sexta-feira, 5 de setembro de 2025

The Magnus Archives — Primeira Temporada — Capítulo 06

Primeira Temporada  Capítulo 06: Contorção

Rusty Quill Apresenta “Os Arquivos Magnus”
Episódio seis: Contorção



JONATHAN SIMS

Depoimento de Timothy Hodge, a respeito de seu encontro sexual com Harriet Lee e sua subsequente morte. Depoimento original prestado em 9 de dezembro de 2014. Gravação de áudio por Jonathan Sims, Arquivista-Chefe do Instituto Magnus, Londres.

Início do depoimento.



JONATHAN SIMS (Depoimento)

Não sei o que aconteceu. Quer dizer, tenho certeza de que ela morreu, mas eu não...

Deixe-me começar do começo. Trabalho como designer. Na maior parte freelancer, com alguns bicos mais regulares para empresas que gostam do meu trabalho. Também tive, bem, o luxo de um apartamento que consegui arrumar para poder fazer a maior parte do meu trabalho lá. Isso significava que, quando tenho um trabalho grande, passo bastante tempo sem sair de casa. Não é o emprego mais estável, porém me tornei muito bom em equilibrar isso, então, depois de um projeto grande, me sobravam alguns dias, ou talvez até uma semana, antes de ter que começar o próximo. Acho importante usar esse tempo para relaxar e desabafar, já que, quando tenho trabalho, muitas vezes acabo perdendo o fim de semana normal. Beber e ir a baladas são meus métodos de relaxar favoritos, geralmente em Camden ou Old Street, e embora admita que não evito umas drogas de vez em quando, juro que estava completamente sóbrio quando tudo aconteceu.

Naquela noite em particular, já fazia umas três semanas, tinha acabado de terminar um trabalho grande para um dos meus clientes mais exigentes e queria ficar um pouco bêbado. Por azar, nenhum dos meus amigos estava disponível para se juntar a mim... O que não é surpresa, já que era uma quinta-feira em pleno novembro, assim não achei que valesse a pena ir até a cidade. Por outro lado, moro em Brixton, o que significa que tenho algumas opções decentes quase na minha porta, e por acaso sabia que o Dogstar tinha uma balada bem decente às quintas-feiras. Decidi ir e me divertir.

No final, me diverti. Apesar da multidão e da música, não estava me sentindo tão animado quanto esperava, contudo bebi um pouco e dancei bastante. Ok, talvez não estivesse tão sóbrio quanto disse antes, no entanto certamente não me chamaria de bêbado. Bem, não estava particularmente interessado em transar naquela noite, entretanto sei que não sou um cara feio e moro perto, então estou sempre alerta, digamos assim, para qualquer possibilidade de encontrar uma parceira. Era quase meia-noite quando a vi. Ela era magra e tinha aquele ar de estudante que poderia colocá-la entre dezenove e vinte e oito anos. Seu cabelo era longo, tingido de um vermelho-escuro com henna, e usava meia-calça rasgada e muito delineador. Exatamente o tipo de garota que gosto.

Ela estava à espreita na pista de dança e não pensei duas vezes em tentar chamar sua atenção. Mas foi mais difícil do que imaginei, pois sua atenção parecia estar concentrada nas portas na maior parte do tempo. A princípio, pensei que estivesse esperando alguém, porém, quanto mais a observava, mais percebia o nervosismo em seus olhos, talvez até medo? Foi nesse momento que fui notado, e nossos olhares se encontraram, sabe? Ela se aproximou e começamos a dançar juntas. Ela era excelente, muito melhor do que eu, e se movia em um ritmo suave e ondulante que me fez pensar na palavra “contorcer-se”. Ofereci uma bebida, ao qual recusou, gesticulando para pedir água, que aceitei com prazer. Não conseguia ouvi-la direito por causa da música, contudo você não vai a essas noites para conversar. Além do mais, ouvi alto e claro quando se inclinou e perguntou se eu a queria. Disse que sim. Olhando para trás, era estúpido, claro que era, no entanto como era linda, além de haver algo no jeito como se movia, realmente me cativou. Quando respondi disse que sim seu sorriso floresceu, e por um momento pareceu menos um sorriso de expectativa e mais um sorriso de alívio.

