Capítulo 06
O sol estava baixo enquanto Muriel se aproximava de sua casa. As paredes brancas distantes cintilavam sob o brilho celestial moribundo, tão brilhantes quanto o farol de Witchaven fora antes de ser desativado e abandonado para apodrecer. Uma única traineira navegava silenciosamente à distância em um mar que cintilava em um dourado brilhante.
Como tantas vezes fazia, Muriel passou a viagem refletindo sobre tempos mais felizes. Piqueniques com Billy, beijos roubados no último banco da igreja, o casamento e a subsequente lua de mel. Eles eram pobres... Ainda era, supunha, então a lua de mel seria a cento e vinte quilômetros dali, na pitoresca cidade de Auchenmullan. Agora, até Auchenmullan havia desaparecido, uma cidade fantasma desaparecendo na obscuridade após a tragédia. Seria ela tudo o que restava, a última página do álbum de recortes, esperando para ser arquivada para as gerações futuras ignorarem?
Parou para recuperar o fôlego, apoiando-se na única perna que não gritava de agonia cada vez que apoiava o peso sobre ela. O mar estava calmo. Teria sido um ótimo dia para pescar se Billy ainda estivesse aqui. Frequentemente, ele a convidava para sair juntos, dizendo que precisava de uma mão amiga no convés, contudo Muriel sempre recusava, devido ao seu profundo medo do mar. Oh, a ironia! Casada com um pescador, vivendo à beira-mar a vida toda... E mesmo assim o oceano a aterrorizava.
Era a grande dicotomia de sua existência. Adorava o mar. Ela o respeitava e admirava, e conseguia até mesmo vadear até os ombros. No entanto estar lá fora em um navio, flutuando indefesa nas ondas, sem saber o que havia lá embaixo? Não, isso era demais. O pensamento lhe causou um arrepio na espinha, o que exacerbou a dor nas costelas. Estremeceu e se afastou da água. Não estava longe de casa agora, onde seus analgésicos, chinelos e cadeira confortável a aguardavam. Deveria chamar um médico? Ah, quando ele chegasse, ela sem dúvida já se sentiria melhor. Não fazia sentido o pobre homem desperdiçar uma viagem, não quando o preço do combustível estava tão alto, ou pelo menos era o que o noticiário continuava dizendo.
A luz do sol poente sobre as ondas diminuiu, atraindo seu olhar para a direita. O haar estava se formando outra vez. Engraçado. Isso costumava ser um fenômeno matinal. Todavia agora, com a aproximação da noite, a neblina cobria o oceano, movendo-se com uma velocidade alarmante. Se não se apressasse, acabaria envolta na neblina.
— Que sorte a minha! — disse, fazendo uma careta enquanto a dor subia pela perna. Apressar-se estava fora de questão, mas se ao menos se movesse um pouco mais rápido...
O mundo se tornou um tom espesso de cinza-ardósia, pequenas gotas de água se formando em seu casaco enquanto o haar a cercava, obscurecendo sua visão. Acenou com as mãos diante do rosto para dissipar a névoa, porém até mesmo as mangas de sua capa de chuva vermelha mal estavam visíveis. Muriel sabia o que fazer. Manter a calma e esperar que a névoa se dissipasse. Não queria se perder e acabar mancando de volta para a Caverna de Rory.
E foi enquanto estava ali, no estranho submundo sem cor do haar, que ouviu uma voz.
Muriel...
— Quem está aí? — ela chamou. Conor Grant, veio terminar o serviço? Não, o sotaque não era americano. — Arthur? É você? Preciso de ajuda. Estou machucada e não consigo enxergar.
Um arrepio a percorreu. O som das ondas havia parado. O vento também se transformou em um sussurro estridente, e então... Nada. Um silêncio sobrenatural reinou. A única coisa que Muriel conseguia ouvir era o arrastar de seus próprios pés na areia e as batidas fortes de seu coração. A neblina se transformou em umidade ao tocá-la, então levantou o capuz enquanto a água pingava pela gola.
À frente, algo brilhava dentro do haar.
