quinta-feira, 18 de setembro de 2025

The Haar — Capítulo 09

Capítulo 09


A um quilômetro da estrada, Arthur Eastman estava na varanda e olhava para as estrelas. A lua estava brilhante, cheia e cintilante contra a água. Seu olhar se dirigiu ao relógio e sorriu.

— Trinta segundos. — falou, esforçando-se para se ouvir por cima do barulho das máquinas. Estavam mais barulhentas do que o normal. Perguntou-se se elas de fato faziam algum trabalho durante a noite, ou se era apenas uma maneira de expulsar os moradores restantes de Witchaven. Guerra psicológica, era isso que se resumia. Não, não estava certo. Guerra implicava uma batalha entre dois lados opostos. Era uma corporação americana multibilionária contra uma pequena vila escocesa. Não era guerra.

Era tortura, pura e simples.

Ele olhou para o relógio de novo.

— Cinco segundos.

Esperou, contando mentalmente. Então, ao bater da meia-noite, as máquinas pararam. Sem perfurar, serrar, cavar... Tudo parou. Arthur sabia que não tinha muito tempo. Era o fim de um turno e o início do seguinte, e se tivesse sorte, poderia conseguir cinco minutos. Enfiou um cigarro na boca e acendeu-o com um fósforo, depois ficou em abençoado silêncio, ouvindo o chilrear dos insetos e o som suave da maré contra a areia, a chuva batendo no telhado de zinco da varanda.

Era pura felicidade.

— Como costumava ser. — sussurrou. Antes que os homens e suas malditas máquinas infernais chegassem. Antes que o coração pulsante de Witchaven fosse arrancado do peito e pisoteado. Vivera ali a vida toda, um conterrâneo nato e criado. Partia seu coração ver o que estava acontecendo.

Assim que terminou de fumar, as máquinas voltaram a funcionar. Esmagou a ponta do cigarro contra a parede e a colocou em uma garrafa de cerveja vazia que estava ao lado da porta.

— É, foi bom enquanto durou.

Entrou, trancando a porta atrás de si. Não costumava precisar fazer isso, contudo agora todo cuidado era pouco. Acendendo outro cigarro, sentou-se em frente à televisão. Não havia nada ligado. Nada que valesse a pena assistir, pelo menos. Uma reprise de algum game show antigo dos anos 80 que lembrava. Pelo menos não era o noticiário. Se tivesse que ver aquele sociopata sorridente do Patrick Grant mais uma vez, enfiaria o pé na porra da tela.

Arthur sentou-se, fumou e pensou em Muriel. Ela parecia estranha hoje. Distraída e também...

— Deve ter sido a luz. — disse.

No entanto não conseguia se livrar da sensação de que parecia mais jovem. Ah, não muito, claro... Apenas alguns anos. Estava no jeito como agia. Havia uma elasticidade em seus passos.

Pensar nela o fez sorrir. Arthur amava Muriel, e sempre amou. Era a única mulher que realmente amara. Sua ex-mulher, a velha com quem tivera um filho, não podia se comparar. Todavia Muriel havia se casado com seu melhor amigo, Billy, e ponto final. Não fazia sentido ficar remoendo o tempo perdido quando lhe restava tão pouco para viver.

Às vezes, nas noites escuras e solitárias, se perguntava por que ainda se dava ao trabalho. Tinha oitenta e oito anos. O que lhe restava para esperar? Sua vida havia ficado para trás. Ele era uma relíquia de uma era passada. Todos eles eram. Agora enfrentava um mundo cruel e indiferente, onde relíquias eram jogadas no lixo em vez de colocadas em museus. Era o mundo de uma pessoa jovem, e ele, Muriel e o resto dos habitantes de Witchaven apenas viviam nele.