Do lado de fora do Dogstar, estava muito mais silencioso e tivemos a chance de conversar. Ela me disse que seu nome era Harriet e que ficou muito feliz em saber que minha casa ficava perto, pois era uma noite fria. Suas mãos seguraram em torno do meu braço com força enquanto caminhávamos de volta para a minha rua. A princípio, pensei que fosse para se aquecer, pois não tinha casaco e duvidei que a jaqueta leve que usava fosse muito isolante. Quando a observei, no entanto, vi que olhava pelos arredores da mesma forma que estivera olhando a porta mais cedo. Seu nervosismo era ainda mais evidente agora e lançava olhares atentos para cada rua que passávamos. Perguntei se havia alguma coisa errada e tentei dizer que morava em um bairro agradável, que era perfeitamente seguro, esse tipo de coisa. Harriet assentiu e concordou, embora seguisse parecendo nervosa.

Quando estávamos na metade do caminho, começou a coçar os braços. Na hora, pensei que estivesse apenas esfregando-os para se aquecer, mas depois de alguns segundos, ficou claro que os estava coçando com bastante força, deixando marcas vermelhas evidentes onde suas unhas cavavam. Comecei a suspeitar de que tivesse alguma coisa errada e perguntei a Harriet se havia algo errado, algo que eu devesse saber. Ela apenas insistiu que voltássemos para o meu apartamento o mais rápido possível. Concordei, pois imaginei que, qualquer que fosse o problema, poderíamos lidar com ele mais facilmente no meu apartamento do que nas ruas frias à meia-noite.

Quando chegamos ao meu prédio, ela estava olhando por cima do ombro, quase em pânico. Segui seu olhar, porém não consegui ver nada, então me apressei em abrir a porta da frente e a deixei entrar. Seu semblante pareceu relaxar um pouco quando estávamos ambos no corredor mais quente, com a porta fechada atrás de nós. Meu apartamento ficava no terceiro andar e, embora tivesse dito não morar em uma área perigosa, tinha uma fechadura extra na minha porta. Harriet relaxou de forma perceptível quando a viu, e ainda mais quando a tranquei de volta. Os olhares assustados e a coceira nos braços cessaram quase em seguida. Ofereci-lhe um café ou chá para se aquecer. Ela apenas pediu um copo d’água e disse que não estava se sentindo bem. Sentamos e, depois que peguei água e preparei um café para mim, conversamos um pouco. Meus instintos estavam certos, era uma estudante, cursando arte. Não estava em Londres há muito tempo, era natural de Salisbury e estava achando... Difícil os últimos dias. Quando deixou aquela pausa, vi em seus olhos traços daquele pânico que notei na rua.

Pedi que me dissesse o que estava errado, disse que era claro que havia algo a incomodando e que gostaria de ajudar. Houve silêncio por alguns instantes e então assentiu. Contou-me que tinha sido assaltada na noite anterior, contudo a maneira como disse a palavra “assaltada” tenha dado a entender que não tinha certeza. Apenas assenti e a deixei continuar falando. Sua casa fica em Archway, numa rua chamada Elthorne, e estava voltando por volta da meia-noite quando viu uma mulher caída de bruços na calçada. A mulher usava um longo vestido vermelho, e Harriet disse que conseguia vê-lo se mexendo sob o brilho alaranjado dos postes de luz, como se estivesse uma coisa se movendo por baixo. Harriet estava perto de sua casa, que dividia com vários outros estudantes, então disse que talvez tivesse sido menos cuidadosa do que deveria e se aproximou, chamando e perguntando se a mulher precisava de ajuda. Não houve resposta, no entanto todo o movimento parou e o vestido vermelho ficou imóvel.


