Capítulo 47: Insurreição? O mundo é um lugar perigoso ultimamente...
“Vamos lá, moça. Por que não nos dá tudo o que tem enquanto ainda estamos sendo bonzinhos?”
“Se não...”
Era uma manhã agradável na estrada principal. O punhado de bandidos que havia surgido das árvores foi interrompido no meio de seus clichês habituais... Pelo meu feitiço de ataque!
Ou, pelo menos, era assim que costumava acontecer. O que realmente os silenciou desta vez foi o súbito aparecimento de uma presença nas profundezas da floresta. Ódio, tristeza, raiva, hostilidade... Era como uma mistura de todas as emoções negativas que os humanos possuíam. Miasma.
“O-O que...?”
Surgiu de repente que até os bandidos, um notório grupo composto por lerdos, se calaram enquanto começavam a examinar a área ao redor. E enquanto o faziam, recitei um feitiço em silêncio.
“Você... Acha que nossos ouvidos estão nos pregando peças?”
“Não... Tem alguma coisa ali! E está perto!”
Os bandidos sussurravam uns para os outros em tons que beiravam o estridente enquanto a presença se aproximava. Então, ouviu-se um farfalhar de arbustos rasteiros e...
“Hraa...”
“Explosão de Cinzas!”
Fwwsh! Antes mesmo de terminar seu rugido, o demônio de bronze que emergia da floresta foi reduzido a pó... Pelo meu feitiço de ataque.
———
“Cara, essas coisas continuam acontecendo dia após dia, hein?” ponderou meu companheiro, Gourry, em voz alta enquanto olhava para o céu azul-claro acima.
Depois de explodir aquele demônio de bronze, acabei com os bandidos acovardados (claro!) e me servi dos despojos do dia. Desde então, continuamos pela estrada estreita que atravessava a floresta.
“Fala daquele demônio que explodi?” perguntei.
“É. Aquela coisa.” respondeu Gourry, olhando por cima do ombro. Olhei para trás também, porém o local onde lutamos contra o demônio já estava bem longe de vista.
“Acho que está acontecendo com bem mais frequência do que antes...” sussurrei com um suspiro, incapaz de esconder minha tristeza com o pensamento.
Demônios inferiores, demônios de bronze... Eles eram o fundo do poço em termos de espécies de mazokus, e derrotei aquele último rapidinho, contudo isso não significava que deveriam ser menosprezados. Qualquer demônio era uma grande ameaça até mesmo para um espadachim ou feiticeiro comum. E sim, isolados, eram presas fáceis para alguém com a minha destreza... No entanto até eu poderia acabar em apuros se me pegassem desprevenida ou me atacassem em grupo.
Costumava-se contar com o fato de que eles raramente apareciam em grandes números... A expressão que costumava ser usada. Durante o último semestre, mais ou menos, foi justo como Gourry disse, os demônios pareciam surgir onde quer que fôssemos, causando seu tipo particular de estrago.
Por exemplo, estávamos hospedados em uma pousada, eles atacavam de repente, eu matava todos com um feitiço e então acabava tendo que pagar pelos danos dos prédios ao redor. Ou então ia atacar uma base de bandidos por diversão e dinheiro, só para encontrá-la já devastada por uma horda demoníaca errante, me forçando a lançar um Dragon Slave em uma montanha próxima para desabafar minha raiva pela perda de renda, só para acabar lidando com reclamações dos moradores locais. Só ataques aterrorizantes de todos os tipos.
E, por algum motivo, tudo acontecia cada vez com mais frequência. E sigo sem ter a menor pista do porquê. Entretanto...
Uma espécie de ansiedade nebulosa... Algo está acontecendo lá fora, começou a se enraizar no coração das pessoas.
“Huh... Acho que tem algo acontecendo.” comentei, parando quando estava prestes a passar pelo portão da cidade.
Havíamos chegado à Cidade de Telmodd, na fronteira de Lyzeille. Era um lugar bem grande e havia sido desenvolvido de forma planejada... O que soa bem legal, exceto que ‘planejado’ quase sempre equivale a ‘chato’. A única característica distintiva de Telmodd era o fato de ser toda murada, o que não era muito notável para as cidades. Mas, eh, chega de pensamentos sobre planejamento urbano.
“O que houve, Lina? Por que você parou?” perguntou Gourry, intrigado.
“Olhe.”
Apontei para o poste de pedra mais à direita que estava afixado com uma placa que dizia: ‘Atenção, todos os feiticeiros viajantes. Se não tiverem outros assuntos urgentes, por favor, reportem-se ao conselho de feiticeiros local imediatamente.’ Estava assinado pelo conselho geral de feiticeiros.
“O que isso significa?” perguntou ele, ainda perplexo, apesar da simplicidade da mensagem.
Admito que, à primeira vista, soou apenas como um pedido para que feiticeiros visitantes se registrassem. Todavia o que me chamou a atenção foi o conteúdo. Não estava pedindo para passarmos no conselho de Telmodd, e sim no conselho local. O que sugeria que se tratava de um pedido distribuído em massa. Em outras palavras, estavam procurando por muitos feiticeiros viajantes. Além do mais, a mensagem não continha sequer uma dica sobre o motivo do pedido, o que me dizia que era sério o suficiente para que o conselho não quisesse que a população em geral soubesse. Aliás, já tinha visto um aviso similar antes...
“Acho que vamos ter que dar uma olhada.” falei, passando pelo portão.
———
Nós dois nos informamos no conselho de feiticeiros, almoçamos em um restaurante local e estávamos partindo para nosso novo destino quando...
“Com licença... Você é Lina Inverse?” chamou uma voz atrás de nós enquanto caminhávamos pela rua principal.
“Talvez seja. Por quê?” respondi.
Virei-me e vi uma garota parada ali. Bem, digo ‘garota’, mas ela deve ter por volta da minha idade. Talvez até um pouco mais velha. Seus cabelos loiros são curtos e acompanhados de um par de olhos verdes, ela é muito bonita... Embora seu charme fosse um pouco atenuado pelo chapéu e capa pretos que usava, marcando-a como feiticeira, bem como pela expressão preocupada em seu rosto.
