muito difícil de ser produzido, porém rumores se espalharam por todos os cantos da Fronteira sobre Caçadores que forçaram sua entrada em um local de descanso de vampiros quando o sol estava alto apenas para serem brutalmente emboscados por Nobres que por acaso tinham alguns à mão.

Lá, na falsa noite, D enfrentou o senhor feudal das trevas.

— Seu tolo, veio aqui esperando nos encontrar dormindo? Como conseguiu parar minha filha, acreditei que era um oponente mais forte do que os insetos usuais, e permiti esse encontro. Entretanto, ao adentrar no inferno mais negro sem nem mesmo suspeitar do perigo que o aguardava, posso ter tido um grave erro em minha avaliação.

— Não. — disse uma voz que ele já tinha ouvido antes. A figura ao lado do Conde era Larmica. — Este homem não demonstra o menor traço de medo. É um sujeito muito exasperante e deliciosamente insolente. A julgar pela habilidade que demonstrou na noite passada ao causar um ferimento grave em Garou, não poderia ser nada além de um dampiro.

— Humano ou dampiro, continua sendo um traidor. Um bastardo gerado por um de nossa espécie e um mero humano. Diga-me, bastardo, você é um homem ou um vampiro?

Para esta pergunta desdenhosa, D deu uma resposta diferente.

— Eu sou um Caçador de Vampiros. Vim aqui porque as paredes se abriram para mim. Você é o demônio que atacou a garota da fazenda? Se for, vou matá-lo aqui e agora.

Por um momento, o Conde ficou sem palavras pelos olhos brilhantes que o perfuravam na escuridão, todavia um instante depois pareceu indignado. Sua risada soou alto.

— Me matar? Está esquecendo seu lugar. Não percebe que a única razão pela qual permiti que viesse até aqui é porque minha filha disse que seria uma vergonha matar um homem como você, que deveríamos persuadi-lo a se juntar a nós no castelo e torná-lo um de nossa espécie? Não tenho ideia de qual dos seus pais era da nossa espécie, contudo a julgar pela fala e conduta de seu filho, é óbvio que não passava de um palhaço sem noção de sua própria posição. Isso é uma perda de tempo. Dampiro, vergonha de nossa raça, prepare-se para encontrar seu criador.

Tendo rugido essas palavras, o Conde levantou sua mão direita para atacar, no entanto foi interrompido pela voz de Larmica.

— Por favor, espere, pai. Permita-me falar com ele.

Agitando a cauda de um vestido azul-escuro bem diferente do que usara na noite anterior, Larmica se colocou entre o Conde e D.

— Vocês vêm do mesmo sangue nobre da nossa família. Apesar do que o Pai disse, nenhum filho de um vampiro de origem humilde poderia possuir tal habilidade. Quando peguei o projétil que atirou em mim, pensei que meu sangue congelaria.

D não disse nada.

— O que me diz? Não vai se desculpar com o Pai por seu discurso arrogante e se juntar a nós aqui no castelo? Que razões tem para nos perseguir? Ser um Caçador é um trabalho que lhe justifica vagar pelas planícies indomáveis ​​com roupas tão surradas? E o que dizer dos miseráveis ​​humanos que tanto se esforça em proteger... Que tipo de tratamento recebeu dos humanos que deveriam lhe ser gratos? Eles o aceitaram como seu semelhante?

No crepúsculo profundo e desconhecido do salão, a voz da bela jovem fluía sem hesitação. Seu semblante altivo e dominador não mudou desde a noite anterior, entretanto era de se perguntar se D notou as sombras tênues de súplica e desejo que se agarravam a ela.

Dampiro, uma criança nascida da união entre um vampiro e um humano. Não poderia haver existência mais solitária ou odiosa do que essa. Sob condições normais, os dampiros não eram diferentes dos humanos, relativamente livres para trabalhar à luz do dia. Todavia quando irritados, atacavam com o poder profano de um vampiro, matando e mutilando à vontade. O mais detestável de tudo eram os impulsos vampíricos que herdaram de um de seus pais.