Muriel semicerrou os olhos. Seria o mesmo brilho arco-íris que vira flutuando no oceano em sua caminhada até a caverna? Pensou que sim. O brilho se movia em espirais, virando para um lado e depois para o outro, criando padrões nebulosos que dançavam no ar. Era lindo, um caleidoscópio de cores brilhantes que parecia atraí-la para frente.
— O que é isso? — sussurrou.
As luzes refletiam no haar como uma miragem. No entanto, à medida que se aproximava, o brilho ficava mais fraco.
— Espere! — Muriel gritou, não querendo que o espetáculo luminoso terminasse. Algo nele aqueceu sua alma. Ela estendeu a mão para tocar as cores, todavia, tão rápido quanto chegara, a neblina desapareceu, levando consigo as luzes ondulantes. Muriel se viu sozinha, sua casa logo acima das dunas e ao longo da trilha costeira.
Me ajude...
Aquela voz novamente. Muriel olhou ao redor, mas a praia estava deserta.
— Minha mente está me pregando peças.
E ainda assim ouviu um som áspero, um chiado superficial aninhado entre os ruídos distantes dos escavadores e dos trabalhadores. Deu um passo à frente e sua sombra caiu sobre algo. Muriel olhou para os próprios pés, e foi então que viu.
A criatura.
— Meu Deus! — exclamou.
Era diferente de tudo que já tinha visto, uma mancha estranha e amorfa que pulsava como um coração batendo. A princípio, poderia jurar que a pele membranosa era roxa, porém em poucos instantes mudou para o azul-cerúleo mais profundo, depois para um verde tão vibrante quanto as primeiras folhas da primavera. Apesar dos protestos em seus ossos, se ajoelhou para olhar mais de perto.
— O que é você?
A criatura jazia imóvel, caída sobre as rochas como um cobertor molhado. Muriel apontou um dedo nodoso e foi cutucar a criatura.
Seu olho se abriu.
Ela ofegou quando o globo ocular pareceu borbulhar na superfície, um oval gelatinoso e leitoso com uma pupila negra no meio. Ele olhou para ela. Muriel retirou a mão e um tentáculo fino se formou a partir do corpo da criatura, que parecia uma bolha. Ele avançou e se enrolou em seu dedo. Muriel olhou para a gosma viscosa grudada em seu dedo, depois para o olho arregalado da criatura. O olho afundou de volta na carne gelatinosa até restar apenas uma lasca branca, contudo não se soltou.
O braço inteiro de Muriel ficou dormente. Não, dormente não era a palavra certa. Sentiu algo, embora não tivesse certeza do quê. Fechou os olhos enquanto ondas de prazer calmantes pulsavam de seu dedo. Seu coração desacelerou, as batidas rítmicas diminuindo pouco a pouco. Um gemido suave escapou de seus lábios enquanto a dor em suas costelas desaparecia. Num momento estava lá, no outro não, como acordar de um sonho. A sensação de calor percorreu seu corpo, a dor incômoda na perna foi dissipada pelas pulsações curiosas.
De repente, a sensação cessou. Seus olhos se abriram. A criatura a havia soltado, o tentáculo recuando para o lodo. Permaneceu imóvel, as cores maravilhosas desapareceram, as rochas visíveis sob o corpo semitransparente.
Muriel acariciou delicadamente a pele lisa e fria da criatura. Uma pedra particularmente afiada a havia atravessado.
Me ajude...
Ela balançou a cabeça. Estava ouvindo coisas de novo. A criatura a encarou com os olhos semicerrados. Parecia estar morrendo.
— Espere aí! — disse, e se levantou. Não sentiu dor quando o fez, nem dificuldade. Apenas se levantou ereta como se tivesse vinte anos outra vez. Acariciou as costelas e não sentiu nada. Esfregou a perna, e ainda nada. A dor havia desaparecido. Olhou para a criatura patética. Estava tentando se comunicar, tinha certeza disso. Mais cor emanou de sua forma, deixando-a com a aparência de uma bola de praia murcha, tombada sobre as pedras.
— Já volto! — disse Muriel, e se dirigiu para sua casa, no entanto se lembrou então de que havia deixado sua bengala perto da criatura.
Levou um instante para perceber que não precisava mais dela.
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