“Hum... Ouvi seu nome no conselho. Você é a Lina Inverse de quem todo mundo fala, não é?”
“Depende do que estão dizendo. Hum, não que eu vá pedir citações.”
“Bem, são só alguns boatos que... Não tenho certeza se consigo definir bem como elogiosos.”
Twitch.
“É bem provável que seja eu, então, sim...” uma veia na minha testa latejou enquanto processava aquela escolha de palavras nada lisonjeira, porém consegui responder com bastante calma.
“Preciso de um favor seu! Por favor, me leve para Crimson!”
“Ei!” gritei, agarrando sua mão e puxando-a para um beco próximo. Abaixei a voz para que ninguém mais pudesse nos ouvir. “Fale baixo! Se está pedindo uma escolta para Crimson, deve saber o que está acontecendo lá, né?”
“Sim, claro.” respondeu ela com firmeza, tentando esconder o desespero nos olhos.
O que está acontecendo na Cidade de Crimson, você pergunta? Tentativa de insurreição por uma filial do conselho de feiticeiros.
Quando disse que já tinha visto um aviso parecido com o que estava no portão da frente, não estava brincando. Foi quando um feiticeiro, servindo como ministro em um pequeno reino chamado Lagd, organizou uma rebelião usando o conselho de feiticeiros local. Eu ajudei a resolver a situação com uma colega feiticeira, e juntas salvamos o rei. O ministro foi punido e tudo terminou sem grandes danos, contudo...
Desta vez, uma insurreição estava se formando em Crimson, nos limites do Império Lyzeille. O principal conspirador era o chefe do conselho de feiticeiros local, um cargo sem muito poder político. No entanto, ao que tudo indica, ele matou o senhor local e tomou o controle da cidade. Quando a notícia chegou à capital, o imperador enviou seu exército para reprimir a rebelião.
Agora, na prática, era apenas uma questão de tempo até que eles acabassem com tudo. Entretanto, numa demonstração de boa-fé e no interesse de reforçar a confiança entre as instituições, o conselho de feiticeiros esperava lidar com a situação primeiro.
Assim, eles estavam instruindo todos os feiticeiros prontos para a batalha a partirem para Crimson. Exceto que, com todos os rumores desagradáveis circulando esses últimos dias, pediram que fôssemos em segredo para não levantar alarme. Limpar as coisas de uma forma discreta e fazer um anúncio oficial após o fato... Essa era a política preferida tanto do conselho quanto do império.
Em outras palavras, com certeza não era algo sobre o qual deveríamos estar falando enquanto estávamos no meio da avenida principal da cidade. O jeito como a garota me olhava, porém, sugeria que definitivamente tinha seus motivos.
“Ok, certo... Vamos ouvir sua história. Primeiro, qual é o seu nome?”
“Aria Ashford...” não foi ela quem respondeu, mas uma voz masculina rouca e envelhecida vinda de perto.
Virei-me surpresa ao ver uma figura sombria parada mais abaixo no beco. Ele estava vestido de preto sem adornos, com uma capa escura e capuz tão baixo sobre os olhos que era difícil distinguir seu rosto. Sua estatura era baixa, até mais baixo do que eu, talvez devido à sua postura curvada.
“Quem... É você?” perguntou Aria, incerta.
“Entendo!” disse o velho, ignorando-a. “Então este é um dos assassinos que está contratando... Para destruir Lorde Kailus.”
“Espere um minuto. Você é...?”
“Pode me chamar de Zonagein. Agora... Me mostre o que sabe fazer.”
Fwee... Um assobio agudo ecoou pelo beco sem sol. Não conseguia analisar todos os detalhes da situação naquele momento, contudo havia uma coisa da qual tinha certeza absoluta: aquele som era a declaração de guerra daquele velho.
Comecei a recitar um feitiço silencioso, Gourry desembainhou sua espada e...
“O quê?” Gourry e Aria gritaram em uníssono, atordoados.
A escuridão era... Sinuosa. Era uma visão inquietante. A sombra do beco parecia pulsar e tremer ao redor de Zonagein. Não, espere, era...
Quando Aria percebeu, soltou um grito suave, pois o que parecia uma escuridão sinuosa era, na verdade, dezenas de ratos invadindo as sombras! Não havia como eles estarem lá o tempo todo. Devem ter respondido ao assobio do velho.
“Isso significa... Que esse cara é um mestre das feras?”
Ainda assim, não era como se um bando de ratos, nem mesmo um monte deles, pudesse ser uma ameaça para mim nessa situação...
Krik. Interrompendo minha linha de pensamento, um som agudo veio do fundo do beco, como uma porta forçando as dobradiças. Ao meu lado, Gourry, que estava prestes a avançar, parou no meio do caminho. E naquele momento... Crack! Krika-crack!
“Ah...” Aria gemeu baixinho enquanto o som ficava cada vez mais alto.
Vinha das dezenas de ratos reunidos ao redor de Zonagein. Embora... Seria justo chamá-los de ratos? Os ratos que não eram mais ordinários estavam se transformando diante dos nossos olhos. Sua carne e ossos estalavam e explodiam, formando novos em seu lugar. Criaturas antes pequenas o suficiente para segurar na minha mão agora eram do tamanho da minha envergadura e estavam crescendo.
Para ser sincera, fiquei curiosa sobre no que iriam se transformar, no entanto era óbvio que não era hora para especulações. Em vez disso...
“Flecha Congelante!” troquei de alvo, pegando o feitiço que pretendia lançar em Zonagein e joguei-o sobre os ratos em transformação. Uma dúzia de raios de gelo congelaram as criaturas uma após a outra.
Pelo menos, esse era o plano. Mas... Fwifwifwish! Cada um dos meus projéteis frígidos se dissipou em um anticlimático impacto!
“De jeito nenhum!” gritei, chocada.
Que tipo de criatura poderia repelir Flechas Congelantes assim? Só sabia uma resposta. Demônios.
