Capítulo 48: Avante, hoh! Destino: o Conselho dos Feiticeiros!
Nunca estive em Crimson antes, mas já tinha ouvido falar a seu respeito. Era uma série de pequenas ilhas no meio de um grande lago, conectadas por pontes, que eventualmente se transformaram em uma cidade. Era atravessada por canais, e a maioria das viagens para lá era feita de barco. Era um destino turístico bastante popular também. Embora diziam que todos os prédios eram pintados de branco, o que me deixou com uma pergunta incômoda sobre o lugar. Ou seja, por que chamá-lo de Crimson¹? Porém...
“Aha... Então é daí que vem o nome.”
Todas as minhas dúvidas se dissiparam no momento em que contemplei a cidade do topo da montanha. A noite estava apenas raiando, com o sol começando a se pôr atrás das montanhas. A água nos canais cintilava vermelha em sua luz minguante, e os prédios assumiram um tom escarlate ardente.
É, tá, ‘Cidade de Crimson’ faz sentido agora...
“Deve ser por aqui.” anunciou Aria ao emergir do mato atrás de mim.
Sua sugestão para chegar a Crimson evitando o exército imperial foi pegar uma estrada secundária, escalar uma discreta montanha próxima para chegar à nascente do lago e então seguir o rio. Pra ser franca, parecia improvável que o exército imperial e os homens de Kailus não tivessem pensado na ideia de chegar à cidade por seus canais, contudo, de alguma forma, não encontramos nenhum deles no caminho para cá.
Veja, Crimson ficava às margens de um lago alimentado por vários rios, o maior dos quais cortava estas montanhas. Aria disse que, quando pequena, explorou várias vezes o caminho até suas nascentes com sua irmã mais velha. Pensar que aquelas aventuras de infância seriam úteis em um momento como este... Isso era um bom ou mau presságio para nós?
“Bem... É melhor irmos logo.” disse Dilarr, passando um braço presunçoso pelos ombros de Aria.
É, esse cara acabou vindo junto também. Afinal, não podia só se abdicar da missão do conselho dos feiticeiros, no entanto também não conseguia passar pelo exército imperial na estrada principal sozinho. Esse era praticamente o seu único recurso. Essa era a sua desculpa... Todavia, na prática, parecia que na verdade só queria dar em cima da Aria.
“C-Com licença, Mestre Dilarr...” ela gaguejou.
“Hmm? Oh... Heh. Você está com medo, Aria?”
“Ela não gosta, seu idiota!”
Crack! Apresentei o rosto de Dilarr ao salto da minha bota.
“Vamos lá, Aria. Precisa ser firme com esses tipos de caras, ou vão continuar insistindo.”
“C-Certo...” ela deu uma vaga resposta ao meu aviso amigável.
“Ow, ow... Sabe, acho que talvez você seja dura demais...”
“Faz parte do meu charme!” brinquei.
Dilarr ficou em silêncio, fazendo uma careta.
“De qualquer forma... Leve-nos até o rio, Aria.”
“Tudo bem!” ela concordou, nos guiando pelo mato.
Depois de caminhar mais um pouco, comecei a ouvir o som de água corrente.
“Aqui estamos.” Aria disse, finalmente parando.
“Aqui?” Gourry olhou ao redor, desconfortável. “Tá me parecendo... Uma cachoeira.”
“É!” respondeu Aria, confiante.
De fato, um enorme fluxo de água descia ruidosamente pela encosta do penhasco. Tínhamos chegado a uma saliência na metade da queda d’água, e caberia um prédio de dois andares entre onde estávamos e o rio abaixo... Na verdade, o que havia abaixo era menos um rio e mais um desfiladeiro. Vastas quantidades de água esmeralda jorravam entre suas margens.
“Não vai nos mandar pular, vai?” perguntou Gourry, cauteloso.
Aria estremeceu enquanto acenava com as mãos.
“Ah, claro que não! Tem mais duas ou três cachoeiras lá na frente. Morreríamos se fizéssemos isso.”
Aha... Isso explicava por que o exército imperial e os capangas de Kailus não estavam por aqui.
“Só temos que descer de um jeito ou de outro, e aí estaremos em Crimson.”
Certo. Então só temos que...
...
“Ei, espera um minuto!” me aproximei sorrateiramente de Aria. “‘De um jeito ou de outro’? Quer dizer que nem pensou em como vamos chegar lá?”
“N-Não, pensei! Só quis dizer que existem várias maneiras de conseguirmos. Podemos viajar pela água com Levitação, ou podemos seguir o vale pela estrada da montanha... A estrada da montanha não será fácil, mas eu conseguia lidar com ela mesmo quando criança, então não acho que será impossível para nós.”
“Sinto dizer, essas opções estão fora de questão.” falei, tentando manter um tom tranquilo.
“O quê?”
“Qualquer um dos métodos nos faria ser encontrados pelas forças de Kailus. Você e Kailus são moradores locais de Crimson. Se você conhece essas rotas, ele também deve conhecer. A estrada que mencionou não é para grupos grandes, sendo assim, ainda que o exército imperial saiba, eles não a usarão. É por isso que pode parecer que Kailus não tem ninguém posicionado ao longo da rota... Porém, à medida que nos aproximamos da cidade, aposto que haverá, no mínimo, vigias. Mesmo se viajarmos à noite, seja flutuando com Levitação ou rastejando pelos arbustos, com certeza seremos avistados. Aí eles soam o alarme e... Não direi que o jogo acabou, só que com certeza ficaremos em uma situação difícil.”
“C-Contudo... Não podemos voltar atrás. Encontrar outra rota agora levaria muito tempo.”
“Hmm...” murmurei, olhando para a água esverdeada espirrando para baixo. “Ei, Aria... Este rio é bem fundo, né?”
“O quê? Sim, claro. É fundo o suficiente para barcos navegarem se não fossem as cachoeiras.”
“Certo. Então já sei o que fazer.”
“O que faremos?” ela perguntou.
Apontei para a piscina de imersão no fundo.
“Vamos entrar na água.”
Ssshooossssssssh... Por um tempo, o único som que se ouvia era o da cachoeira.
Então...
“O quêêê...” Gourry, Aria e Dilarr gritaram juntos.
“Espera aí, Lina! Não está pedindo para a gente nadar, né?”