Com base em seu conhecimento inato e íntimo dos pontos fortes e fracos dos vampiros, muitos escolheram se tornar Caçadores de Vampiros para ganhar a vida na sociedade humana. O fato era que eles demonstravam um nível de habilidade muito acima dos meros Caçadores humanos, mas fora da caça, eram quase condenados ao ostracismo pela humanidade e mantinham distância. Por vezes, sua natureza vampírica despertava tão poderosa ansiedade que os próprios não conseguiam suprimi-la, fazendo com que ansiassem pelo sangue das pessoas que dependiam deles.

Assim que um dampiro terminava um trabalho, as pessoas que mal o toleravam enquanto cumpria sua missão o expulsavam com pedras, seus olhares cheios de malícia e desprezo. Com o cruel sangue aristocrático da Nobreza e o sangue brutalmente vulgar dos humanos, os dampiros eram atormentados pelos destinos duplos da escuridão e da luz; um lado os chamava de traidores enquanto o outro os rotulava de demônios. De fato os dampiros, como o Holandês Voador¹ amaldiçoado a vagar pelos sete mares por toda a eternidade, levavam uma existência abominável.

E ainda assim, Larmica estava dizendo tudo o que podia para fazê-lo se juntar a eles. E prosseguiu.

— Não pode ter uma única reminiscência agradável de sua vida como Caçador. Nesses últimos tempos, os insetos na aldeia têm sido bastante turbulentos. Em algum momento, sem dúvida enviarão um assassino como você. Se meu pai e eu tivéssemos um indivíduo robusto como você agindo como uma espécie de guarda quando o fizerem, nos sentiríamos mais seguros. O que diz? Se estiver inclinado, podemos até mesmo torná-lo um de nós, no real sentido.

O Conde estava pronto para explodir de raiva com as palavras de sua filha, enquanto olhava com olhos sonolentos e luxuriosos para o imóvel D. Porém antes que pudesse dizer algo, ouviu uma voz baixa.

— O que planeja fazer com a garota?

Larmica riu encantadoramente.

— Não ultrapasse seus limites. A mulher logo pertencerá ao Pai, alma e tudo. — e então, encarando fixa seu pai com um olhar cortante e bastante irônico, ela disse. — Acredito que o Pai deseja torná-la uma de suas concubinas, contudo não posso permitir. Vou drenar sua última gota de sangue, então deixá-la para os vermes humanos despedaçarem e queimarem.

Suas palavras pararam de repente. Os olhos do Conde emitiam luz de sangue. O temível pai e filha noturnos presumiram através de seus sentidos sobrenaturalmente afinados que o oponente trivial diante deles, o jovem que estava preso como o proverbial rato, estava se transformando rapidamente. Estava se tornando a mesma coisa que eles!

— Ainda assim você não consegue compreender. — Larmica repreendeu. — O que pode resultar dessa obrigação que tem para com os vermes humanos? Aqueles servos não pouparam esforços para exterminar toda e qualquer criatura viva na face da terra além deles mesmos, e conseguiram quase se exterminar por seu próprio descuido. Apenas continuaram vivendo pela caridade de nossa espécie, no entanto na primeira vez que nosso poder diminuiu, os insurgentes ficaram muito felizes em hastear as bandeiras da revolta. Os humanos, não nós, são as criaturas que devem ser expurgadas deste planeta e de todo o espaço.

Naquele momento, o Conde pensou ter ouvido uma certa frase, e sua testa franziu. As palavras murmuradas claramente tinham vindo do jovem à sua frente, entretanto desenterrou a mesma frase das profundezas de memórias distantes e meio esquecidas. A razão negava a possibilidade de tal coisa.