“Hehehe... O que acha? Uma visão rara e bela, hmm?” disse Zonagein, como se confirmasse minhas suspeitas. Ele sorriu para mim confiantemente, cercado pelos demônios inferiores que havia forjado dos ratos.
———
Krakoom! Houve uma explosão repentina de fogo, seguida um segundo depois pelos gritos dos transeuntes.
Gourry, Aria e eu tínhamos acabado de saltar para a lateral do beco quando uma chuva de Flechas Flamejantes (cortesia dos demônios inferiores) disparou na avenida principal. Por sorte, os danos colaterais foram reduzidos ao mínimo, pois... Talvez devido à hora do dia, não havia muitas pessoas por perto.
“Corram!”
Assim que gritei, os demônios inferiores surgiram na rua. Isso desencadeou uma nova onda de gritos, e os poucos transeuntes que seguiam presentes saíram correndo em pânico.
Certo! Agora que estávamos em campo aberto, podíamos lutar!
“Gourry! Me ajude!” comecei a recitar um feitiço.
“Pode deixar!” Gourry avançou, espada em punho, contra a horda de demônios menores.
“Hraaagh!” parecendo perceber a ameaça iminente, um dos demônios inferiores soltou um uivo que conjurou uma dúzia de Flechas Flamejantes. Porém antes que pudesse dispará-las...
Swsh! Gourry saltou, cortando o estômago da criatura com sua espada!
“Graaagh!” o demônio deu seu último grito e caiu, suas flechas flamejantes se dissipando em nada.
Um a menos!
“Incrível!” comentou Aria da lateral, maravilhada com a esgrima de Gourry.
Contudo não era hora de ficar observando de olhos arregalados! Ainda faltavam muitos demônios para darmos conta. Na verdade, já estavam se espalhando pela rua.
Gourry cortou um segundo, e quando derrubou um terceiro, eu já tinha terminado meu feitiço.
“Bram Blazer!”
Este era um feitiço que enviava uma luz azul penetrante através do alvo. Parecia uma onda de choque para os seres vivos, enquanto causava danos sérios tanto aos mortos-vivos quanto aos demônios. No geral, deixaria estes últimos em um mundo de dor, no entanto está gracinha foi amplificada. A luz azul que lancei voou através de vários demônios que colocavam suas cabeças para fora do beco e...
“Graaaaagh!” eles desabaram com um grito. Essa pequena façanha chamou a atenção de vários outros demônios que estavam focados em Gourry.
“Aria! Sai da frente!” com essa deixa, saquei a espada curta do quadril e saltei para frente enquanto entoava um cântico baixo.
“Hragh!” uivou um demônio inferior em meu caminho, produzindo uma saraivada de Flechas Flamejantes que caíram sobre mim como uma chuva.
Desviei de todas com um leve salto para o lado e...
“Lança Elemekia!” lancei o feitiço em que estava trabalhando. Enquanto observava com o canto do olho para garantir que atingisse o alvo, me virei e comecei meu próximo encantamento.
Demônios inferiores eram fortes e resistentes, com poder mágico de sobra, no entanto o trabalho em equipe estava além de suas capacidades e eram bem estúpidos, assim seus ataques eram bastante mecânicos. Gourry e eu sempre tínhamos que ficar atentos contra um enxame desses malditos, entretanto, por outro lado, não eram tão assustadores, contanto que fôssemos cautelosos.
Logo...
“Assher Dist!”
Kra-pash! Meu feitiço vaporizou o último demônio inferior. Só sobrou aquele tal de Zonagein!
“Oho... Vocês acabaram com todos bem rápido. Impressionante, sem dúvida.” disse uma voz lá de cima.
Surpresa, olhei para cima e vi a pequena figura negra empoleirada no topo de um telhado próximo. Ele devia ter usado Levitação ou algo assim para subir lá enquanto estávamos eliminando os demônios.
“Por que não para de assistir e desce?” gritei. “Queria nos testar, certo? Se os demônios inferiores não deram conta, não significa que é hora de você mesmo lutar contra nós? Ou subiu aí porque está com medo?”
“Não, não... Eu apenas gosto de grandes alturas. Sabe o que dizem sobre fumaça e tolos?” ele ignorou minha provocação com calma, até mesmo acrescentando um pouco de autodepreciação à mistura.
Droga... Acho que a idade realmente vem com a experiência.
Enquanto olhava para o velho, Gourry deu um passo tranquilo para a frente.
“Nesse caso, por que não subimos e nos juntamos a você?”
“Não faça isso!” intervi, meus olhos ainda fixos em Zonagein. Gourry parecia achá-lo insignificante... Porém eu o via de forma diferente.
Demônios inferiores e de bronze eram criados invocando mazokus de nível inferior do plano astral em pequenos animais irracionais, transformando-os no processo. Antes, Zonagein havia chamado a população local de ratos para si primeiro, alimento para um enxame instantâneo de demônios inferiores. Até um invocador ‘muito bom’ comum só conseguiria reunir um punhado de demônios por vez, o que sugeria uma habilidade excepcional sua parte.
Seria fácil voarmos até o telhado, contudo nossas ações seriam bastante limitadas enquanto estivéssemos no ar. Zonagein deve ter talentos além da simples invocação, e sem dúvida gostaria de usá-los enquanto estivéssemos comprometidos. Foi por essa razão que tentei atraí-lo, no entanto como não mordeu a isca...
“Bem? Não vão vir?” ele provocou.
“Não!” respondi secamente.
“Hmm... Entendo. Que pena. Bom, faz pouca diferença para mim!” disse o velho com sua calma habitual. “Entretanto têm certeza de que podem dizer o mesmo de vocês mesmos? Se eu quisesse, poderia transformar todos os ratos, gatos e cachorros desta cidade em demônios.”
“Ah, é? Vai lá, tanto faz. Não me importo.”
Minha resposta casual por fim pareceu abalar Zonagein.
“Hã? Acha que estou blefando, não é? Ou acha que consegue lidar com milhares de demônios inferiores de uma vez?”