Começou a sentir deprimindo, porém, como a maioria dos homens de sua idade, gostava de se afundar na depressão de vez em quando. Desligou a TV e sentou-se em silêncio, iluminado apenas pela luz fantasmagórica de seu cigarro. Era bom estar em casa. Uma noite na prisão era mais do que suficiente para ele. Era Patrick Grant quem merecia estar atrás das grades, e Arthur decidiu, naquele momento, garantir que fosse justo ali que Grant acabasse.

— Vou devolver o favor. — disse em um tom solene. — O desgraçado me deu uma razão para viver.

O cigarro queimou até os dedos, e Arthur se encolheu, deixando-o cair no colo. Colocou a ponta no cinzeiro e jogou as cinzas restantes no chão. Muriel o avisara sobre fumar sentado em sua cadeira. Disse que ia dormir e incendiar a casa qualquer dia e, que maldição, a mulher costumava ter razão.

— Ah, acho que é hora de dormir.

Ignorando as dores nos membros, levantou-se da cadeira e escutou.

Alguém vinha pela trilha.

Não, não apenas alguém... Várias pessoas. Passos suaves soavam sob seus pés. Uma gargalhada nervosa ecoou, silenciada pouco depois pelo resto do grupo. Arthur sabia que significava problemas. Eles pareciam jovens, e não havia mais jovens em Witchaven. Aproximou-se da janela, se encostando na parede. As luzes estavam todas apagadas. Devem ter presumido que já estivesse dormindo.

— Esses merdinhas. — sussurrou.

Estavam se aproximando. O luar entrava pela janela, formando um retângulo fantasmagórico no chão. Uma forma negra apareceu, e Arthur sabia que havia alguém ali, espiando.

— Tudo quieto. — disse uma voz sussurrada.

O coração de Arthur batia forte. Quem estava lá fora? Não importava. Tudo o que sabia era que precisava da espingarda. Agachou-se, movendo-se ao longo da parede abaixo da janela, ficando fora de vista, e então percebeu.

A polícia havia confiscado sua espingarda.

Mais risadas lá fora. Não pareciam ser os homens de Grant. Os seguranças que patrulhavam a área eram silenciosos e profissionais, enquanto esses homens circulavam o prédio com passos desajeitados.

— Silêncio. — sibilou um deles.

Arthur tentou engolir, mas sua garganta estava seca. Precisava de uma arma para se defender. O que tinha em casa? Uma faca? Era o melhor que conseguiu pensar. Atravessou a sala de estar arrastando os pés, seu quadril cutucando uma mesa lateral. Ela tombou, e o abajur que estava em cima deslizou. Ele estendeu as mãos e pegou o abajur, depois respirou fundo como nunca antes.

Os passos pararam do lado de fora da porta da frente.

Sua atenção concentrou na maçaneta da porta e, com terrível inevitabilidade, esta começou a se mover. Desceu, devagar, devagar, porém a porta estava, felizmente, trancada. Arthur correu para a frente, mantendo-se abaixado. Ouviu líquido chacoalhando em grandes recipientes e teve uma boa ideia do que haveria lá dentro.

Gasolina.

Parecia que Grant não estava mais brincando.

— Está trancada. — disse uma das vozes.

— Não importa.

Arthur ouviu as tampas serem desrosqueadas. A caixa de correio se abriu e um tubo transparente passou por ela como uma antena. Líquido jorrou, espirrando no chão. Arthur percebeu pelo fedor acre que estava certo sobre a gasolina.

Quantos deles estavam lá fora? Pelo barulho, pelo menos três, talvez quatro. E eram jovens. O que ia fazer? Afugentá-los com uma faca de cozinha, com a lâmina cega por quarenta e poucos anos de uso?

Chamar a polícia.

Sim, era isso. Já tinha perdido tempo demais. Se se apressasse, a polícia chegaria em, digamos... Uma hora. Presumindo que Grant não os tivesse comprado.

Merda!