“Não podemos fazer isso! Como disse, tem mais cachoeiras rio abaixo!”
“Prefiro me arriscar com as forças inimigas!”
“Nunca disse que iríamos nadar, droga!” gritei por cima dos três chorões. “Quer dizer, dã! Nós morreríamos! Estou falando de usar um feitiço de Lei Asa para mergulhar em uma barreira protetora de vento! O feitiço nos garantirá um suprimento de ar e, se a água for funda, podemos mergulhar baixo o suficiente para não sermos visíveis da superfície.”
É claro que um típico feitiço Lei Asa jamais poderia transportar quatro pessoas, incluindo o conjurador... No entanto um amplificado, cortesia dos talismãs que ganhei de uma certa pessoa, deveria resolver o problema.
“Ah, seria perfeito!” exclamou Aria.
“Por mim tudo bem então.” concordou Dilarr em seguida.
“Tem certeza? Continua soando bastante imprudente...” Gourry era a única voz dissidente restante.
Eu o ignorei, é claro. Admito que sua resposta foi a mais racional das três... Entretanto, em vez de admitir, apenas sorri e disse.
“Então está decidido. Vamos partir. Vamos nos amarrar juntos. Tomem cuidado para não deixar cair nenhum de seus equipamentos na água.”
Com essa deixa, comecei meus próprios preparativos. Nem preciso dizer que recuperei a espada curta que Zonagein havia congelado em nossa luta na floresta. Não era a melhor espada, nem de longe, todavia não estava interessada em pagar por uma nova. Para garantir que não a perderia na água, amarrei o cabo à bainha e enrolei a corda no meu cinto para prendê-la toda no lugar. Prendi a corda no cinto também. Quando terminei, os outros pareciam mais ou menos prontos para partir.
“Certo... Todos prontos?” perguntei a eles.
Os três assentiram. Retribuí o aceno e comecei a recitar um feitiço baixinho. Quando estava pronta...
“Lei Asa!”
Envoltos em uma barreira de vento, mergulhamos no rio.
———
“Fui enganada! Senhora Lina, você me enganou!”
“Não fale, Aria! Ou vai morder a língua!”
Os seus gritos e de Dilarr ecoaram pela barreira de vento. Claro, entendi o impulso de gritar.
Viajar debaixo d’água em uma bolha parecia fácil, mas não era um cruzeiro tranquilo. Para começar, o fundo do rio não era plano e liso. Estava cheio de pedras e valas que agitavam a água, tornando impossível prever a velocidade e a direção que a corrente turbulenta nos levaria a qualquer momento.
Então era assim que estávamos navegando... Embora suponho que seria mais preciso dizer ‘arrastados’. Poderia desacelerar um pouco a descida quando passássemos por uma cachoeira, porém, fora isso, estávamos à mercê do rio. Provavelmente não preciso dizer como foi para os passageiros.
Dessa forma, como disse, entendia o impulso de gritar dada a nossa situação precária... Contudo não gostei das acusações de tê-la enganado. Falei que era uma viagem factível, não que seria confortável ou segura!
Em contraste com a dupla gritando, Gourry permaneceu em silêncio. Toda vez que eu olhava para ele, parecia ter uma expressão no rosto como se dissesse: ‘Ah, meu destino na vida’. Afinal, não tinha escolha a não ser aguentar até chegarmos a Crimson.
Tínhamos passado... Ou melhor, caído... Pelo que pareciam ser três cachoeiras até então. Com base na descrição anterior de Aria, imaginei que já devíamos estar nos aproximando da cidade, no entanto não conseguia nem colocar a cabeça para fora da água para olhar ao redor. Teria que trazer toda a bolha para a superfície para averiguar, o que chamaria a atenção de qualquer inimigo próximo. Isso me deixou inferir nossa posição a partir do estado da água ao nosso redor.
Assim que chegássemos à cidade, a corrente deveria se dissipar e deveríamos conseguir ver sinais de vida lá em cima. O sol já estava quase se pondo, então a visibilidade não era boa, entretanto com o luar forte naquela noite, ainda era possível avistar qualquer coisa perto o suficiente.
Falando nisso, parece que diminuímos um pouco o ritmo. Examinei a área ao nosso redor enquanto mantinha o controle do meu feitiço e...
Quando olhei para a direita, fiquei em silêncio.
“Senhora Lina?” Aria notou a mudança no meu comportamento, seguiu meu olhar e...
Ela também ficou em silêncio quando o viu. O... Olho.
Na água, bem do lado de fora da barreira de vento, um único olho nos observava. Era do tamanho de um punho e acompanhava o ritmo como se estivesse nos seguindo. Para ser sincera, era meio assustador... Na verdade, era bem assustador. Não conseguia distinguir ao que estava preso, todavia podia dizer que... O que quer que fosse, estava flutuando na água atrás do olho, e era grande.
“Hum...” Aria se virou para mim, com o sorriso e a voz tensos. “Talvez... Seja um peixe?”
Não me pareceu um peixe, embora não tenha verbalizado. Em vez disso, aumentei a velocidade. Rapidamente nos distanciamos do olho, mas...
“Gwah!”
Ouvi um som estranho de respingos quando Dilarr gritou. Olhei e vi vários tentáculos verdes rompendo a barreira de vento por trás, serpenteando como se estivessem nos procurando.
“O que...?” Gourry sacou sua espada (um feito nada fácil no espaço apertado da barreira) e cortou um dos tentáculos.
Fui estúpida! É uma cidade na água! É óbvio que eles têm sentinelas aquáticas!
“Eles nos encontraram! Vou subir!” gritei.
Ficar debaixo d’água agora era só uma desvantagem para nós, meu objetivo era nos atirar para a superfície. Porém assim que começamos a subir... Wham! Toda a barreira de vento sacudiu como se tivéssemos batido em algo.
“Senhora Lina! Acima de nós!” gritou Aria.
Olhei para cima e vi duas figuras estranhas pairando sobre nossa bolha. Com a superfície às suas costas, podia dizer com certeza que não eram peixes. Sua velocidade era incrível, disparando pela água e...
Fwsh! Duas barbatanas em forma de lâmina cortaram o topo da barreira.
“Não!” Gourry rapidamente as defendeu, contudo mesmo com sua incrível habilidade com a espada, a instabilidade na bolha dificultava o uso pleno de seus talentos.