Impossível, pensou o Conde. Essas são as mesmas palavras que ouvi de sua alteza. Do grandioso Ancestral Sagrado de nossa espécie. Essa criatura imunda não poderia saber dessas coisas.

Ele ouviu a voz de D.

— É tudo que você tem a dizer?

— Tolo!

Os gritos de pai e filha ressoaram pela vasta câmara. As negociações fracassaram. Os lábios do Conde se curvaram em um sorriso frio e confiante. Os dedos de sua mão direita estalaram, mas uma onda de consternação surgiu em seu rosto pálido alguns segundos depois quando percebeu que as inúmeras armas eletrônicas montadas no salão não estavam operando.

O pingente no peito de D emitiu uma luz azul.

— Não sei o que tem na manga, mas as armas da Nobreza não funcionam contra mim. — deixando apenas suas palavras ali, D deu um chute no chão. Rápido como um relâmpago, não haveria como escapar de sua investida. Desembainhando sua espada no ar, sacou-a para o lado direito. Assim que aterrissou, seu golpe mortal se tornou um lampejo prateado que afundou no peito do Conde.

Houve o som de carne batendo em carne.

— Eh?

Pela primeira vez, um olhar de surpresa surgiu no semblante bonito, porém normalmente inexpressivo, de D. Sua espada longa foi parada, presa entre as palmas do Conde a cerca de vinte centímetros da ponta. Além disso, de suas respectivas posições, D estava em uma posição muito melhor para exercer mais força sobre a espada, contudo embora colocasse toda a sua força, a lâmina não se movia um centímetro, como se estivesse encravada em uma parede.

O Conde mostrou suas presas e riu.

— O que você acha disso, traidor? Ao contrário de sua esgrima vulgar, esta é uma habilidade digna de um verdadeiro Nobre. Quando chegar ao inferno, diga a eles o quão surpreso ficou!

Enquanto falava, a figura de preto fez um movimento ousado para a direita. Talvez tenha sido algum truque secreto que o Conde empregou no momento certo, ou na maneira como colocou sua força no movimento, no entanto por alguma razão, D não conseguiu tirar a mão do punho. Seu corpo foi jogado junto com a espada no centro do salão.

Entretanto...

Para sua própria surpresa, o Conde sentiu que estava sem fôlego. Não havia ossos sendo esmagados para serem ouvidos; o jovem deu uma cambalhota no ar como um gato prestes a pousar de pé no chão com a bainha de seu casaco esvoaçando ao seu redor. Ou melhor, estava pronto para pousar ali. Sem chão sob seus pés, D continuou em frente, caindo na boca escura que se abriu de repente abaixo de seus pés.

Ao ouvir o rangido de alçapões de cada lado do enorme poço de nove por nove metros voltando ao lugar, o Conde voltou seu olhar para a escuridão atrás dele. Larmica apareceu de lá.

— É uma armadilha primitiva, mas foi uma sorte para nós tê-la colocado lá, não foi, pai? Quando todos os seus alardeados armamentos atômicos se tornaram inúteis, uma armadilha de engrenagens e molas nos livrou desse incômodo.

Com sua risada encantadora, o Conde fez uma cara mal-humorada. Ele relutantemente permitiu que essa armadilha fosse instalada devido aos apelos de Larmica. Não há como ela ter previsto os eventos deste dia, o Conde pensou, porém essa garota, embora minha filha ela possa ser, parece ocasionalmente ser uma criatura além da imaginação.

Sacudindo sua careta, o Conde respondeu.

— No mesmo instante em que o atirei, você puxou a corda do alçapão... Quem, senão minha filha, seria capaz de tanto? Contudo isso foi o melhor?

— O melhor o quê?

— Ontem à noite, quando você voltou da fazenda e falou sobre o rapaz que acabamos de nos livrar, o tom da sua voz, a maneira de suas reclamações... Até eu, seu próprio pai, não me lembro de tê-la ouvido tão indignada, no entanto sua indignação continha um sentimento febril que era igualmente novo. Poderia ser que esteja apaixonada pelo canalha?