O líquido pungente encharcou o carpete. Arthur olhou ao redor da sala escura. O lugar inteiro era um risco de incêndio. Os móveis estavam lá desde pelo menos os anos 70 e eram tão inflamáveis ​​quanto o próprio inferno. Não tinha escolha.

Tinha que detê-los, ou morreria.

— É, que se dane. — sussurrou Arthur, indo até a gaveta da cozinha. Abriu-a silenciosamente e pegou a maior faca que possuía.

A gasolina continuava jorrando. Podia ouvi-la gotejar do cilindro.

O coração de Arthur batia furiosamente enquanto se preparava para se defender. Contudo era um homem grande e estava em forma para a idade. Uma vida inteira trabalhando em uma fazenda faz isso com você.

Caminhou até a porta de chinelos e tirou a corrente. Então, com muito cuidado, girou a fechadura e arrancou a porta com violência.

Arthur apertou o interruptor da luz do corredor e banhou os homens com um brilho alaranjado.

Homens? Droga. Era um bando de moleques! Três deles, dezesseis no máximo.

— Que porra é essa? — gritou o mais próximo. O galão de gasolina caiu de suas mãos em surpresa. Caiu ruidosamente no degrau, derramando seu conteúdo sobre os chinelos de Arthur.

— Quem diabos mandou vocês, seus desgraçados? — rugiu Arthur brandindo a faca, e o garoto se afastou. Seu rosto estava cheio de acne adolescente, o cabelo penteado para trás como uma ave marinha resgatada de um vazamento de óleo. Mais dois garotos o ladeavam, todos os três vestindo calças pretas de moletom e moletons combinando. Arthur esperava que corressem ao ver a faca.

Ele estava errado.

O primeiro garoto o chutou com força na canela. Arthur berrou mais de choque do que de dor. Em sua época, as crianças tinham medo dos adultos. Não tinham mais? O segundo garoto se lançou sobre o pulso de Arthur, prendendo-o entre o braço e o peito, enquanto o primeiro o chutou de novo, bem no mesmo lugar. Arthur caiu sobre um joelho enquanto o segundo o desequilibrava. Ele caiu, e o garoto se agachou, colocando o braço estendido de Arthur sobre o seu joelho.

— Velho babaca de merda.

— Sai de cima! — disse Arthur.

O terceiro garoto saiu das sombras. Olhou para a faca na mão de Arthur e para o modo como seu braço estava apoiado sobre o joelho do amigo. O garoto sorriu, então levantou o pé e o atingiu com força no antebraço de Arthur.

Ouviu o braço se quebrar antes mesmo de sentir. Houve um estalo frágil e violento, e um som de rasgo úmido quando o osso estilhaçado rompeu a pele dilacerada. O choque se instalou quase imediatamente. Seus olhos se voltaram para o braço pendurado frouxamente no cotovelo e para o osso saliente. O sangue jorrou do ferimento, formando um amplo arco. Arthur recuou, impulsionando-se pelo chão com os pés, com o estômago embrulhado. Vomitou no suéter enquanto olhava para os meninos.

Eles estavam rindo dele.

O sangue jorrou do cotovelo de Arthur, cobrindo as paredes. Vinhetas escuras estreitaram sua visão. Tentou falar, mas tudo o que saiu foi uma gagueira incompreensível.

Os meninos o seguiram até a sala de estar.

O telefone. Precisava pegar o telefone.

— Que lugar legal você tem aqui. — disse um dos garotos, estendendo a mão para uma prateleira e a arrancou da parede. Livros e bugigangas da época em que Arthur estava no mar se espatifaram no chão. Outro garoto apoiou o pé na TV e a empurrou para fora do suporte. Faíscas saíram da parte de trás do aparelho quando caiu no chão.

— Cai fora! — Arthur conseguiu dizer. Isso só os fez rir ainda mais.

O terceiro garoto acenou com a faca. Era mais alto que os outros, mais velho talvez, mas ainda um adolescente.