Uma das nadadeiras defletidas começou a recuar como se estivesse intimidada, no entanto mergulhou logo em seguida em nossa direção outra vez.
“Aria! Lance Flecha Congelante!” gritei.
“Hã? Isso iria...” ela hesitou, perplexa.
Dilarr, por sua vez, começou a entoar um cântico.
“Flecha Congelante!”
As flechas de Dilarr se manifestaram fora da nossa bolha. Em outras palavras, onde as figuras se aproximavam. Claro, não sabia se o feitiço funcionaria com elas ou não... Todavia, no mínimo, deveria congelar a água ao seu redor. E, de fato, as Flechas Congelantes começaram a emanar gelo para capturar nossos atacantes e mantê-los no lugar. Presas, suas nadadeiras se desprenderam da nossa barreira enquanto acelerávamos.
Certo, agora vamos lá! Concentrei minha energia mental em impulsionar a barreira de vento, nos lançando através das profundezas e noite adentro. O céu estava brilhante e estrelado. Raios de luar brilhavam na superfície da água. Conseguia ver criaturas aladas acima, e casas envoltas em escuridão abaixo. Estávamos bem dentro de Crimson agora.
Espere... Criaturas aladas? Dei uma rápida olhada nos arredores de novo.
Nesse momento, ‘criaturas aladas à noite’ que me remetem imagens de morcegos, corujas e coisas do tipo, pairavam nos céus de Crimson. Suas asas eram de morcego, com certeza. Entretanto a criatura que lembrava uma boneca em tamanho real sem pintura carregando uma lança sem dúvida não era um morcego. O referido ser estava olhando direto para nós com seu rosto sem olhos, sem boca e sem nariz, liderando um bando de cerca de uma dúzia de outras criaturas que se assemelhavam a demônios inferiores com asas.
Oh, inferno! Uma marinha e uma força aérea?
Ainda assim, eu não tinha liberdade de movimento agora. Movimentei a barreira de vento até uma rua próxima e descartei meu feitiço de voo. Ao fazê-lo...
Sploosh! Várias criaturas surgiram da água. Estavam cobertos de escamas que brilhavam molhadas ao luar e pareciam ser uma combinação de peixes e demônios inferiores. Tinham braços e pernas com nadadeiras salientes, muito parecidas com as que haviam cortado nossa barreira antes.
“Tch!” ao avistar as figuras de peixe, Gourry desembainhou a espada e atacou.
“Espere, Gourry...”
Wha-bam! Antes que eu pudesse terminar, Gourry e eu caímos.
Tentei me levantar o quanto antes enquanto o alertava.
“Estamos amarrados juntos, lembra?”
“D-Desculpe!” Gourry se levantou com pressa, cortou a corda com a espada e disparou outra vez.
Soltei minha espada da bainha e comecei a me desvencilhar dos outros também.
Swsh! A lâmina de Gourry brilhou ao luar enquanto cortava um dos demônios parecidos com peixes.
“Hrooooo!” outro de sua espécie, um pouco mais distante, emitiu um som como se estivesse uivando para a lua. Quando o fez, dezenas de flechas gélidas apareceram diante dele!
Estas são...!
“Gourry! Hora de seguir em frente!” gritei, virando-me e fazendo exatamente isso.
Nosso atual grupo de inimigos consistia em um punhado de demônios-peixe, uma dúzia ou mais de demônios voadores e aquela coisa de boneca alada. Poderíamos derrotá-los, sem dúvida, porém levaria um tempo que não tínhamos. Reforços chegariam antes que pudéssemos terminar o trabalho. Por ora, precisávamos nos reagrupar.
“E-Ei! Lina!” Gourry disparou atrás de mim. Aria e Dilarr, como esperado, seguiram o exemplo.
Fwoosh! Enquanto corríamos, ouvi o som de asas rasgando o ar. Sentindo a hostilidade se aproximando por trás de nós, abaixei-me em um beco enquanto entoava um feitiço.
Olhei para cima e vi várias criaturas voadoras contra o céu, visíveis entre os prédios. Como suspeitei, suas envergaduras não os deixavam entrar em becos estreitos... Contudo não significava necessariamente que estávamos seguros. Eles sempre podiam atacar de cima!
“Hrooooo!” os demônios uivavam acima.
Ao mesmo tempo, lancei meu próprio feitiço! Coloquei minhas mãos na parede do beco e...
“Onda Explosiva!”
Bwam! Um buraco gigante se abriu na casa do outro lado.
“Por aqui!” gritei enquanto saltava por ela, seguida pelos outros três.
“Ei, essa não é a casa de alg...”
Antes que Aria pudesse expressar suas objeções... Crababababash! A poeira se levantou no beco. Os demônios no ar devem ter disparado uma saraivada de algum feitiço de ataque. Obviamente, já havia antecipado seu movimento, e foi por essa razão que invadi o prédio ao nosso lado.
Aria estava preocupada com os donos da casa, no entanto o lugar me parecia abandonado. Afinal, não havia nenhuma luz acesa nas janelas. Era muito cedo para dormir àquela hora, entretanto estava muito escuro lá fora para ficar vagando por dentro sem luz. E, reforçando mais minhas suspeitas, o cômodo em que havíamos saltado estava desolado. Nenhum pedaço de mobília à vista. Era difícil dizer se os donos haviam fugido da cidade quando o caos começou ou se o prédio estava desabitado há mais tempo.
De qualquer forma, a grande questão agora era o que fazer a seguir. O inimigo sabia que estávamos aqui. É provável que viriam atrás de nós em breve. Invadiriam, nos esmagando com seus números...
Ou, quem sabe...
Comecei a entoar um feitiço.
———
Algum tempo depois, os demônios desencadearam seu ataque mágico contra o prédio.
Thunk... Whumpa-whump...
“Como imaginei...” sussurrei baixinho no escuro, enquanto ouvia a comoção abafada.
“Imaginou o quê?” perguntou Aria.
“Que tentariam explodir o prédio inteiro com a gente dentro.” respondi, embora nossas circunstâncias atuais não fossem propícias para uma conversa casual. Cantei um feitiço baixinho e... “Iluminação!”
Poff! Uma pequena luz mágica apareceu na minha mão. Enfim pude ver por mim mesma que todos nós escapamos ilesos.