De repente, muito mais rápido do que Harriet esperava, a mulher se levantou de um salto e correu em sua direção, agarrando-a pelos ombros e empurrando-a contra uma parede próxima. Aconteceu tão rápido que disse que nunca tinha conseguido ver direito a mulher além do vestido, uma cabeça de longos cabelos negros e emaranhados, e olhos arregalados e fixos. A mulher rosnou algo, mas Harriet não conseguiu entender. Tentou perguntar o que a assaltante queria, porém, ao fazê-lo, sentiu uma dor repentina no estômago, como se tivesse sido esfaqueada, justo o que imaginava ter acontecido. Ela me contou que caiu no chão e perdeu a consciência quase imediatamente.

Quando acordou, a mulher de vestido vermelho havia sumido. Harriet esperava se encontrar deitada em uma poça de sangue devido ao ferimento no estômago, todavia não encontrou nenhum vestígio de ferimento em lugar nenhum, exceto alguns joelhos ralados onde havia caído no chão. Cambaleou para casa e tentou dormir. Desde então, disse que via aquela mulher por onde passava. Sentia como se estivera sendo seguida o tempo todo e não conseguia ficar em casa, pois sempre que ficava era como se um peso a arrastasse para baixo. Sua pele começou a coçar tanto que era quase insuportável. Harriet parece ter tentado ir à polícia, entretanto disse que, ao se aproximar da delegacia, foi tomada por uma náusea tão forte que vomitou na calçada. Tentou ir ao hospital, apenas para que lhe dissessem que não havia nada de óbvio e que deveria marcar uma consulta com seu médico. Havia passado os últimos três dias vagando por cafés, bares e casas noturnas, em qualquer lugar onde houvesse pessoas suficientes para que se sentisse segura. Simplesmente não sabia o que fazer.

A essa altura, Harriet estava chorando e me senti um completo idiota por ter tocado no assunto. Murmurei algumas desculpas. Não sei o que disse; só tentava fazê-la se sentir melhor. Não sabia bem o que esperava que acontecesse, contudo certamente não esperava que me beijasse naquele momento. Eu sei, eu sei, ela estava vulnerável e me sinto um... No entanto juro que não estava tentando me aproveitar. Perguntei várias vezes se tinha certeza, mas ela continuou balançando a cabeça e me arrastou para o quarto. Quer dizer, fizemos sexo. Não há muito mais a dizer sobre isso, na verdade. O importante é o que aconteceu depois.

Deitados na cama, exaustos, encostei a cabeça no seu ombro. Estava prestes a dizer alguma coisa, porém antes que pudesse, senti algo se mover. É difícil descrever com exatidão, não foi o ombro que se moveu, foi algo dentro dele, sob a pele. Uma leve contorção contra minha bochecha. Pulei da cama, porém o único indício de que ela tinha notado algo errado foi que estendeu a mão e distraidamente coçou o local onde estive deitado. Comecei a relaxar, deitei-me de volta; talvez tivesse apenas imaginado. Contudo naquele momento ela se dobrou e gemeu de dor repentina. Seus olhos se arregalaram e ela agarrou a barriga com força. Tentei ver o que estava errado, perguntei o que foi, contudo apenas fui empurrado. Não tinha ideia do que fazer, então corri para fora e fui para o banheiro. Minha mente estava ficando em branco e não conseguia me lembrar se tinha analgésicos ou remédios para indigestão. Ou eu deveria chamar uma ambulância? Não tinha certeza, e acabei revirando meu armário de remédios, procurando por... Sei lá; qualquer coisa que pudesse ajudar. Ainda podia ouvir Harriet gemendo de agonia no quarto, e tinha acabado de decidir chamar uma ambulância, quando ouvi algo que me paralisou no meio do caminho.