“Nenhum dos dois!” declarei, levantando um dedo decisivamente. “O que estou dizendo é que vamos só te ignorar e o que fizer e ir embora!”
“O quê?” Gourry, Aria e Zonagein gritaram em uníssono.
“E-Espere um minuto! Que diabos...” o velho no telhado se irritou.
Todavia, fiel à minha palavra, me virei e comecei a correr.
“Vamos, Gourry, Aria. Vamos sair daqui. Enquanto o velho estiver brincando no telhado, vamos para Crimson e derrotar aquele presidente perverso do conselho.”
“Ei, volte aqui! Se não voltar... Hmm... Vou destruir a cidade inteira!”
“Acho que está tentando nos dizer alguma coisa...” murmurou Gourry.
“Ah, ignore-o. É só outro velho desabafando como sempre.”
“Tem certeza?”
“Mas... Ele disse que destruiria a cidade.” objetou Aria.
“Não se preocupe, Aria. Só está falando para se fazer o centro das atenções!” eu disse sem me virar.
A verdade é que também não estava blefando. Tinha meus motivos para pensar assim.
O fato de ele ter ignorado minhas tentativas anteriores de provocação sugeria que Zonagein não era o tipo de cara que perdia a calma e agia de forma descuidada. Além do mais, logo no começo, disse que queria ver o que poderíamos fazer. Isso significava que seu verdadeiro objetivo ali era nos avaliar. Não destruiria uma cidade num acesso de raiva.
“E-Espere! Volte aqui, eu disse! Como pode ser tão irresponsável? Os jovens de hoje em dia...”
Sem olhar outra vez para o velho resmungão no telhado, nós três deixamos a Cidade de Telmodd comendo poeira.
———
“Certo, Aria. Qual é a situação?” perguntei.
“Bem, fico feliz em explicar, no entanto... Por que aqui?” Aria perguntou baixinho em resposta.
Logo depois dos limites da cidade, saímos da estrada principal e entramos em uma floresta de tamanho moderado ali perto. Não parei para fazer perguntas até estarmos bem adentro.
“Por que mais? Me parece óbvio que aquele Zonagein viria atrás da gente assim que descesse do telhado. O mais provável é que vasculhasse a estrada de Telmodd para Crimson, o que significa que acabaria nos alcançando se tivéssemos permanecido na estrada. É claro que ainda vamos para Crimson... Vamos nos esconder aqui um pouco primeiro e conversar, e depois seguiremos no nosso próprio ritmo quando o velho já tiver passado.” expliquei, estendendo minha capa em um pedaço de grama e me sentando.
“Ah... Entendi.” disse Aria, concordando.
Em contraste, Gourry estava cético.
“Sabe, Lina, se aquele velho não vier atrás da gente, não estaremos só perdendo tempo?”
“Deixe-me colocar desta forma, Gourry. Você prefere ir direto para Crimson e correr o risco de acabar com demônios inferiores à solta?”
“Bem, não...”
“Certo? Então aqui estamos. Está pronta para explicar, Aria? Por que está ansiosa para chegar a Crimson, e por que aquele Zonagein está te perseguindo?”
“Bom...” ela estendeu a capa e sentou-se. Olhou para baixo por um momento, imersa em pensamentos, e quando enfim olhou para cima de novo, falou com muita franqueza.
“Preciso salvar minha irmã mais velha.”
———
O nome da irmã, disse Aria, era Bell. Ela era uma mulher gentil e bonita que Aria tinha orgulho de chamar de família. Bell havia conhecido um homem e se apaixonado. Se este fosse um conto de fadas, eles teriam se casado e vivido felizes para sempre... Mas, infelizmente, a realidade não segue as regras.
Um dia, Kailus, o chefe do conselho de feiticeiros de Crimson, que já havia sido casado, apaixonou-se por Bell à primeira vista. Kailus tinha grande influência, e sua liderança no conselho e suas habilidades como feiticeiro eram prodigiosas.
Porém ele era considerado carente do que alguns chamariam de graças humanas. Apesar de seu prestígio nos círculos de feitiçaria, não era uma pessoa muito querida. Havia um motivo para sua esposa tê-lo deixado.
Além de tudo isso, Bell tinha dezenove anos, enquanto Kailus tinha bem mais de quarenta. Ninguém achava que tivesse chance de cortejá-la, contudo Kailus a perseguiu mesmo assim. Bell o recusou porque estava noiva... No entanto não demorou muito para que seu noivo morresse em circunstâncias misteriosas.
Correram rumores de que Kailus havia matado o homem para tomar Bell para si, tudo isso fazendo parecer um acidente. Ninguém sabia quem começou os boatos, embora todos presumiam que Bell jamais se importaria com um homem com tantas suspeitas pairando sobre ele. Exceto...
“Pouco depois, minha irmã se casou com Kailus.” sussurrou Aria, com os olhos baixos. Ela falou sem detalhes, hesitante, como se não estivesse nada feliz em compartilhar essa informação. “Perguntei por quê, mas ela não quis me contar... Só me lançou um olhar preocupado. E logo depois, parou de me ver. Porém, pelo que ouvi, não está nem um pouco feliz.”
Imagine só, pensei comigo mesma enquanto ouvia a história. Não fazia ideia do motivo pelo qual Bell teria concordado em se casar com esse tal de Kailus. Claro, não dava para descartar a possibilidade de ter se apaixonado por ele de alguma forma, contudo... Pelo que Aria dissera, Kailus parecia ser esse tipo de cara. Sabe, o tipo que tenta agarrar qualquer coisa que lhe agrade, no entanto perde o interesse no minuto em que põe as mãos naquilo. Quaisquer que tenham sido os motivos de Bell para se casar com o cara, não conseguia imaginar que suas perspectivas de felicidade fossem boas.
“Eu estava fazendo pesquisas no Conselho de Crimson...” continuou Aria. “E um dia, a caminho de lá, um mensageiro me parou, disse que minha irmã queria me ver. Ela nunca tinha me contatado daquele jeito antes, então fui o mais rápido que pude para encontrá-la. Foi quando me contou...”