“E aí, Lina... Você pode nos dar um pouco mais de espaço?” perguntou Gourry. “Aqui está meio apertado.”
“Eu não tive como pensar muito nisso na hora, cara. Quer dizer, posso expandir um pouco o espaço... Porém não muito. Afinal, estamos no subsolo.”
Depois que pulamos para dentro da casa vazia, percebi que os demônios iam destruir o lugar, então usei o feitiço de escavação de túneis Bepheth Bring para abrir um buraco no chão e escapar para o subsolo. Consegui abrir um buraco do tamanho de um cômodo, contudo cavar um túnel daquele tamanho sem suportes tinha mais chances de causar um desabamento. Mesmo assim, ficar se contorcendo juntos em espaços desconfortavelmente apertados parecia estúpido. Não éramos vermes, sabe?
Recitei o cântico baixinho e...
“Bepheth Bring!”
Faixas de terra foram escavadas ao meu comando. Tive que me perguntar... Para onde exatamente ia toda aquela terra? Não que aquele fosse o momento para perguntas filosóficas. Enfim, logo teríamos espaço suficiente para todos se sentarem em círculo.
“Sheesh... Que bagunça.” falei primeiro. “Imaginei que Kailus teria seu território bem protegido, no entanto não esperava uma bandeja cheia de demônios.”
“Demônios? Quer dizer aqueles monstros piscícolas e aviários?” perguntou Dilarr, com a testa franzida.
Assenti.
“Não tenho certeza sobre aquela coisa voadora que parece uma boneca... Entretanto os outros monstros alados e suas contrapartes peixosas devem ser bastardizações de demônios inferiores. Ou talvez demônios inferiores genuínos de uma linhagem incomum. Um dos caras dos peixes conjurou Flechas Congelantes com um uivo, assim como os demônios inferiores fazem.”
Isso era pura especulação da minha parte, todavia podia imaginar que Zonagein tivesse criado demônios inferiores para servir como marinha e força aérea, fazendo-os possuir peixes e pássaros da mesma forma que fizeram com ratos em Telmodd.
Dilarr coçou o queixo com o polegar.
“Rapaz, estamos em uma ótima situação... Talvez tivesse me saído melhor se tivesse sido pego pelo exército imperial.”
“Sinto muito... Por ter te arrastado para essa confusão.” disse Aria, desanimada.
Dilarr se apressou em responder.
“Não, não estou te culpando, Aria! É que, sabe, pessoas sensíveis como você e eu não são feitas para esse tipo de coisa. Só isso.”
“Ah, é?” interrompi.
“Imagino o que isso quer dizer...” Gourry refletiu comigo.
“Err, espera! Não estou dizendo que vocês são insensíveis!” Dilarr recuou.
Esse cara ia se meter em encrenca séria algum dia...
“Tanto faz, a primeira coisa a fazer agora é descobrir como prosseguir daqui para frente.” eu disse. “Honestamente, com todos esses demônios vagando por aí, talvez seja mais fácil explodir a cidade inteira...”
“Por favor, Senhora Lina! Não faça isso! Ainda há pessoas inocentes aqui!” implorou Aria com fervor.
“E-Ela está certa! Não vale a pena! Reconsidere! Por favor!” implorou Dilarr com a mesma intensidade.
“Só estou brincando, seus idiotas!”
“Pareceu bem sério para mim...”
“Larga do meu pé, Gourry! Enfim... Se quisermos nos infiltrar na base inimiga e apenas eliminar Kailus, precisamos descobrir como chegar lá. Aria, tem alguma ideia de onde estamos em relação à onde Kailus pode estar?”
“Kailus deve estar no conselho dos feiticeiros. Porém quanto à onde nós estamos... Não conheço a cidade inteira, e não conseguiria nem ter uma ideia geral no escuro assim.”
“Então não temos nada.”
“Desculpe por ser tão inútil.” disse ela, desabando.
“Ei, não é nada demais. Contudo significa que nossa maior prioridade é nos orientar. Portanto...” comecei a entoar um feitiço.
“Espera aí, Lina. Tem certeza de que é seguro colocar a cabeça para fora?” perguntou Gourry em um raro acesso de perspicácia.
“Tem razão. Os demônios ainda podem estar por aí, não há garantia de que não seremos recebidos por um enxame deles, mesmo que esperemos um pouco. E acho que não temos muito tempo a perder, para começo de conversa.”
A entrada do buraco que fizemos provavelmente estava selada quando os demônios destruíram a casa. Poderíamos nos asfixiar se ficássemos ali embaixo por muito tempo. E mesmo que não ficássemos, os demônios poderiam ser cautelosos o suficiente para cavar os escombros e garantir que estivéssemos mortos. Se encontrassem a entrada do nosso pequeno esconderijo... Eles nos inundariam, sem dúvida, ou pelo menos é o que eu faria. De qualquer forma, suponho que ficar parados só aumentaria o perigo, então comecei a sussurrar um feitiço.
“Bepheth Bring!”
Whum! Quando toquei a parede de terra, o solo se desfez, criando um longo túnel que se estendia à nossa frente.
“Que tal continuarmos cavando, ir um pouco mais longe e depois subir em outro lugar?”
O grupo assentiu em concordância firme.
———
Que saco...
“Bepheth Bring!”
O trabalho era tão monótono...
“Bepheth Bring!”
Que estava ficando meio irritante.
“E mais um Bepheth Bring!”
Só entoando cânticos e cânticos...
Não conseguia dizer o quanto tínhamos avançado antes que a terra pela qual estávamos cavando o túnel começasse a ficar lamacenta. Ergui minha luz e, como esperado, encontrei o chão abaixo de nós encharcado. (Aliás, minha fonte de luz era um feitiço de Iluminação lançado na ponta da minha espada curta desembainhada. Normalmente, luzes mágicas não podem ser apagadas até que seu tempo acabe... No entanto se usada assim, se precisasse de escuridão, poderia só embainhar minha espada.)
“Estamos chegando à água...” resmunguei.
“Afinal, estamos debaixo de um lago. Também há canais por cima. Ah... E não queremos mesmo bater em nenhum deles, então talvez devêssemos cavar mais fundo.” propôs Aria.
“Certo. Entendi.”