É difícil descrever o som que vinha do quarto. O mais próximo que poderia chegar seria dizer que soava como... Um ovo caindo no chão de pedra; uma espécie de baque úmido e estridente. Depois, silêncio. Harriet não fazia mais barulho algum. Devagar, muito devagar, caminhei de volta para o quarto. A porta estava aberta, embora eu não tinha acendido a luz, então havia pouco para ver lá dentro, exceto escuridão. Poderia ter acendido a luz do corredor, suponho, no entanto algo lá dentro me fez pensar que não queria dar uma boa olhada naquele quarto. Parei na soleira da porta. A única iluminação vinha de uma tênue fresta de luz que entrava pela fresta das cortinas, vinda de um poste de luz lá fora.

Desculpe. O que vi é difícil de colocar no papel, no entanto é a única maneira de explicar por que tive que fazer aquilo. Por que incendiar meu apartamento e ficar nu nas ruas de inverno até os bombeiros chegarem foi muito melhor do que passar mais um segundo naquele lugar. E sim, admito que eu mesmo ateei fogo. Mostre à polícia, por mais que me importe, só preciso que alguém entenda.

O quarto estava irreconhecível quando voltei. Havia uma forma na cama, onde Harriet havia se deitado, mas não era mais ela. Mal conseguia distinguir qualquer coisa remotamente humana na pilha de carne deformada e esburacada que agora restava. A cama em si estava escorregadia e brilhante, com um fluido escuro que pingava dos lençóis pendurados e caía no chão. Porém o que realmente me repugnava, o que me fez fugir, era o que se movia e se contorcia em tudo aquilo. Cobriam todas as superfícies: o chão, a cama, o que costumava ser Harriet, até o teto. Um tapete espesso e movediço de vermes pálidos e se contorcendo.


O apartamento queimou por muito tempo.



JONATHAN SIMS

Depoimento encerrado.

Esta história é preocupante. Não por causa da experiência do Sr. Hodge, embora tenho certeza de que foi muito perturbadora. Se fosse verdade, é claro. De fato, o relatório policial que Sasha conseguiu obter lança dúvidas sobre grande parte de sua história. Apesar de o apartamento do Sr. Hodges ter de fato pegado fogo em 20 de novembro do ano passado, aparentemente não houve evidências de incêndio criminoso e nenhum corpo humano foi encontrado lá dentro, apesar de o fogo ter sido controlado muito antes de qualquer dano significativo à estrutura do prédio. Encontraram matéria orgânica carbonizada no quarto, contudo foi testada e ao que tudo indica não era humana, embora o relatório não especifique se sua origem foi determinada.

Eu diria que isso se relaciona com o suposto desaparecimento de Harriet Lee, uma estudante de Roehampton que foi dada como desaparecida logo após esta declaração ter sido feita originalmente. Ela parece corresponder à descrição dada aqui. Mesmo assim, isso também não é realmente o que me preocupa, embora seja óbvio que se trate de uma perda trágica de vidas, etc., etc. Não, o que considero bastante alarmante é que, se a lembrança do Sr. Hodge sobre a história de Harriet estiver correta e tiver sido atacada por uma mulher de vestido vermelho em Archway, isso corresponde à descrição e ao último paradeiro conhecido de Jane Prentiss. Não consigo encontrar nenhuma evidência de que minha antecessora tenha tomado medidas de acompanhamento em relação a esse depoimento, então tomei a iniciativa de denunciar o Sr. Hodge ao 
ECDC¹. Não conseguimos localizá-lo para solicitar um interrogatório de acompanhamento e, se teve relações sexuais com uma das vítimas de Prentiss, eles precisarão encontrá-lo o mais breve possível. Só espero que não seja tarde demais.

Fim da gravação.



Notas:
1. ECDC é a sigla para o Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças, um órgão da União Europeia que visa identificar as ameaças para a saúde humana tanto atuais como em vias de aparecimento, decorrentes de doenças como a gripe aviária, a SARS, a Sida e a covid-19, avaliando-as e fornecendo informação sobre elas.
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