— Você tem dinheiro, seu filho da puta?

Dinheiro? Era disso que se tratava?

Arthur apontou o braço bom para uma caixa de metal sobre a lareira. Lágrimas escorriam pelo seu rosto.

— Pegue. — soluçou. — Pegue tudo.

O garoto pegou a lata e a abriu. Tirou um maço de notas e enfiou-as no bolso, depois jogou o recipiente vazio em Arthur. Atingiu-o na testa, abrindo-a.

A sala girou.

— Só isso? — gritou o garoto mais alto.

Arthur achou que fosse desmaiar de dor. Assentindo, agarrou o braço, seus dedos encontrando o osso quebrado. O toque enviou ondas de choque por seu corpo.

— Tommy, pega a gasolina. — disse o garoto, e o menor do trio correu de volta para a porta. Ele reapareceu segurando o galão. O garoto mais alto o arrancou e se virou, sorrindo, para Arthur.

— Você conseguiu o que queria. — Arthur gaguejou, fechando as pálpebras.

— Não, cara. É só um pouquinho a mais. Algum babaca já está nos pagando uma fortuna.

— Grant! — disse Arthur.

— Sei lá! — disse o garoto. — Só um babaca.

Então o garoto caminhou até Arthur, de pé sobre ele, e despejou o galão. O restante da gasolina jorrou. Encharcou Arthur, ardendo seus olhos, suas feridas, fazendo-o gritar de angústia como um cachorro abandonado.

Isso é tudo o que você sempre foi, pensou, enquanto o garoto descartava o galão vazio.

— Por favor. — seu olhar se fixou na direção do garoto, sem conseguir enxergar direito. — Não faz isso.

Arthur ouviu a faísca de um isqueiro e se encolheu. Aconteceu de novo. E de novo.

— Isqueiro de merda! — disse alguém.

— Anda logo! — disse outro. — Acende!

— Está quebrado, seu idiota.

O corpo de Arthur convulsionou quando o isqueiro faiscou mais uma vez.

— Não consigo acender! — disse o garoto.

— Depressa!

Arthur olhou para os garotos com os olhos embaçados que nadavam negros de gasolina. Viu o mais velho, com a faca na mão, observando as tentativas do outro garoto de usar o isqueiro.

É agora. Última chance.

Arthur sentou-se, seus dedos desesperados alcançando a faca. Eles se fecharam sobre a lâmina. O fio cortou sua pele, porém Arthur estava com muita dor para notar. Arrancou a faca da mão do garoto.

O isqueiro faiscou uma última vez.

— Acendeu! — gritou o primeiro garoto.

Um brilho de luz laranja.

Arthur puxou a faca de volta.

Um súbito som de assobio enquanto acendia em uma fogueira.

Os garotos pularam para trás. Foi a última coisa que Arthur viu antes que as chamas subissem e cobrissem seu rosto. Sentiu sua pele borbulhar, ouviu-a estourar, contudo a dor que esperava nunca veio. O fedor de roupas, cabelos e carne queimados se misturou em suas narinas, seu corpo inteiro engolfado por um inferno furioso.

Gritou enquanto o pânico insano se instalava.

Água, precisava de água! Ele morava perto da praia, pelo amor de Deus.

De alguma forma, conseguiu se levantar.

— Olha só esse filho da puta! — riu um dos garotos, e foi o suficiente para fazer Arthur mudar de ideia.

Que se dane a água. Queria arruinar aquele garoto. Queria destruí-lo.

Arthur se virou na direção da voz e se jogou nela. A faca ainda estava em sua mão. Sentiu-a cravar em algo. O garoto?

O sofá?

Arthur jamais descobriria. A essa altura, não conseguia ouvir nada, ver nada, cheirar nada...

Não conseguia sentir nada.

Ao abaixar a faca no tecido mole, percebeu que seus últimos momentos foram surpreendentemente indolores.

***

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