Usei meu próximo Bepheth Bring para nos fazer um túnel mais para baixo enquanto continuávamos rastejando pela lama.
“Cara, isso é muito difícil...” Dilarr reclamou atrás de mim. “Minhas roupas estão encharcadas. Estou me sentindo nojento.”
“Anime-se, Dilarr. Aria e eu não estamos reclamando, estamos?”
“É, acho que não... Mas deve haver um jeito mais fácil.”
“Podemos voltar para cima do solo se quiser, entretanto se o inimigo nos encontrar, você estará por conta própria.”
“Bom, a ideia não soa exatamente atraente... Eu entendi! Só fique calado e continue rastejando, certo?”
“Bingo!” respondi, e comecei a entoar meu enésimo feitiço.
“A propósito, Lina...” interrompeu Gourry enquanto começava a entoar meu feitiço. “Tem algo me incomodando esses últimos minutos... Ei, você está ouvindo?”
Claro que sim. Todavia não conseguia responder no meio do cântico.
“O chão está um pouco diferente...”
Ah, qual é...
“Bepheth Bring!” lancei meu feitiço, abrindo uma nova seção do túnel, e respondi enquanto tateava. “Claro que está. É basicamente só lama agora.”
“Não foi bem isso que eu quis dizer...”
“Então o que voc...”
Assim que comecei a respondê-lo... Splut! Minha mão direita afundou no chão.
Hein?
E então...
Sploosh! A água inundou de baixo.
———
“Glug... Glurk...” gemi e pisquei algumas vezes. A primeira coisa que vi foi uma camada de musgo luminescente acima de mim.
Olhei para mim mesma e me levantei. Por sorte, seguia estando intacta. Gourry, por sua vez, estava deitado ao meu lado.
Olhei ao redor e vi que estávamos cercados por água. Era um lago, pontilhado de ilhas grandes o suficiente para construir uma cabana de um cômodo. Nós dois tínhamos ido parar em uma delas, e Aria e Dilarr em outra próxima. Acima de nós, todo o teto estava coberto de um suave musgo brilhante.
“Um lago subterrâneo?”
Não fui eu quem murmurou, e sim Aria, que aparentemente também estava recuperando a consciência.
Sim. Tínhamos nos encontrado em uma piscina subterrânea sob Crimson. Era a primeira vez que ouvia falar de algo assim.
“Oww... Ei, o que é tudo isso?” Dilarr perguntou enquanto também se sentava.
Lancei um olhar em sua direção e respondi.
“Suspeito que haja um rio subterrâneo alimentando essa coisa. Devíamos estar passando por cima dele quando...”
“Quando o chão cedeu?”
“Sim. Ei, Gourry, acorde logo!”
“Hmm...”
Enquanto eu o sacudia, Gourry se mexeu e soltou um gemido. Então, sentou-se sobressaltado. Olhou ao redor e seus olhos pararam em mim.
“O que eu ia dizer é que parecia que estávamos andando sobre uma tábua muito fina.”
“En... Entendo...” Cocei a cabeça, estremecendo.
———
“Também não sabia que havia um lago subterrâneo aqui...” Aria sussurrou, maravilhada, enquanto olhava ao redor. Tinha acabado de usar um feitiço de Levitação para nos reunir na mesma ilha.
A luz do musgo luminescente não era muito forte, e os pilares de pedra ao nosso redor, sustentando o teto, dificultavam significativamente nossa visão. Mas, mesmo assim, o fato de não conseguirmos ver as margens do lago... Seria maior que a própria cidade de Crimson? Conseguia entender por que uma moradora da cidade como Aria, que viveu por toda a vida, ficou tão surpresa ao descobrir que tal lugar existia. Quanto ao assunto mais urgente em questão...
“Então acho que não consegue dizer onde estamos em relação à cidade lá em cima, né?” perguntei.
“Receio que não. Desculpe.” Aria respondeu.
“Como disse, não é nada demais. Nenhum de nós sofreu um ferimento grave, o que significa que não fomos arrastados para muito longe. Porém não temos muita escolha agora... Teremos que abrir outro buraco.”
Sst! Foi naquele instante que senti uma presença surgir bem atrás de nós. Instintivamente, me virei para ver... A superfície do lago perfeitamente intacta.
“O que foi?” perguntou Aria.
Em vez de responder, comecei a entoar um feitiço. A presença que senti... Sabia que não era apenas minha imaginação. Gourry, que tinha os instintos (e a inteligência) de um animal selvagem, pareceu senti-la também. Ele desembainhou a espada e inspecionou com muita atenção a água. Então...
Avistei uma figura flutuando sob a superfície. Muitas figuras, na verdade! São eles?
Não precisei me perguntar por muito tempo, pois... Splash! Mais daqueles demônios-peixe irromperam da água parada! Suas escamas brilhavam sob o brilho do musgo luminescente. E no segundo em que apareceram...
“Congele Bullid!” a bala abaixo de zero que disparei congelou sobre uma parte do lago. Alguns dos demônios pousaram na superfície glacial, enquanto outros ficaram presos no gelo.
“Raaaaagh!” Gourry avançou em direção aos nossos inimigos, com passos leves apesar do terreno escorregadio.
Contudo os demônios não iriam ficar sentados ali, sendo abatidos. “Hrooooo...!” seus uivos ecoaram pela caverna mal iluminada do lago, e diante deles surgiram incontáveis flechas de gelo!
Não, aquelas são...
Nroom! Os projéteis assobiaram no ar enquanto disparavam em nossa direção.
Gourry pressionou sua investida e derrubou vários delas. Quando o fez... Bloop! Elas se espalharam pelo chão em gotas brilhantes.
“Água?” Dilarr gritou atrás de mim.
De fato, as flechas que os demônios conjuraram eram feitas de água, não de gelo. No entanto não era motivo para subestimá-los!
Vreeeoom! Um raio líquido passou zunindo por mim, abrindo um buraco na minha capa. Disparado em alta velocidade e sob alta pressão, a água ainda é um recurso capaz de fazer um horrível estrago!
“Aria! Dilarr! Congelem o lago e nos consigam espaço para as pernas!” gritei sem nem olhar para trás.
“C-Certo!”
“Entendido!”
Então comecei a entoar um feitiço.