“Que Kailus estava tramando uma insurreição?” perguntei.
Aria assentiu firmemente.
“O mais provável é que fosse com a intenção de envolver o Conselho. Minha irmã me disse para ir alertar outro escritório do Conselho. Sairaag costumava ser o lar do maior Conselho mais próximo de Crimson... Entretanto foi misteriosamente destruída há dois anos.”
“Ahhh!” Gourry e eu nos pegamos gritando.
Aria inclinou a cabeça para o lado.
“O que foi?”
“Ah, er. Nada, nada...”
Na verdade, nós dois... Mais ou menos... Estivemos envolvidos na destruição de Sairaag... Até agora, nunca relatei o que aconteceu ao Conselho dos Feiticeiros, não é? C-Claro, vou conseguir... Algum dia...
“Então sua próxima melhor aposta era a Cidade de Telmodd?” insisti com Aria, varrendo a parte sobre Sairaag para debaixo do tapete.
“Sim... É possível que houvesse outras mais perto, embora Telmodd fosse a única cidade que eu tinha certeza de que tinha uma filial do conselho e que sabia que poderia alcançar.”
“Entendo...”
Podia imaginar que seria bem desanimador, nessas circunstâncias, ir para uma cidade que você não conhecia bem e se perder no caminho, ou chegar só para descobrir que não tinha o que procurava lá.
“Todavia... Kailus parece ter agido antes que eu pudesse espalhar a notícia. Consegui chegar aqui e reportar ao conselho... Mas no dia seguinte, ouvi que Kailus havia assassinado o senhor local e que o exército do imperador havia se mobilizado.” Aria soltou um suspiro suave. “Pelo visto a cidade está sob o controle de Kailus agora. Não sei que forças reuniu, porém se o exército imperial estiver em ação, é só uma questão de tempo até que a cidade seja retomada. E se isso acontecer, minha irmã pode ser arrastada para essa bagunça...”
“Acho que entendi. Sua intenção é chegar em Crimson antes do exército e fazer algo sobre Kailus?”
“Sim... Claro, já teria lidado com a situação se pudesse, contudo apesar de saber usar alguma magia de ataque... O máximo que posso dizer é que estou em um nível ‘melhor que nada’. Também não tenho experiência de combate adequada.”
Sua história se confirmava. Durante nossa luta com os demônios inferiores, Aria apenas hesitou, sem saber o que fazer. Entrar em uma luta exigia um grau de experiência, coragem e entrega... Que ela simplesmente não parecia ter.
“Então esteve esperando alguém te levar de volta até Crimson... E foi aí que nós aparecemos?”
“Sei que estou pedindo muito. Sei que serei um fardo e que as coisas podem não dar certo mesmo se chegarmos lá, no entanto...” ela começou, embora parou no meio da frase.
“Ainda... Quer salvar sua irmã?” perguntei.
Aria assentiu em silêncio.
Hmm... Entendo...
Eu tinha minha própria irmã mais velha em casa... Embora, sendo franca, ela é muito mais forte do que eu. Mesmo que problemas a encontrassem, acabaria resolvendo sozinha com um sorriso no rosto. Isso tornou um pouco difícil para mim me identificar com a preocupação de Aria com sua irmã mais velha.
“Bem, vou dizer...” comecei, coçando a cabeça. “Que ouvir sua história me dá vontade de dar um soco nesse Kailus, entretanto...”
“O quê?” Aria me encarou, nervosa.
Dei uma piscadela em resposta.
“Não sei como ele é, então preciso que alguém me mostre.”
“Quer dizer...?”
“Vamos para Crimson. Juntos.”
“Muito obrigado, Senhora Lina!”
“Pode me chamar de Lina. Agora, vamos acampar aqui um pouco e depois seguimos caminho.”
“Claro!” ela concordou com um sorriso.
Imagino se percebeu que não a pressionei sobre o motivo pelo qual Zonagein estava perseguindo-a.
Kailus deve saber que Aria havia saído da cidade, todavia não deveria saber que estava em Telmodd. Mesmo assim, Zonagein a encontrou aqui. Era possível que Kailus tivesse apenas enviado um lacaio para cada cidade da região... O que me impressionou, porém, foi que Zonagein não estava lá para capturar ou matar Aria, e sim para testar a coragem dos feiticeiros que havia contratado... Ou seja, nós. Isso fica mais evidenciado pelo fato de que os demônios inferiores nem sequer a olharam durante nossa briga na cidade.
Tinha que haver mais do que aparentava.
———
No início, nossa jornada foi mais tranquila do que o esperado. Pelo que ouvimos nas vilas por onde passamos, o velho Zonagein já havia passado na nossa frente, justo como planejado.
Hah! Idiota! pensei, presunçosamente.
Pelo menos, queria poder ser presunçosa... A verdade era que não podíamos adiar uma luta com Zonagein para sempre. Poderíamos até acabar tendo de enfrentá-lo na Cidade de Crimson, onde teria muitos aliados para apoiá-lo. Havia outro problema no meu esquema complicado. De acordo com informações que obtivemos na estrada dois dias depois de deixar Telmodd, a vanguarda do exército imperial também havia passado por ali há pouco tempo. Era uma unidade de apenas duzentos soldados, então é provável que não fossem atacar Crimson, mas era um sinal claro de que precisávamos nos apressar.
E então, no quarto dia de nossa jornada...
“Não tinha como ser tudo tranquilo...” disse Gourry, parando na estrada florestal em que estávamos.
“Hã?” Aria também parou e lançou um olhar interrogativo para Gourry.
“Ele está dizendo que temos companhia.” expliquei. “Companhia que não é muito boa em esconder sua presença.”
“Bom, não tenho o costume de fazer esse tipo de coisa.” disse a voz que já esperávamos da floresta. Com o farfalhar dos arbustos, a mesma figura vestida de preto que havíamos encontrado em Telmodd emergiu.
“Ei, Mestre Zonagein. Que habilidade incrível de rastreamento tem aí. Engraçado como não percebeu que estávamos dando uma pausa na floresta depois de deixar Telmodd.”
