terça-feira, 2 de setembro de 2025

The Haar — Capítulo 02

Capítulo 02


O resto do dia se passava como todos os dias desde os doze anos desde a morte de Billy.

Muriel foi até o galinheiro, recolheu os ovos para o jantar daquela noite. Três hoje, uma quantidade respeitável. Verificou sua caixa de correio, descobriu que estava vazia, como sempre costuma estar, então voltou para dentro e ligou o sem fio.

O rádio, vovó. Chama-se rádio.

Sorriu, ao lembrar do neto corrigindo-a, e tentou se lembrar da última vez que o vira. Este fora o primeiro ano em que se esqueceram de ligar para lhe desejar feliz aniversário. Ela não podia culpá-lo.

Jack tinha vinte anos agora e morava em Londres. Tinha sua própria vida para viver.

— Os jovens precisam deixar o passado para trás se quiserem crescer. — disse ela.

Desde a morte de Billy, Muriel começou com o hábito de falar sozinha. Isso evitava que a casa ficasse muito silenciosa, especialmente nas longas noites de inverno. Seu olhar se dirigiu para uma foto sua e de Billy, tirada no dia do casamento.

— Enquanto velhos como nós não temos nada além do passado.

Sua mão se estendeu para a foto, querendo pegá-la, no entanto suas mãos trêmulas a traíram. Seu filho a forçara a consultar um médico alguns anos antes, um homem estranho e magro que fez alguns exames para verificar se tinha Parkinson. Descobriu-se que não tinha, entretanto nenhuma explicação para os tremores havia sido dada.

— Tenho que aprender a conviver com isso. — falou, determinada a pegar o porta-retratos. Levou um momento, mas conseguiu, apertando os dedos e o polegar ao redor da borda. A fotografia tremia em sua mão. — Como estar em um maldito terremoto. — murmurou, e colocou o porta-retratos de volta no lugar antes de deixá-lo cair. Billy a olhava da fotografia, através do próprio tempo, esta imagem simples, uma ponte entre o passado e o presente, os bons e os maus momentos.

— Ah, não é tão ruim.

Não é tão ruim? Em breve você estará fora de casa.

— Então que seja. Não vou vender a nossa casa. Se quiserem se livrar de mim, terão que vir aqui e me tirar com as próprias mãos.

Tentou sorrir, porém o pensamento a aterrorizava. E se pudessem? E se conseguissem? Não podia ficar com o filho. Ele tinha família. Além do mais, há algum tempo tinha uma suspeita incômoda de que seu filho queria interná-la em um asilo.

— Você está ficando velha, mãe. — ele dizia sempre que ela ligava. — E se você cair? Não tem ninguém por perto para cuidar da sua saúde.

— Se for a minha hora, será a minha hora! — sempre respondia. Os dois eram como um disco riscado, e isso não fazia nada além de fortalecer sua determinação, assim como sempre que aqueles americanos espertos apareciam com seus cheques gordos e olhares famintos.

Muriel não se importava com dinheiro. Será que eles não entendem isso? Ela tinha uma pensão e uma pequena poupança, o suficiente para se sustentar. Contudo o mais importante: tinha seu lar e sua dignidade. Não queria se mudar para um abrigo ou... Deus nos livre... Para uma casa de repouso.

Durante a Segunda Guerra Mundial, foi enviada para um lar para meninos e meninas, e lá aprendeu o valor da independência, dedicando-se aos seus desenhos. No final dos anos 50, recebeu uma oferta de emprego como ilustradora, contudo, ao saberem de seu casamento iminente com Billy McAuley, a oferta foi cancelada.

A empresa não contratava mulheres casadas, foi o que a disseram.

Foi a escolha mais difícil da vida de Muriel, no entanto nunca se arrependeu. Recusou o emprego e se casou com Billy. Ele construiu uma casa grande para eles e, embora estivesse em ruínas desde sua morte... Não conseguia mais subir a escada para consertar o telhado com goteiras, sua casa seria para sempre sua. De certa forma, era como se Billy ainda estivesse com ela. A velha poltrona perto da janela, que o próprio fizera, parecia seu abraço caloroso. Os rangidos da varanda a lembravam seus roncos, e as lareiras eram decoradas com navios em garrafas, o único esforço criativo que Billy apreciava.

Um homem prático e pescador a vida toda, não tinha tempo para artes, embora o pegasse olhando melancolicamente para sua aquarela da Baía das Bruxas pendurada sobre a lareira aberta.

Ah, o fogo!

O vento estava ficando mais forte, o céu ameaçava cair um aguaceiro, e o estoque de lenha estava diminuindo. Muriel pegou a cesta de vime perto da porta, jogou-a no ombro e saiu de roupão. O galpão de lenha ficava ao lado do galinheiro, e entrou quando começou a chover torrencialmente. A lenha era grande demais para a lareira, então encheu a cesta o melhor que pôde e a carregou do galinheiro até o velho toco de árvore.

Pegando o machado da cesta, começou a trabalhar. O machado parecia ficar mais pesado a cada dia que passava, contudo, apesar disso, golpeava a madeira, estilhaçando-a, cortando-a em pedaços manejáveis, imaginando que era o rosto de Patrick Grant, esmagando...

Não, não, não!

Isso não daria certo. Não daria certo de jeito nenhum. Ela era uma mulher pacífica. O que Billy teria pensado?

— Ele teria pensado a mesma coisa. — disse Muriel, enquanto a chuva tamborilava em seu rosto. Ela ergueu a cesta de lenha cortada, sentindo a tensão no ombro, e olhou para a baía.

Tantas luzes. Tanto barulho.

A natureza selvagem estava desaparecendo, substituída por caminhões, escavadeiras e homens de capacete apontando. Eles estão sempre apontando para alguma coisa. Recentemente, tinham começado a trabalhar a noite toda, com bate-estacas batendo sem parar, espelhando as batidas frenéticas do seu próprio coração enquanto tentava dormir. Eles não deveriam poder fazer isso, não tinham permissão, entretanto ninguém se importava. A polícia, as autoridades municipais, o governo escocês... Todos ficaram de braços cruzados, felizes em aceitar o dinheiro de Grant e se fazer de cegos enquanto ele ignorava regras e leis.

Ao que parece, leis não se aplicam aos ricos.

Os limites de arame farpado do canteiro de obras aumentavam a cada vez que olhava, aproximando-se cada vez mais de sua propriedade. Em breve, estariam à sua porta.

Muriel estava feliz por Billy não estar ali para ver sua amada Witchaven pisoteada e arruinada em nome do progresso.

— Você é uma velha boba. — disse ela, lançando um último olhar de partir o coração para os homens, os veículos e a destruição que invariavelmente deixavam em seu rastro.

Muriel se perguntou se teria paciência para sobreviver a eles.

Ela se perguntou se ainda teria coragem.

***

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