Enquanto tudo aquilo acontecia, Gourry havia cortado mais dois demônios. Meu companheiro loiro seguia avançando em direção a um terceiro quando, de repente, parou e saltou para a direita. Quase ao mesmo tempo...
Crash! Incontáveis flechas aquosas atravessaram o gelo, destruindo a área onde Gourry estivera. Era uma saraivada de mais inimigos abaixo. Eu não conseguia ver nada no fundo do lago, o que significava que não tinha ideia de quantos havia... Nesse caso, por ora, só teria que derrotar os que conseguia ver!
“Sopro de Dinastia!” conjurei um feitiço em uma das silhuetas à espreita na água. Lancei um olhar para Gourry e vi que ele já havia eliminado a maioria dos demônios no gelo.
Beleza! Hora de recuar para uma única ilha e atrair os demônios para a terra firme! Estava prestes a comunicar meu plano com Gourry, quando naquele momento...
“Eek!”
“Aria!”
Ouvi Aria gritar, Dilarr gritar pelo seu nome e, em seguida, um forte estrondo de água! Virei-me e vi um Dilarr em pânico olhando para um pedaço fragmentado de gelo flutuando na superfície da água. Aria não estava em lugar nenhum.
Sem chance...
“Ela caiu!” gritou Dilarr, seu grito angustiado ecoando pela caverna. “Não podemos... Não podemos fazer alguma coisa?”
Se a água estivesse segura para mergulho, eu poderia ter usado um feitiço Lei Asa para mergulhar, encontrar Aria e salvá-la. Entretanto significaria liberar minha barreira de vento para agarrá-la e nadar de volta à superfície... E nossos inimigos não ficariam parados enquanto fizesse tal movimento. Aliás, quais eram as chances de terem ignorado Aria quando caiu na água? Com toda a probabilidade, ela já estava...
“Onde está a garota?” perguntou Gourry ao retornar para nós.
Dilarr e eu não podíamos fazer nada além de ficarmos ali em silêncio. Os ataques dos demônios haviam sido reprimidos por enquanto, mas...
Bloosh! Ouvi um barulho de água espirrando à minha direita. Nós três nos viramos surpresos.
Em uma ilha não muito longe... Havia alguém que nunca tinha visto antes. Se tivesse que descrevê-lo, diria que parecia uma vítima de afogamento, com uma tonalidade azul-água. Porém não era uma vítima de afogamento, nem era um zumbi... Seu corpo estava inchado como se estivesse encharcado, embora grandes barbatanas brotavam de seus pés, e havia membranas entre os dedos de suas mãos com garras. Onde um humano teria nariz e boca, ele tinha uma profusão de tentáculos verdes. Imaginei que fossem eles que se esgueiraram para dentro da nossa barreira de vento a caminho da Cidade de Crimson... Bem nojento, sinceramente.
Na maioria dos casos, eu teria recebido esse cara com um feitiço de ataque ao vê-lo, mas, desta vez, tive que me conter...
Ele tinha Aria nos braços.
“Ela ainda está viva... Por enquanto.” disse uma voz úmida e abafada. Parecia alguém falando com a boca cheia.
“Hmm...” como se para confirmar a afirmação, Aria se mexeu e abriu os olhos lentamente. “Ah... O-O quê? Não!”
Acordando para a gravidade da situação, ela se debateu desesperadamente, porém o braço ao seu redor se recusou a ceder. A criatura tampou sua boca com a mão livre para impedi-la de recitar um feitiço.
“Tenho que dizer... Estou impressionada que soubesse que estávamos aqui.” gritei.
“Não subestime Narov... Depois que te ataquei nos canais acima, duvidei que tentasse usá-los para alcançar Lorde Kailus outra vez. Contudo também não achei que estaria disposta a andar pela cidade. O que significava que só lhe restava um caminho...”
Oh?
“Hmm... Então você é o Narov, hein? Pode ser o responsável pela segurança subaquática aqui em Crimson, no entanto não é tão inteligente quanto pensa.”
“O que quer dizer?” ele perguntou, com uma expressão indecifrável.
Estufei o peito.
“Você disse que só tínhamos um caminho... Quer dizer que este é o caminho para o conselho dos feiticeiros! Foi muito gentil da sua parte me dar essa informação!”
“O quê? Está me dizendo... Que não sabia?”
“Bingo! Viemos aqui por pura sorte!”
“Não tenho certeza se vale a pena se gabar disso...” comentou Gourry baixinho atrás de mim. Eu o ignorei, é óbvio.
“Entendo...” a expressão de Narov permaneceu inalterada. Não que conseguisse perceber se ela mudasse. “Nesse caso, só preciso acabar com todos vocês aqui. Aliás, nem se de ao trabalho de resistir. Presumo que saiba o que vai acontecer com essa mulher se tentar alguma gracinha.”
Splish! Enquanto Narov nos ameaçava, cerca de uma dúzia de demônios-peixe emergiram para cercar a ilha em que estávamos. Não seria muito difícil derrotá-los... Se não tivessem Aria como refém, pelo menos.
Hora da boa e velha conversa fiada!
“Heh. Por favor...” zombei. “Então, me diga. Se não resistirmos, que garantia temos de que libertará Aria ilesa?”
“Dou minha palavra. Uma vez derrotados, deixarei essa mulher escapar... Representará pouca ameaça ao Lorde Kailus.” afirmou Narov descaradamente.
Elevei um pouco a voz.
“Poupe-me! Quão estúpida eu teria que ser para acreditar na palavra de um sequestrador? Pode pensar que Aria não é uma grande ameaça... No entanto não teria nada a perder quebrando sua promessa e matando-a! Além de que tenho uma política contra caras cor de água com tentáculos no rosto...” enquanto falava, dei um pequeno passo para o lado. Naquele exato momento...
“Flecha Congelante!”
Dilarr lançou uma saraivada de raios gélidos que congelaram a água da nossa ilha até a de Narov em uma ponte de gelo. Gourry a atravessou correndo sem perder um segundo.
“O quê?” Narov gritou em choque, pouco antes de Gourry pular nele e... Swsh! Dividir sua cabeça ao meio.
Enquanto conversava com Narov, percebi que Gourry e Dilarr estavam sussurrando atrás de mim. Ouvi Dilarr entoando um feitiço. Foi por isso que levantei a voz de propósito para chamar a atenção de Narov. Assim, quando ouvi Dilarr terminar seu encantamento, apenas me afastei para deixá-lo fazer o que queria.