“Vamos, vamos. Consegui encontrá-los no final, então vamos deixar para lá.” disse o velho, ignorando mais uma vez minha zombaria.
Ele parecia de fato um cara bem esperto. Sua escolha estratégica de localização também sugeria bom senso. A floresta era ótima para emboscadas, com toda aquela cobertura ao redor. Contudo explorava os pontos fortes de Zonagein de uma maneira mais específica... A vegetação densa. A natureza selvagem e extensa. As matas fervilhavam de pequenos animais, cada um, um recipiente em potencial para os poderes de invocação demoníaca de Zonagein.
Dito isto, eu não estava exatamente indefesa ali.
“Acho que você tem tão pouca fé em suas próprias habilidades que vai lançar seus demônios inferiores contra nós de novo.” zombei, tentando provocá-lo de novo.
Imaginei que também ignoraria essa e partiria direto para a invocação. Então usaria o tempo que ganhei para criar um grande feitiço meu! No entanto...
“Ah, de forma alguma. Sinto muito desapontá-la se era com isso que contava.” respondeu Zonagein, desmentindo meu plano de maneira banal. “Tendo testemunhado sua luta na cidade, sei que demônios inferiores não passariam de um incômodo para vocês. Não que me importe, é claro... É só que meu companheiro me informou que eles atrapalhariam sua luta.”
“Seu companheiro?” perguntei, franzindo a testa.
“Ah, sim. Permita-me apresentá-lo. Ouviu isso? Pare de se esconder e saia, Graymore.” chamou o velho.
Uma presença hostil e arrepiante surgiu atrás de nós.
O quê? Virei-me rapidamente e vi... Mais da floresta? Não. Com certeza havia alguém se movendo nas sombras da copa das árvores. Logo... Uma figura saiu das árvores e entrou na luz do sol da tarde.
“Um homem-lagarto?” gritou Aria em choque.
Era uma descrição adequada. Ele era coberto por escamas da cor de folhas mortas e tinha uma cauda longa, características típicas dos homens-lagarto. Entretanto tinha que haver mais nesse Graymore. Zonagein estava depositando mais fé na sua capacidade do que na dúzia de demônios inferiores que conseguia invocar, afinal. Além do mais, pelo que vi, Graymore estivera escondido atrás de nós esse tempo todo e não o tínhamos notado.
“Então, Graymore... Qual você prefere?” perguntou Zonagein.
“O espadachim.” respondeu o homem-lagarto.
Então... Fwsh! As garras em ambas as mãos se estenderam. Dez ao todo... E bem longas. A mais longa tinha o comprimento de uma espada longa, a mais curta, de uma adaga. Seriam essas as armas de sua escolha? Virei meu rosto de volta para Zonagein.
“Entendo...” disse ele. “Nesse caso lutarei com você, mocinha.”
“Suponho que sim. Mas, sabe, se vamos conversar assim, deveria ter a decência de mostrar o rosto.”
“Oh? Não percebi que estava escondendo.” respondeu Zonagein, erguendo o rosto sem cerimônia.
“Hmm...” murmurei quando vislumbrei o rosto sob o capuz. Era um velho de barba branca que talvez até fosse bem bonito quando jovem. “É uma aparência bem normal.”
“Esperava algo monstruoso?” Zonagein me deu um sorriso vacilante.
“Bem, mais ou menos...”
“Sinto muito por decepcioná-la. Não que eu tenha vindo aqui para agradá-la, é claro...”
“É, justo.”
“Porém poderíamos conversar por horas assim se quiséssemos... Vamos começar?”
“Claro!” assenti, sacando a espada curta do cinto, recitando um feitiço baixinho e avançando direto para Zonagein.
Naquele instante, o velho se virou e recuou para a floresta. Suas mãos seguiam escondidas sob a capa e não demonstrava sinais de brandir uma arma, contudo não podia ser descuidada. Sempre havia uma chance de que sacasse uma faca das dobras para atirar em mim.
Zonagein ficou de costas para mim e manteve certa distância enquanto fugia. No entanto não ia continuar nessa brincadeira de pega-pega para sempre!
“Flecha Congelante!” lancei meu feitiço completo em Zonagein.
Não era um feitiço que matasse com um golpe só, todavia seria bastante incapacitante se o acertasse. Até mesmo um golpe de raspão deveria atrasá-lo um pouco. Enquanto meus raios gélidos choviam, Zonagein se esquivou sem dificuldade, escondendo-se atrás de uma árvore.
Hmm... Imaginei que isso aconteceria.
Em uma floresta cheia de obstáculos, sabia que seria difícil acertar um golpe decente com projéteis. Sendo franca, teria considerado um golpe de sorte se uma única flecha tivesse acertado o alvo. Meu real plano era disparar algumas rajadas simples de Flechas Congelantes e fazer com que Zonagein me classificasse como o tipo que vence pela força. Então lançaria um Van Layl, que conjuraria tentáculos de gelo pelos galhos e pelo chão, para congelá-lo antes de finalizá-lo com um feitiço maior! Sendo assim, para manter o estratagema, comecei a entoar outra Flecha Congelante, quando naquele momento...
“Van Layl!”
Não foi a minha voz que ecoou pelas árvores, mas a de Zonagein.
O quê?
Videiras geladas se espalhavam em todas as direções a partir da localização atual de Zonagein, soltando um estalo gelado ao se moverem. E, claro, ‘em todas as direções’, inclusive na minha direção!
Droga! Ele me pegou de surpresa! Dei um salto para trás, porém os tentáculos continuaram a se espalhar.
Porcaria! Xinguei enquanto enfiava minha espada curta no chão. As videiras geladas se espalhando subiram pela lâmina. O que me deu um tempinho, que usei para dar meia-volta e fugir da cena.
Saí da floresta, chegando de volta ao ponto de partida. Gourry e Graymore já estavam travados em combate.
Shing! Cling! Clang! O choque de metal contra metal ecoava sem parar. Parecia que Gourry era quem estava na defensiva!