Por mais inesperadas que fossem as palavras de seu pai, Larmica exibiu um sorriso que desafiava qualquer descrição. Não só isso, como também lambeu os lábios.

— Acredita que eu poderia deixar um homem que amo cair lá? Pai, como seu arquiteto, deve saber muito melhor do que ninguém o inferno que é aquela região subterrânea. Dampiro ou não, ninguém poderia sair vivo daquele poço obscuro. Mas...

— Mas o quê?

Aqui Larmica mais uma vez fez um sorriso medonho que fez até o Conde Lee, seu próprio pai, estremecer.

— Se puder escapar de lá com nada além de uma espada e o poder de seus próprios membros, me dedicarei a ele de corpo e alma. Pela vida eterna e dez mil anos sangrentos da história da Nobreza, eu juro que o amarei... Eu amarei o Caçador de Vampiros D.

Agora foi a vez do Conde sorrir amargamente.

— É o inferno para aqueles que você despreza, e um inferno pior para aqueles que deseja. Embora não acredito que haja algo neste mundo que possa enfrentar as três irmãs e viver para contar a história.

— Claro que não, pai.

— No entanto... — o Conde continuou. — Se sobreviver e você o encontrar outra vez, o que fará se ele rejeitar suas afeições?

Larmica respondeu em um piscar de olhos. Chamas de alegria subiram de seu corpo. Seus olhos reluziam com um intenso brilho, porém estavam úmidos de lágrimas quentes, seus lábios carmesins se separaram levemente, e sua língua escorregadia lambeu seus lábios como se possuísse vontade própria.

— Nesse caso, darei o golpe mortal nele sem falta. Arrancarei seu coração e cortarei sua cabeça. E então será verdadeiramente meu. E serei sua. Provarei o sangue doce que escorre de suas feridas, e depois de beijar seus lábios pálidos e murchos, rasgarei meu próprio peito e deixarei o sangue quente da Nobreza correr por sua garganta escancarada.

Quando Larmica se despediu, seguindo sua declaração de amor horrível, ainda que fervorosa, a expressão do Conde era uma mistura de raiva e apreensão, e voltou seu olhar para o poço. Sua mão pressionou contra o lado esquerdo do peito através de sua capa. O tecido estava encharcado com sangue. Embora parecesse ter pegado a lâmina de D com maestria, mais de uma polegada na ponta havia afundado em sua carne imortal. Algum truque com a espada pode ter sido envolvido, pois, diferente de qualquer ferimento que já havia sofrido em batalha, o corte ainda não havia fechado, e o sangue quente que era a fonte de sua vida estava fluindo. Sim, esse é um homem a ser temido. Ele pode até ter...

O Conde apagou de sua mente todos os pensamentos sobre o que poderia acontecer se enfrentasse o jovem outra vez em uma batalha até a morte. Considerando as coisas que o aguardavam no mundo subterrâneo, D não tinha uma chance em um milhão de retornar à superfície.

Virando as costas para o salão, o Conde estava prestes a voltar para seu domínio escuro quando as palavras que o jovem havia sussurrado passaram por seu cérebro. Palavras que o Conde ouvira daquele ser venerável. Uma frase que poderia tornar os rostos de todo Nobre, extinto ou ainda vivo, melancólicos toda vez que fosse lembrada. Como aquele jovem poderia conhecer essas palavras?



Somos hóspedes passageiros.



Notas:
1. O Holandês Voador é um lendário navio-fantasma que teria como sina vagar pelos mares até o fim dos tempos sem poder atracar em nenhum porto. O navio é um filibote, um veleiro comum entre o final do século XVII e primeira metade do século XVIII. Esta embarcação é tipicamente holandesa, tendo sido bastante utilizada pela Companhia Holandesa das Índias Orientais.

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