Narov cambaleou para trás e começou a desabar sem nem mesmo gritar. Gourry libertou Aria de seus braços.
Pwaaash! Quando o corpo de Narov atingiu a água, os demônios ao nosso redor uivaram em coro.
“Hrooooooooo!”
Flechas líquidas apontavam para mim e para Dilarr de todos os lados! Teria a perda do comandante os levado a atacar indiscriminadamente? Para nossa boa sorte, eu já imaginava que algo assim pudesse acontecer!
Corri até Dilarr e coloquei as mãos no chão. No momento em que os demônios liberaram sua barragem aquosa...
“Bepheth Bring!” lancei o feitiço que havia entoado aos meus próprios pés!
Whush! O chão abaixo de nós desapareceu em um instante, e nós dois caímos um pouco. Criei uma trincheira que se estendia em espiral como a concha de um caracol. Ela nos colocou em uma posição baixa o suficiente para que as flechas passassem sobre nossas cabeças sem apresentar grande perigo.
Certo... Agora as coisas estão melhorando!
Entoei um feitiço baixinho e então...
“Explosão de Cinzas!”
Vwum! Espiei para fora da trincheira para atirar, transformando um dos demônios-peixe em pó.
———
A batalha estava se movendo a nosso favor. Estávamos todos entrincheirados no meu abrigo improvisado, aparecendo aqui e ali para lançar feitiços. Qualquer demônio que ousasse atacar de perto era em pouco tempo abatido pela lâmina de Gourry. A mesma cena se repetia inúmeras vezes enquanto reduzíamos pouco a pouco o número de inimigos.
Afinal, a água ao redor da ilha estava congelada, e estávamos em uma cratera abaixo do nível do solo. Para nos atacar, os demônios precisavam se aproximar. E para fazê-lo, precisavam rastejar sobre o gelo. Só precisávamos acertá-los quando estivessem ao nosso alcance. Contanto que não baixássemos a guarda, tínhamos a vitória garantida. Se Narov ainda estivesse vivo, talvez tivesse conseguido bolar um plano, mas naquele momento tudo o que os demônios podiam fazer era pressionar sua ofensiva sem pensar. Não demorou muito...
“Ficou tudo quieto.” disse Aria. Tínhamos matado mais demônios do que conseguia contar até então.
“É!” respondi, erguendo a cabeça para examinar o campo de batalha. Não havia um demônio à vista. “Parece bem seguro...”
“Pegamos todos eles?” Dilarr suspirou enquanto se levantava.
“Não se precipite. Não vejo mais ninguém, porém eles podem estar escondidos.” alertei, levantando-me com ele para dar uma boa olhada ao redor.
Não havia nem pele nem cabelo de demônio em lugar nenhum. Podíamos presumir, por enquanto, que tínhamos derrotado o inimigo. Sendo assim...
Voltei-me para o grupo.
“Se o que o Sr. Verde-Azul disse for verdade, há um jeito de chegar ao conselho dos feiticeiros daqui de alguma forma. O que vocês acham de procurar e invadir?”
“E como faríamos para encontrá-lo, Lina?” perguntou Gourry, olhando ao redor, incerto.
O cara tinha razão. O lago subterrâneo era enorme. Não sabíamos como era esse caminho, e localizá-lo não seria fácil... Em circunstâncias normais, pelo menos.
“Além disso... Haverá inimigos guardando-o também, não acha?”
“Claro, Dilarr. Porém deixa eu te perguntar uma coisa... Prefere voltar à superfície e procurar o prédio do conselho enquanto se defende de demônios que te bombardeiam do céu?”
“Não, seria... Um pouco perigoso demais para o meu gosto.”
“Certo? Vamos fazer as coisas do meu jeito. Tenho um plano. Aria, Dilarr, vocês dois podem usar barreiras de vento, Levitação e outras coisas, certo?”
“Ah... Acho que sim.”
“Claro, claro.”
“Ok. Vou lançar uma Levitação para nos tirar do chão enquanto os dois lançam uma barreira de vento ao nosso redor.
“Por que se preocupar com isso? Levitação não é suficiente?” Dilarr resmungou.
“Espere e verá. Vamos!” falei, dando as mãos a Gourry e Aria enquanto entoava um cântico.
Dilarr então pegou a mão de Aria e...
“Levitação!”
Lancei meu feitiço de Levitação amplificado e nós quatro decolamos. Aria e Dilarr então terminaram seus próprios cânticos para formar uma barreira dupla ao nosso redor.
Certo. Tudo pronto!
Comecei a nos carregar pelo ar. A visibilidade não era boa. O musgo luminescente não estava presente em todos os lugares ao longo do teto da caverna, e algumas das áreas sem ele pareciam enormes buracos negros. Normalmente, não teríamos a menor chance de encontrar uma entrada sem a menor ideia de como era, contudo...
“Escute... Sei que estou brincando e tudo, no entanto tem certeza de que consegue encontrar o caminho assim?” Dilarr começou a reclamar logo depois de decolarmos.
“Vamos lá, vai ficar bem. Só não reclame tanto a ponto de se distrair da manutenção da sua barreira de vento.”
“Não vou me descuidar... Mas tem mesmo, mesmo certeza dessa ideia sua? Se andarmos por aí por um tempo só para admitir que foi uma caçada inútil, vamos te fazer de saco de pancada.”
“Eu sei...”
Wham! Naquele exato momento, um solavanco sacudiu nossa barreira de vento.
“Lina! Atrás de nós!” gritou Gourry.
“Vamos lá!” gritei. Então, mudei o feitiço para nos virar e descer.
Não muito longe de nós, havia uma das pequenas ilhas do lago... Uma com um pilar de pedra que se estendia até o teto. Era de lá que o ataque tinha se originado! Wham! Wham! Incontáveis flechas de água continuavam a chacoalhar a barreira.
Pronto! Forcei a vista e vi algumas criaturas fervilhando em um ponto da superfície da água. Fui direto até elas.
“Ei! Ei! O que está fazendo?”
“Senhora Lina! Isso é muito imprudente!”
“Quietos! Mantenham a barreira firme!”
Estávamos nos aproximando rapidamente da ilha. Conforme nos aproximávamos, pude ver o inimigo com mais clareza. Dois demônios-peixe e... Que diabos?