Pelo que pude perceber, Gourry tinha as habilidades superiores... Entretanto Graymore tinha dez garras de tamanhos variados na lateral. Seus movimentos pareciam esporádicos à primeira vista, contudo vinham em ondas ininterruptas. Gourry mal conseguia se esquivar. Não tinha chance de virar o jogo. Toda vez que tentava se distanciar, seu adversário se aproximava para manter a vantagem.
Acreditávamos que a nova lâmina de Gourry era uma lâmina mágica poderosa, embora eu não soubesse ao certo o que ela fazia. Somando isso às suas habilidades, Gourry deveria conseguir cortar as garras de espada de Graymore com facilidade. No entanto...
Graymore deu um passo à frente e... Zwee! Algo assobiou no ar. Era sua cauda! Graymore atacou os pés de Gourry! Por sorte, Gourry saltou para trás na hora certa, o que deixou seu oponente desequilibrado e imóvel. A espada de Gourry brilhou!
Ting! Ta-ting! Ting! Várias das garras de Graymore se moveram para bloqueá-la, estalaram e saíram voando!
Agora é sua chance! Pensei, todavia, em vez disso, Gourry deu mais um passo para trás.
Fwsh! As garras quebradas voltaram ao seu tamanho original.
Aha... Definitivamente um oponente complicado. Gostaria de ter oferecido um pouco de suporte mágico, mas qualquer coisa que disparasse corria o risco de atingir Gourry. Mais importante, duvidava que Zonagein me desse margem de manobra. Conseguia sentir a sua presença logo atrás de mim agora!
Certo, então!
“Van Layl!”
Sem parar, coloquei a mão em uma árvore próxima para lançar meu feitiço e continuei correndo. As videiras de gelo que se espalhavam congelaram pelo tronco até o chão, depois a grama...
Justo quando olhei para trás, não vi sinal de Zonagein. Mesmo assim, podia sentir sua presença se aproximando.
Onde ele está? Examinei a área e...
“Acima?” olhei para cima e vi uma figura pairando no alto entre as árvores.
“Flecha Congelante!” agora foi a vez de Zonagein lançar raios de gelo.
“Bola de Fogo!”
Fwoosh! Um globo flamejante encontrou as flechas de gelo e explodiu em uma chuva de fogo vermelho.
Quanto a quem a lançou, a honra foi para... Aria? A explosão de chamas queimou as copas das árvores e Zonagein entre elas.
“Harrgh!” sua voz soou aflita além do fogo.
Certo! É agora!
Rapidamente entoei um feitiço...
“Bram Blazer!”
Disparei contra as chamas! Não consegui ver Zonagein em meio ao fogo, porém também não vi nenhuma escapatória para ele! Meu projétil azul perfurou o inferno... Contudo não mostrou sinal de acerto. Será que errei?
“Flecha Congelante!” a voz de Zonagein veio até mim de outra direção.
Quando ele... Eu me abaixei por reflexo atrás de uma árvore próxima. No entanto...
“Augh!” gritou Aria.
Droga! Pude ver Aria agachada no chão a alguma distância. Ela havia sido atingida pela Flecha Congelante, deixando sua perna esquerda congelada da canela para baixo.
Zonagein estava parado não muito longe, na orla da floresta. Como tinha chegado lá? Um feitiço de Levitação não o teria movido tão rápido...
“Uma Bola de Fogo no meio da floresta? Que imprudente.” comentou, aproximando-se lentamente de Aria. O murmúrio silencioso que se seguiu era sem dúvida um cântico.
Droga! Ele está indo atrás da Aria? Eu tinha que salvá-la, mas meu feitiço não chegaria a tempo! E a espada que poderia ter usado para desacelerá-lo estava congelada na floresta! Nesse caso...
“Bram Blazer!”
Bwoosh! De repente, sem nenhum aviso, uma onda de choque de luz azul lançou Zonagein pelos ares. Seu corpo caiu longe no chão, embora conseguiu se levantar. De volta sobre seus pés, olhou feio na direção de quem lançou o feitiço...
“Calma, calma, velhote. É dever de um homem ser gentil com belas damas.”
Nosso recém-chegado era um rosto desconhecido que assumiu uma pose um tanto pretensiosa enquanto encarava Zonagein.
“Ngh...!” o velho feiticeiro olhou entre mim e o novato e, talvez percebendo que agora estava em desvantagem, gritou para seu companheiro. “Graymore! Estamos indo!”
———
Shing! Garra e lâmina se chocaram.
“Guh!” Gourry tombou, dominado ou desequilibrado, de forma que expôs suas costas ao oponente. Graymore ergueu as garras. Porém naquele exato momento...
“Graymore! Estamos indo!” o grito de Zonagein ecoou pela floresta.
Isso o fez hesitar por um breve momento, e Gourry se virou, atacando-o com a espada na mão direita! Clink! Graymore não se abalou. O golpe de Gourry, executado de uma posição instável, foi desviado com facilidade pelas garras do homem-lagarto. Todavia...
Acompanhando o impulso do golpe, Gourry continuou se contorcendo. Um raio de luz voou de sua mão esquerda!
“Gah!” Graymore soltou um grito baixo, depois caiu de costas e ficou imóvel. Algo afiado como uma navalha estava cravado bem no fundo de seus olhos.
O que era, você pergunta? Era uma das garras que Gourry havia quebrado antes. Ele deve ter pegado a arma quando caiu, e então usou aquela finta com a espada para criar uma oportunidade para o arremesso mortal.
Isso foi planejado ou improvisado, cara? Enfim...
Ao ver Graymore cair, Zonagein recuou silenciosamente para a floresta e desapareceu. Eu teria preferido acabar com o maldito também, contudo a perseguição descuidada é a raiz de todos os ferimentos. Além do mais, estou muito mais preocupada com Aria no momento. Corri até ela e inspecionei sua perna congelada. Por sorte, suas botas e calças ofereciam um certo grau de proteção, no entanto ainda tínhamos que fazer algo a respeito, e rápido.
“Primeiro, precisamos aquecer sua perna.”