Um único raio de luz vermelha apareceu além das flechas de água que voavam em nossa direção. Um arrepio percorreu minha espinha. Mudei de curso em grande velocidade e, assim que o fiz, a luz vermelha fez contato!
Thrum! Ela rompeu facilmente nossa barreira de duas camadas. Nada bom!
Porém, pouco antes de me atingir, Gourry cortou a luz vermelha!
“Lina! Me deixe descer lá primeiro!”
“T-Te deixar descer?”
“Só faça!”
“Ce-Certo! Dilarr, Aria! Ao meu sinal, desfaçam a barreira! Então lancem uma rajada de Flechas Flamejantes ou Flechas Congelantes no inimigo! Entenderam?”
“Q-Que...”
“Tem certeza disso?”
“Só faça! Gourry, está pronto?”
“Sim, a qualquer momento!”
Olhei para o inimigo. Outra saraivada de flechas aquáticas atingiu nossa barreira de vento, e outra luz vermelha apareceu além delas.
“Agora!”
A barreira desapareceu. A luz vermelha se aproximou. Empurrei Gourry em direção ao pilar, e o recuo nos fez avançar enquanto a luz vermelha atravessava o lugar onde estávamos. Gourry voou pelo ar e...
Krrk! Ele cravou sua espada no pilar! Arrastando-a pela pedra para reduzir a velocidade de sua descida, deslizando pelo pilar... Direto para a confusão de demônios! É claro, eles não iriam ignorar sua investida. Seus olhares se voltaram para Gourry e...
“Flecha Congelante!” Aria e Dilarr terminaram seus feitiços na hora certa.
Sua rajada gélida caiu sobre os demônios focados em Gourry. Obviamente, um feitiço como aquele não os machucaria... Porém com certeza era o suficiente para distraí-los do espadachim que descia!
“Dilarr, outra barreira de vento! Aria, Levitação!”
“Certo!”
“O quê?”
Dilarr e Aria começaram a entoar um rápido cântico... O primeiro sem hesitar, e a segunda somente após um momento de incerteza. Enquanto isso, todos os demônios, exceto um, pareciam confusos. O solitário reduto ainda mantinha os olhos fixos em Gourry.
Ele guinchou, e flechas de água se manifestaram ao seu redor.
Porcaria!
O demônio atirou em Gourry, contudo... Skreek! Ele mudou de repente o curso de sua descida, desviando dos projéteis com facilidade.
Claro! Gourry podia alterar seu ângulo de aproximação mudando a posição de sua espada no pilar de pedra. Você é bem esperto de vez em quando, Gourry! Mesmo que isso possa ter sido apenas instinto...
Gourry pousou com sucesso bem no meio do enxame inimigo. No entanto não estávamos apenas de braços cruzados!
“Escudo de Vento!”
“Levitação!”
“Concentrem-se em manter esses feitiços erguidos, não importa o que aconteça, ouviram?” avisei Dilarr e Aria enquanto os dois lançavam seus feitiços. Então, descartei minha própria Levitação e comecei a entoar meu próximo feitiço.
A batalha havia começado entre Gourry e os demônios abaixo. Com suas habilidades, poderia dar cabo fácil de dois demônios, entretanto parecia estar lutando contra nosso oponente não-demônio.
Sheesh... É melhor ajudar o grandalhão rápido!
“Bola de Fogo!” liberei minha Bola de Fogo ligeiramente alterada.
A versão típica desse feitiço criava uma bola de luz entre as palmas das mãos que explodia ao atingir algo, espalhando chamas por toda parte. Todavia esta... A bola de luz apareceu um pouco atrás de nós, do lado de fora da barreira de vento.
Ótimo, vamos lá!
“Quebre!” estalei os dedos e... Fwooooosh! Chamas vermelhas engolfaram nossa barreira de vento!
“Gwah!”
“Raaagh!”
Os gritos de Aria e Dilarr giraram na barreira de vento, que agora, impulsionada pela explosão, avançava em direção ao campo de batalha a uma velocidade explosiva. Kra-pwash! Caímos na água perto da ilha. Sem surpresa, aquilo chamou a atenção dos demônios.
Dilarr dispensou sua barreira de vento e, quando o fez...
“Explosão de Cinzas!”
Vwum! Pulverizei um dos demônios. Obviamente, estive entoando um cântico durante toda a queda.
“Aria! Aborte a Levitação!” gritei.
“Ah... Certo!” ela obedeceu em seguida.
Mergulhamos na água até os joelhos. Imaginei que o demônio restante nos atacaria, mas ele parecia estar recuando. Caminhei devagar até a ilha, acompanhada por Aria e Dilarr.
Gourry ainda encarava a criatura demônio que não era peixe. Era uma visão estranha. A melhor maneira de descrevê-la é como um enorme pedaço de carne inchada e pálida... Como uma bola derretida, um pouco maior do que a altura de um humano. A carne em si não era totalmente transparente, apenas de uma palidez doentia. E bem onde o peito de um humano se projetava, um curioso relevo deslocado, havia o rosto de um jovem de cabelos dourados, tão bonito que parecia uma escultura. Porém, como se para provar que era mais do que apenas uma decoração, a boca do jovem se abriu.
“É um prazer conhecê-lo. Pode me chamar de Aileus.” era uma perceptível voz humana. “Estou ciente da maior parte da situação. Devo dizer que Narov se mostrou mais frágil do que eu esperava. Sua força era considerável, então deveria ter te enfrentado de frente em vez de recorrer a táticas covardes de reféns.”
Seu tom era casual, como se estivéssemos tendo uma conversa agradável.
“Ainda assim, seria uma pena deixá-lo ir assim. Acho que gostaria de usá-lo melhor.”
“O que diabos quer dizer com isso?” perguntou Dilarr.
“Não é óbvio?” um sorriso brilhante surgiu no rosto de Aileus.
Brble... A carne ao lado do rosto do homem começou a inchar.
“Urgh!” Aria soltou um som de desgosto.
Pois ao lado do semblante do jovem Aileus... Crescia a cabeça ainda bifurcada de Narov!
Notas:
1. Crimson é traduzido como Carmesim, mas como a maioria das cidades não possuem tradução optei por manter a versão em inglês para não destoar das demais.
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