“Ei, ela está bem?” perguntou o homem desconhecido, preocupado.
Virei-me para ele e respondi.
“Tratamento primeiro. Apresentações depois.”
———
“Meu nome é Dilarr.” disse o homem enquanto jogava alguns gravetos na fogueira que tínhamos começado para aquecer Aria, bem na hora em que a adrenalina da luta estava passando.
Esse tal de Dilarr parecia ter pouco mais de vinte anos. Cabelo preto, roupas pretas, um pouco magricela... Se ele se esforçasse um pouco mais para se arrumar, poderia passar por bonito, mas seus pelos faciais desgrenhados e roupas sujas acabavam com isso.
“Ah... Obrigado por nos salvar!” disse Aria, curvando a cabeça para Dilarr enquanto aquecia a perna perto do fogo.
Ele acenou com a mão, dispensando-o.
“Ei, não foi nada. É dever de um homem salvar uma bela mulher em perigo.” respondeu, despreocupado. “A propósito, você pode me dizer seu nome?”
“Sou Aria.”
“Esses são seus assistentes?”
“Ei!” gritei com um olhar furioso.
“Mais ou menos.” respondeu Aria.
“Ei!”
“Só estou brincando.” disse Aria, acenando defensivamente enquanto eu a encarava. “Porém eles estão me ajudando. Estou a caminho de Crimson.”
“Crimson?” Dilarr arregalou os olhos. “Então... Vocês também estão atendendo ao pedido de ajuda do conselho?”
“‘Também’? É isso que também veio fazer por aqui?” interrompi.
Dilarr me lançou um olhar de soslaio.
“Só para que saiba... Quando homens e mulheres muito atraentes estão conversando, não é educado que os feios se intrometam.”
“Como é?”
“Ahh, Lina! Calma!” Gourry se apressou em me segurar antes que minha raiva ganhasse força.
“Oh, deixe-me apresentá-los. Estes são a Senhora Lina Inverse e o Mestre Gourry.” disse Aria com um sorriso, quando naquele momento...
Steppa-steppa-step! Dilarr recuou de uma forma dramática, olhando para mim aterrorizado. “L-Lina... Inverse? Q-Quero dizer... Aquela senhora Lina Inverse?”
“Como?”
“A Senhora Lina Inverse?”
“Não sei bem o que penso sobre esse artigo... Contudo sim, devo ser a garota sobre a qual já ouviu falar.” respondi com um olhar furioso.
“Yeeeeeek!” Dilarr de repente se prostrou no chão. “Por favor, me perdoe! Eu não sabia! Não tive a intenção de ofender! Me perdoe! Não me mate! Vou te dar todo o dinheiro que tenho!”
“Espere aí!”
Que tipo de histórias as pessoas estão espalhando sobre mim?
“Er... Mestre Dilarr, não precisa se assustar. Ela não é tão ruim quanto os boatos sugerem.” disse Aria com uma careta. Infelizmente, isso não me fez sentir muito melhor.
Dilarr se aproximou de Aria, agarrou seus ombros e sussurrou em um tom sério em seu ouvido.
“Não vale a pena, Aria! Não sei que circunstâncias a trouxeram até aqui, porém ficar em tal companhia... Não tem medo de pegar o Lina Inverse?”
“Eu não sou uma doença!”
“Ack! Ela me ouviu!” Dilarr rapidamente se afastou.
O que há com esse cara?
“Vamos lá, não se preocupe tanto. Estou viajando com ela há um tempo e...” Gourry começou a falar com alegria, então se calou. Após uma longa pausa, coçou a cabeça e concluiu. “Na verdade, não tenho nada.”
“Não pareça tão desesperado! Está agindo como se nada de bom tivesse acontecido desde que começamos a viajar juntos!”
“Mas Lina... Aconteceu alguma coisa boa comigo desde que começamos a viajar juntos?”
Guh... Bem... Ok, talvez não, contudo...
“E-Enfim...” me afastei dele e voltei para os outros dois. “Aria precisa ir para Crimson. Por motivos.”
“Motivos?” perguntou Dilarr.
“Sim...” Aria recomeçou sua explicação hesitante.
———
“Hmm... Entendo.”
Assim que Aria terminou sua história, Dilarr (que havia retornado à lareira) coçou o queixo com o polegar e disse.
“Nesse caso, Aria, se está indo para Crimson, deixe-me te dar um aviso. Não pegue a estrada principal para lá.”
“O quê? Por que não?”
“Bom... Como já deve ter percebido, sou um colega feiticeiro. Estou indo para Crimson a pedido do conselho. A recompensa é uma ninharia, no entanto estou com pouco dinheiro e geralmente é melhor fazer o que o conselho diz. Só tem um problema... O exército imperial está alocado a meio dia de caminhada da estrada. Parece que eles foram detidos por táticas de guerrilha de demônios inferiores e de bronze.”
Demônios? Eu me vi franzindo a testa com a notícia. Teria presumido que os ataques eram obra de Zonagein, entretanto, pelo que sabia, ele estava nos procurando. Isso significava que Kailus tinha outro invocador do seu calibre trabalhando para ele... O que, por sua vez, significava que o exército imperial poderia não ter tanta facilidade para retomar a cidade, afinal.
Enquanto refletia sobre tudo, Dilarr continuou.
“Como forma de contra-ataque aos demônios, o exército está recrutando todos os feiticeiros que passam por aqui. Como ‘voluntários’, se é que me entende. Quase me pegaram também, mas não vou receber ordens de algum militar cabeça-dura. Então, fugi e foi assim que encontrei vocês. Se quiserem ficar à frente do exército, terão que contorná-los.”
Aha... Faz todo o sentido.
“Mesmo assim... Pegar a rota panorâmica vai nos atrasar bastante. Vai levar dias até chegarmos a Crimson.” Comentei, cruzando os braços, pensativa.
Um desvio para evitar sermos convocados poderia significar que chegaríamos depois que tudo tivesse acabado.
“Na verdade...” após uma breve pausa, Aria sussurrou. “Acho que pode haver um jeito.”
***
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